LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
DOLO
NEGLIGÊNCIA
DIREITO DE DEFESA
FUNDAMENTOS
USO ANORMAL DO PROCESSO
Sumário


I - A litigância de má-fé configura um tipo especial de ilícito civil em que uma parte, com dolo ou negligência grave, age processualmente de forma inequivocamente reprovável, violando deveres de legalidade, boa-fé, probidade, lealdade e cooperação, suscetíveis de causar prejuízo à parte contrária e obstar à realização da justiça.
II - A lei processual castiga a litigância de má fé, independentemente do resultado.
III - Para que a parte incorra em litigância de má fé é necessário que altere a verdade dos factos essenciais ou relevantes para a decisão da causa.
IV - A mesma deve ser apreciada tendo em vista uma não limitação do direito de defesa do particular, pelo que, a condenação com tal fundamento só deve ter lugar em casos de chocante e grosseiro uso dos meios processuais.

Texto Integral


P. 2311/22.5T8VNG.P2-A.S1

Acordam na 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça

I – Relatório

I.1. Em 22-03-2022 J..., Lda.”, intentou ação declarativa de condenação contra “JANOTA PIRÂMIDE, LDA”, pedindo:

a) Seja a Ré condenada a pagar ao autor a quantia de € 14.000,00 a título de remuneração relativa ao contrato de mediação imobiliária objeto da presente ação;

b) Seja a Ré Condenada a pagar ao Autor a quantia de € 429,97 a título de juros, liquidados nos termos dos artigos 19º e 20º da p.i.;

c) Seja a Ré, condenada pagar os juros vincendos até ao pagamento integral da quantia que deve ao Autor;

d) Sejam os Réus Condenados a pagar os honorários ao Advogado do Autor nos termos legais, mormente atento o disposto no artigo 533º do Código de Processo Civil, como custas de parte, bem como as respetivas custas.

Invocou, para o efeito e em suma, que:

- no âmbito da atividade a que se dedica, em 19-10-2021 celebrou com a Ré um contrato de mediação imobiliária para angariação de interessado com vista à venda pela Ré de fração autónoma/prédio destinado a habitação, de que esta era proprietária e legítima possuidora;

- nos termos do referido contrato escrito, a remuneração – apenas devida se a mediadora conseguisse interessado que concretizasse o negócio - seria de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio seria efetivamente concretizado, acrescido de IVA à taxa legal de 23%;

- a Autora angariou o cliente e, em 21-10-2021, foi celebrado o respetivo contrato promessa;

- notificada para o efeito a Ré recusa-se a pagar, alegando ter acordado o pagamento de apenas 5.000 euros;

- a Ré dedica-se à construção de imóveis e sabe que a prática de todas as imobiliárias é fazer-se pagar por uma percentagem do valor do negócio;

- a venda do imóvel foi feita pelo valor de € 280.000,00;

Juntou aos autos o contrato de mediação mobiliária e o contrato promessa de compra e venda do bem imóvel supra aludido.

I.2. A Ré veio contestar em 05-05-2022, por impugnação, alegando que:

- a Autora combinou com a Ré receber desta € 5.000,00 euros de comissão imobiliária a ser paga quando fosse realizada a escritura de compra e venda do imóvel;

- a Autora assinalou com “X” a cláusula do contrato que estabelece uma percentagem, quando a mesma não foi alvo de negociação;

- a Ré jamais celebraria um contrato como o celebrado com a Autora de mediação imobiliária com aquele conteúdo (5% de percentagem), pelo que só por erro ou equívoco tal pode acontecer;

- se do erro se tivesse apercebido, não teria celebrado o negócio;

- sendo o preço da comissão apenas devido quando celebrada a escritura pública, o que ainda não aconteceu.

Assim, os artºs 19º e 20º da contestação:

“19.º - A Autora exige receber no imediato a comissão imobiliária quando o negócio ainda não foi concluído, sendo apenas concluído quando for celebrada a escritura pública.

20.º - Não podendo ter nada a receber antes da celebração da escritura pública do imóvel, não fazendo qualquer sentido esta ação judicial.”

Pugnando, pela sua absolvição.

I.3. Em audiência de 10-10-2022 o tribunal, dispensando a produção de prova, veio a proferir sentença absolvendo a Ré do pedido, com fundamento em que, pelo teor dos articulados e prova documental, ficou demonstrado que a remuneração, fosse ela qual fosse, só seria devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação, neste caso, a celebração do contrato de compra e venda definitivo, não alegado nem comprovado.

I.4. A Autora apresentou recurso de apelação, pugnando pela nulidade da sentença, por não lhe ter sido oportunidade de produzir prova sobre os factos.

I.5. Em contra-alegações a Ré/recorrida pugnou pela sua manutenção.

I.6. Em 13-03-2023 por acórdão do Tribunal da Relação do Porto foi deliberado revogar a sentença proferida, ordenando-se o prosseguimento dos autos “convidando o Mm.º Juiz de 1.ª instância a A., a vir alegar qual o momento acordado entre as partes para o pagamento da remuneração inerente ao contrato de mediação”.

I.7. Cumprida tal deliberação veio a Ré, por requerimento de 07-06-2023 informar que “o momento acordado entre as partes para o pagamento da remuneração inerente ao contrato de mediação aconteceria quando fosse realizada a escritura da moradia pelo preço de € 280.000,00 euros, o que não aconteceu”.

I.8. Designada data para a audiência de julgamento (04-01-2024) veio esta a ser realizada com produção de prova documental, testemunhal e declarações de parte, tendo na mesma a Autora requerido a condenação da Ré por litigância de má fé e a Ré prazo para responder (requerimento gravado e apenas assinalado em ata).

I.9. Em 13-01-2024 a Ré respondeu ao pedido da sua condenação por litigância de má fé, imputando à Autora tal prática, alegando agora que:

- o Autor sabia e sabe que o negócio só seria concretizado quando fosse realizada a escritura pública da moradia pelo preço de € 280.000,00 euros, o que não aconteceu.

- o que aconteceu é que foi realizada a escritura pública do lote e pelo preço de € 30.000,00 euros e não a escritura pública da moradia pelo valor de € 280.000,00 euros, que era o contratualizado.

- e quando a Ré, no ponto 19.º e 20.º da Contestação afirma que o negócio ainda não tinha sido concluído, não podendo receber antes da escritura pública, estava a referir-se, como é óbvio, ao contrato de promessa realizado (e que não foi concluído) e que teve a intervenção do Autor, que era a venda da moradia pelo preço de € 280.000,00 euros.

- de facto, houve a realização de uma escritura do lote, não tendo sido possível ainda realizar a escritura pública da moradia pelas dificuldades financeiras dos compradores em obter o financiamento bancário.

- e o contrato assinado entre as partes (de mediação imobiliária) refere que apenas era devido a comissão de 5% + IVA quando fosse realizado o contrato prometido, ou seja, a escritura da moradia pelo preço de € 280.000,00 euros, não podendo a Ré pagar por um serviço que não concretizou.

- não havendo qualquer litigância de má fé ou abuso de direito da Ré, pois o Autor é que pretendeu receber a comissão quando não era devida (na celebração do contrato de promessa) e, após isso, deslumbrando que por essa via não iria obter nada (mas foi a petição inicial com o pedido e a causa de pedir elaborada), tentou a todo o custo pela via da realização do contrato definitivo (tendo consciência que nunca foi essa a motivação da PI), obter algum valor que sabe não ter direito, pois não houve a realização do contrato definitivo da venda da moradia pelo preço de € 280.000,00 euros, mas apenas a venda do lote por € 30.000,00 euros.

I.10. Foi então proferida sentença que tendo considerado que:

- à data do contrato de mediação imobiliária celebrado entre A. e Ré a fração autónoma nele contemplado ainda não estava construída;

- o que justificou a celebração ulterior de um contrato promessa de compra futura com o outorgante comprador;

- tendo sido vendido apenas o terreno (18/02/2022) e não o terreno mais a fração nele implantada;

- donde, o negócio concretizou-se numa extensão menor do que extensão que era projetada no contrato de mediação imobiliária (e no próprio contrato promessa). Sendo que, a venda do próprio prédio, com ou sem a casa (fração) nele implantada, fazia logo parte do contrato de mediação imobiliária celebrado;

- a A. tem, portanto, direito à remuneração contratada;

- sendo inequívoco que a quantia da remuneração seria devida “sobre o preço pelo qual o negócio é efetivamente concretizado”;

- que no caso foi de €30.010,00;

- sendo, por isso, a Ré devedora, a título de remuneração devida pela escritura de 18/02/2022, do valor de valor de €1500,00 (mil e quinhentos euros), valor acrescido de IVA à taxa de 23%, o que totaliza €1845,00, a que acrescem juros moratórios.

E quanto à litigância de má fé, ponderou:

- embora a R. tenha afirmado, na contestação, “que o negócio objeto do contrato de mediação não se tinha concretizado quando, naquele momento da apresentação da contestação, até já tinha vendido o imóvel”, tal não justifica não existe motivo para que seja efetuado qualquer juízo de censura especialmente acrescido sobre a conduta da Ré.

I.11. Decidiu então a 1ª instância julgar a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e:

a) condenar a Ré no pagamento à A. da quantia de €1.845,00, a título de remuneração decorrente contrato de mediação mobiliária celebrado entre ambas em 19/10/2021;

b) condenar a Ré a pagar à A. a quantia de €11,32 (onze euros e trinta e dois cêntimos), a título de juros moratórios, computados à taxa anual aplicável aos juros comerciais, nos termos do artº 102.º, § 3, do Código Comercial, contabilizados sobre o valor de €1845,00, desde 18/02/2022 a 23/02/2022;

c) bem como no pagamento dos juros moratórios, vencidos desde 23/02/2022 e vincendos, juros computados sobre o valor de €1845,00, contabilizados às taxas aplicáveis aos juros comerciais, nos termos artº 102.º, § 3, do Código Comercial e artº 1º, alªs a) e b), da Portaria n.º 277/2013;

d) absolver a Ré do restante pedido.

I.12. Inconformada a Autora recorreu para a Relação, centrando a sua discordância em três questões assim apreciadas no acórdão que conheceu do recurso:

a - da reapreciação da matéria de facto;

b – da obrigação da Ré de pagamento à Autora da remuneração da mediação;

c – da litigância de má-fé da Ré.

I.13. Estando o presente recurso de Revista limitado no seu objeto, ao conhecimento da litigância de má fé, importa conhecer apenas das conclusões das alegações que com tal matéria se relacione.

Assim, concluiu a Autora/apelante que:

I) O Autor aqui Recorrente, recorreu ao tribunal “A QUO” como único instrumento para a salvaguarda dos seus direitos, liberdades e garantias, porquanto: o ali Réu nega-se a honrar com a parte que lhe cabe: o pagamento acordado como contraprestação do trabalho prestado a título de Mediação;

II) A Ora Recorrente é uma sociedade comercial que tem como objeto social a angariação e venda de imóveis;

III) A Recorrida é uma sociedade que se dedica à construção civil;

IV) O ora Recorrente levou a efeito a parte que lhe cabia (a angariação de clientela), como o próprio tribunal A Quo dá como assente;

(…)

VIII) A empresa Ré, ora aqui recorrida, por sua vez, não faz prova, porque assim o entendeu fazer, de que, de facto, a vontade que o ali Gerente da empresa com a sua assinatura nos contratos juntos como DOC.1 e DOC.2 na Petição Inicial, corresponde ou não há vontade que a empresa pretenderia demonstrar. Sendo certo que, é o próprio Procurador da empresa Recorrida que afirma que, no dia 19/10/2021 não pagou os 5% , porque o acordado, na sua visão tinha sido cinco mil euros.

(…)

XV) O tribunal A Quo, sabe, assim, que em comunhão de esforços, bastante censurável diga-se, a Ré aqui Recorrida e os angariados AA e BB , alteraram o negócio por forma a que ambos pudessem beneficiar com o mesmo, prejudicando o Autor ora aqui Recorrente.

(…)

XXVI) Para aquilatar da Má-fé, o tribunal A QUO nem sequer releva que apenas neste momento em sede de declarações do alegado Procurador da empresa, o Recorrente e o próprio tribunal têm conhecimento da venda do imóvel, porque tal sempre foi omitido pelo Recorrido: “… sim existe uma escritura….”;

XXVII) O tribunal A QUO não releva sequer que os cinco mil euros que o Recorrido, pelo seu alegado Procurador, sempre defendeu ser o valor que combinaram, teriam de ser pagos, na visão do Recorrido com a escritura:

(…)

XXVIII) O Tribunal A QUO, nem sequer releva para efeitos de Má-Fé que o ora Recorrido fez mencionar na escritura, que por notificação do tribunal foi ordenado juntar aos autos, que a venda não foi sujeita a mediação mobiliária.

“…Nessa venda não houve intervenção da mobiliária..” afirma o apodado Procurador da empresa, por esta feito apresentar em tribunal;

(…)

XXXIII) O Gerente da Ré, ora Recorrida, é o Senhor CC, que teve participação direta nos contratos supra mencionados, tendo-os assinado;

XXXIV) O Gerente da Ré não foi sequer arrolado pela Ré ora aqui recorrida e tampouco pela Autora ora Recorrente;

XXXV) A vontade declarada em ambos os documentos, foi, contudo, asseverada pela assinatura daquele Gerente em ambos os documentos e sob carimbo da empresa;

XXXVI) E essa vontade declarada, diga-se, corresponde à mediação da venda de um imóvel nos termos elencados nos documentos ora em prejuízo e não impugnados e na vontade declarada no respetivo contrato promessa de compra e venda de bem futuro, ambos assinados no mesmo dia, apesar de terem datas diferentes neles apostas, conforme o afirmou o representante legal da empresa que se apresentou a tribunal Senhor DD, com procuração com poderes para o efeito que aquela fez apresentar em tribunal,

XXXVII) Presume-se, assim, que a vontade que o ali Gerente da empresa com a sua assinatura nos contratos juntos como DOC.1 e DOC.2 na Petição Inicial, corresponde à vontade;

XXXVIII) A impugnação desta presunção no que respeita ao ónus probatório não cabe ao Autor Recorrente, pelo que, não tendo sido impugnada a assinatura do Gerente nos contratos supramencionados, não pode a mera prova testemunhal produzida por um terceiro inquinar a vontade ali declarada e não impugnada pela Ré ora Recorrida.

XXXIX) Ficamos assim a saber que o Recorrido vendeu aos angariados pelo ora Recorrente o imóvel, mais ficamos a saber, que o Recorrido acordou com os angariados fazer a moradia para estes através de um contrato de empreitada;

XL) Mais foi afirmado que, caso assim não fosse o terreno voltaria para o recorrido, devolvia o dinheiro, faria uma casa e vendia-a!

XLI) O Tribunal A QUO deu como provado que o negócio prometido (compra e venda de um terreno, com uma casa construída) era diferente do negócio concretizado (apenas um terreno e depois um contrato de empreitada, à parte) e que portanto o negócio indicado no contrato de mediação não se tinha concretizado.

XLII) Mais afirma o tribunal A QUO que o ora Recorrente tem direito à remuneração pelo negócio efetivamente concretizado, venda por € 30.000,00. Não tem direito à remuneração por um negócio que não se concretizou nos termos inicialmente gizados (venda por € 280.000,00) ;

XLIII) O Tribunal A QUO, não releva que é o próprio Representante legal da Ré e o próprio tribunal A QUO que afirmam que “…venderam por 30 mil e depois há um contrato de empreitada….da construção da casa..”

XLIV) Em suma, o negócio ficou irremediavelmente prejudicado, havendo uma impossibilidade definitiva de o mesmo se vir a realizar pelo simples motivo de o Recorrido e os angariados pela mediadora ora aqui Recorrente, terem, entre si, à revelia desta, combinado alterar o contratado previamente acordado beneficiando-se mutuamente e prejudicando a empresa mediadora, ora aqui Recorrente;

(…)

XLIX) O Tribunal A QUO ficou assim a saber que o Réu ora aqui Recorrido e os angariados pela Autora, entre o dois combinaram alterar o negócio, afastando o ora aqui Recorrente do mesmo, não tendo sequer na escritura que fizeram feito ali consignar que o negócio tinha sido feito pela prévia angariação da empresa ora aqui Recorrente manifestando, assim, de forma bem clara a forma dolosa com que agiram e acima de tudo a manifesta falta de carácter negocial que nos indigna;

(…)

LIV) É a Ré, Recorrida, que vem confirmar ter alterado o negócio com os angariados da Recorrente;

LV) Só por diligência da Recorrente e por ofício do Tribunal a ora Recorrida se dignou a juntar aos autos a escritura da venda do terreno;

(…)

LXII) O Autor, ora Recorrente, neste processo, desde o início, lutou contra todas as vicissitudes e apegou-se aos diversos instrumentos jurídicos que o legislador lhe permite;

LXIII) Em suma, o negócio gizado, palavra usada pelo Ilustre Juiz do Tribunal A QUO, não é concretizado, porque a Recorrida, em conluio com os angariados pelo Recorrente , com a arte e engenho que ora censuramos, entre si optaram por alterar, retirando “tout court” o ora Recorrente do negócio para seu próprio benefício e em prejuízo deste.

(…)

LXIX) A Ré, ora aqui recorrida, através das declarações de parte do representante legal da empresa, vem afirmar que venderam o terreno pelo valor de € 30.000,00, apenas e após o Autor o ter Requerido e o Tribunal o ter deferido, o que se deverá ter em conta para efeitos de Má-fé;

LXX) Por força do disposto no artigo 411º do CPC cabe também a este tribunal avaliar o grau de pertinência e relevância da junção, acautelando o que quer a doutrina, quer a jurisprudência nacional e inclusivamente a do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem assume como princípio norteador e que é: a admissão dos meios de prova úteis.

LXXI) A Ré, ora aqui Recorrida, a nada se dignou e num comportamento a todo os títulos censuráveis não contribuindo para a descoberta da verdade material e apenas e tão somente após requerimento levado a efeito pelo Autor, deferido desta vez pelo tribunal A QUO, se dignou a juntar aos autos a escritura de compra e venda do imóvel, já após acórdão dessa relação quanto à primeira sentença do tribunal A QUO e, enfoca-se, após o Tribunal lhe ter dado prazo para tal.

LXXII) Tribunal A QUO tem à sua disposição a prova necessária para, sem qualquer dúvidas, concluir de maneira diferente.

(…)

LXXXVIII) Para aferir da Má-fé, o Senhor Juiz do Tribunal A QUO, não releva que a ação deu entrada no dia 22/03/2022

A Ré, ora Recorrida, contestou no dia 05/05/2022;

O Autor, ora aqui Recorrente juntou 3 documentos na sua Petição Inicial:, a saber:

Como Doc. 1, o Contrato de Mediação Imobiliária, ora em prejuízo, com data de 19 de Outubro de 2021;

Como Doc. 2, o Contrato Promessa; de Compra e Venda de Bem Futuro, com data de 21 de Outubro de 2021;

Como Doc.3, um email,

O registo de aquisição do imóvel apresentado na conservatória pela AP ...18, tem a data de 2022/02/21.

LXXXIX) Em sede de audiência de discussão e julgamento, após o prévio acórdão dessa Relação do Porto ter ordenado a remessa dos autos à 1ª Instância para julgamento, foi requerido pelo ali Autor ora Recorrente, e deferido pelo Senhor Juiz do tribunal A QUO, a junção aos autos da Certidão da Conservatória do Registo Predial, relativa ao imóvel objeto do negócio;

XC) O Senhor Juiz do Tribunal A QUO, para aferir da Má-fé, não releva que A Ré, ora Recorrida, à data da entrada da Petição Inicial, 22/03/2022, já tinha levado a efeito o contrato definitivo (2022/02/21 09:31:30 UTC, conforme supra se explanou) que entendeu por bem “gizar” ( frase utilizada pelo Senhor Juiz do Tribunal A QUO) com os angariados pela ora Recorrente, mas sem o conhecimento desta , conforme o próprio tribunal A QUO o afirma;

XCI) Ousadamente e censuravelmente, porque consciente o foi, veio a ora Recorrida afirmar ao tribunal A QUO, em sede de Contestação apresentada no dia 05/05/2022, que o contrato definitivo ainda não tinha sido realizado pelo que a ação intentada pelo ora Recorrente teria de sucumbir.

XCII) O Recorrido, nega assim que o contrato definitivo teria sido levado a efeito, embora gizado de outra forma e sem a intervenção da mediadora e impugnou de forma censurável toda a P.I., factos estes que nega reiteradamente nos seus artigos: 16º, 17º, 18º, 19º, 20º e 21º da contestação;

XCIII) Nos seus artigos 16º , 19º, 20º e 21º da sua Contestação, a ora aqui Recorrida afirma:

“16º Tentando a Autora, de forma reprovável, obter da Ré um valor não acordado previamente (5% de comissão) e pretendendo exigir o pagamento logo após a celebração do contrato promessa do imóvel, quando sabe que não é isso que negociou com a Ré e não é isso que foi contratualizado.”

19º A Autora exige receber de imediato a comissão quando o negócio ainda não foi concluído, sendo apenas concluído quando for celebrada a escritura pública”

20º Não podendo ter nada a receber antes da celebração da escritura pública do imóvel , não fazendo qualquer sentido esta ação judicial”

21º A Lei n.º 15/2003 no seu artigo 19º refere que só existe direito à remuneração se o contrato final de compra e venda vier a ser celebrado, condição para a celebração do contrato de mediação imobiliária celebrado entre a Autora e a Ré, pois ainda não foi realizada a escritura publica do imóvel”

Tendo tido a ousadia de nas contra-alegações do primeiro recurso para esse Venerando Tribunal da Relação do Porto vir afirmar:

“Ora bem, a Recorrente na petição inicial deduz um pedido de condenação da Recorrida na quantia de € 14.000,00 euros, a título de remuneração relativa ao contrato de mediação imobiliária, sem nunca alegar que o contrato definitivo se tinha realizado. Na verdade, mesmo que se provassem todos os factos, óbvio que a ação estava condenada ao fracasso”.

XCIV) É manifesto que o contrato definitivo foi feito, em suma: a passagem do imóvel para a esfera dos angariados pela empresa mediadora ora aqui Recorrente.

XCV) Manifesto o é também, que a ora Recorrida não informou o ora Recorrente de tal transação e nem sequer, atento o dever de colaboração para com o tribunal, tem tal postura perante este, afirmando sempre que o contrato definitivo não tinha sido realizado.

XCVI) O contrato definitivo foi realizado, em suma o terreno passou: para a esfera jurídica dos angariados embora “gizado” em moldes diferentes conforme o tribunal A QUO o afirma;

XCVII) O Recorrido afirmou reiteradamente perante o tribunal A QUO e inclusivamente para esse Tribunal da Relação, que a escritura definitiva não tinha sido feita e que o pagamento só ocorreria com a realização desta escritura, dando assim a entender que o contrato delineado ainda estaria a correr;

XCVIII) O recorrido, deveria isso sim, porque tal dever de verdade e de colaboração com o tribunal lhe assistia, informar que o negócio acordado por força da alteração em conluio com os angariados foi alterado nos termos em que o entenderam fazer, retirando o ora Recorrente do mesmo e nem sequer se dignado a informar o mesmo das alterações contratuais, conforme estava obrigado e o próprio tribunal A QUO o confirma;

XCIX) Manifesto resulta a forma censurável com que a Recorrida litiga. Contudo na visão do Senhor Juiz do Tribunal A QUO, trata-se, tão-somente de uma posição eventualmente de interpretação diferente da parte;

C) Dando a entender que a Recorrida não agiu consciente de forma manifestamente reprovável com vista a entorpecer a ação da justiça;

CI) O Tribunal A QUO não releva para efeitos da Má-Fé, que a Recorrida nega, conforme se disse, reiteradamente nos seus artigos: 16º, 17º, 18º, 19º, 20º e 21º da contestação, que o negócio definitivo tivesse tido lugar, assim como não se dignou sequer informar os autos da alteração que fez ao negócio e que “gizou” com os angariados da ora aqui Recorrente.

CII) O direito de litigar em juízo, deve ser exercido dentro de determinados limites circunscritos por deveres de conduta, em particular os deveres de cooperação, boa-fé processual e correção (cf. artigos 7º, 8º e 9º do CPC - anteriormente artigos 266º, 266º-A e 266º-B).

CIII) Todos estes elementares e nobres princípios foram ignorados pela Recorrida que temerariamente foi negando os factos até ser confrontado com a documentação pertinente

CIV) Estabelece o artigo 334º do Código Civil que é “ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito”.

CV) Exige-se, pois, para que se verifique uma situação de abuso de direito, que seja manifesto o excesso, só podendo os Tribunais fiscalizar a moralidade dos atos praticados no exercício de direitos ou a sua conformidade às razões sociais ou económicas que os legitimam se houver manifesto abuso (cf. o Ac. da RE de 13.12.2011, in www.dgsi.pt).

CVI) Há, assim, abuso de direito se alguém exercer o direito em contradição com uma sua conduta anterior em que fundadamente a outra parte tenha confiado – é a proibição do «venire contra factum proprium», o que é, diga-se, manifestamente o caso dos presentes autos.

CVII) Afigura-se inadmissível a atitude do recorrido, porquanto provocou uma determinada situação de facto para depois, quando melhor lhes conviesse, a vir alterar.

CVIII) Dispõe o artigo 542º, n.º 1 do Código de Processo Civil que: tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária se esta a pedir.

CIX) O artigo 542º do CPC, no seu nº 2, estatui: “Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: A) - tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; C) - tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; D) - tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”

CX) A sanção para tal conduta está, como se referiu, prevista no nº 1 – multa e indemnização à parte contrária (a determinar de acordo com o disposto no artigo 457º do mesmo Código).

CXI) A má- fé processual, por sua vez, não exige que a parte atue com dolo, basta que atue com negligência grave ou grosseira.

CXII) A sanção por má-fé pode ser imposta à parte que atue dolosamente como aquela que se comporta com negligência grave ou grosseira, desrespeitando, desse modo os seus deveres processuais de verdade, lealdade e cooperação.

CXIII) Na sua atuação no processo estão as partes vinculadas aos deveres de probidade e cooperação, agir de boa fé e cooperar para se obter, com brevidade e eficácia a justa composição do litígio (arts. 266º e 266º-A do C.P.C.).

CXIV) O Recorrido atua também com Má-Fé (material) porquanto , com dolo, conscientemente, procura convencer o tribunal de um facto ou pretensão, distorcendo e deturpando a realidade de si conhecida, omitindo, inclusivamente, factos relevantes, também por si conhecidos, para a decisão (violando conscientemente o dever de verdade), pelo que faz, assim, um inequívoco uso manifestamente reprovável (má fé instrumental) do processo, entorpecendo, desta forma, a ação da justiça.

CXV) Pelo que deve o Recorrido ser condenado em multa e indemnização nos termos gerais.

I.16. A recorrida contra-alegou, concluindo que “Não houve qualquer má-fé da recorrida, porque o negócio prometido e contratualizado entre a recorrente e a recorrida efetivamente não se realizou e não existiu nenhum conluio entre a recorrida e os compradores.”

1.17. Na apreciação da apelação e no respeitante à particular questão da litigância de má fé, o Tribunal da Relação do Porto em acórdão de 07-10-2024, ponderando que:

- na concreta situação que nos ocupa a R. contestou em 5-5-2022.

- alegou, além do mais, que o contrato definitivo não tinha sido outorgado pelo que a ação teria de improceder.

- foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e na sequência de acórdão por força do qual os autos vieram a prosseguir, em sede de audiência de discussão e julgamento, foi deferida a junção pela A. da certidão da Conservatória do Registo Predial.

- a celebração do contrato de compra e venda, fosse nos moldes do contrato-promessa, fosse em quaisquer noutros, constituía facto determinante para a discussão da causa. Bem ciente de tal facto, a R. não só ocultou que o contrato tivesse sido celebrado, como negou a sua celebração, que ocorreu em 18-2-2022 ao prédio em prometido vender. Remeteu-se à negação e ao silêncio relativamente a factos de que tinha conhecimento e que eram determinantes para a decisão, procurando impedir que a contraparte deles tivesse conhecimento e que deles o tribunal pudesse extrair ilações. Em suma, buscou daí retirar vantagens independentemente da sua razão.

- Alterou, assim, a verdade dos factos e omitiu factos relevantes para a discussão da causa, praticando omissão grave do dever de cooperação.

- Deve, por isso, ser condenada enquanto litigante de má-fé.

1.18. Deliberou:

- Ponderando a gravosidade da conduta descrita, a reiteração no tempo da negação e ocultação, já que a R. dispôs de ampla oportunidade para vir dar conta de que a compra e venda se tinha verificado previamente à propositura da ação, dos moldes da mesma e do que ocorreu relativamente à construção da moradia, condena-se a mesma no pagamento de multa equivalente a 10 unidades de conta e no pagamento dos honorários do mandatário da A..

I.19. Inconformada com tal deliberação veio a Ré/apelada recorrer de Revista, tendo a mesma sido admitida apenas no segmento respeitante à condenação por litigância de má fé.

Tendo concluído as respetivas alegações de recurso do seguinte modo:

2 – O juiz do tribunal de 1.º instância não levantou sequer a possibilidade de haver litigância de qualquer das partes, o que existiu foram diferentes interpretações sobre o que foi acordado e diferentes interpretações sobre os contratos (CPCV e de mediação imobiliária) que ambos assinaram e sobre a escritura que foi realizada (lote de terreno).

3- Não existiu nenhuma escritura pública nos termos acordados e assinados entre as partes: escritura de lote e moradia pelo preço de € 280.000,00 euros.

4- O que existiu foi uma escritura pública do lote do terreno pelo valor de € 30.000,00 euros, que não era o que tinha sido acordado e assinado entre as partes e aconteceu derivado de os compradores não terem obtido financiamento bancário.

5- A recorrente não alterou nenhuma verdade dos factos, pelo contrário, revelou a verdade dos factos.

6- Não estão preenchidos os pressupostos do artigo 542.º e 543.º do CPC, não tendo existido qualquer comportamento doloso ou negligente grave da recorrente, não deve a recorrente ser condenada em litigância de má fé.

I.20. Em contra-alegações sustentou a Recorrida/Autora:

XIII) A deliberação por unanimidade pelos Senhores Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto está bem fundamentada.

XIV) O Recorrente, continua a usar do processo de uma forma bastante censurável bem sabendo que não lhe assiste razão.

XV) As questões sob apreciação pelo Tribunal da Relação do Porto, foram todas devidamente fundamentadas quer de facto quer de direito.

XVI) O Acórdão, apresenta suficientemente e de forma detalhada o sentido da convicção dos Senhores Juízes Desembargadores à luz dos meios de prova cuja reapreciação havia sido solicitada pelo Autor ora aqui Recorrido, com devida expressa e inequívoca alusão a cada um deles e do seu conteúdo, dando assim, no nosso modesto entender, cumprimento à obrigação de realizar uma análise critica dos meios de prova.

XVII) A fundamentação do Acórdão da Relação do Porto, é adequada e suficiente para se concluir que o Tribunal da Relação reavaliou os meios de prova disponíveis, reponderou todas as questões de facto suscitadas e formou convicção própria respondendo a todas as questões suscitadas e fundamentando a sua posição

II. Objeto do recurso

De acordo com o teor das conclusões das alegações (que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso – artigos 608.º, n.º 2, 635.º, nº 4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil), e delimitado o objeto de recurso à litigância de má fé, também ela de conhecimento oficioso, importa apreciar:

- Da (in)existência dos pressupostos aptos ao juízo de censura da litigância de má fé.

III – Os factos

As instâncias fixaram a seguinte factualidade:

A –Factos provados:

1. A A. “J.., Lda.” é uma sociedade comercial que tem como objeto social a angariação e venda de imóveis.

2. A R. “Janota Pirâmide, Lda.” é uma sociedade que se dedica à construção civil.

3. No âmbito do objeto a que se dedica, a A. outorgou, em 19/10/2021, com a R. um contrato com a epígrafe de contrato de mediação imobiliária.

4. Segundo o aludido contrato, a R. era, em 19/10/2021, a proprietária e legítima possuidora da fração autónoma/prédio destinado a habitação, sendo constituído por três assoalhadas, com área total de 252m2, sito na Rua ..., em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob a ficha n.º ...07.

5. Mais acordaram as partes contraentes, com referência ao imóvel supra indicado no número 4. dos factos provados:

“Cláusula 2ª

(…)

1 – A mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na (…) Venda X, pelo preço de 280.000,00 (Duzentos e Oitenta Mil Euros) desenvolvendo para o efeito ações de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respetivos imóveis.

2 – Qualquer alteração ao preço fixado no número anterior deverá ser comunicada de imediato e por escrito à Mediadora.

(…)

Cláusula 4ª

(…)

1. O Segundo contraente contrata a mediadora em regime de X não exclusividade/ ___ exclusividade”.

6. Acordaram ainda os contraentes que a A., nos termos do mesmo contrato, segundo a Cláusula 5ª do mesmo:

“ 1 - A remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as exceções previstas no artigo 19º da Lei nº 15/2013 de 8 de Fevereiro.

2 - O segundo contratante obriga-se a pagar à Mediadora a título de remuneração: X A quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efetivamente concretizado, acrescido de IVA à taxa legal de 23%.

Ou

__A quantia de Euros (____________), acrescida do IVA à taxa legal de _____ %.

3 – O pagamento da remuneração apenas será efetuado nas seguintes condições:

___ O total da remuneração aquando da celebração da escritura ou conclusão do negócio visado.

Ou

___ % após a celebração do contrato-promessa e o remanescente _% na celebração da escritura ou conclusão do negócio.

Ou

___ O total da remuneração aquando da celebração do contrato promessa”.

7. No dia 21/10/2021, a R. celebrou, com o cliente senhor AA, angariado pela A. em parceria com a senhora EE da REMAX Vantagem ..., um contrato com a epígrafe “Contrato de Promessa de Compra e Venda de Bem Futuro” nos seguintes termos:

“Entre Janota Pirâmide (…) aqui representada pelo gerente CC (…) como Promitente Vendedor;

e

AA (…) junto com BB (…) como promitentes compradores;

é celebrado o presente Contrato Promessa de Compra e Venda, nos termos e condições seguintes:

1. O promitente Vendedor promete vender, livre de quaisquer ónus ou encargos, ao Promitente comprador, que promete comprar o prédio urbano, composto de terreno destinado a construção, denominado “lote 58” sito no lugar de ... e ..., freguesia de ..., Concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...07 (…).

2. Neste mesmo ónus será construída Pelo Promitente Vendedor uma habitação Unifamiliar, composta por Cave (Garagem), R/Ch e andar, que será vendida ao Promitente Comprador.

(…)


1. O preço do imóvel é de €280.000,00 (Duzentos e Oitenta Mil Euros) e será pago da seguinte forma pelos Promitentes Compradores;

a) €25.000,00 (Vinte e Cinco Mil euros), Pagos através de cheque, entregue nesta data a título de sinal (…)

b) €255.000,00 (…) na data da realização da Escritura de Compra e Venda.

(…)


A escritura pública de compra e venda será efetuada no prazo de 250 (…) dias, em dia, local e hora a designar pelos Promitentes compradores (…)”.

8. Mais ali se fez constar, na cláusula 10.ª do aludido contrato “As partes contratantes declaram que o presente contrato de promessa de compra e venda emerge da intervenção da mediadora imobiliária J…, Lda., com a Licença AMI nº ...73”.

9. A Licença AMI nº ...73, é pertença da A..

10. Por e-mail enviado pelo mandatário da R. ao A., datado de 26/10/2021, aquele comunicou que “na qualidade de mandatário da Janota Pirâmide, Lda, serve o presente para pedir a retificação do contrato de mediação imobiliária celebrado com V.Exas. no dia 19 de Outubro de 2021, pelo facto de terem inserido uma cláusula diferente daquela que estava acordada, não tendo sido o meu cliente informado disso. Refiro-me ao n.º 2 da cláusula 5.º do aludido contrato, que diz "o segundo contratante obriga-se a pagar à mediadora a título de remuneração a quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efetivamente concretizado, acrescida de IVA à taxa legal de 23%". Mas o acordado com o meu cliente foi receberem uma comissão de € 5.000,00 euros e não 5%, nunca tendo o mesmo sido informado do contrário ao longo das negociações.

Pelo que estamos perante um erro na declaração, não correspondendo à vontade real do meu constituinte aquilo que foi declarado e que vocês tinham conhecimento, pois os € 5.000,00 euros foram negociados diretamente com V.Exas., sendo condição para a realização do negócio”.

11. Por escritura pública outorgada em 18/02/2022 em que foram outorgantes

“- PRIMEIRO - CC (…) que outorga na qualidade de gerente, em nome e representação da sociedade: "JANOTA PIRÂMIDE - CONSTRUÇÕES, LDA."

- SEGUNDO: a) AA (…) b) BB, disse o primeiro outorgante que “pelo preço de trinta mil euros (30.000,00 Euros), já recebido e do que dá quitação, VENDE, em comum, aos segundos outorgantes, o seguinte bem imóvel, de que a sociedade sua representada, "Janota Pirâmide — Construções, Lda.", é dona e legítima possuidora:

Prédio Urbano, composto de terreno destinado a construção, lote nº 58, sito lugar de ... e ..., freguesia de ..., do concelho de ..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de ..., sob o número mil ...30 da freguesia de ...,- registada a favor da sua representada (…)”, tendo os segundos outorgantes declarado que “aceitam o presente contrato nos termos exarados”.

*

b) Factos não provados

1. As partes acordaram que o pagamento seria efetuado quando fosse realizada a escritura pública enunciada no contrato promessa.

2. A R. e a A., no momento da celebração do contrato indicado no número 3. dos factos provados, não queriam que o pagamento fosse pelos 5% do negócio, pretendendo que o valor da remuneração fosse de € 5 000,00.

*

C- Importa ainda considerar nos factos provados, face à sua pertinência em sede de litigância de má fé, o teor dos atos processuais elencados no relatório supra.

IV – O Direito

Importa apurar se o comportamento da Ré/Recorrente (não) merece censura ética.

A litigância de má-fé configura um tipo especial de ilícito civil em que uma parte, com dolo ou negligência grave, age processualmente de forma inequivocamente reprovável, violando deveres de legalidade, boa-fé, probidade, lealdade e cooperação, suscetíveis de causar prejuízo à parte contrária e obstar à realização da justiça.

Assim, dispõe o artigo 542.º do CPC que:

“1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.

2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;

c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;

d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

3 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé.” – negrito nosso.

A doutrina e a jurisprudência têm colocado um elevado nível de exigência na apreciação dos requisitos da litigância de má-fé.

Assim:

Na definição da figura, António Menezes Cordeiro, “Litigância de má fé Abuso do Direito de Ação e Culpa “In agendo” Almedina, 2006, p. 25-27, a propósito da norma do CPC anterior (art. 456º na redação do DL 180/96, de 25-09), de conteúdo igual ao atual, refere que:

“No tocante à conduta sancionada, temos três tipos de atuação substancial e um de conduta processual.

Têm a ver com a atuação substancial:

- o deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento se não deva ignorar – art. 456º/2, a); - o alterar a verdade dos factos ou o omitir factos relevantes para a decisão da causa – art. 456º/2, b); - a omissão grave do dever de cooperação – art. 451º, 2, c).

No domínio da conduta processual, o tipo legal relata um uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais, com um de três fins – art. 456º/2, d): - conseguir um objetivo ilegal; - impedir a descoberta da verdade; - protelar sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

(…) É ainda importante sublinhar que a lei processual castiga a litigância de má fé, independentemente do resultado. Apenas releva o próprio comportamento, mesmo que, do ponto de vista do prevaricador, ele não tenha conduzido a nada.

O dano não é pressuposto da litigância de má fé.

Quanto à culpa e na sequência da evolução acima retratada, são hoje penalizadas, como litigância de má fé, determinadas condutas especialmente tipificadas, desde que cometidas: - com dolo; - com negligência grave.

(…) A litigância de má fé opera oficiosamente: apenas a parcela relativa à indemnização exige um pedido do beneficiário – art. 456/1, do CPC”.

Também Rui Correia de Sousa in Litigância de má fé “Coletânea de sumários e Jurisprudência”, 2ª ed. Quid Juris, p. 7 – 9, a propósito do anterior art. 456º, tece as seguintes considerações:

“A má fé constitui matéria de facto, traduzindo-se na utilização maliciosa e abusiva do processo, na violação do dever de correção processual que flui do art. 266º- A do Código de Processo Civil1. Pela má fé, faz-se uso malicioso e abusivo do processo, contrariamente ao dever de boa fé processual (verdade, lealdade e probidade) que o direito adjetivo impõe às partes.

A litigância de má fé (em sentido psicológico, assente em intenção maliciosa) constitui um afloramento do abuso de direito, é de conhecimento oficioso em qualquer instância e tem como pressuposto, o dolo ou a negligência grave. A sua qualificação tem de ser feita individualmente, em relação a cada litigante e a sua condenação só deve ter lugar em casos de chocante e grosseiro uso dos meios processuais, pondo em perigo a Imagem da Justiça no caso, e em geral.

(…) Existem duas espécies de dolo:

a) O dolo substancial refere-se sempre à relação jurídica substantiva e é composto por dois elementos:

- um de natureza objetiva (falta de razão do litigante);

- outro de natureza subjetiva (consciência dessa falta de razão) que diz respeito ao fundo da causa, ou seja, à relação jurídica material controvertida (relação substancial ou de direito substantivo, apresentada em juízo);

Verifica-se dolo substancial quando se deduza pedido ou oposição injustos, ou cuja falta de fundamento se conhece antecipadamente ou não se deveria ignorar, quando se altere conscientemente a verdade dos factos, ou ainda quando se omitam voluntariamente factos essenciais, afim de se obter uma decisão de mérito que não corresponde à verdade factual

b) O dolo instrumental refere-se à relação jurídica processual ou adjetiva e verifica-se quando se faça chicana processual, a qual subverte valores éticos em que o processo se alicerça, de que são exemplos:

- Tentativa de conseguir um objetivo ilegal;

(…)

- Negação de factos pessoais que venham a ser dados como provados; tais factos são os que se relacionam com a vivência da parte na sua atuação ou na sua omissão, no âmbito do seu inter relacionamento com os outros;

- Qualquer outro impedimento para a descoberta da verdade material;

- Violação grave e consciente do dever de cooperação com o Tribunal de que é exemplo a omissão deliberada de prestação de uma informação legalmente exigível e ordenada por despacho judicial

(…)

A negligência grave (alguns arestos apelidam-na de culpa grave e outros de erro grosseiro) é também na atualidade, um pressuposto de litigância de má fé, não sendo necessário provar-se a consciência da ilicitude do comportamento e/ou atuação dolosa (intenção de conseguir objetivos ilegítimos), sendo suficiente a possibilidade de formular um juízo de censurabilidade é também e na atualidade um pressuposto da litigância de má fé, não sendo necessário provar-se a consciência da ilicitude do comportamento e/ou da atuação dolosa (intenção de conseguir objetivos ilegítimos), sendo suficiente a possibilidade de formular um juízo de censurabilidade. De qualquer modo e sempre, este elemento integrador da litigância de má fé tem de absorver os conceitos de atuação previstos no art. 456º do CPC, os quais devem ser apurados objetivamente nos autos.» - sublinhados nossos.

Por sua vez, Paula Costa e Silva, in “A Litigância da Má Fé”, Coimbra Editora, 2008, p. 340-341 citando o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Outubro de 2002 (Ferreira Ramos), refere:

“[q]uando nos movimentamos em matéria da condenação por litigância de má fé “nos movemos numa matéria melindrosa – a lide processual arrasta um afrontamento/conflito de interesses, pouco propício a uma ponderação serena e objetiva das intervenções processuais, obnubilando o todo processual e deixando «ver» apenas a «verdade» do seu «caso» - em que a censura se há-de basear na ofensa de valores éticos, exigindo o nº 2 do art. 456º2 do CPC o dolo ou negligência grave”.

(…) A litigância de má fé corresponde à necessidade de moralizar a lide (…) a litigância de má fé deve ser apreciada tendo em vista uma não limitação do direito de defesa do particular.

(…) Supondo ela “um juízo de censura incidente num comportamento adotado, contrário à ideia de um processo justo e leal”.»

E, na mesma obra desenvolve os seguintes limites para a condenação por litigância de má fé:

- a litigância de má fé não pode prejudicar o direito de defesa.

- não basta que se venham a provar factos pessoais que hajam sido negados para que a parte seja imediatamente condenada como litigante de má fé. Considerar que litiga necessariamente de má fé a parte que nega factos pessoais que se vêm a provar importaria numa restrição do direito de defesa.

- a litigância de má fé não pode implicar uma restrição do legítimo direito de as partes discutirem e interpretarem livremente os factos.

- devendo proceder-se a uma análise necessariamente casuística. Isto porque a negação pode dever-se a erro desculpável da parte.

- litiga de má fé quem alegue factos não coincidentes com a realidade, conhecendo a falsidade da versão que apresenta ao tribunal.

- para que a parte incorra em litigância de má fé é necessário que altere a verdade dos factos essenciais ou relevantes para a decisão da causa.

- o seu comportamento é censurável se puder influenciar a decisão por determinação da decisão de facto.

- o tipo do art. 456/2/b3 é um tipo de resultado, ainda que só tentado. Esta ligação entre os factos negados e alterados e a decisão é, regra geral, pressuposta, sem ser abertamente referida.

Também a jurisprudência vem coincidindo com a doutrina nos pressupostos e balizas do instituto.

Assim, o Ac. do STJ, P. 687/17.5T8PNF.S1 de 13-09-2018 (Rosa Tching):

«A condenação por litigância de má fé só deverá ocorrer quando se demonstre, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu dolosamente ou com grave negligência, com o objetivo de impedir ou a entorpecer a ação da justiça.»

Bem como o Ac. do STJ, P.1849/21.6T8PTM.E1.S1.S1 de 19-06-2024 (Júlio Gomes):

«I- A condenação da Parte como litigante de má fé não requer hoje um comportamento doloso, bastando-se com a negligência grave.

II- Age de má fé a Parte que invoca factos que sabia ou tinha a obrigação de saber que eram falsos e que eram relevantes para a boa decisão da causa.»

Assim também, o Ac. do STJ, P. 4349/20.8T8LRS-C.L1.S1 de 31-10-2023 (Maria Clara Sottomayor):

«I – Para justificar a condenação por litigância de má fé não é necessária a prova da consciência da ilicitude do comportamento do litigante e da intenção de conseguir um objetivo ilegítimo, bastando tão só que, à luz dos concretos factos apurados, seja possível formular um juízo intenso de censurabilidade pela sua atuação.

II – Constitui má fé processual a apresentação de sucessivos requerimentos com pedidos que não se enquadram na tramitação processual regular, com o único objetivo de evitar o prosseguimento do processo ordenado pela Relação, que rejeitou a exceção de prescrição invocada pelos réus.»

Todos em www.dgsi.pt.

Apreciando o caso concreto.

Resulta dos autos, ter a Autora/Recorrida celebrado com a Ré/Recorrente um contrato de mediação imobiliária, pelo qual a primeira se comprometeu a angariar comprador para um prédio desta, mediante remuneração (preço da comissão).

A Ré/Recorrente confirmou a celebração de tal contrato mas apresentou uma alegação díspar quanto ao preço acordado [5% + IVA sobre o preço de venda na versão da Autora e, 5.000€ na versão da Ré] e, quanto ao momento em que o mesmo seria devido [no momento da celebração do contrato promessa, na versão da Autora e, no momento da celebração da escritura pública do negócio visado, na versão da Ré].

Em diversos momentos e atos dos autos a Ré/Recorrente afirmou perentoriamente não dever o preço à Autora/Recorrida porquanto a escritura pública do negócio visado na mediação imobiliária ainda não se tinha realizado.

A instrução da causa veio a revelar ser outra a realidade - a ocorrência da celebração do contrato definitivo por escritura pública – o que, a ter sido revelado quando tal se impunha, na contestação, porque já celebrada e com intervenção da própria Ré, teria prevenido uma discussão inútil e prolongada e, desde logo, acautelado o risco da Autora em ver o seu direito recusado.

Na verdade, não fossem os sucessivos impulsos e recursos da Autora Recorrida e respetivos deferimentos, tal facto não se tornaria conhecido.

Particularizando.

A Ré defendendo que só depois da escritura pública de compra e venda do imóvel (negócio visado na mediação imobiliária) seria devedora da remuneração pela mediação, omitiu a realização de tal escritura, tendo ela já ocorrido no momento da contestação e, com a intervenção da Ré.

Em tal momento não só omitiu a sua ocorrência como explicitamente a negou.

A escritura foi celebrada em 18-02-2022.

Veio a Ré na contestação de 05-05-2022, afirmar:

“19.º - A Autora exige receber no imediato a comissão imobiliária quando o negócio ainda não foi concluído, sendo apenas concluído quando for celebrada a escritura pública.

Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-03-2023 foi deliberado revogar a sentença que desconsiderara a definição temporal do pagamento do preço da remuneração, ordenando-se o prosseguimento dos autos “convidando o Mm.º Juiz de 1.ª instância a A., a vir alegar qual o momento acordado entre as partes para o pagamento da remuneração inerente ao contrato de mediação”.

Notificada veio a Ré Recorrente, por requerimento de 07-06-2023 informar que “o momento acordado entre as partes para o pagamento da remuneração inerente ao contrato de mediação aconteceria quando fosse realizada a escritura da moradia pelo preço de € 280.000,00 euros, o que não aconteceu”.

Também em 13-01-2024, já depois da segunda audiência de julgamento determinada pelo Tribunal da Relação, a Ré ao responder ao pedido da sua condenação por litigância de má fé, alegou que “o Autor sabia e sabe que o negócio só seria concretizado quando fosse realizada a escritura pública da moradia pelo preço de € 280.000,00 euros, o que não aconteceu.

A Ré Recorrente negou que o contrato definitivo (negócio visado com a mediação) tivesse sido celebrado e, insistiu nessa negação em diversos momentos, pretendendo tirar proveito com a mesma.

Os factos vieram a demonstrar ser outra a realidade.

Naquele mesmo requerimento de 13-01-2024, a Ré informou que foi realizada uma escritura pública com o cliente angariado pela Autora, mas não de toda a fração, nem por 280.000, apenas do lote de terreno, por 30.000€, ficando a Ré encarregue de construir uma moradia no mesmo lote, para o comprador.

Essa modificação do objeto de venda, a que a Autora foi alheia, deveria ter vindo ao conhecimento da contraparte e dos autos desde o primeiro momento da intervenção da Ré, ou seja, desde a contestação, permitindo àquela e ao tribunal aferir da sua relevância em relação ao pedido.

Não pode a Ré pretender que, tendo o objeto do contrato definitivo ficado aquém do objeto do contrato de imediação imobiliária, o contrato definitivo (negócio visado na mediação) tal como inicialmente concebido, não foi celebrado. E que desse modo, ao negar a celebração do negócio visado e ao não revelar a celebração deste outro, não omitiu ou falseou a realidade, porque “literalmente” a realidade não é a mesma.

Não procede tal defesa.

O interessado foi angariado pela Autora com vista à concretização do negócio visado, tendo esta cumprido a sua parte no contrato de mediação imobiliária. Nos termos do contrato a partir desse momento é-lhe devida a remuneração.

Apurar qual ela fosse seria questão de direito, a apreciar oportunamente pelo tribunal, nomeadamente, tendo em conta que a Autora Recorrida é totalmente alheia à alteração dos termos do negócio celebrado em definitivo com o comprador angariado.

No momento da contestação era já segura a ocorrência do facto determinante do vencimento da obrigação de remuneração.

O que a Ré não só não desconhecia como efetivamente sabia por participação direta em ambos os negócios.

A Ré ora recorrente não podia, à luz de um princípio de boa fé, esconder ou negar este negócio, face à sua relevância para a pretensão da Autora Recorrida.

A remuneração da Autora pela mediação imobiliária, estava dependente da celebração do contrato definitivo pela Ré com o cliente angariado pela Autora e tal facto ocorrera. Sendo censurável à Ré negá-lo explícita e insistentemente para obter um proveito que a lei não lhe concede.

Estão, pois, provados os pressupostos objetivos e subjetivos de que defende a punição pela infração do tipo especial de ilícito previsto no art. 542 do CPC.

Bem andou, assim, o acórdão da Relação ao afirmar que:

“- a celebração do contrato de compra e venda, fosse nos moldes do contrato-promessa, fosse em quaisquer noutros, constituía facto determinante para a discussão da causa. Bem ciente de tal facto, a R. não só ocultou que o contrato tivesse sido celebrado, como negou a sua celebração, que ocorreu em 18-2-2022 ao prédio em prometido vender. Remeteu-se à negação e ao silêncio relativamente a factos de que tinha conhecimento e que eram determinantes para a decisão, procurando impedir que a contraparte deles tivesse conhecimento e que deles o tribunal pudesse extrair ilações. Em suma, buscou daí retirar vantagens independentemente da sua razão.

- Alterou, assim, a verdade dos factos e omitiu factos relevantes para a discussão da causa, praticando omissão grave do dever de cooperação.

- Deve, por isso, ser condenada enquanto litigante de má-fé.”

Tendo a mesma sido fixada criteriosamente e não tendo sido objeto de impugnação específica, mantêm-se a decidida condenação pelo Tribunal da Relação.

Improcede, pois a Revista.

Em suma:

- A litigância de má-fé configura um tipo especial de ilícito civil em que uma parte, com dolo ou negligência grave, age processualmente de forma inequivocamente reprovável, violando deveres de legalidade, boa-fé, probidade, lealdade e cooperação, suscetíveis de causar prejuízo à parte contrária e obstar à realização da justiça.

- A lei processual castiga a litigância de má fé, independentemente do resultado.

- Para que a parte incorra em litigância de má fé é necessário que altere a verdade dos factos essenciais ou relevantes para a decisão da causa.

- A mesma deve ser apreciada tendo em vista uma não limitação do direito de defesa do particular, pelo que, a condenação com tal fundamento só deve ter lugar em casos de chocante e grosseiro uso dos meios processuais.

V- Deliberação

Pelo exposto, delibera-se, na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a Revista, confirmando a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.


Lisboa, 26 de novembro de 2024

Anabela Luna de Carvalho (Relatora)

Nelson Borges Carneiro (1º Adjunto)

Manuel Aguiar Pereira (2º Adjunto)

_____________________________________________

1. CPC anterior.↩︎

2. CPC antigo↩︎

3. CPC anterior.↩︎