I. O recurso tem por objeto um acórdão da Relação proferido em recurso que reduziu a pena única de 18 anos para 17 anos e 3 meses, pela prática de um crime de homicídio qualificado p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas c), e) e g), do CP, a que foi aplicada a pena de 16 anos de prisão, e, por alteração da qualificação jurídica do crime de roubo agravado (artigo 210.º, n.º 3, do CP), de um crime de furto qualificado (artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), do CPP), a que foi aplicada a pena de 3 anos e 6 meses de prisão.
II. Sendo a pena do crime de furto qualificado inferior a 5 anos de prisão, o recurso para este STJ não é admissível nesta parte (artigos 399.º, 400.º, n.º 1, al. e) e f), e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP), devendo ser rejeitado (n.º 2 do artigo 414.º e 420.º, n.º 1, al. b), do CPP).
III. O conhecimento do recurso em matéria de facto esgotou-se no Tribunal da Relação (artigo 428.º do CPP), estando o recurso para o STJ limitado a matéria de direito (artigo 434.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso de vícios da decisão em matéria de facto (artigo 432.º, n.º 1, al. b), do CPP)
IV. Saber se a alegada divergência entre a confissão e os factos provados constitui erro a corrigir é uma questão relacionada com a matéria de facto já definitivamente decidida pelo tribunal da Relação, que não se inscreve na competência do Supremo Tribunal de Justiça, que apenas julga de direito com base nos factos provados e estabilizados pelo acórdão do tribunal da Relação no pressuposto de que tal acórdão não sofre de vício ou nulidade que este Supremo Tribunal deva conhecer oficiosamente em vista da boa decisão de direito.
V. O que no recurso para a Relação estava em causa era apenas saber se os factos constituíam um único crime de roubo agravado pelo resultado (artigo 210.º, n.º 3, do CP), ao que a Relação deu uma resposta negativa; resultando dos factos provados que a morte da vítima foi dolosamente provocada, não é caso de aplicação do n.º 3 do artigo 210.º do CP.
VI. Corretamente decidiu o acórdão da Relação que o arguido deve ser punido por um concurso de crimes, um crime de homicídio qualificado pela alínea g) do n.º 2 do artigo 132.º do CP, que facilitou a apropriação, e um crime contra a propriedade, cometido após o de homicídio.
VII. Não se suscita qualquer questão quanto à qualificação do crime de homicídio qualificado pelas circunstâncias c) (crime praticado contra pessoa particularmente indefesa), e) (por motivo torpe ou fútil) e g) (crime destinado a facilitar outro crime) do n.º 2 do artigo 132.º do CP, reveladoras de especial censurabilidade.
VIII. Dada a pena aplicada, saber se os factos constituem crime de furto qualificado é matéria subtraída aos poderes de cognição do STJ.
IX. Sendo o crime de homicídio qualificado pelo concurso de três circunstâncias reveladoras de especial perversidade ou censurabilidade, apenas uma delas se deve considerar para esse efeito, relevando as outras duas por via da culpa, como agravantes de carácter geral, nos termos do artigo 71.º do CP.
X. Não se encontra fundamento para divergir do acórdão recorrido quanto à não aplicação do regime penal especial para jovens. São muito graves os factos praticados, a revelarem uma ainda jovem personalidade particularmente desvaliosa e forte necessidade de socialização, sendo particularmente desfavoráveis as condições sociais, familiares e pessoais, não se mostrando possível, nas circunstâncias descritas, fundar um juízo positivo para a aplicação desse regime.
XI. Assim, na consideração dos fatores relativos à culpa e à prevenção (artigo 71.º do CP) e do critério especial do artigo 77.º, n.º 1, do CP (factos, no seu conjunto e personalidade do agente), não se identifica fundamento para intervenção corretiva nas penas aplicadas, que se mantêm.
1. Por acórdão de 30.01.2024, o tribunal coletivo do Juízo Central Criminal de ... – Juiz 2 –, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, condenou o arguido AA, com a identificação dos autos, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 2, alíneas c), e) e g), do Código Penal, na pena de 16 (dezasseis) anos de prisão e de um crime de roubo agravado, p. e p. pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), por referência ao artigo 204.º, n.º 1, alínea f), do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos de prisão. Realizado o cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 18 (dezoito) anos de prisão».
2. Discordando do decidido, recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por acórdão de 21.05.2024, decidiu:
«- proceder à convolação do crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), por referência ao art. 204.º, n.º 1, alínea f), ambos do Cód. Penal, que o Tribunal a quo tinha imputado ao arguido, para o crime de furto qualificado com previsão nos arts. 203.º e 204.º, n.º 1, alínea f), ambos do Cód. Penal;
- aplicar ao arguido, pela prática deste crime, a pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, em substituição da anterior pena de 6 anos de prisão;
- proceder à reformulação do cúmulo jurídico de penas ficando o arguido/ recorrente condenado na pena única de 17 (dezassete) anos e 3 (três) meses de prisão.»
3. Em discordância da qualificação jurídica dos factos e da medida das penas, do acórdão da Relação vem agora interposto recurso pelo arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
«1. Vem o arguido pugnar pela sua absolvição da prática de um crime de homicídio qualificado, porquanto considera existir uma incorrecta subsunção dos factos ao direito.
2. Isto porque apesar de o arguido ter confessado todos os factos constantes da acusação, não confessou, como não poderia ter confessado, que ao efectuar um golpe denominado “mata leão”, à ofendida e falecida BB, esse golpe foi precedido de um juízo de prognose em que o resultado morte se representava como possível, como também não confessou que se tenha conformado com tal resultado.
3. Não se compreende a alusão feita no acórdão sob recurso a uma “confissão parcial”, tanto mais que o próprio Ministério Público prescindiu da produção da prova testemunhal.
4. O arguido negou a intenção de matar a ofendida, logo porque, a sua intenção era roubar a vítima.
5. Em momento algum desejou o resultado “morte”.
6. Tais hipóteses e cometimentos intelectuais que o Ministério Público imputou ao arguido e pelos quais este veio a ser condenado não têm correspondência alguma com a realidade.
7. Com efeito, o arguido é de uma fragilidade confrangedora em termos intelectuais, que se consubstanciou no facto incontornável de precisar de oito anos de escolaridade para concluir o terceiro ano.
8. Um jovem que já visualizou a prática de vários golpes idênticos em variados contextos, e que tal como o signatário não tinha nem tem conhecimento de outro caso em que as vitimas destes golpes tenham falecido, não podia ter feito essa operação intelectual, que é prever o resultado morte como consequência da aplicação de um golpe do tipo referido.
9. Quanto mais conformar-se com esse resultado!
10. Parece-nos, salvo o devido respeito, que vigorou aqui a presunção do princípio da culpabilidade.
11. O arguido foi um confesso autor material de um crime de roubo agravado pelo resultado morte, ou seja, pela prática de factos que se destinaram a consumar um crime de roubo mas que fruto das circunstâncias descambaram para um resultado verdadeiramente funesto.
12. Relativamente à não aplicação do disposto no n.º 4 do decreto-lei n.º 401/82 a mesma é inadmissível porquanto da sua aplicação não pode depender quer de estados de espírito, e deve ser uma realidade sempre que advenham da aplicação deste regime especial para jovens para a reinserção do arguido.
13. O que é flagrantemente o caso.
14. Inexistem razões para a não aplicação deste regime e da consequente atenuação especial da pena nos termos dos art.º 72º e 73º do Cód. Penal, a menos que se considere que em nome das necessidades de prevenção geral se possa derrogar o texto legal do normativo, o espirito subjacente ao mesmo, quer no que tange ao corpo do decreto lei, como do seu preâmbulo.
15. Sem prescindir de todo o supra exposto, e na hipótese da nossa posição não ter acolhimento junto de V. Exc. sempre se dirá que as penas parcelares se revelam excessivas.
16. Com efeito, atenta a idade do arguido, a ausência de antecedentes criminais, a postura confessória e de arrependimento patenteada em julgamento, aquelas penas poderiam situar-se mais próximo do seu limite mínimo legal, o que se deveria repercutir na pena única cominada, também ela, a aproximar-se do limite mínimo.
17. Aliás, mal se compreende que face à convolação efectuada pelo tribunal recorrido, sendo agora o arguido condenado pela comissão de um crime de furto qualificado, numa pena substancialmente inferior àquela outra anteriormente aplicada (onde existia uma pena de 6 anos passámos a ter uma pena de 3 anos e 6 meses), isso se tenha repercutido na pena única tão somente em menos 9 meses de prisão.
Normas violadas: art.º 131º e 132º do Cód. Penal, art.º 72ºe 73º do Cód. Penal e art.º 4º do Dec. Lei n.º 401/82.»
4. Em resposta, o Senhor Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação defende a improcedência do recurso, concluindo:
«1. O Acórdão recorrido bem andou ao não aplicar regime penal especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro
2. As penas de prisão parcelares mostram-se ajustadas à culpa e às exigências reclamadas pela prevenção especial e pela prevenção geral positiva (ou de integração), isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à norma violada.
3. A pena única de prisão em que o arguido foi condenado mostra-se justa, adequada e proporcional.
4. A ser assim, a argumentação apresentada pelo Recorrente não tem qualquer fundamento e como tal o douto Acórdão recorrido não merece nenhum reparo ou censura.»
5. Recebidos, foram os autos com vista ao Ministério Público, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitido parecer de concordância com a condenação e com o Ministério Público na Relação, nos seguintes termos:
«(…)
6 – Como flui das conclusões expostas, são objecto do recurso 1) a impugnação da matéria de facto provada, no que concerne à intencionalidade da acção de que veio a resultar a morte da vítima BB, 2) a não aplicação do regime penal especial consagrado pelo Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, e 3) a medida das penas aplicadas.
6.1 – Pugna o recorrente pela sua absolvição da prática de um crime de homicídio qualificado, considerando existir uma incorrecta subsunção dos factos ao direito (conclusão 1).
Isto porque apesar de (…) ter confessado todos os factos constantes da acusação, não confessou, como não poderia ter confessado, que ao efectuar um golpe denominado “mata leão”, à ofendida e falecida BB, esse golpe foi precedido de um juízo de prognose em que o resultado morte se representava como possível, como também não confessou que se tenha conformado com tal resultado (conclusão 2).
O arguido negou a intenção de matar a ofendida, logo porque, a sua intenção era roubar a vitima (conclusão 4), sendo que em momento algum desejou o resultado “morte”(conclusão 5).
Para ele, (…) tais hipóteses e cometimentos intelectuais que o Ministério Público imputou ao arguido e pelos quais este veio a ser condenado não têm correspondência alguma com a realidade (conclusão 6).
Reivindicando uma (…) fragilidade confrangedora em termos intelectuais, que se consubstanciou no facto incontornável de precisar de oito anos de escolaridade para concluir o terceiro ano (conclusão 7), refere que um jovem que já visualizou a pratica de vários golpes idênticos em variados contextos, e que tal como o signatário não tinha nem tem conhecimento de outro caso em que as vitimas destes golpes tenham falecido, não podia ter feito essa operação intelectual, que é prever o resultado morte como consequência da aplicação de um golpe do tipo referido, quanto mais conformar-se com esse resultado! (conclusões 8 e 9).
Nada disto é novo, não sendo senão uma reedição, nesta parte, do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa da decisão condenatória da 1ª Instância, o qual, apreciando tal matéria, rejeitou a pretensão do recorrente, acolhendo a compreensão do tribunal do julgamento, assim tendo resultado fixada a matéria de facto apurada em julgamento.
E o que é certo, o que o recorrente parece não ter presente, é que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º, assim o estabelecendo o artigo 434.º do C.P.P.
Não se está na presença de qualquer dos casos a que se refere esta última disposição legal.
Nestes termos, e nesta parte, caberá a rejeição do recurso, por legalmente inadmissível.
6.2 – Mais considera o recorrente, relativamente à não aplicação do disposto no n.º 4 do decreto lei n.º 401/82 (que) a mesma é inadmissível porquanto da sua aplicação não pode depender quer de estados de espirito, e deve ser uma realidade sempre que advenham da aplicação deste regime especial para jovens para a reinserção do arguido, o que, segundo ele, é flagrantemente o caso (conclusões 12 e 13), já que, sempre segundo o recorrente, Inexistem razões para a não aplicação deste regime e da consequente atenuação especial da pena nos termos dos art.º 72º e 73º do Cód. Penal, a menos que se considere que em nome das necessidades de prevenção geral se possa derrogar o texto legal do normativo, o espirito subjacente ao mesmo, quer no que tange ao corpo do decreto lei, como do seu preambulo (conclusão 14).
Como se sumariou no acórdão de 26.10.2023 deste Supremo Tribunal, proferido no processo n.º 911/21.0JALRA.C1.S1, da 5ª Secção, “a aplicação do regime penal relativo a jovens delinquentes entre os 16 e os 21 anos a que se refere o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, não constitui uma faculdade do juiz mas, antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos e a sua aplicação é tanto obrigatória como oficiosa”. Este regime específico ou regime-regra para jovens, não deixa, no entanto, de ser de aplicação não automática, exigindo, concomitantemente, a ponderação dos factos em conjunto com a personalidade do jovem condenado, dado que é pressuposto fundamental que existam sérias razões que convençam que da atenuação especial resultam vantagens para a reinserção social.”
Ainda segundo a jurisprudência constante deste Supremo Tribunal , “a atenuação especial da pena decorrente do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, só é de aplicar quando o conjunto dos factos apurados relativos ao ilícito, mas também às características da personalidade do arguido, à sua conduta anterior e posterior aos factos, à sua inserção social e familiar, revelar de forma clara que a atenuação especial da pena se traduzirá em efectivo contributo para a sua reinserção social.
A atenuação especial da pena não pode, assim, assentar no simples facto de o agente ter, à data dos factos, idade compreendida entre os 16 e os 21 anos de idade, nem tão pouco na circunstância de não se terem demonstrado factos que obstem à aplicação de tal medida. Como, aliás, não pode ser aplicada como voto de confiança ou manifestação de fé na reinserção social do jovem condenado.
Tem, isso sim, que assentar em factos positivos, isto é, na demonstração de circunstâncias que, globalmente consideradas, inculquem no julgador esse juízo seguro de que o arguido beneficiará, na sua reinserção social, dessa atenuação.”.
Tal foi também a compreensão perfilhada no acórdão recorrido, quando concluiu que (…) a existência no nosso ordenamento jurídico de um regime penal especial para jovens não significa que estes tenham necessariamente de dele beneficiar, devendo a aplicabilidade do mesmo ser sempre ponderada, e só sendo aplicado nos casos em que se mostrem satisfeitos os respectivos requisitos.
E na continuação:
No juízo de prognose a formular sobre a existência de vantagens para a reintegração na sociedade do jovem condenado devem ser tidas em conta todas a circunstâncias atinentes à ilicitude do facto (gravidade e suas consequências), à culpa (tipo e intensidade do dolo e fins que subjazem ao ilícito) e às necessidades de pena, tendo presentes a personalidade do jovem delinquente e suas condições pessoais, com destaque para o comportamento anterior e posterior aos factos, mas tendo ainda em atenção a sua inserção social.
No caso dos autos, o recorrente tem baixa escolaridade (concluiu o 3º ano de escolaridade). Não está integrado socialmente. A condição socioeconómica do agregado familiar revela-se precária e dependente de apoios sociais. Em liberdade era consumidor pontual de “haxixe”.
Não tem antecedentes criminais, mas tinha atingido a imputabilidade há 6 meses, pelo que tal não se afigura de relevo. A sua confissão foi parcial. Manifestou arrependimento.
Por outro lado, a ilicitude dos factos cometidos (e descritos no acórdão) é extremamente grave, tal como elevada é a culpa. Repare-se que o recorrente planeou cuidadosamente os factos, escolhendo a vítima, seguindo-a e matando-a na residência desta para se apropriar dos valores que ela possuía.
Em face deste quadro, podemos afirmar que não há sérias razões para crer que da atenuação especial resultem vantagens para a reinserção social do jovem. Pelo que bem andou o Tribunal recorrido ao não aplicar o Regime Penal Especial para Jovens ao recorrente.
Nenhuma censura suscita a decisão do Tribunal a quo de não aplicação do regime penal especial em causa (em confirmação da decisão da 1ª Instância), já que as expectativas de uma atenuação por via do regime penal especial para jovens não são sólidas nem consistentes, não sendo, por isso, de aplicar.
6.3 – Questiona, por fim, o recorrente a medida das penas parcelares a que foi condenado, e, reflexamente, também a da pena única aplicada, pretendendo serem as mesmas excessivas, pugnando pela sua redução para mais próximo dos respectivos mínimos legais, invocando, para tanto, a sua idade, a ausência de antecedentes criminais, a postura confessória e de arrependimento patenteada em julgamento.
Importa, pois, atentar nos fundamentos que, na decisão recorrida, presidiram à escolha e medida das penas, com reporte, compreensível, à decisão proferida em 1ª Instância:
[Transcrição]
Como se vê, o Tribunal a quo ponderou e valorou todos os elementos a que deveria atender: a culpa do agente, a ilicitude do facto, as circunstâncias que rodearam a sua prática e as suas consequências, o condicionalismo pessoal e sócio económico do recorrente e o que mais se apurou a seu favor e em seu desabono, e, por fim, as exigências de prevenção geral e especial que se evidenciam, não suscitando o menor reparo o exercício crítico que norteou a sua apreciação.
Assim, na ponderação de todos aqueles elementos, não se poderão ter por excessivas ou desajustadas as penas aplicadas, parcelares e única, esta fixada abaixo da média da penalidade aplicável, antes se configurando como adequadas e proporcionais à gravidade dos factos e à perigosidade do agente, e conformes aos critérios definidores dos artigos 40.º, n.º 1 e 2, 71.º e 77.º, do Código Penal, não se descortinando fundamento para que sejam reduzidas, já que nenhuma das razões invocadas pelo recorrente, com correspondência na matéria de facto provada, das quais não se alheou o Tribunal a quo, justifica uma alteração das penas aplicadas.
7 – Assim, e pelo que antecede, emite-se parecer no sentido de dever ser nos sobreditos termos rejeitado o recurso, no que respeita à impugnação da matéria de facto, e julgado improcedente, no que ao demais concerne.»
6. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o arguido nada disse.
7. Não tendo sido requerida audiência, seguiu o recurso para julgamento em conferência – artigo 419.º, n.º 3, al. c), do CPP.
Apreciando e decidindo.
II. Fundamentação
Dos factos
8. Mostram-se estabelecidos os seguintes factos, dados como provados no acórdão da 1.ª instância e que o tribunal da Relação manteve inalterados:
«1. Em data não concretamente apurada, mas anterior a 29.06.2022, o arguido AA delineou um plano para se apoderar de quantias monetárias de terceiros contra a sua vontade, utilizando para o efeito a superioridade e violência físicas;
2. O plano passava por frequentar agências bancárias, nomeadamente, em ..., a fim de escolher pessoas de idade mais avançada e/ou com dificuldades de locomoção e, consequentemente, com menor capacidade de resistência, que procedessem ao levantamento de substanciais quantias monetárias para destas o arguido se locupletar;
3. Assim, na execução desse plano:
4. No dia 29.06.2022, o arguido AA dirigiu-se para a agência da Caixa Geral de Depósitos de Odivelas, sita na Rua ..., ..., sentando-se num sofá ali localizado, com vista para o balcão;
5. Nessas circunstâncias de modo, tempo e lugar, ao aperceber-se que BB, idosa de 86 anos de idade, tinha procedido ao levantamento de 500 € que guardou na sua carteira, logo formulou o propósito de fazer sua essa quantia monetária, se necessário mediante intimidação e recurso a força física;
6. Assim, na prossecução dessa intenção, o arguido saiu da aludida agência e virou à direita, ficando a aguardar pela saída de BB junto da porta, a fim de seguir no seu encalço;
7. Quando BB saiu da agência bancária virou à esquerda, momento em que o arguido iniciou o seu seguimento;
8. O arguido foi seguindo BB ao longo das artérias de ..., guardando uma distância de segurança para evitar ser detetado, seguimento esse que durou uma hora e trinta minutos;
9. Desse modo, acompanhou BB até esta entrar na loja “K.....”, sita na Rua ..., onde esta permaneceu cerca de uma hora, entre as 12 horas e 28 minutos e as 13 horas e 37 minutos, ficando a aguardar pela sua saída;
10. Instantes depois, BB saiu da referida loja acompanhada da respetiva proprietária, CC, que, atenta a idade avançada e dificuldades de locomoção da primeira, resolveu ajudá-la, assim a acompanhando até à entrada do prédio da sua residência, sita na Avenida ...., em ..., sendo ambas sempre seguidas pelo arguido;
11. Chegadas à entrada do referido prédio pelas 13 horas e 45 minutos, BB entrou no mesmo e CC regressou à sua loja, ali permanecendo o arguido no exterior;
12. Instantes depois, de forma não apurada, o arguido logrou entrar no prédio e, a fim de descobrir qual era o apartamento de BB, tocou à campainha de diversas frações até que, quando tocou à campainha da fração ..., BB abriu a porta;
13. De imediato e sem que nada o fizesse prever, o arguido forçou a entrada no imóvel empurrando BB, tendo esta reagido procurando evitar que este se apoderasse dos seus bens;
14. Nessa sequência, o arguido entrou em confronto físico com BB e, posicionando-se por trás de si, colocou o braço à volta do seu pescoço, entrelaçando-o no outro braço e, utilizando o vulgarmente denominado golpe “mata-leão”, começou a apertar o mesmo e efetuou um movimento brusco, com o objetivo de cercear a sua capacidade de resistência e/ou evitar que pedisse ajuda e permitir àquele, desse modo, apoderar-se das quantias monetárias e objetos que lhe interessassem;
15. BB ainda procurou resistir, mas devido à grande diferença de idades e consequente força física, não o conseguiu, tendo com tal força física o arguido tirado a sua vida;
16. De seguida, o arguido fez uma busca pela casa, passando por todas as divisões, abrindo os armários e gavetas, nomeadamente, do móvel da sala, apoderando-se de diversos objetos em ouro de características não apuradas e de valor não concretamente determinado, mas superior a 102 €, bem como da quantia monetária de 500 € que se encontrava no interior da carteira localizada na cozinha e que BB havia levantado momentos antes;
17. Depois, na posse dos bens e de, pelo menos, da quantia monetária de 500 € abandonou a habitação, em passo normal, a fim de evitar levantar suspeitas, saindo pela porta do prédio e virando à esquerda;
18. Como consequência direta e necessária da conduta do arguido, BB sofreu fatura bilateral dos cornos superiores da cartilagem tiroide e lesões traumáticas nos tecidos moles do pescoço, bem como fratura da 2.ª vértebra cervical, com laceração completa da medula subjacente, lesão esta que determinou, direta e necessariamente, a sua morte;
19. Sabia o arguido que aquele imóvel era uma residência e se introduzia na mesma sem autorização e contra a vontade da legítima proprietária, BB;
20. Também sabia o arguido que os objetos e as quantias monetárias que se encontravam no interior da habitação e, mais concretamente, na carteira de BB, não lhe pertenciam e que atuava sem autorização e contra a vontade daquela, sua respetiva proprietária;
21. Não obstante, agiu o arguido com o propósito de se introduzir no aludido imóvel e de, com recurso a força física, fazer seus os objetos e as quantias monetárias que ali encontrasse e lhe pudessem interessar, o que logrou concretizar;
22. O arguido, com o objetivo de cercear a capacidade de resistência de BB não se coibiu, ainda, de utilizar a violência física descrita para concretizar os seus intentos, bem sabendo que molestava o seu corpo, o que representou, quis e logrou concretizar;
23. Ao atuar do modo acima descrito, sabia o arguido que ao acercar-se de BB pelas costas, entrelaçar os seus braços e apertando o pescoço da mesma, zona do corpo mais frágil onde passa a espinal medula e com pouca massa muscular devido à sua idade avançada, atuava de modo a provocar-lhe a morte, resultado esse que previu e com o qual se conformou;
24. Agiu o arguido motivado para suster a oposição de BB e evitar que esta pedisse ajuda e, desse modo, lograr apoderar-se, sem qualquer resistência ou incómodo, de todas as quantias monetárias e bens que encontrasse no interior da residência e lhe pudessem interessar;
25. Agiu ainda o arguido da forma supra descrita, bem sabendo que o fazia contra uma pessoa de idade avançada, debilitada fisicamente e que, por isso, tinha menor capacidade de resistência;
26. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, como crime;
Mais, provou-se que:
27. O arguido confessou parcialmente os factos e manifestou arrependimento pelos mesmos;
28. À data dos factos, AA vivia com a mãe, de 37 anos de idade, com a irmã DD, de 2 anos de idade e com a sua companheira EE, de ... anos de idade, com quem casou de acordo com os costumes e tradições da cultura ..., a que pertence;
29. A mãe do arguido referiu ter mantido, durante cerca de 5 anos, uma relação amorosa pautada por grande conflitualidade e agressividade ao qual atribui grande instabilidade no seio familiar, perturbando a sua dinâmica e a gestão do dia a dia da família, passando o arguido a manifestar instabilidade emocional e absentismo escolar, tornando-se muito difícil para a sua mãe supervisionar as suas rotinas e modo de vida;
30. O arguido entrou na escola em idade normativa, mas apresentou uma trajetória escolar caracterizada por falta de interesse pelos estudos, dificuldades na aquisição das matérias e absentismo, tendo reprovado várias vezes e abandonado a escola aos 14 anos de idade, apenas tendo completado o 3.º ano de escolaridade;
31. Antes de preso preventivamente, AA não apresentava qualquer ocupação formativa/lúdica estruturada, ocupando o seu tempo livre no convívio com a família ou com amigos;
32. Presentemente, AA reconhece a importância da formação escolar/ profissional para o seu futuro frequentando, no Estabelecimento Prisional, um curso para aquisição de competências básicas;
33. AA perceciona a situação económica da família como suficiente, sendo o seu sustento e o da companheira assumido pela mãe e pelos pais da companheira;
34. O agregado familiar apresentava uma situação económica sustentada nos apoios sociais, sendo a mãe beneficiária, à data dos factos, do Rendimento Social de Inserção, num valor mensal de 310 €, recebendo o abono de crianças e jovens atribuído à irmã do arguido de 2 anos de idade, num valor mensal de 150 €;
35. A situação económica do agregado familiar foi descrita pela mãe do arguido como escassa;
36. A zona de residência do arguido é conotada com problemas de exclusão social e marginalidade;
37. No Estabelecimento Prisional o arguido mantém acompanhamento psicológico;
38. Em meio livre o arguido tinha consumos pontuais de haxixe, encontrando-se atualmente abstinente em meio prisional;
39. No Estabelecimento Prisional o arguido tem visitas regulares do irmão e da companheira, contactando telefonicamente com a mãe, por esta se encontrar presa preventivamente;
40. A família demonstra total disponibilidade para apoiar o arguido no que se mostrar necessário;
41. O arguido não atesta qualquer condenação no seu registo criminal;
42. FF, nascido em ........1956, é filho de BB.»
Do objeto e âmbito do recurso
9. O recurso, que é circunscrito a matéria de direito (artigo 434.º do CPP), tem, pois, por objeto um acórdão da Relação proferido em recurso, que confirmou a decisão de aplicação de uma pena única superior a 8 anos de prisão, recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça [artigos 399.º, 400.º, n.º 1, al. f), e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP].
O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso, se necessário à boa decisão de direito, de vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995), de nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e de nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro).
10. Tendo em conta as conclusões da motivação, este Tribunal é chamado a apreciar e decidir:
(a) Se se verifica «uma incorrecta subsunção dos factos ao direito» (conclusões 1 a 11);
(b) Se a pena deve ser especialmente atenuada, em aplicação do regime especial dos jovens adultos (Decreto-Lei n.º 401/82) (conclusões 12 a 14;
(c) Se as penas parcelares e única são «excessivas» (conclusões 15 a 17).
11. Tendo o recorrente sido condenado, em primeira instância, numa pena de 6 anos de prisão pela autoria de um crime de roubo agravado, que a Relação reduziu para 3 anos e 6 meses por alteração da qualificação jurídica dos factos para um crime de furto qualificado; numa pena de 16 anos de prisão pela prática de um crime de homicídio qualificado, que a Relação manteve inalterada, e, em cúmulo, na pena única de 18 anos de prisão, que a Relação reduziu para 17 anos e 3 meses de prisão, há que, antes de mais, verificar a recorribilidade do acórdão do tribunal da Relação (seguindo-se, de perto, o acórdão de 21.02.2024, Proc. n.º 424/21.0PLSNT.S1.L1.S1, em www.dgsi.pt).
Da admissibilidade do recurso
12. Dispõe o artigo 400.º, n.º 1, al. e), do CPP que «não é admissível recurso (…) de acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância».
Por sua vez, a alínea f) do mesmo preceito estabelece que «não é admissível recurso (…) de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos».
A al. f), na redação vigente, introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, foi justificada por um «desígnio de celeridade associado à presunção de inocência e à descoberta da verdade material», tendo em conta que «o direito de recurso constitui uma garantia de defesa, hoje explicitada no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, e um corolário da garantia de acesso ao direito e aos tribunais (artigo 20, n.º 1, da Constituição)» (exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 109/X, que lhe esteve na origem).
Nos termos do artigo 432.º, n.º 1, al. b), do CPP, que a Lei n.º 94/2021 manteve inalterada, recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça «de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas Relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º» (que enumera as exceções ao regime-regra de recorribilidade dos acórdãos, sentenças e despachos, previsto no artigo 399.º).
13. Da conjugação destas disposições legais resulta que só é admissível recurso de acórdãos das relações, proferidos em recurso, que apliquem penas superiores a 8 anos de prisão, penas superiores a 5 anos e não superiores a 8 anos de prisão em caso de não confirmação da decisão da 1.ª instância ou penas inferiores a 5 anos ou de substituição em caso de absolvição em primeira instância, regra que é aplicável quer se trate de penas singulares quer se trate de penas que, em caso de concurso de crimes, sejam aplicadas a cada um dos crimes em concurso (penas parcelares) ou de penas conjuntas aplicadas a esses crimes.1
Conforme jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal de Justiça, apenas é admissível recurso de decisão confirmatória da Relação – casos de “dupla conforme”(confirmação da condenação) incluindo a confirmação in mellius (confirmação da condenação em pena inferior à aplicada em primeira instância) –, quando a pena aplicada for superior a oito anos de prisão, constituindo objeto de conhecimento do recurso apenas as questões que se refiram a condenações em pena superior a oito anos, seja esta uma pena parcelar ou uma pena única.2
14. Como se tem assinalado, este regime efetiva de forma adequada a garantia do duplo grau de jurisdição, quer em matéria de facto, quer em matéria de direito, consagrada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição enquanto componente do direito de defesa em processo penal3, reconhecida em instrumentos internacionais que vigoram na ordem interna e vinculam o Estado Português ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos [artigo 14.º, n.º 5, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP, ONU) e artigo 2.º do Protocolo n.º 7 à Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais (CEDH, Conselho da Europa)].
Em «jurisprudência ampla, sucessiva e reiterada», vem o Tribunal Constitucional reafirmando que o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição «não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição» ou de «um duplo grau de recurso», em relação a quaisquer decisões condenatórias. Citando o acórdão n.º 57/2022, com abundante referência de jurisprudência: «(…) não decorre do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição o direito a um triplo grau de jurisdição em matéria penal, dispondo o legislador de liberdade de conformação na definição dos casos em que se justifica o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça (…), posto que os critérios consagrados não se revelem arbitrários, desrazoáveis ou desproporcionados. Acresce que este Tribunal tem também reiteradamente entendido não ser arbitrário, nem manifestamente infundado, reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, por via de recurso, aos casos mais graves, aferindo a gravidade relevante pela pena que, no caso, possa ser aplicada (…).»4
15. Estando o Supremo Tribunal de Justiça, por razões de competência, impedido de conhecer do recurso interposto de uma decisão, encontra-se também impedido de conhecer de todas as questões processuais ou de substância que lhe digam respeito.5
16. Assim, atento o disposto nos artigos 399.º, 400.º, n.º 1, al. e) e f), e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP, sendo de 3 anos e 6 meses a pena aplicada ao crime de furto qualificado, em resultado de diferente qualificação jurídica dos factos a que, pela prática de um crime de roubo agravado, a 1.ª instância havia aplicado uma pena de 6 anos de prisão, o recurso para este Supremo Tribunal de Justiça não é admissível nesta parte.
Dispõe o artigo 420.º, n.º 1, al. b), do CPP que o recurso é rejeitado sempre que se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão, de acordo com n.º 2 do artigo 414.º, segundo o qual o recurso não é admitido quando, entre outros motivos, a decisão for irrecorrível.
Nesta conformidade, é, pois, o recurso rejeitado quanto à questão da medida da pena aplicada ao crime de furto qualificado, limitando-se a sua apreciação às questões do crime e da pena aplicada ao crime de homicídio e da pena única aplicada aos crimes em concurso.
Quanto à subsunção dos factos ao direito [supra, 11 (a)]
17. Em síntese, o arguido «pugna» pela «absolvição da prática de um crime de homicídio qualificado, porquanto considera existir uma incorrecta subsunção dos factos ao direito» com fundamento em que, «apesar de o arguido ter confessado todos os factos constantes da acusação, não confessou, como não poderia ter confessado, que ao efectuar um golpe denominado “mata leão”, à ofendida e falecida BB, esse golpe foi precedido de um juízo de prognose em que o resultado morte se representava como possível, como também não confessou que se tenha conformado com tal resultado», alegando, a este propósito que não teve intenção de matar («a sua intenção era roubar a vítima», afirma), nem previu nem podia prever o resultado morte, nem, mais ainda, conformar-se com esse resultado.
Considera assim, que apenas poderá ser condenado como autor de «um crime de roubo agravado pelo resultado morte, ou seja, pela prática de factos que se destinaram a consumar um crime de roubo, mas que fruto das circunstâncias descambaram para um resultado verdadeiramente funesto.»
18. Confundem-se nesta argumentação dois planos de análise: o da matéria de facto, que se relaciona com a prova, em particular a prova por confissão, e com a determinação dos factos provados, e o da matéria de direito, que respeita à qualificação jurídica dos factos provados.
19. Esta questão foi suscitada no recurso para o tribunal da Relação, que a apreciou e decidiu dizendo no acórdão recorrido:
«Da integração jurídica…
Alega o recorrente que a única solução jurídica idónea para a subsunção dos factos praticados pelo arguido é integrá-la no disposto no n.º 3 do art. 210.º do Cód. Penal, como autor material de um crime de roubo agravado pelo resultado morte.
Dispõe o art. 210.º do Cód. Penal que:
«1 - Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel ou animal alheios, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.
2 - A pena é a de prisão de 3 a 15 anos se:
a) Qualquer dos agentes produzir perigo para a vida da vítima ou lhe infligir, pelo menos por negligência, ofensa à integridade física grave; ou
b) Se verificarem, singular ou cumulativamente, quaisquer requisitos referidos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 204.º, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.º 4 do mesmo artigo.
3 - Se do facto resultar a morte de outra pessoa, o agente é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos.»
No caso em análise, resultou provado que o recorrente, apercebendo-se que BB, idosa de 86 anos de idade, tinha procedido ao levantamento de 500 € que guardou na sua carteira, seguiu-a até à entrada do prédio da sua residência, entrou no prédio, tocou à campainha da fração onde BB residia e, quando esta abriu a porta, forçou a entrada no imóvel, empurrando-a, e como esta reagiu, o recorrente, utilizando o vulgarmente denominado golpe “mata-leão”, apertou-lhe o pescoço e efetuou um movimento brusco, com o objetivo de cercear a sua capacidade de resistência e/ou evitar que pedisse ajuda, permitindo-lhe apoderar-se das quantias monetárias e objetos que lhe interessassem. Por força da descrita conduta o recorrente tirou a vida a BB, após o que fez uma busca pela casa, apoderando-se de diversos objetos em ouro de características não apuradas e de valor não concretamente determinado, mas superior a 102 €, bem como da quantia monetária de 500 € que BB havia levantado momentos antes.
Mais resultou provado que o recorrente sabia que aquele imóvel era uma residência e se introduzia na mesma sem autorização e contra a vontade da legítima proprietária, BB, bem como que os objetos e as quantias monetárias de que se apropriou não lhe pertenciam e que atuava sem autorização e contra a vontade da respetiva proprietária; não obstante, agiu com o propósito de se introduzir no aludido imóvel e de, com recurso a força física, fazer seus os objetos e as quantias monetárias que ali encontrasse e lhe pudessem interessar, o que logrou concretizar. E resultou provado que o recorrente, ao utilizar a violência física descrita, sabia que o fazia contra uma pessoa de idade avançada, debilitada fisicamente e que, por isso, tinha menor capacidade de resistência, sabendo também que actuava de modo a provocar a morte de BB, resultado que previu e com o qual se conformou, agindo sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Resultou também provado que o recorrente agiu com o objectivo de suster a oposição de BB e evitar que esta pedisse ajuda e, desse modo, lograr apoderar-se, sem qualquer resistência ou incómodo, de todas as quantias monetárias e bens que encontrasse no interior da residência e lhe pudessem interessar.
O que cabe decidir é se a conduta do recorrente integra a prática dos crimes de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131.º e 132.º, n.º 2, alíneas c), e) e g), ambos do Cód. Penal; e de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), por referência ao art. 204.º, n.º 1, alínea f), ambos do Cód. Penal – por que foi condenado – ou apenas de roubo agravado p. e p. pelo art. 210.º, n.º 3 do Cód. Penal, tal como defende o recorrente.
Tem vindo a doutrina e a jurisprudência a entender, de forma unânime, que quando numa mesma ocasião ocorrem os crimes de roubo doloso e de homicídio doloso dá-se um concurso efectivo de crimes.
Poderia perguntar-se se, constituindo a previsão do nº 3 do art. 210º do Cód. Penal, um crime preterintencional, não poderia abranger também o homicídio com dolo eventual, atenta a definição do art. 18.º do Cód. Penal de que “quando a pena aplicável a um facto for agravada em função da produção de um resultado, a agravação é sempre condicionada pela possibilidade de imputação desse resultado ao agente pelo menos a título de negligência”.
De facto, a referência a “pelo menos a título de negligência”, poderia inculcar a ideia de abranger uma possível imputação de resultado dolosa.
Todavia esta questão é respondida pelo Prof. Figueiredo Dias (Direito Penal, Parte Geral, tomo I, 2ª edição, p. 320) da seguinte forma: “problema interessante que pode suscitar-se é o de saber se, ao afirmar a lei que o resultado agravante deve ser imputável ao agente “pelo menos a título de negligência”, ela quer admitir que, em certos casos, aquele possa ser dolosamente produzido (o que seria de todo impossível nos quadros do crime preterintencional). (…) Todavia uma resposta afirmativa à questão posta justifica-se do duplo ponto de vista acima expendido: porque o resultado agravante pode não constituir, tomado autonomamente, um crime – caso em que a agravação resultante do concurso de crimes estaria automaticamente afastada; e depois porque, mesmo que constitua um crime, pode a sua punibilidade autónoma ser restrita às hipóteses de dolo directo, e todavia o resultado agravante ter sido produzido apenas com dolo eventual. E talvez ainda (e sobretudo) porque quando a produção dolosa do resultado mais grave constituísse o fim da conduta, um concurso efectivo deste crime com o crime doloso antecedente (assim e agora transformado em crime-meio) poderia não dever ser aceite”.
Assim, nada obsta a que se afirme que o concurso entre o tipo legal do crime de roubo e o de homicídio doloso (mesmo que o dolo seja eventual) é um concurso efectivo.
Pode ler-se no Comentário Conimbricense do Código Penal (tomo II, vol. I, p. 212) que “Entre o tipo legal de roubo e o de homicídio doloso (…) haverá concurso efectivo de crimes – o nosso CP não conhece a figura do latrocínio (…) já entre o roubo e o homicídio negligente (…) poderá haver concurso aparente, aplicando-se o tipo legal de roubo agravado (art. 210.º-3)” e continua na p. 228 “Não cabe neste preceito o latrocínio – roubo doloso com homicídio doloso (figura prevista no CP de 1886, art. 433.º) para caber tal situação o legislador teria de se referir expressamente ao homicídio doloso (cf. Damião da Cunha, RPCC 1992 576 ss.). Assim uma situação em que ocorra um roubo doloso e um homicídio doloso originará um concurso de crimes (neste sentido, entre outros, Ac. STJ de 02-11-2010).
Se o homicídio for cometido para preparar, facilitar ou encobrir o roubo (ou o furto) não estaremos perante este preceito, mas sim perante um concurso de crimes (roubo ou furto consoante a situação, em concurso com homicídio qualificado – art. 132.º f)), desde logo porque se trata de um homicídio doloso (…)”.
Na jurisprudência pode ver-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 25.05.2000 (Proc. 0082289) com o seguinte sumário: “I- com o CP/82 desapareceu a figura criminal complexa do latrocínio, pelo que as situações de roubo acompanhado de homicídio da vítima passaram a constituir concurso criminoso de roubo e de homicídio. II- O artigo 210º3 do CP (roubo agravado pela morte da vítima) implica que a morte da vítima de crime de roubo se fique a dever a negligência, simples ou grave, do agente” – no mesmo sentido cfr. os Acórdãos do STJ de 11.06.1997 (Proc. 96P1451); de 18.03.1999 (P. 98P1116); e de 15.10.2014 (Proc. 107/13.4JACBR.C1.S1).
No último acórdão referido pode ler-se que o crime “previsto no n.º 3 do art. 210.º do CP (…) é um crime preterintencional, caracterizado pela conjunção de um crime fundamental doloso (roubo) com um resultado (morte) provocado pela conduta do agente, não compreendido no dolo, mas imputável a título de negligência, consciente ou inconsciente (art. 18º do CP).
Se o resultado morte for imputável a título doloso (em qualquer das suas modalidades), a conduta já não é subsumível ao art. 210.º, n.º 3. Nesse caso, constituirá um concurso efetivo de crimes: roubo e homicídio. Na verdade, não é possível configurar um concurso aparente entre esses crimes, ao contrário do que sucederá no concurso do roubo com o sequestro, a ofensa à integridade física ou a ameaça”.
Pelo que, em casos como o dos autos, não há dúvida que estamos perante um concurso efectivo de crimes.
Contudo, no concurso que se verifica, a conduta que integrava o crime de roubo deixa de manter a tipicidade como tal.
Assim se decidiu no recente Acórdão do STJ de 23.06.2021 (proc. 42/20.0JSGRD.C1.S1), bem como no Acórdão do STJ de 29.10.2009 (proc. 508/05.1GLLE.S1) em cujo sumário consta: “I - Nas situações em que ocorre um roubo doloso e um homicídio doloso origina-se um concurso de crimes. O crime de roubo consome as ofensas corporais ínsitas na violência, as ofensas corporais graves e o homicídio negligente, mas não o homicídio doloso. II - No caso em que o homicídio se destina a facilitar a execução da apropriação dos bens da vítima o concurso estabelece-se entre o homicídio e o furto e não entre o homicídio e o roubo, pois a violência já é punida no âmbito do homicídio.”
Este acórdão é também citado no Comentário Conimbricense do Código Penal ((tomo II, vol. I, p. 228), onde se refere que «A única dúvida seria a de saber se o concurso se estabelece com o roubo se com o furto; o citado acórdão considera que “No caso em que o homicídio se destina a facilitar a execução da apropriação dos bens da vítima o concurso estabelece-se entre o homicídio e o furto e não entre o homicídio e o roubo, pois a violência já é punida no âmbito do homicídio”. Porém, cremos que o concurso será com o roubo, se a violência exercida para subtrair o bem se puder distinguir da usada para matar – p. ex., se o agente usa de violência para subtrair o bem e depois mata para encobrir o roubo.»
No caso que agora analisamos, tendo o recorrente matado a vítima logo que entrou na residência desta, após o que fez uma busca pela casa, apoderando-se de diversos objetos em ouro de características não apuradas e de valor não concretamente determinado, mas superior a 102 €, bem como da quantia monetária de 500 €, podemos concluir que a violência exercida sobre a vítima é punida no âmbito do crime de homicídio e a subsequente apropriação de bens integra a tipicidade objectiva e subjectiva do crime de furto qualificado p. e p. pelos arts. 203.º e 204.º, n.º 1, alínea f), do Cód. Penal.
Estamos, portanto, perante um erro de direito não alegado pelo recorrente.
De acordo com o Acórdão da Relação do Porto de 10.09.2008 (Proc. nº 0841369) “Ainda que não incluído (directamente) no objecto do recurso, afigura-se-nos estar ínsito na natureza e finalidades dos Recursos a correcção, pelo Tribunal Superior, de eventuais erros de Direito que, pela sua relevância, entenda ser de suprimir; sem prejuízo, é evidente, da proibição de reformar a decisão em sentido mais desfavorável ao condenado (“reformatio in pejus”).
Nesse sentido se pronunciam Simas Santos e Leal-Henriques (Recursos em Processo Penal, Editora Rei dos Livros, 6º Ed. 2007, pp. 86-87), qualificando tal entendimento como “tributário da concepção dos poderes de cognição do Tribunal Superior em matéria de indagação e aplicação do Direito (v.g. da qualificação jurídica), poderes só limitados pela proibição da reformatio in pejus.”
Na referida obra é, mesmo, citado o Ac. do STJ, de 15/09/1993 (in BMJ, p. 429-501): “Decidiu o STJ no Ac. 19/10/2000, Proc. nº 2803/00-5: «ainda que o recorrente não ponha concretamente em causa a incriminação definida pelo Colectivo (no caso, o objecto do recurso circunscreve-se à questão da medida da pena aplicada), não pode nem deve o STJ – enquanto Tribunal de Revista e órgão, por excelência e natureza, mentor de Direito – dispensar-se de reexaminar a correcção das subsunções.”
Este entendimento será extensível aos Tribunais de Relação, com equivalente poder decisório – embora em escala hierárquica diferente –, ao nível do reexame da matéria de Direito”.
Também no Acórdão do STJ de 2.04.2008 (Proc. nº 07P4197) se decidiu que “Aquele objectivo único assim expresso pelo recorrente não impede, porém, este Supremo Tribunal de indagar, por iniciativa própria, da correcção da subsunção jurídica feita no acórdão recorrido, ou averiguar se efectivamente se está perante caso de concurso real de infracções, como tem sido entendido por este Tribunal em vários arestos, invocando-se o Acórdão 4/95, de 07-06-1995, in DR, I Série, de 06-07-1995, e BMJ 448, 107, que então decidiu: “O Tribunal Superior pode, em recurso, alterar oficiosamente a qualificação jurídico-penal efectuada pelo tribunal recorrido, mesmo para crime mais grave, sem prejuízo, porém, da proibição da reformatio in pejus”.
Mesmo quando o recorrente não ponha operativamente em causa a incriminação definida pelas instâncias, não pode nem deve o STJ - enquanto tribunal de revista e órgão por excelência e natureza, mentor de direito - dispensar-se de reexaminar a correcção das subsunções”.
O que significa que a punição pelo crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), por referência ao art. 204.º, n.º 1, alínea f), ambos do Cód. Penal, não pode subsistir e, nestes termos, altera-se a qualificação jurídica imputada ao recorrente, que se queda pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203.º e 204.º, n.º 1, alínea f), do Cód. Penal (sem necessidade de se proceder à comunicação a que alude o n.º 3 do art. 358.º do Cód. Proc. Penal porque a alteração determina a convolação para crime menos grave).»
20. Como resulta do teor do acórdão recorrido, o arguido, visando o acórdão da Relação, reedita perante o Supremo Tribunal de Justiça os argumentos do recurso perante a Relação.
Diz agora (na fundamentação) que vem «pugnar novamente pela sua absolvição da prática de um crime de homicídio qualificado em que foi condenado pelo tribunal de julgamento e bem assim pelo Tribunal da Relação de Lisboa, porquanto na sua perspectiva continua a haver no acórdão ora recorrido uma enorme discrepância entre a correcta subsunção ao direito dos factos assumidos e praticados pelo arguido, e aquela levada acabo por este Venerando Tribunal».
Assentando a sua argumentação num pretenso erro na apreciação da prova decorrente da divergência entre o que confessou e o que o tribunal deu como provado, diz:
«O recorrente na audiência de discussão e julgamento confessou todos os factos de que vinha acusado (não se percebendo assim a referência feita no acórdão em crise a uma “confissão parcial”) não apondo a esta confissão quaisquer reservas no que a factos concerne.
Tanto assim foi, que o Ministério Público prescindiu de toda a produção de prova testemunhal arrolada pela acusação.
Negou contudo e de uma forma peremptoria ter tido a intenção de tirar a vida à ofendida ou ter previsto este resultado – morte – e não obstante, se ter conformado com o mesmo e prosseguido na sua acção.
E, o recorrente não poderia ter apresentado uma versão diferente.
Não vislumbramos como se pode concluir e dar como provado que o arguido, um jovem de 16 anos desejasse tirar a vida de outrem (uma pessoa desconhecida) pela circunstância de ter previsto que ao aplicar um único golpe denominado “mata leão” lhe poderia retirara existência.
Essa previsão, todos esses raciocínios, toda essa elaboração ou construção intelectual, é fantasiosa e insusceptivel de ter resultado como provada.
Porque na realidade, o recorrente para além de quase analfabeto, é intelectualmente indigente e como tal despido de conhecimentos e informação que lhe permitisse calcular, que ainda que remotamente, que da aplicação do referido golpe poderia resultar para a vitima a perda da vida.
Acresce que, e para mal dos pecados das células do cérebro do recorrente, estas há muito eram fustigadas por um consumo anómalo de substancias estupefacientes proibidas que redundaram numa verdadeira falência mental cuja existência implica para a sua pessoa uma inabilidade permanente para ligar sequer dois pensamentos básicos.»
Para daqui concluir que:
«Assim, deverá o arguido ser absolvido da prática do crime de homicídio qualificado e pelas razões expostas e deverá outrossim ser condenado como autor material de um crime de roubo agravado pelo resultado morte p.p. pelos n.º 1 e 3 do art.º 210.º do CP.»
21. Como já se notou, o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça é restrito a matéria de direito, sem prejuízo de poder ter por fundamento os vícios e nulidades a que se refere o n.º 2 do artigo 410.º do CPP nos casos de recurso direto (per saltum) de acórdão da 1.ª instância ou de acórdão da Relação julgando em 1.ª instância, o que não é o caso. Dispõe o artigo 434.º («Poderes de cognição»): «O recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º».
Querendo impugnar a decisão em matéria de facto, o arguido dirige-se – como se dirigiu – ao tribunal da Relação, onde se esgota o conhecimento das questões que lhe respeitam [artigo 428.º («Poderes de cognição») do CPP: «As relações conhecem de facto e de direito»].
22. No recurso para a Relação impugnou o arguido, embora deficientemente (por não cumprimento do ónus de especificação imposto pelo artigo 412.º, n.º 3, al. a) e b), e 4, do CPP), o ponto 23 da matéria de facto provada, decisivo para a condenação pela prática do crime de homicídio («23. Ao atuar do modo acima descrito, sabia o arguido que ao acercar-se de BB pelas costas, entrelaçar os seus braços e apertando o pescoço da mesma, zona do corpo mais frágil onde passa a espinal medula e com pouca massa muscular devido à sua idade avançada, atuava de modo a provocar-lhe a morte, resultado esse que previu e com o qual se conformou»). E alegou contradição entre esse facto e o indicado no ponto 14 («14. Nessa sequência, o arguido entrou em confronto físico com BB e, posicionando-se por trás de si, colocou o braço à volta do seu pescoço, entrelaçando-o no outro braço e, utilizando o vulgarmente denominado golpe “mata-leão”, começou a apertar o mesmo e efetuou um movimento brusco, com o objetivo de cercear a sua capacidade de resistência e/ou evitar que pedisse ajuda e permitir àquele, desse modo, apoderar-se das quantias monetárias e objetos que lhe interessassem).
Apreciando o recurso em matéria de facto, a Relação, em decisão que não merece reparo, considerou que o recorrente «não cumpre nenhum dos requisitos exigidos pelo art. 412.º, não parecendo pretender recorrer à impugnação ampla» e que «ainda que o recorrente não o refira expressamente, é cristalino que o que está agora em causa é somente uma impugnação de âmbito restrito, concretamente para apreciação da existência dos vícios previstos nas alíneas b) e c) do art. 410.º 2 do Código citado».
E, assim, apreciou a alegada verificação do vício de contradição entre os pontos 23 e 14 da matéria de facto provada, dizendo, em conclusão não passível de crítica, que «Não existe, assim, qualquer contradição entre estes factos, muito menos insanável».
23. Para além disso, invocou a existência do vício de erro notório na apreciação da prova, ao alegar «que o facto dado como provado em 23) devia antes ter sido considerado como não provado, já que é uma conclusão de uma presunção de culpabilidade, a retirar dos restantes factos provados, os quais se analisados não permitem tal conclusão».
Alegação que mereceu a seguinte apreciação e decisão, não merecedora de censura, do tribunal da Relação:
«Efetivamente, resulta do acórdão recorrido que o recorrente tinha 16 anos de idade à data da prática dos factos e que abandonou a escola aos 14 anos de idade, tendo completado apenas o 3º ano de escolaridade. Todavia, admitindo como certo que não tenha conhecimentos de medicina, já não pode admitir-se que não tenha os gerais conhecimentos de anatomia que toda a gente tem – independentemente da idade ou do grau académico – e que permitem discernir os locais do corpo que, se atingidos, podem ter graves consequências para a vida. Assim é quando há agressões fortes (murros ou pontapés) na cabeça, ou quando se aperta o pescoço de alguém, seja estrangulamento ou golpe mata-leão, ou quando se aperta o pescoço de alguém com o braço, por trás, fazendo depois um movimento brusco por forma a partir o pescoço de quem está imobilizado.
Repare-se que o recorrente não se limitou a aplicar o golpe “mata-leão” – que, se aplicado durante tempo prolongado seria suficiente para tirar a vida à vítima, na medida em que a impedia de respirar – ainda efectuou um movimento brusco que lhe fracturou a coluna. Com efeito, tal como resultou provado no facto 18), a vítima não sofreu apenas lesões traumáticas nos tecidos moles do pescoço, sofreu também fractura bilateral dos cornos superiores da cartilagem tiroide e fractura da 2.ª vértebra cervical, com laceração completa da medula subjacente, lesão esta que determinou, direta e necessariamente, a sua morte.
O recorrente, ao posicionar-se atrás de BB, colocando um o braço à volta do seu pescoço, entrelaçando-o no outro braço e, utilizando o vulgarmente denominado golpe “mata-leão”, começando a apertar o mesmo, e efectuando um movimento brusco (facto provado 14), sabia que actuava de modo a poder provocar-lhe a morte, como qualquer pessoa sabe, prevendo, por isso, o resultado.
E não se coibiu de assim agir, pelo que, além de prever o resultado, conformou-se com ele [facto provado 23) in fine]. Agiu com dolo eventual.
Por isso, não se pode concluir pela existência de erro notório na apreciação da prova.»
24. Saber se a alegada divergência entre a confissão e os factos provados constitui erro a corrigir é, pois, uma questão relacionada com a matéria de facto já definitivamente decidida pelo tribunal da Relação, que não se inscreve na competência do Supremo Tribunal de Justiça, que, como já se afirmou, apenas julga de direito, com base nos factos provados e estabilizados pelo acórdão do tribunal da Relação, no pressuposto de que tal acórdão não sofre de vício ou nulidade que este Supremo Tribunal deva conhecer oficiosamente em vista da boa decisão de direito.
No caso, não se identifica, no acórdão da Relação, qualquer dos vícios a que se refere o n.º 2 do artigo 410.º do CPP – insuficiência da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão ou erro notório na apreciação da prova –, nem pelo arguido vem invocado qualquer desses vícios, que imputa ao acórdão condenatório da 1.ª instância, sendo que, não podendo constituir fundamento do recurso, sempre poderiam ser oficiosamente conhecidos.
Nesta conformidade, resta apreciar se, ao proceder à qualificação jurídica dos factos, o acórdão recorrido cometeu erro de direito que deva ser corrigido, no âmbito dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, o que, no caso, dadas as penas aplicadas, se limita ao crime de homicídio, sem prejuízo de, se for caso disso, se extraírem as consequências quanto aos demais.
Antecipando a conclusão, a resposta não pode deixar de ser negativa.
25. Como se viu, o acórdão recorrido apreciou a questão, colocada no recurso, de saber se os factos, diversamente do decidido em 1.ª instância, apenas constituíam um crime de roubo agravado pelo resultado morte – artigo 210.º, n.º 3 do CP – e não um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131ºº e 132.º, n.º 2, alíneas c), e) e g), do CP, e um crime de roubo agravado, p. e p. pelo artigo 210.º, nºs 1 e 2, alínea b), por referência ao artigo 204.º, n.º 1, alínea f), do Cód. Penal, em concurso efetivo, por que vinha condenado.
E, afastando a pretendida punição pelo n.º 3 do artigo 210.º do CP, concluiu pela verificação de um concurso de crimes – do crime de homicídio qualificado, cuja qualificação manteve inalterada, e de um crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203º e 204º, nº 1, alínea f), do CP.
Na alegação perante o este Supremo Tribunal limita-se também a reeditar a argumentação que apresentou perante o tribunal da Relação, renovando a posição anteriormente assumida de que os factos apenas constituem o crime de roubo qualificado pelo resultado morte, nos termos do n.º 3 do artigo 210.º do CP.
26. O acordo recorrido, em detalhada e consistente fundamentação sobre as relações entre o tipo de crime de homicídio e o de roubo, convoca conhecida jurisprudência deste tribunal – nomeadamente os acórdãos de 29.10.2009 (Santos Carvalho), Proc. 508/05.1GLLE.S1 e de 15.10.2014 (Maia Costa), Proc. 107/13.4JACBR.C1.S1 ambos publicados em www.dgsi.pt – , com apoio, na doutrina, em Figueiredo Dias (Direito Penal, Parte Geral, tomo I, 2ª edição, e Comentário Conimbricense do Código Penal, com comentário de Conceição Ferreira da Cunha ao artigo 210.º, n.º 3).
27. Tendo em conta esta jurisprudência e a doutrina que a suporta, não se encontram motivos de divergência quanto ao afastamento da punição pelo artigo 210.º, n.º 3, do CP.
No acórdão de 15.10.2014, Proc. 107/13.4JACBR.C1.S1) concluiu-se que: «O tipo legal p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 3, do CP é um crime preterintencional, caracterizado pela conjunção de um crime fundamental doloso (roubo) com um resultado (morte) provocado pela conduta do agente, não compreendido no dolo, mas imputável a título de negligência, consciente ou inconsciente. Se o resultado morte for imputável a título doloso (em qualquer das suas modalidades), a conduta já não é subsumível ao art. 210.º, n.º 3, do CP».
Neste mesmo sentido, Maia Gonçalves, Código Penal Português anotado e comentado, 18.ª ed., 2007, p. 763: «O dispositivo do n.º 3 significa que deve haver nexo de causalidade entre o facto praticado pelo autor do roubo e a morte de outra pessoa. Mas a morte terá de ser imputada ao agente do roubo a título de negligência. Se não for possível imputar-lhe esse resultado a título de negligência, o dispositivo não será aplicável, em virtude do princípio gera e irrenunciável formulado no art. 18.º. E se o resultado (morte de outra pessoa) puder ser imputado dolosamente ao autor do roubo, terá ele também cometido um crime de homicídio doloso, devendo a natureza do concurso ser apurada perante cada caso concreto: normalmente tratar-se-á então de um homicídio qualificado (artigo 132.º, n.º 2, al. f)), já não existe agora o crime autónomo de latrocínio, previsto em alguns códigos do direito comparado e que o CP de 1886 previa no art. 433.º».
No acórdão de 29.10.2009, Proc. 508/05.1GLLE.S1 já se havia concluído que «I - Nas situações em que ocorre um roubo doloso e um homicídio doloso origina-se um concurso de crimes. O crime de roubo consome as ofensas corporais ínsitas na violência, as ofensas corporais graves e o homicídio negligente, mas não o homicídio doloso. II - No caso em que o homicídio se destina a facilitar a execução da apropriação dos bens da vítima o concurso estabelece-se entre o homicídio e o furto e não entre o homicídio e o roubo, pois a violência já é punida no âmbito do homicídio».
28. No caso, o que estava em causa no recurso era apenas saber se os factos constituíam um único crime de roubo agravado pelo resultado (artigo 210.º, n.º 3, do CP), ao que a Relação deu uma resposta negativa, com fundamentos que, nos termos anteriormente expostos, merecem inteira concordância.
Resultando dos factos provados que a morte da vítima foi dolosamente provocada, não é caso de aplicação do n.º 3 do artigo 210.º do CP.
Pelo que corretamente se decidiu que o arguido deve ser punido por um concurso de crimes, um crime de homicídio qualificado pela alínea g) do n.º 2 do artigo 132.º do CP, que facilitou a apropriação, e um crime contra a propriedade, cometido após o de homicídio.
29. Não se suscita qualquer questão quanto à qualificação do crime de homicídio qualificado pelas circunstâncias c) (crime praticado contra pessoa particularmente indefesa), e) (por motivo torpe ou fútil) e g) (crime destinado a facilitar outro crime) do n.º 2 do artigo 132.º do CP, reveladoras de especial censurabilidade.
Não suscitou o arguido a questão de saber se o crime contra o património deveria ser qualificado como crime de furto ou como crime de roubo.
Oficiosamente, porém, o tribunal da Relação, em decisão que resultou em favor do arguido, reduzindo a pena de 6 anos de prisão para 3 anos e 6 meses, concluiu dever requalificar os factos como crime de furto qualificado pela alínea f) do n.º 1 do artigo 204.º do CP (introdução em habitação). Decisão fundada na proibição de dupla valoração da violência que produziu a morte da vítima do homicídio, na linha do acórdão de 29.10.2009, como se admite no Comentário Conimbricense (cit., p. 228), não havendo unidade de ação.
Dada a pena aplicada a este crime, encontra-se, porém, esta questão subtraída aos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça.
30. Em conformidade com o que vem de se expor se impõe concluir pela improcedência do recurso quanto à questão da qualificação jurídica dos factos provados.
Quanto às penas
31. A discordância do recorrente, na convocação do regime aplicável (artigos 40.º e 71.º do CP), funda-se na «idade do arguido» na «ausência de antecedentes criminais», na «postura confessória e de arrependimento patenteada em julgamento» e, ainda na não aplicação do regime especial aplicável aos jovens adultos (Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro).
32. A decisão do Tribunal da Relação encontra-se fundamentada nos seguintes termos:
32.1. «Com respeito às penas parcelares e única aplicadas, disse o Tribunal recorrido [1.ª instância]:
“Nos termos do artigo 71.º, n. º 1, do Código Penal, a medida da pena é determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, dentro dos limites definidos pela lei.
(…) segundo tal princípio, toda a pena tem como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, princípio que encontra desde logo consagração no artigo 13.º do Código Penal, que apenas prevê a punibilidade do facto praticado a título de dolo, ou em casos especialmente previstos na lei, a título negligente. Na verdade, não só não há pena sem culpa, como é também a culpa que decide a medida da pena (artigos 40.º, n.º 2 e 71.º, n.º 1, do Código Penal).
Quanto à prevenção, a pena tem dois tipos de finalidades: por um lado, uma finalidade de prevenção geral positiva ou de integração, visando a defesa da ordem jurídico-penal tal como é interiorizada pela consciência coletiva (…) e, por outro lado, a prevenção especial positiva ou de socialização, a qual pressupõe que o arguido sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá, no futuro, outro crime (..). Culpa e prevenção ocupam assim papéis primordiais na determinação da medida da pena. (…)
Tendo em conta a frequência com que são cometidos crimes contra o património, bem como o grande alarme social causado pelo crime de homicídio qualificado, as necessidades de prevenção geral são (…) muito elevadas quanto ao crime de homicídio qualificado praticados pelo arguido.
Na determinação concreta da pena, tem o tribunal de atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente os critérios referidos nas várias alíneas do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal. Assim, no caso dos autos, devem atender-se aos seguintes critérios, ao abrigo daquele artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal:
- Atendendo ao modo como o arguido atuou por forma a tirar a vida a BB, bem como ao seu comportamento posterior ao golpe de mata-leão que sobre a mesma infligiu e, ainda, atendendo à frieza e premeditação por si reveladas desde que encontrou aquela no balcão da Caixa Geral de Depósitos e até a abordar no interior da sua residência, tirar-lhe a vida e, após, apoderar-se dos bens que encontrou, a ilicitude é muito elevada quanto a ambos os crimes por que o arguido vai condenado;
- O dolo do arguido é direto quanto ao roubo agravado e eventual quanto ao homicídio qualificado;
- O arguido confessou parcialmente os factos e manifestou arrependimento pelos mesmos;
- À data dos factos, AA vivia com a mãe GG, de 37 anos de idade, com a irmã uterina DD, de 2 anos de idade e com a sua companheira EE, de ... anos de idade, com quem casou de acordo com os costumes e tradições da cultura ..., a que pertence;
- A mãe do arguido referiu ter mantido, durante cerca de 5 anos, uma relação amorosa pautada por grande conflitualidade e agressividade ao qual atribui grande instabilidade no seio familiar, perturbando a sua dinâmica e a gestão do dia a dia da família, passando o arguido a manifestar instabilidade emocional e absentismo escolar, tornando-se muito difícil para a sua mãe supervisionar as suas rotinas e modo de vida;
- O arguido entrou na escola em idade normativa, mas apresentou uma trajetória escolar caracterizada por falta de interesse pelos estudos, dificuldades na aquisição das matérias e absentismo, tendo reprovado várias vezes e abandonado a escola aos 14 anos de idade, apenas tendo completado o 3.º ano de escolaridade;
- Antes de ser preso preventivamente, AA não apresentava qualquer ocupação formativa/lúdica estruturada, ocupando o seu tempo livre no convívio com a família ou com amigos;
- Presentemente, AA reconhece a importância da formação escolar/profissional para o seu futuro frequentando, no Estabelecimento Prisional um curso para aquisição de competências básicas;
- AA perceciona a situação económica da família como suficiente, sendo o seu sustento e o da companheira assumido pela mãe e pelos pais da companheira;
- O agregado familiar apresentava uma situação económica sustentada nos apoios sociais, sendo a mãe beneficiária, à data dos factos, do Rendimento Social de Inserção, num valor mensal de 310 €, recebendo o abono de crianças e jovens atribuído à irmã do arguido de 2 anos de idade, num valor mensal de 150 €;
- A situação económica do agregado familiar foi referida pela mãe do arguido como escassa;
- A zona de residência do arguido é conotada com problemas de exclusão social e marginalidade;
- No Estabelecimento Prisional o arguido mantém acompanhamento psicológico;
- Em meio livre o arguido tinha consumos pontuais de haxixe, encontrando-se atualmente abstinente em meio prisional;
- No Estabelecimento Prisional o arguido tem visitas regulares do irmão e da companheira, contactando telefonicamente com a mãe, por esta se encontrar presa preventivamente;
- A família demonstra total disponibilidade para apoiar o arguido no que se mostrar necessário;
- O arguido não atesta qualquer condenação no seu registo criminal.
Ponderando os vários elementos supra expostos, entende o Tribunal que relevam de forma superior à média as exigências de prevenção especial positiva no caso concreto, decidindo o Tribunal condenar o arguido na pena de 16 anos de prisão pela prática do crime de homicídio por que vai condenado (…).
Cumpre apurar a pena única em que o arguido será condenado, em face dos critérios contidos no n.º 2 do artigo77.º do Código Penal.
Somando as penas parcelares aplicáveis aos crimes que o arguido cometeu, obtém-se o limite superior da moldura penal aplicável: 22 anos de prisão. O limite mínimo é a mais elevada das penas concretamente aplicadas, ou seja, 16 anos de prisão.
Encontrando-se apurada a moldura abstrata, a pena única é determinada de acordo com a parte final do n.º 1 do artigo 77.º do Código Penal, ou seja, considerando em conjunto, os factos e a personalidade do agente, sendo esta última determinante para a aferição da pena unitária.
Considerando o já referido em sede de apreciação dos critérios elencados no artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, bem como a personalidade do arguido também já descrita acima e espelhada nos factos que cometeu e na forma como os cometeu, o tribunal decide condenar o arguido na pena única de 18 anos de prisão.”
32.2. Continuando o acórdão da Relação:
Quanto à medida das penas parcelares aplicadas…
De acordo com os nºs 1 e 2 do art. 40º do Cód. Penal, “a aplicação de penas… visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, sendo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Figueiredo Dias (Temas Básicos da Doutrina Penal, p. 65 a 111), diz que o legislador de 1995 assumiu no art. 40º do Cód. Penal, os princípios ínsitos no artigo 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, (princípios da necessidade da pena e da proporcionalidade ou da proibição do excesso) e o percurso doutrinário, resumindo assim a teoria penal defendida:
1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial.
2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa.
3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico.
4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.
Américo Taipa de Carvalho (Prevenção, Culpa e Pena, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, p. 322), interpreta o actual art. 40º do Cód. Penal concluindo que o fundamento legitimador da aplicação de uma pena é a prevenção, geral e especial, e que a culpa do infractor apenas desempenha o (importante) papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite máximo da pena a aplicar por maiores que sejam as exigências sociais de prevenção. Assim, está subjacente ao art. 40º uma concepção preventivo-ética da pena. Preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência da culpa.
A medida concreta da pena é determinada, nos termos definidos pelo art. 71º do Cód. Penal, “dentro dos limites definidos na lei… em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, atendendo-se “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente: a) o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) a intensidade do dolo ou da negligência; c) os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) as condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.”
No caso, damos aqui por reproduzida a ponderada análise feita pelo Tribunal recorrido relativamente à ilicitude (desvalor da acção e do resultado) revelada em cada uma das condutas delituosas e ao dolo manifestado.
Há ainda que considerar que são elevadas as necessidades de prevenção geral, atendendo a que se trata de um tipo de crimes que causa intensa repulsa na sociedade, exigindo resposta adequada.
O recorrente é jovem, não tem antecedentes criminais, confessou parcialmente e manifestou arrependimento. Não tem competências pessoais e não está socialmente integrado – vivia com a mãe e com a companheira, mas não estudava nem trabalhava, vivendo todos de apoios sociais.
Analisando as circunstâncias apuradas na sua globalidade, justifica-se plenamente a pena parcelar aplicada, de 16 anos de prisão – situada ligeiramente abaixo de 1/3 da moldura penal – a qual se mostra ajustada à culpa e às exigências reclamadas pela prevenção especial e pela prevenção geral positiva (ou de integração), isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à norma violada.
Quanto ao crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 1, alínea f), do Cód. Penal, (…) é de aplicar ao recorrente uma pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão (…).
Quanto à determinação do cúmulo jurídico…
Atento o disposto no art. 77º, nº 1, 1ª parte, do Cód. Penal, “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa pena única”.
Nos termos do art. 77º, nº 2 do mesmo Código, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, acrescentando o nº 3 que se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores.
Assim, a pena aplicável ao recorrente tem como limite mínimo 16 anos de prisão e como limite máximo 19 anos e 6 meses de prisão.
Na determinação da pena conjunta, deve atender-se a critérios gerais e a um critério especial, que entre si se conjugam e interagem. Com efeito, tal determinação obedece, em primeiro lugar, aos critérios gerais constantes do art. 71º, nº 1 do Cód. Penal, já supra referidos, e ainda ao critério especial a que alude o art. 77º, nº 1, in fine, do Cód. Penal, tendo que ser considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
De harmonia com este critério, a conjugar com os demais supra referidos, deve sopesar-se o conjunto dos factos para aquilatar da gravidade da sua ilicitude, sendo decisiva para esta avaliação o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.
Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou mesmo a uma “carreira” criminosa), ou tão só uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade.
No caso concreto, a consideração unitária dos factos e da personalidade do agente, leva-nos a considerar adequada a pena única de 17 (dezassete) anos e 3 (três) meses de prisão – em face da ilicitude dos crimes (sobre cuja gravidade já discorremos supra) e da personalidade do recorrente revelada nos factos.»
(Cont.) – Quanto à pena aplicada ao crime de homicídio qualificado
33. Nos termos do artigo 40.º do Código Penal, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Estabelece o n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias relacionadas com o facto praticado (facto ilícito típico) e com a personalidade do agente manifestada no facto, relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva, que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a favor do agente ou contra ele, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito6
Para a medida da gravidade da culpa há que considerar os fatores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente (artigo 70.º, n.º 2) os fatores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objetivo e subjetivo – indicados na alínea a), primeira parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), na alínea b) (intensidade do dolo ou da negligência) – e os fatores a que se referem a alínea a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente) e alínea c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram), bem como os fatores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – indicados na alínea d) (condições pessoais e situação económica do agente), na alínea e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na alínea f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto).
Na consideração das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes em vista da satisfação de exigências de prevenção geral – traduzida na proteção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos – e, sobretudo, de prevenção especial, as quais permitem fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento, pelo agente, de novos crimes no futuro, e assim avaliar das suas necessidades de socialização. Incluem-se aqui as consequências não culposas do facto [alínea a), v.g. frequência de crimes de certo tipo, insegurança geral ou pavor causados por uma série de crimes particularmente graves], o comportamento anterior e posterior ao crime [alínea e), com destaque para os antecedentes criminais] e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [alínea f)].
O comportamento do agente [circunstâncias das alíneas e) e f)] adquire particular relevo para determinação da medida concreta da pena em vista da satisfação das exigências de prevenção especial, em função das necessidades individuais e concretas de socialização, devendo evitar-se a dessocialização.
Como se tem sublinhado, é na consideração destes fatores, determinados na averiguação do «grande facto» caraterizado pelas circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, constituem o substrato da determinação da pena, que deve avaliar-se a concreta gravidade da lesão do bem jurídico protegido pela norma incriminadora, materializada na ação levada a efeito pelo arguido pela forma descrita nos factos provados, de modo a verificar se a pena aplicada respeita os critérios de adequação e proporcionalidade constitucionalmente impostos (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição), que devem pautar a sua aplicação7. Não se podendo fundar em considerações preventivas de ordem geral pressupostas na definição dos crimes e das molduras abstratas das penas em vista da adequada proteção dos bens jurídicos postos em causa, sob pena de violação da proibição da dupla valoração, a determinação da pena dentro da moldura penal correspondente ao crime praticado há de comportar-se no quadro e nos limites da gravidade dos factos concretos, nas suas próprias circunstâncias concorrentes por via da culpa e da prevenção (artigo 71.º do Código Penal), tendo em conta as finalidades de prevenção especial de ressocialização8.
34. Na determinação da pena aplicada ao crime de homicídio qualificado foram considerados, em particular:
(a) quanto ao grau de ilicitude do facto, ao modo de execução deste e à gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente: «o modo como o arguido atuou por forma a tirar a vida a BB, bem como ao seu comportamento posterior ao golpe de mata-leão que sobre a mesma», concluindo o tribunal que «a ilicitude é muito elevada»;
(b) quanto à intensidade do dolo: o «dolo eventual quanto ao homicídio qualificado»;
(c) quanto aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e aos fins ou motivos que o determinaram: a «frieza e premeditação por si reveladas desde que encontrou aquela no balcão da Caixa Geral de Depósitos e até a abordar no interior da sua residência, tirar-lhe a vida e, após, apoderar-se dos bens que encontrou»;
(e) quanto à conduta anterior e posterior aos factos, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime: «não atesta qualquer condenação no seu registo criminal»; «confessou parcialmente os factos e manifestou arrependimento pelos mesmos».
Foram consideradas as condições socioeconómicas, pessoais e familiares descritas nos factos provados, a confissão parcial e o declarado arrependimento, sem expressão em facto relevante, salientando o tribunal a quo elevadas necessidades de prevenção especial de socialização, a ter em conta no momento da aplicação da pena. Neste domínio é de notar a evolução favorável manifestada na frequência de curso para aquisição de competências básicas no estabelecimento prisional.
Importa notar que o crime de homicídio se mostra qualificado pelo concurso de três circunstâncias reveladoras de especial perversidade ou censurabilidade, pelo que, como é jurisprudência reiterada, apenas uma delas se deve considerar para esse efeito, relevando as outras duas por via da culpa, como agravantes de carácter geral, nos termos do artigo 71.º do CP (assim, por todos, o acórdão de 03.11.2021, Proc.º n.º 3613/19.3JAPRT.P1.S1, em www.dgsi.pt, e jurisprudência e doutrina nele mencionadas).
35. Tendo o arguido 16 anos de idade à data da prática dos factos, pretende beneficiar de atenuação especial da pena por aplicação do regime dos jovens adultos (DL 401/82), o que lhe foi negado nas instâncias.
A este propósito, diz o acórdão recorrido:
«Relativamente à não aplicação do Regime Penal Especial para Jovens, o Tribunal recorrido fundamentou como segue a sua opção:
À data da prática dos factos, o arguido tinha 16 anos de idade, o que nos impõe a ponderação da possibilidade de, verificados os respetivos pressupostos, proceder à aplicação nos presentes autos, do regime penal especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro. Com efeito, tal regime é aplicável a jovens que tenham cometido um facto qualificado como crime e que, à data da prática do mesmo, tenham idade superior a 16 anos e inferior a 21 anos (cfr. artigo 1.º, n.ºs 1 e 2, do aludido diploma legal).
De acordo com o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro, no caso de ser aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.º e 74.º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado. Trata-se de um poder dever vinculado que o juiz deve e tem de usar sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos. Porém, o aludido artigo 4.º não opera de forma automática, exigindo-se antes um prognóstico favorável acerca do seu comportamento, do seu caráter evolutivo e da sua capacidade de ressocialização. Tem sido entendimento uniforme do Supremo Tribunal de Justiça que a aplicabilidade do referido regime deve ser sempre ponderada, só podendo ocorrer se se tiver estabelecido positivamente que há razões sérias para crer que dessa atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem delinquente, sem prejuízo da necessidade de prevenção geral, ou seja, que sem prejuízo das necessidades de prevenção geral se possa concluir por um juízo de prognose positiva quanto ao efeito que a atenuação especial da pena pode ter para a reinserção social do arguido (cfr., neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29 de abril de 2004, in CJ, ano XII, tomo II, Coimbra, 2004, pág. 181).
Ao fazer o juízo sobre a aplicabilidade do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro, o julgador não pode, assim, atender exclusivamente à gravidade da ilicitude ou da culpa do agente, devendo considerar a globalidade da atuação e da situação do jovem e para isso o conhecimento da sua personalidade, das suas condições pessoais e da sua conduta anterior e posterior ao crime. Tal será indispensável para que aquele possa avaliar a existência ou não de sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
Ora, analisando o caso dos autos, verifica-se desde logo, que a ilicitude dos factos praticados pelo arguido é elevada, sendo certo que a sua culpa é grave, tendo agido com dolo eventual no que se refere ao crime de homicídio qualificado que cometeu e com dolo direto no que se refere ao crime de roubo agravado por que vai condenado nos autos.
No que respeita à sua personalidade, verifica-se que o arguido confessou parcialmente os factos e manifestou arrependimento, sendo ainda muito jovem (17 anos). Por outro lado, o arguido não tem averbadas no seu registo criminal quaisquer condenações.
Ora, o Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 17.04.2013, disponível em www.dgsi.pt, referindo-se ao acórdão ali recorrido, citou o seguinte trecho a propósito da análise a fazer com vista a aquilatar da aplicação ou não do regime penal especial para jovens com idades compreendidas entre os 16 e os 21 anos: “…para além da idade, impõe-se também que a atenuação especial facilite a reinserção, juízo que, porém, não radica em mero subjectivismo, antes devendo assentar em elementos factuais provados que conduzam à conclusão de que a moldura penal comum não cumpre, por excessiva, os fins da socialização do jovem condenado.
Para o juízo sobre a situação concorre o próprio facto criminoso, na medida em que é a revelação do maior ou menor desajustamento do jovem ao acatamento dos valores jurídicos, não devendo esquecer-se que as penas cumprem também finalidades de prevenção geral. Daí que a atenuação especial em referência se justifique quando, no juízo global sobre os factos, se puder concluir que é vantajosa para o jovem, sem constituir desvantagem para a defesa do ordenamento jurídico…” A atenuação tem de emergir de um julgamento do caso concreto que incuta na convicção do juiz a crença em sérias razões de que para o arguido resultam vantagens para a sua reinserção.
Como referido foi no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.01.2008, disponível em www.dgsi.pt, a aplicação do regime especial para jovens não depende de se terem provado circunstâncias suscetíveis de demonstrar que da sua aplicação resultam vantagens para a reinserção social do condenado, mas de o tribunal ter sérias razões para crer que da atenuação especial resultam vantagens para a reinserção do condenado. Ora, na análise a realizar há, ainda, que considerar o quadro de vida do arguido, a sua vivência pessoal e familiar, nos termos que constam da factualidade provada.
No caso dos autos, importa atender ao elevado grau da ilicitude e da culpa, ao modo de execução dos crimes cometidos pelo arguido, aproveitando a sua superioridade física em relação a BB, impedindo-a de se defender, a sua personalidade espelhada no facto de, após ter provocado a morte a BB, ter percorrido toda a casa daquela em busca de bens e quantias monetárias de que pudesse apoderar-se, após o que, numa atitude de completa indiferença por BB, abandonou a residência daquela na posse de diversos objetos e da quantia monetária de 500 €, tendo fechado a porta atrás de si. Considerada globalmente a situação concreta do arguido, importa constatar que o arguido não é merecedor de tratamento penal especializado.
Tudo visto, importa concluir que a confissão parcial e o arrependimento manifestado pelo arguido, podendo funcionar como atenuantes, são de baixo relevo no contexto, restando o fator essencial da idade, pressuposto formal da aplicabilidade do regime especial, mas que não é suficiente para que daí decorra automaticamente a aplicação da atenuação especial prevista no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro, não constituindo isoladamente uma séria razão para aplicar a medida com o alcance de que a redução da gravidade da reação punitiva favorecerá a ressocialização do arguido. Assim, a idade deverá ser considerada em sede de determinação concreta da pena, como atenuante geral.
Termos em que, sopesados todos os elementos acima referidos, conclui este Tribunal pela não aplicação no caso dos autos da atenuação especial da pena prevista no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro.
O regime consagrado no D.L. 401/82, de 23.09 tem por base a concepção de que “o jovem imputável é merecedor de um tratamento penal especializado” e a crença na capacidade de ressocialização do homem, “sobretudo quando este se encontra ainda no limiar da sua maturidade”, entendendo que nestas idades se deve dar clara preferência à aplicação de medidas correctivas, mais reeducadoras do que sancionadoras, sem que com isso exclua a imposição da pena de prisão, que deve, no entanto, poder ser especialmente atenuada “se para tanto concorrerem sérias razões no sentido de que, assim, se facilitará aquela reinserção”, sendo que “a aplicação – como ultima ratio – da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos” terá lugar “quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade” (…).
Pelo que são critérios de prevenção especial de socialização os que devem presidir à decisão de aplicação da atenuação especial da pena de prisão prevista no art. 4.º do D.L. 401/82, a qual deverá ser aplicada sempre que o Tribunal conclua (por sérias razões) que da atenuação especial resultam vantagens para a reinserção social do jovem – mas só nesses casos. Com efeito, a existência no nosso ordenamento jurídico de um regime penal especial para jovens não significa que estes tenham necessariamente de dele beneficiar, devendo a aplicabilidade do mesmo ser sempre ponderada, e só sendo aplicado nos casos em que se mostrem satisfeitos os respectivos requisitos.
No juízo de prognose a formular sobre a existência de vantagens para a reintegração na sociedade do jovem condenado devem ser tidas em conta todas a circunstâncias atinentes à ilicitude do facto (gravidade e suas consequências), à culpa (tipo e intensidade do dolo e fins que subjazem ao ilícito) e às necessidades de pena, tendo presentes a personalidade do jovem delinquente e suas condições pessoais, com destaque para o comportamento anterior e posterior aos factos, mas tendo ainda em atenção a sua inserção social.
No caso dos autos, o recorrente tem baixa escolaridade (concluiu o 3º ano de escolaridade). Não está integrado socialmente. A condição socioeconómica do agregado familiar revela-se precária e dependente de apoios sociais. Em liberdade era consumidor pontual de “haxixe”.
Não tem antecedentes criminais, mas tinha atingido a imputabilidade há 6 meses, pelo que tal não se afigura de relevo. A sua confissão foi parcial. Manifestou arrependimento.
Por outro lado, a ilicitude dos factos cometidos (e descritos no acórdão) é extremamente grave, tal como elevada é a culpa. Repare-se que o recorrente planeou cuidadosamente os factos, escolhendo a vítima, seguindo-a e matando-a na residência desta para se apropriar dos valores que ela possuía.
Em face deste quadro, podemos afirmar que não há sérias razões para crer que da atenuação especial resultem vantagens para a reinserção social do jovem. Pelo que bem andou o Tribunal recorrido ao não aplicar o Regime Penal Especial para Jovens ao recorrente.»
36. Dispõe o artigo 72.º, n.º 1, do Código Penal que o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena (segue-se, neste ponto, o consignado no acórdão de 17.01.2024, Proc. n.º 58/22.1JACBR.S1, em www.dgsi.pt).
Sempre que houver lugar a atenuação especial, o que implica uma apreciação da verificação, em concreto, das circunstâncias do caso que a justificam, observam-se as regras de redução dos limites mínimo e máximo da pena aplicável do n.º 1 do artigo 73.º, havendo que determinar a medida concreta dentro da moldura assim definida, observados os critérios gerais concorrendo por via da culpa e da prevenção a que se refere o artigo 71.º.
Um dos casos previstos na lei, que justifica a ponderação da atenuação especial, diz respeito às penas aplicáveis aos jovens com idade compreendida entre 16 e 21 anos, cujo regime, por remissão do artigo 9.º do Código Penal («Aos maiores de 16 anos e menores de 21 são aplicáveis normas fixadas em legislação especial», diz o preceito), se encontra estabelecido no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro, que aprovou o denominado «regime penal dos jovens delinquentes».
Dispõe o artigo 4.º deste diploma que «Se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.º e 74.º do Código Penal [que correspondem aos atuais artigos 72.º e 73.º, após a revisão de 1995], quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado».
Como se extrai do respetivo preâmbulo, o Decreto-Lei n.º 401/82 tratou, «em suma, de instituir um direito mais reeducador do que sancionador», tendo em conta as caraterísticas próprias do período de transição da adolescência para a idade adulta, «sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade, e de exigir, sempre que a pena prevista seja a de prisão, que esta possa ser especialmente atenuada, nos termos gerais, se para tanto concorrerem sérias razões no sentido de que, assim, se facilitará aquela reinserção.»
Densificando os fatores de atenuação especial, a Proposta de Lei n.º 275/VII (DAR II Série - A, n.º 59, de 5.5.1999, p. 1724ss), que, na mesma linha de orientação, em coerência com a Proposta de Lei que originou a Lei Tutelar Educativa, de 1999, e com a revisão do Código Penal de 1995, e colhendo a experiência da jurisprudência, visava aperfeiçoar e aprofundar o regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 401/82, estabelecia no artigo 4.º, n.º 1, reproduzindo os critérios gerais do artigo 72.º, n.º 1, do Código Penal, que «o tribunal atenua especialmente a pena quando considerar que a idade do agente, no momento da prática do facto, por si ou associada a outras circunstâncias, anteriores ou posteriores ao crime ou contemporâneas dele, diminui por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena».
37. Em jurisprudência reiterada e uniforme, como se refere na decisão recorrida, vem este Supremo Tribunal de Justiça de há muito afirmando que a idade do arguido à data da prática do facto constitui um mero requisito formal de aplicação do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, o qual impõe ao tribunal, com a mais ampla margem de apreciação de todas as circunstâncias relativas ao facto e ao agente, relevantes por via da culpa e da prevenção, sob pena de nulidade não o fazendo, o dever de averiguar se estão ou não verificados os requisitos para a aplicação da atenuação especial, que devam eleger-se como “sérias razões” que lhe permitam “crer” que daquela atenuação resulte vantagem para uma mais fácil reinserção social do jovem condenado. O que alerta para a necessidade de considerar as condições pessoais, sociais e familiares, no exterior da prisão, que poderão contribuir para facilitar a reinserção, na consideração e respeito pelas necessidades de prevenção geral, justificando, assim, o encurtamento da pena de prisão, por via da atenuação especial, para que a reintegração social presente na finalidade prosseguida pela aplicação da pena se possa realizar mais adequadamente em liberdade (assim, entre outros, salientando este ponto, o acórdão de 8.9.2016, Proc. 610/15.1PCLSB.S1, em www.dgsi.pt)
A aplicação do regime penal especial para jovens não é obrigatória nem automática, «sendo necessário que se tenha estabelecido positivamente que há razões para crer que dessa atenuação especial resultem vantagens para a reinserção social do jovem sem ser afetada a exigência de prevenção geral, isto é, de proteção dos bens jurídicos e da validade das normas», pelo que o juízo a formular sobre as vantagens da atenuação especial para a reinserção social tem de assentar em condicionalismo que, não se reduzindo à idade do agente, atenda a todas as circunstâncias do cometimento do crime. Assim, não será de aplicar o regime dos jovens delinquentes quando do conjunto dos factos praticados e a sua gravidade o desaconselham em absoluto, por não se mostrar passível de prognose favorável à reinserção social do arguido. Na síntese do acórdão de 13.10.2021 (Manuel Augusto Matos), Proc. 733/17.2JAPRT.G2.S1 (em www.dgsi.pt, que agora se segue), citando abundante jurisprudência: «A adequada reinserção social do arguido depende necessariamente de considerações de natureza preventiva, particularmente especial, cuja avaliação deve ter presente, designadamente, a gravidade do facto ou factos perpetrados e as suas consequências, o tipo e a intensidade do dolo, os fins que subjazem ao ilícito, o comportamento anterior e posterior e a personalidade do arguido à luz dos factos, isto é, neles manifestada e reflectida. (…) As medidas propostas no regime penal especial para jovens, como resulta do próprio preâmbulo do DL n.º 401/82, de 23-09 (ponto 7), não deverão ser aplicadas quando, em concreto, se mostre necessário defender a comunidade e prevenir a criminalidade, que será à partida, embora carecendo de apreciação, o caso de a pena aplicável ser de prisão superior a dois anos. (…) Assim, razões atinentes às necessidades de reprovação e de prevenção do crime poderão levar à não aplicação daquele regime, designadamente quando a ele se opuserem considerações de prevenção geral sob a forma de exigência mínima e irrenunciável de defesa do ordenamento jurídico. (…) Um juízo de prognose, como o que está ínsito no mencionado regime penal dos jovens, pressupõe uma valoração do conjunto dos factos e da personalidade do arguido, quanto a saber se, em termos prospectivos, a imagem global indicia positivamente uma esperança fundada de que da atenuação especial da pena resultem vantagem para a reinserção do arguido. (…) A avaliação das vantagens da atenuação especial para a reinserção do jovem tem de ser equacionada perante as circunstâncias concretas do caso e do percurso de vida do arguido, e não por considerações abstratas desligadas da realidade; do julgamento do caso concreto tem de resultar claramente a convicção do juiz sobre a natureza expressiva das [sérias] vantagens da atenuação para a reinserção do jovem condenado» (no mesmo sentido, na jurisprudência mais recente, de entre outros, os acórdãos de 9.12.2020, Proc. 1289/08.2PHLRS.L2.S1, e de 11.10.2023, Proc. 988/22.0S6LSB.S1, em www.dgsi.pt).
38. Aplicando estas considerações gerais ao caso concreto, não se encontra fundamento para divergir do acórdão recorrido quanto à não aplicação do regime penal especial para jovens. São muito graves os factos praticados, a revelarem uma ainda jovem personalidade particularmente desvaliosa e forte necessidade de ressocialização, sendo particularmente desfavoráveis as condições sociais, familiares e pessoais, não se mostrando possível, nas circunstâncias descritas, fundar um juízo positivo sobre a aplicação desse regime.
Pelo que, na ponderação dos fatores a que se refere o artigo 71.º do CP, não se justifica uma intervenção corretiva na pena aplicada ao crime de homicídio, em cuja determinação se não evidencia violação dos critérios de adequação e proporcionalidade que devem observar-se, nos limites impostos pela medida da culpa.
(Cont.) – Quanto à pena única
39. No respeitante à determinação da pena única de 17 anos e 3 meses, tendo em conta a moldura da pena determinada pelo mínimo de 16 anos e pelo máximo de 19 anos e 6 meses e os critérios que se impõem (infra), também não se encontra motivo pelo qual se deva considerar excessiva.
40. Nos termos do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, que estabelece as regras da punição do concurso de crimes (artigo 30.º, n.º 1), quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena, formada a partir da moldura do concurso, para cuja determinação, seguindo-se os critérios da culpa e da prevenção atrás mencionados (artigo 71.º), são considerados, em conjunto, como critério especial, os factos e a personalidade do agente (n.º 1 do artigo 77.º, in fine), com respeito pelo princípio da proibição da dupla valoração. Aqui se incluem, designadamente, as condições económicas e sociais, reveladoras das necessidades de socialização, a sensibilidade à pena, a suscetibilidade de por ela ser influenciado e as qualidades da personalidade manifestadas no facto, nomeadamente a falta de preparação para manter uma conduta lícita9.
Recordando jurisprudência constante deste Supremo Tribunal de Justiça e o que se tem consignado em acórdãos anteriores, com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também, e especialmente, pelo seu conjunto, revelador da dimensão e gravidade global do seu comportamento. É o conjunto dos factos descritos na sentença que evidencia a gravidade do ilícito perpetrado (o “grande facto”, na sua complexidade), sendo importante, na avaliação, a conexão e o tipo de conexão que se verifique entre os factos que constituem os tipos de crime em concurso.
Há que atender ao «fio condutor» presente na «repetição criminosa», às relações entre os factos praticados reveladas pelas circunstâncias destes e pelas circunstâncias pessoais relativas ao agente que permitam identificar caraterísticas da personalidade com projeção nos crimes praticados, levando-se em consideração, nomeadamente, a natureza destes e a identidade, semelhança e conexão entre os bens jurídicos violados, «tendo em vista descortinar e aferir se o conjunto dos factos praticados é a expressão de uma tendência criminosa, isto é, se significará já a expressão de algum pendor para uma “carreira”, ou se, diversamente, a repetição emergirá antes e apenas de fatores meramente ocasionais» (assim, o acórdão de 26.6.2024, Proc. 14/22.0GBBRG.G1.S1, em www.dgsi.pt, e jurisprudência nele mencionada).
«Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido a atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta». «A personalidade do agente – se bem que não a personalidade no seu todo, mas só a personalidade manifestada no facto», – «é um factor da mais elevada importância para a medida da pena e que para ela releva, tanto pela via da culpa como pela via da prevenção»10 (
41. Não se evidencia que a decisão recorrida se afaste destes critérios.
Os factos são de elevada gravidade, conexos temporal e espacialmente, e embora isolados denunciam, no seu conjunto, uma personalidade particularmente violenta e manifesta falta de preparação para manter uma conduta lícita.
As condições económicas e sociais revelam muito elevadas necessidades de socialização, deve igualmente o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.
Quanto a custas
42. De acordo com o disposto no artigo 513.º do CPP (responsabilidade do arguido por custas), só há lugar ao pagamento da taxa de justiça quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso. A taxa de justiça é fixada entre 5 e 10 UC, tendo em conta a complexidade do recurso, de acordo com a tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.
III. Decisão
43. Pelo exposto, acorda-se em conferência da secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso do arguido AA, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC.
Supremo Tribunal de Justiça, 17 de dezembro de 2024
José Luís Lopes da Mota (relator)
José A. Vaz Carreto
António Augusto Manso
________
1. Assim, por todos, o acórdão de 01.03.2023, Proc. 685/10.0GDTVD.L2.S1, retomando o acórdão de 30.11.2022, Proc. 1052/15.4PWPRT.P1.S1, em www.dgsi.pt, e jurisprudência nele citada.
2. Cfr. o mesmo acórdão de 30.11.2022 e comentário de Pereira Madeira ao artigo 400.º – Henriques Gaspar et alii, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, Coimbra, 4.ª ed. 2022.
3. Por todos, os acórdãos do Tribunal Constitucional 64/2006, 659/2011 e 290/2014; neste sentido também, entre outros, os acórdãos de 01.03.2023, cit., e de 15.02.2023, Proc. 1964/21.6JAPRT.P1.S1, e a jurisprudência nele mencionada, bem como o acórdão de fixação de jurisprudência n.º 14/2013, n.ºs 11 e 12, de 09.10.2013, DR 1.ª série, de 12.11.2013
4. Neste mesmo sentido, entre os mais recentes, os acórdãos 640/23, 513/23, 249/23, 733/22, 659/22, 400/22 e 341/22 (https://acordaosv22.tribunalconstitucional.pt/).
5. Por todos, na jurisprudência mais recente, os acórdãos de 01.03.2023 e de 15.02.2023, cit., e o acórdão de 02.12.2021, Proc.º 923/09.1T3SNT.L1.S1, em www.dgsi.pt).
6. Sobre estes pontos, que seguidamente se desenvolvem, na determinação do sentido e alcance do artigo 71.º do Código Penal, segue-se, em particular, como em acórdãos anteriores, Anabela M. Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Os Critérios da Culpa e da Prevenção, Coimbra Editora, 2014, pp. 611-678, em especial, e Figueiredo Dias, Direito Penal, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2011, pp. 232-357 – cfr., de entre muitos outros, o acórdão de 15.1.2019, Proc. 4123/16.6JAPRT.G1.S1, e, de entre os mais recentes, o acórdão de 25.9.2024, Proc. 3808/21.0JAPRT.S1, em www.dgsi.pt.
7. Assim, entre outros, os acórdãos de 8.6.2022, Proc. 430/21.4PBPDL.L1.S1, de 26.06.2019, Proc. 174/17.1PXLSB.L1.S1, de 9.10.2019, Proc. 24/17.9JAPTM-E1.S1, e de 3.11.2021, Proc. 875/19.0PKLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt.
8. Salientando este ponto, entre muitos outros, o acórdão de 29.4.2020, Proc. 16/05.0GGVNG.S1, em www.dgsi.pt.
9. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 3.ª reimp., 2011, p. 248ss; por todos, o acórdão de 8.6.2022, Proc. 430/21.4PBPDL.L1.S, cit. e de 16.2.2022, Proc. 160/20.4GAMGL.S1).