Constando da parte decisória do acórdão que foi negado provimento aos recursos interpostos quanto ao mais pedido não se mostra necessária qualquer rectificação ou aclaração porque a parte decisória do acórdão é absolutamente inteligível.
I. RELATÓRIO
Fundação Calouste Gulbenkian, notificado do acórdão deste Tribunal de 26.10.2014, veio requerer a rectificação da alínea b) do dispositivo do Acórdão, fazendo dela passar a constar expressamente que a alteração aí operada ao acórdão recorrido e a quantia total aí discriminada respeitam apenas ao processo de apoio PO5, em nada afectando a condenação dos arguidos no que respeita aos restantes processos de apoio objeto dos autos, fundamentando:
1. O pedido de retificação que pelo presente se formula nos autos visa assegurar que não soçobram qualquer tipo de dúvidas acerca do sentido e alcance do dispositivo do douto Acórdão prolatado por este Supremo Tribunal no passado dia 16.10.2024, em particular no que respeita aos montantes indemnizatórios que os arguidos vêm condenados a pagar à Recorrida e à União das Misericórdias Portuguesas (“UMP”) nos presentes autos.
2. Neste sentido, na alínea b) do dispositivo do Acórdão lê-se ter este Supremo Tribunal decidido, entre o mais, “Conceder parcial provimento aos recursos de AA e BB e, em consequência, alterar o acórdão recorrido, condenando os arguidos/demandados CC, AA e BB a pagar à UMP/FCG, a título de danos patrimoniais causados, e de forma solidária, a quantia total de 131.096,35 € (cento e trinta e um mil, noventa e seis euros e trinta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados desde a notificação para contestar até integral pagamento”.
3. No entanto, do texto do Acórdão (e dos autos) o que resulta é que, para além daquela quantia, os arguidos AA e BB vêm também condenados no pagamento dos montantes indemnizatórios discriminados no acórdão proferido pelo tribunal de primeira instância, tal como alterado pelo douto acórdão recorrido, agora mantido, apenas com dois reparos, por este Supremo Tribunal (os constantes da alínea a) e da alínea b) do dispositivo).
4. De igual modo, da fundamentação do Acórdão deste Supremo Tribunal o que ressalta é que a alteração operada ao acórdão recorrido nesta alínea b) do seu dispositivo é exclusivamente justificada pela circunstância de os arguidos, no acórdão recorrido, terem sido condenados em montante superior ao que havia sido discriminado no pedido de indemnização formulado nos autos em relação aos danos patrimoniais por si causados no âmbito do processo de apoio PO5 e apenas desse.
5. Com efeito, o que se verifica é que a decisão deste Supremo Tribunal levada à alínea b) do dispositivo do Acórdão é circunscrita ao processo de apoio PO5 e em nada afeta a condenação dos arguidos nos demais montantes indemnizatórios devidos em consequência dos danos por si causados no âmbito dos restantes processos de apoio objeto dos presentes autos.
6. Sucede, porém, que da leitura isolada da alínea b) do dispositivo do Acórdão resulta a existência de um desacerto entre o texto do Acórdão e aquilo que foi feito constar do seu trecho decisório, o qual pode suscitar interpretações incorretas do sentido e alcance do julgamento que encerra.
7. Desde logo, o segmento do dispositivo acima transcrito, correspondente à sua alínea b), poderá, em virtude da redação que lhe vem dada, vir a ser erroneamente entendido como significando que os arguidos em crise viriam tão-só condenados no pagamento daquela “quantia total” à Recorrida e à UMP, lendo-se, assim, naquela expressão textual uma fixação da indemnização devida pelos arguidos em consequência da totalidade dos danos patrimoniais causados pelas suas condutas, incluindo nos demais processos de apoio em crise nos autos.
8. Ante o exposto, e tendo em vista a eliminação da assinalada ambiguidade do dispositivo do douto Acórdão deste Supremo Tribunal, manifestamente não pretendida por V. Exas., propõe a Recorrida que seja a redação dada à sua alínea b) retificada no sentido de nela fazer constar inequivocamente que a alteração aí operada ao acórdão recorrido e a quantia total de € 131.096,35 (cento e trinta e um mil, noventa e seis euros e trinta e cinco cêntimos) nela indicada respeitam apenas ao processo de apoio PO5, mantendo-se, quanto aos demais processos de apoio, a condenação dos arguidos nos termos do acórdão proferido pelo tribunal de primeira instância, tal como alterado pelo douto acórdão recorrido (à exceção, naturalmente, da retificação efetuada na alínea a) do dispositivo do Acórdão).
9. Nestes termos, e ao abrigo do disposto nos artigos 425.º, n.º 4 e 380.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal, vem a Recorrida requerer a V. Exas. se dignem operar à retificação da alínea b) do dispositivo do Acórdão deste Supremo Tribunal, em linha com a proposta ora efetuada, assim eliminando a margem para qualquer tipo de dúvidas a respeito do seu sentido e alcance decisórios.
Cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
O acórdão do TRC decidiu:
«Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação de Coimbra:
A) Em julgar parcialmente procedentes o recurso A) interposto por AA e o recurso B) interposto por BB e em consequência:
i) - considerar como não provados os factos 174 (no segmento “Apesar de saber que o imóvel não era habitado”, 176, 185, 186, 187 (quanto aos arguidos AA e BB), 189 e 190 (quanto aos arguidos AA e BB), 242, 244, 245 e 246, 360, 361, 368, 369, 370, 371 e 372, 446, 447 (no trecho parte “em execução do plano atrás referido”, 455 (na parte “isto apesar de saber que tal, à data do incêndio, não era verdade”), 457, 458, 459 (na parte em que se refere que “ AA e BB”), 460 (na parte em que se escreve “todos os arguidos”), 461, e 462 (na parte em que se lê “Nenhum dos arguidos”);
ii) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de prevaricação sob a forma continuada p. e p. pelo artigo 3º, nº 1 e 11º da Lei n.º 34/87, de 16.07 e 30º n.º 2 do Cód. Penal, na pena de 4 anos de prisão, e pela prática de um crime de burla qualificada sob forma continuada, p. e p. pelos artigos 217º, nº 1 e 218º, nºs 1 e 2, alínea a) e 30º n.º 2 do Cód. Penal , na pena de 4 anos de prisão, e em concurso daquelas penas, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 (cinco) anos;
iii) Condenar o arguido BB pela prática de um crime (continuado) de prevaricação p. e p. pelos artigos 3º, nº 1 e 11º da Lei n.º 34/87, de 16.07 e 30º n.º 2 do Cód. Penal, na pena de 3 anos de prisão, e pela prática de um crime (continuado) de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217º, nº 1 e 218º, nºs 1 e 2, alínea a) e 30º n.º 2 do Cód. Penal na pena de 3 anos de prisão, e em concurso das penas indicadas em i) e ii) , na pena única de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 (cinco) anos;
iv) Absolver os mesmos arguidos AA e BB, enquanto demandados civis, do pagamento da quantia de 8.300,00 € a título de danos patrimoniais causados no âmbito do processo n.º AT4 Revita (beneficiário DD), em virtude de se ter considerado como não provados os factos 360, 361, 368, 369, 370, 371 e 372;
B) Em julgar improcedentes os recursos interpostos por EE e FF (recurso C), GG (recurso D), HH e II (recurso E), JJ (recurso F), CC (recurso G), KK e LL (recurso H), MM (recurso I), e NN (recurso J).
C) Em julgar parcialmente procedentes os recursos interpostos pelas demandantes civis União das Misericórdias Portuguesas (recurso K) e Fundação Calouste Gulbenkian (recurso L) e em consequência:
i) Considerar que se provou que a parceria UMP/FCG suportou, adicionalmente ao que já resultava provado, a quantia de 17.275,05 €, e por isso condenar os arguidos/demandados JJ, AA e BB a pagar à UMP/FCG, a título de danos patrimoniais causados, e de forma solidária, a quantia de € 43.363,05 (quarenta e três mil, trezentos e sessenta e três euros e 5 cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados desde a notificação para contestar até integral pagamento;
ii) Considerar que se provou que a parceria UMP/FCG suportou, adicionalmente ao que já resultava provado, a quantia 250,08 €, assim como, em consequência da rectificação do erro material de cálculo quanto aos valores constantes dos documentos indicados no facto provado 316, condenar os arguidos/demandados CC, AA e BB a pagar à UMP/FCG, a título de danos patrimoniais causados, e de forma solidária, a quantia total de 150.863,00 € (cento e cinquenta mil, oitocentos e sessenta e três euros), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados desde a notificação para contestar até integral pagamento.
iii) Considerar que se provou que a parceria UMP/FCG no âmbito do Processo VZ4 Revita suportou, adicionalmente ao que já resultava provado, as quantias de 6.268,92 €, de 18.461,30 €, de 18.596,20 € e de 30.321,70 €., e condenar os arguidos/demandados LL, KK, AA e BB a pagar à UMP/FCG, a título de danos patrimoniais causados, e de forma solidária, a quantia total de € 147.686,89 (cento e quarenta e sete mil, seiscentos e oitenta e seis euros e oitenta e nove cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados desde a notificação para contestar até integral pagamento.».
O acórdão do STJ decidiu:
«Pelo exposto, acordam nesta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em:
a) Conceder parcial provimento aos recursos de BB, LL e KK e, consequentemente, retificar o acórdão recorrido:
• na página 567, onde se lê «a quantia de € 147.686,89 (cento e quarenta e sete mil seiscentos e oitenta e seis euros e oitenta e nove cêntimos)» deve ler-se «a quantia de € 143.683,48 (cento e quarenta e três mil, seiscentos e oitenta e três euros e quarenta e oito cêntimos)»;
• no dispositivo, onde se lê:
« iii) Considerar que se provou que a parceria UMP/FCG no âmbito do Processo VZ4 Revita suportou, adicionalmente ao que já resultava provado, as quantias de 6.268,92 €, de 18.461,30 €, de 18.596,20 € e de 30.321,70 €., e condenar os arguidos/demandados LL, KK, AA e BB a pagar à UMP/FCG, a título de danos patrimoniais causados, e de forma solidária, a quantia total de € 147.686,89 (cento e quarenta e sete mil, seiscentos e oitenta e seis euros e oitenta e nove cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados desde a notificação para contestar até integral pagamento.»
Deve ler-se: «iii) Considerar que se provou que a parceria UMP/FCG no âmbito do Processo VZ4 Revita suportou, adicionalmente ao que já resultava provado, as quantias de 6.268,92 €, de 18.461,30 €, de 18.596,20 € e de 30.321,70 €., e condenar os arguidos/demandados LL, KK, AA e BB a pagar à UMP/FCG, a título de danos patrimoniais causados, e de forma solidária, a quantia total de € 143.683,48 (cento e quarenta e três mil, seiscentos e oitenta e três euros e quarenta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados desde a notificação para contestar até integral pagamento».
b. Conceder parcial provimento aos recursos de AA e BB e, em consequência, alterar o acórdão recorrido, condenando os arguidos/demandados CC, AA e BB a pagar à UMP/FCG, a título de danos patrimoniais causados, e de forma solidária, a quantia total de 131.096,35 € (cento e trinta e um mil, noventa e seis euros e trinta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados desde a notificação para contestar até integral pagamento;
c. Negar provimento aos mesmos recursos interpostos pelos demandados civis, quanto ao mais pedido.
d. Condenar os recorrentes, enquanto demandados civis, no pagamento das custas processuais respetivas, na proporção do respetivo decaimento (art. 523.º do CPP).».
Da fundamentação deste acórdão destaca-se:
«Compulsados os pedidos formulados, temos, assim, por verificados os seguintes limites objetivos, por referência a cada um dos processos concretamente considerados aqui em causa:
• AF7 - € 85.697,09
• PO5 - € 131.096,35
• VZ4 - € 182.942,24
Por sua vez, foram as seguintes as condenações efetuadas pelo Tribunal da Relação de Coimbra:
• AF7 - € 43.363,05
• PO5 - € 150.863,00
• VZ4 - € 147.686,89
Verifica-se, assim, de modo manifesto, que, no âmbito do processo PO5, o montante em que os demandados civis foram condenados excedeu, em € 19.766,65, o valor do pedido inicialmente apresentado por cada uma das demandantes civis.
(…)
Como tal, tendo sido proferida condenação dos demandados CC, AA e BB em quantidade superior ao que havia sido peticionado em sede de pedido de indemnização civil, o acórdão recorrido ultrapassou os limites do pedido, assim o excedendo.
Assim, a Relação ao decidir nos termos em que o fez – ultrapassando os referidos limites do pedido – erra de direito, pois que tal decisão constitui uma efetiva violação do princípio do pedido, conforme, aliás, é invocado, pelos recorrentes. Ademais, a mesma representa, ainda, uma decisão surpresa, sendo, como tal, prejudicial aos direitos de defesa dos recorrentes/demandados.
Em consequência, julga-se verificada a invocada nulidade do acórdão a quo, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Civil, impondo-se restringir a condenação proferida ao pedido deduzido, o que se efetuará a final.
Fica, nessa medida definida a responsabilidade civil pelos danos resultantes da respetiva conduta criminosa dos arguidos/demandados CC, AA e BB (portanto, relativamente ao processo PO5, limitado ao montante de 131.096,35€).
Procedem, pois, nesta parte, conforme o acima indicado, os recursos dos demandados AA e BB.
(…)
Em conclusão: sem prejuízo do acima decidido, incluindo correção efetuada, no mais julgam-se improcedentes os recursos ora em apreciação, sendo certo que não foram violadas as demais normas e/ou princípios invocados pelos recorrentes, designadamente, nas vertentes genéricas, conclusivas e abstratas por eles assinaladas, nem se deteta que tivessem sido feitas eventuais interpretações inconstitucionais, nomeadamente do art. 32.º, n.º 1, da CRP que, na matéria cível aqui em apreciação, nem é aplicável.»
Da análise do acórdão resulta claro que a procedência do pedido constante da alínea b) da parte decisória do acórdão se limita ao processo PO5 e que para além das correcções constantes da alínea a) da parte decisória do acórdão, foi negado provimento aos recursos interpostos pelos demandados civis, quanto ao mais pedido, conforme consta da al. c) da parte decisória do acórdão, sendo manifesto que a consequência do decidido é a manutenção, no mais, da decisão do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, tornando despicienda qualquer aclaração ou rectificação.
Do exposto, conclui-se que embora a Requerente tenha razão na interpretação que faz da parte decisória do acórdão, não se mostra necessária qualquer rectificação – porquanto o acórdão não contém qualquer lapso - ou aclaração – porque a parte decisória do acórdão é absolutamente inteligível.
III. DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam em conferência os Juízes da 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a rectificação pretendida.
Custas pela Requerente com taxa de justiça de 0,5 UC.
Lisboa, 17 de Dezembro de 2024
Jorge Raposo (relator)
António Augusto Manso
Horácio Correia Pinto