EXECUÇÃO DA DECISÃO PENAL CONDENATÓRIA
LIQUIDAÇÃO DA PENA DE PRISÃO
EXECUÇÃO SUCESSIVA DE PENAS DE PRISÃO
LIQUIDAÇÃO INICIAL DA PENA NO CASO DE EXECUÇÃO SUCESSIVA DE PENAS DE PRISÃO
Sumário

I - Quando num processo se aplicar pena privativa da liberdade é o Ministério Público do tribunal da condenação que procede à liquidação da pena, indicando as datas calculadas para o seu termo e, nos casos de admissibilidade de liberdade condicional, para efeitos dos artigos 61.º, 62º e 90.º, n.º 1, do Código Penal.
II - Em caso de execução sucessiva de penas de prisão compete ao Ministério Público junto do T.E.P. proceder ao respectivo cômputo, para efeitos de concessão da liberdade condicional.
III - A competência ao Ministério Público junto do T.E.P. para proceder ao cômputo em caso de execução sucessiva de penas não exclui a competência do tribunal da condenação para os efeitos do cômputo inicial da pena aplicada ao condenado.
IV - Eem cada um dos processos em que forem aplicadas penas de prisão autónomas o Ministério Público do tribunal da condenação envia ao T.E.P. e aos serviços prisionais e de reinserção social, no prazo de cinco dias após o trânsito em julgado, cópia da sentença que aplicar pena privativa da liberdade e indica as datas calculadas para o termo da pena e, nos casos de admissibilidade de liberdade condicional, para os efeitos previstos nos artigos 61.º, 62.º e 90.º, n.º 1, do Código Penal.

Texto Integral

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Processo: 542/11.2TXCBR-B

Conflito de Competência

I.
Suscita-se nos presentes autos a resolução de um conflito negativo de competência que opõe os Juízes dos Tribunal de Execução de Penas de Coimbra — J3 e do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Juízo Central Criminal de Coimbra - Juiz 2, respectivamente, porquanto aquele entende que compete ao MP junto do tribunal da condenação proceder à liquidação da pena para os efeitos do art 477º, nº 1 do CPP e este afirma que é da competência do MP junto do TEP o cômputo no cumprimento sucessivo de penas de prisão, mostrando-se a liquidação singular desajustada, desnecessária e inútil.

Os respectivos despachos declarando a incompetência transitaram tendo sido suscitado o conflito negativo de competência.

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II.
Dos autos retiram-se os seguintes elementos, com interesse para a decisão do recurso:

“ - o recluso … está sujeito ao cumprimento, em sucessão, das seguintes penas:

1 - a pena única de três (3) anos e três (3) meses de prisão, resultante de cúmulo jurídico efectuado no Processo n.º 134/09...., da Secção Criminal da Instância Central de Coimbra – J2 [cumulou a pena do processo n.º 240/07....] - cumprida

2 - a pena única de oito (8) anos e seis (6) meses de prisão à ordem do Processo n.º 1101/09...., da Secção Criminal da Instância Central de Coimbra – J2 - cumprida

3 - a pena única de dez (10) anos de prisão à ordem no Processo n.º 4199/17...., do Juízo Central Criminal de Coimbra – J2 – em execução

O recluso encontra-se ininterruptamente preso desde 21.07.2011, tendo nessa data iniciado o cumprimento da pena I.

Observa-se pelo hiato temporal entretanto decorrido, que quer a pena I. quer a pena II. se mostram cumpridas [inexistindo mandados de desligamento/ligamento, vislumbrando-se, porém, a existência em 30.07.2024 da emissão de mandados de desligamento do processo n.º 1101/09.... para ligamento ao processo n.º 134/09....].

De acordo com o cômputo de execução sucessiva de penas formulado nos autos, são relevantes para efeitos de liberdade condicional e para o termo da pena as seguintes datas:

- Privado ininterruptamente da liberdade desde: 21.07.2011 [importando acrescentar 30 dias de ausência ilegítima do recluso – de 07.12.2017 a 06.01.2018, na sequência de licença de curta duração concedida, que posteriormente veio a ser revogada]

- Meio das penas: 05.07.2022

- Dois terços das penas: 20.02.2026

- Cinco sextos das penas: 05.10.2029

- Termo das penas: 21.05.2033”

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III Cumpre decidir:

Determina o n.º1, do artigo 470.º do CPP, que: “A execução corre nos próprios autos perante o presidente do tribunal de 1.ª instância em que o processo tiver corrido, sem prejuízo do disposto no artigo 138.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.”

Conforme resulta do disposto no artigo 477º, nºs 1, 2 e 4, do Código de Processo Penal, quando num processo se aplicar pena privativa da liberdade, o Ministério público procede à respectiva liquidação, (indicando as datas calculadas para o seu termo e, nos casos de admissibilidade de liberdade condicional, para os efeitos previstos nos artigos 61º e 62º e no nº 1 do artigo 90º do Código Penal), sendo tal computo homologado pelo juiz e comunicado ao condenado e ao seu advogado.

Por seu turno, estipula a alínea i) do art. 141.º do CEPMPL que, sem prejuízo de outras disposições legais, em caso de execução sucessiva de penas compete ao representante do Ministério Público junto do tribunal de execução das penas proceder ao respectivo cômputo, para efeitos de concessão da liberdade condicional, o que já foi efectuado nos autos pendentes no TEP – v. fls. 2 destes autos

A questão tem dividido a jurisprudência, pugnando uma das teses pela aplicação de ambas as normas supra referidas e outra pela eliminação da liquidação inicial (art 477º do CPP), no caso de execução sucessiva de penas de prisão, o que sucede quando não há lugar à realização de cúmulo jurídico, por as penas aplicadas ao arguido em diferentes processos não estarem em situação de concurso. 

Embora em determinados casos concretos das penas de execução sucessiva se mostre aparentemente inútil a liquidação inicial para efeitos de apreciação conjunta da liberdade condicional, já que do cômputo do somatório daquelas resultará a inoperância da dita liquidação inicial para tais efeitos, o certo é que tratando-se de actuações jurídicas deferidas a tribunais diferentes, impostas em momentos distintos, com obrigações diversas, a competência ao Ministério Público junto do TEP fixada na i) do art. 141.º do CEPMPL não exclui a competência do Tribunal da condenação, nomeadamente do representante do Ministério Público e do juiz do processo para os efeitos prevenidos no art. 477.º do CPP, ou seja, o computo inicial da pena aplicada ao condenado nesse processo e o cumprimento das demais obrigações legais decorrente de tal preceito.

Assim, cada um dos processos em que foram aplicadas as penas de prisão autónomas continua adstrito ao cumprimento do disposto no art 477º, do CPP:

- O Ministério Público envia ao Tribunal de Execução das Penas e aos serviços prisionais e de reinserção social, no prazo de cinco dias após o trânsito em julgado, cópia da sentença que aplicar pena privativa da liberdade.

- O Ministério Público indica as datas calculadas para o termo da pena e, nos casos de admissibilidade de liberdade condicional, para os efeitos previstos nos artigos 61.º e 62.º e no n.º 1 do artigo 90.º do Código Penal.

Foi esta a opção do legislador que não afastou a aplicação do norma do art 477º do CPP  no caso de execução sucessiva de penas.

Neste sentido a decisão do tribunal de Évora de 28 de Janeiro de 2014, proferida pelo Des Fernando Ribeiro Cardoso (Juiz Presidente da Secção Criminal)  ao entender que  “Esta livre escolha do legislador tem razão de ser, na medida em que o arguido está adstrito a um processo devendo ser o juiz titular a decidir sobre o cômputo da pena de prisão para efeitos da sua execução.”

Defende a referida decisão, a que aderimos pelos fundamentos invocados, que “… a melhor interpretação do art. 477.º do CPP, cujos n.ºs 2 e 4 foram alterados pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro (que aprovou o referido Código de Execução de Penas), em conjugação com o art. 35.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, que revogou a Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro, esta com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 195-A/2010, de 8 de Abril, levam-nos a concluir que mesmo em casos de cumprimento sucessivo de penas de compete ao MP junto do tribunal da condenação efectuar o cômputo da pena aí aplicada e ao juiz do processo a homologação dessa contagem.”

Ainda do mesmo autor Des Fernando Ribeiro Cardoso (Juiz Presidente da Secção), na decisão proferida a 12 de Julho de 2019, destacamos os seguintes fundamentos, a que aderimos:

“Em bom rigor, a competência atribuída ao representante do Ministério Público junto do TEP pela al. i) do artigo 141.º do CEPMPL de “Em caso de execução sucessiva de penas, proceder ao respetivo cômputo, para efeitos de concessão de liberdade condicional”, reporta-se tão só ao cômputo do somatório das penas de execução sucessiva para efeitos de apreciação conjunta da liberdade condicional (cf. artigo 63.º do CP) [[4]] e não exclui a competência do Tribunal da condenação, nomeadamente do representante do Ministério Público e do juiz do processo para os efeitos prevenidos no artigo 477.º do CPP, ou seja, o computo inicial da pena aplicada ao condenado nesse processo (incluindo, se for caso disso, a sua modificação por via da realização de cúmulo jurídico) e o cumprimento das demais obrigações decorrentes de tal preceito, pois é o tribunal da condenação que dispõe dos elementos necessários a essa liquidação, ou que pelos mesmos deve diligenciar, tendo presente eventuais descontos no cumprimento da pena, prevenidos nos artigos 80.º a 82.º do Código Penal.

Como sustenta o Digno Magistrado do Ministério Público, junto do TEP “ A liquidação da pena autónoma de prisão, da competência do tribunal da condenação, regulada nos artigos 477.º e 479.º, do CPP, e o cômputo da execução sucessiva de penas – cuja competência está expressamente atribuída ao Ministério Público junto do TEP e, por decorrência disso, resulta inequivocamente atribuída ao TEP a competência para homologar tal operação (cfr. Art. 141.º, al. i) do CEPMPL) – são operações inconfundíveis, com objecto e funções distintas, consistindo a primeira no poder e responsabilidade de definir o horizonte temporal do cumprimento da pena autónoma de prisão e de determinar os marcos temporais relevantes para apreciação dos pressupostos da liberdade condicional e a segunda no poder e responsabilidade de determinar o horizonte temporal da execução dum somatório de penas de execução sucessiva e os marcos temporais da apreciação simultânea e conjunta dos pressupostos da liberdade condicional relativamente a todas.

A tese da atribuição ao TEP da competência para a liquidação de penas autónomas de prisão, esteja-se ou não perante situação de execução sucessiva de penas, não se conforma com os critérios da hermenêutica estabelecidos no art. 9.º, n.ºs 1, 2 e 3 do Cód. Civil, posto que não tem apoio ou correspondência mínima nos textos legais, desconsidera que o legislador expressamente lhe atribuiu tal competência em situações específicas, previstas nos arts. 141.º, als. h) e j)[[6]] 185.º, n.º 8 e 194.º, n.º 5 do CEPMPL [[7]] – o que seria desnecessário e redundante se a mencionada tese pudesse ter suporte no disposto no art. 138.º, n.º2, daquele diploma legal – e que se tivesse querido atribuir essa competência ao TEP com a amplitude mencionada lhe teria sido fácil adoptar a formulação adequada.”

No mesmo sentido Ac Rel Lisboa, de 15 de Janeiro de 2020, relator Des Trigo Mesquita e demais arestos aí ciados e onde se assinala a confusão entre “duas figuras jurídicas distintas - liquidação de pena e cômputo das penas de execução sucessiva — com regimes distintos.”, defendendo que “No caso de execução sucessiva de penas, deve necessariamente ser elaborado, além da liquidação de cada pena, o cômputo das penas. Pretendendo-se calcular os momentos em que o arguido deverá ver apreciada a concessão de liberdade condicional.” - cfr ainda Ac Rel Lisboa, 04-01-2021.

Concluímos, pois, sem necessidade de mais considerandos, que assiste razão ao Tribunal de Execução de Penas de Coimbra.

A competência para proceder à contagem da pena de prisão (liquidação) para os efeitos prevenidos no artigo 477.º do CPP, decorrente da condenação, há-de ser efectuada pelo Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Juízo Central Criminal de Coimbra - Juiz 2 e homologada pelo Juiz titular do processo em que teve lugar a condenação.

Decide-se, por isso, dirimir o conflito negativo atribuindo a competência ao Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Juízo Central Criminal de Coimbra - Juiz 2 para proceder à liquidação e homologação da pena de prisão aplicada no Processo n.º 4199/17.....

Sem tributação.

Cumpra-se o n.º 3, do artigo 36.º do CPP.

 (Texto elaborado e integralmente revisto pela signatária).

Coimbra, 19-12-2024

Isabel Valongo [presidente da 5.ª secção criminal]