DECLARAÇÕES DE PARTE
DEFEITOS
EXCEÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO
RECUSA DE PAGAMENTO DO PREÇO
Sumário


1 - As declarações de parte deverão ser apreciadas pelo tribunal a par dos outros meios de prova de apreciação livre, competindo, no entanto, pela própria natureza das mesmas, um esforço mais aturado para apurar da sua credibilidade, sobretudo quando em confronto com outra prova de sentido contrário.
2 – Uma vez que a obra realizada pela autora apresenta defeitos que foram oportunamente denunciados, tendo-se solicitado a sua reparação, sem êxito, a ré tem o direito de opor à autora a exceção de não cumprimento do contrato, recusando o pagamento do preço devido pelos serviços prestados pela mesma enquanto não forem eliminados estes concretos defeitos da obra.
3 – Neste caso, deve a ré ser condenada a pagar ao autor a quantia devida pela prestação dos serviços por este efetivamente executados contra a simultânea eliminação dos defeitos.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

“EMP01... Unipessoal, Lda.” requereu injunção contra “EMP02..., Lda.” pedindo que a requerida fosse notificada para lhe pagar a quantia de € 6.070,72, sendo € 5.215,00 de capital, € 503,72 de juros de mora vencidos, € 250,00 (outras quantias) e € 102,00 de taxa de justiça paga, relativo a serviços de construção civil por ela prestados, só parcialmente pagos.
A requerida ofereceu oposição, excecionando a ineptidão da petição inicial e, à cautela, para o caso de assim não se entender, por impugnação, entendendo também não serem devidos juros de mora nem outras quantias. Quanto ao contrato de empreitada, exceciona o não cumprimento do contrato, invocando a existência de inúmeros defeitos, oportunamente reclamados, mas não reparados/eliminados pela requerente, pelo que se recusa a pagar o remanescente do preço até ao apuramento e correção total dos defeitos reclamados. Em reconvenção, pede que a requerente seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 13.084,75, orçamentados por terceiro e, em parte, já pagos, para reparar/eliminar os defeitos dos trabalhos da requerente.
A autora foi notificada para aperfeiçoar o seu requerimento inicial, suprindo insuficiências e imprecisões e, do mesmo passo exercer o contraditório quanto à exceção e reconvenção deduzidas na oposição, o que esta fez.
Foi, também, a ré convidada a suprir insuficiências na exposição dos factos alegados, o que esta fez.
Em sede de despacho saneador não foi admitido o pedido reconvencional nem a alegação de compensação de créditos por via de exceção perentória e julgou-se improcedente a nulidade do processo por ineptidão do requerimento de injunção.
Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e condenou a ré a pagar à autora o montante de € 5.215,00 contra a simultânea eliminação pela autora dos defeitos descritos nos pontos 7.3 e 7.4 da factualidade provada, absolvendo a ré dos demais pedidos formulados.

A ré interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:

Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou a ação proposta pela Autora parcialmente procedente e, em consequência, condenou a R. a pagar à A. o montante de € 5.215,00 contra a simultânea eliminação pela A. dos defeitos descritos nos pontos 7.3) e 7.4) da factualidade provada, e absolveu a Ré dos demais pedidos formulados pela A.

Ora, no entender da R., o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito, uma vez que:
a) o Tribunal a quo errou ao dar como provados os factos 3, 5 e 8 da matéria de facto dada como provada;
b) não ficou provado, quanto ao facto 3, que os trabalhos foram executados nos termos indicados pela R.;
c) não ficou provado, quanto ao facto 5., que a A. efetuou serviços de demolições, assentamento de azulejos e execução de placas, colocou azulejos, colocou tela e rebocou paredes nos termos indicados pela R.;
d) não ficou provado que a R., por intermédio de AA, estabeleceu e definiu a forma técnica como foram executadas as obras e que a A. executou esses trabalhos contra as suas opções técnicas transmitidas à R. e de acordo com as ordens de AA;
e) ficou provado que o Sr. AA, em representação da Ré, apenas solicitou à A. que fizesse os trabalhos de construção civil necessários ao aumento da cozinha existente;
f) ficou demonstrado que a R. apenas se dedica à atividade da restauração, sendo a sua especialidade a espetada regional da ...;
g) ficou comprovado que a R. e/ou seu representante não se dedica nem nunca se dedicou à construção civil;
h) a R. e/ou seu representante não tem a obrigação de saber ou conhecer as regras e a arte de bem construir, ao contrário do que sucede com a A;
i) ficou demonstrado que a A. se dedica à atividade de construção civil e deve estar devidamente habilitada pelo IMPIC para exercer essa atividade no mercado;
j) estando a A. habilitada a exercer essa atividade, o que se presume, é à A. que cabe construir, saber construir, e ter os conhecimentos técnicos necessários e adequados que se impõem à arte de bem construir;
k) ficou comprovado que a A., enquanto cliente, dona da obra e leiga na matéria, apenas solicitou à A. que procedesse ao aumento da cozinha, com o material que a A. entendesse adequado e que estava à disposição numa loja;
l) a R. nunca imaginou que a A. iria executar os trabalhos solicitados sem atender às boas regras e técnicas de construção;
m) para sustentar os factos 3, 5 e 8, da matéria de facto dada como provada, o Tribunal a quo limita-se a remeter para as declarações de parte do representante legal da A., parte interessada na ação, bem como para os depoimentos das testemunhas da A. BB e CC, o primeiro primo do gerente da A. e o segundo administrador de uma empresa que está em litigio com a R, que mostrou grande inimizade com a mesma;
n) as testemunhas da A. mostraram ter interesse na causa, inimizade para com a R. e pouca credibilidade atenta a relação próxima que demonstraram ter com o representante legal da A.;
o) ficou provado que as testemunhas da A. nada conhecem sobre a relação estabelecida entre a A. e a R, muito menos sabem como é que decorreram os trabalhos solicitados pela R. e executados pela A.;
p) as testemunhas BB e CC, nos seus depoimentos, referiram-se essencialmente aos trabalhos por si executados nessa obra;
q) ficou    comprovado   que o   Sr. AA, enquanto representante da R., apenas definia ou decidia o que fazer na obra;
r) ficou demonstrado que o Sr. AA nunca disse como é que os trabalhos tinham que ser executados, sendo ignorante na matéria (é profissional da restauração);
s) não se pode admitir que uma empresa de construção venha imputar responsabilidades nos defeitos de uma obra por si executada ao cliente – dono da obra - (empresário de restauração), quando é a empresa de construção que está habilitada a construir, que deve saber como construir, que deve conhecer as boas regras e técnicas de construção e é ela a responsável por quaisquer defeitos de obra que venham a ocorrer no prazo de garantia;
t) nos termos da lei, cabe ao empreiteiro executar uma obra de acordo com as boas regras e técnicas de construção, sob pena de ver a garantia de obra acionada, como foi o caso;
u) a empresa de construção, uma vez contratada, não pode demitir-se da responsabilidade de bem construir;
v) não pode colher ou admitir-se que a responsabilidade dos defeitos deve-se à R., que não teve qualquer participação na obra;
w) a R. limitou-se a contratar a A., a indicar-lhe quais os trabalhos que pretendia ver executados e a pagar os materiais que eram solicitados pela A.;
x) a R. não teve (nem podia ter) quaisquer funcionários envolvidos ou a trabalhar na obra;
y) os trabalhos em questão foram executados por trabalhadores da A;
z) ficou provado que o próprio Sr. AA reside e trabalha na ... (a mais de 1500 km de distância), onde a R. tem sede e o seu estabelecimento principal, e que, na fase de execução da obra, este apenas se deslocou de vez em quando a ... para verificar a execução e estado dos trabalhos;
aa) admitir-se que a responsabilidade por defeitos de uma obra deve-se ao dono de uma obra (leigo na matéria e que dedica-se a uma área completamente diversa), é admitir que qualquer empreiteiro possa fugir às suas responsabilidades e obrigações e possa fugir às garantias que deve sempre assegurar a quem recorre a um empreiteiro;
bb) sendo a A. empresa de construção civil, com a obrigação e dever de saber construir e de utilizar as boas regras de construção, cabia-lhe recusar a execução de algum trabalho, caso entendesse que o mesmo não podia ou não devia ser executado, ou aconselhar que os trabalhos se fizessem de determinada maneira, para evitar algum problema ou defeito no futuro;
cc) a R. apenas pretendia ver a ampliação da cozinha bem executada e concluída como qualquer cliente;
dd) a R. sempre acreditou que a A. era uma empresa que sabia o que estava a fazer e que todos os trabalhos iriam ser bem executados;
ee) ficou provado que a A. executou os trabalhos em questão com os seus trabalhadores e da maneira que sabia, sem respeitar as boas práticas e a arte de bem construir;
ff) ficou demonstrado que a R. não estabeleceu nem podia definir a forma como os trabalhos foram executados pela A.;
gg) ficou comprovado que a R. nunca deu nem podia dar ordens à A. quanto à execução dos trabalhos;
hh) a A. jamais poderia agir contra as suas obrigações e as boas regras e técnicas de construção;
ii) se demonstrou que os defeitos enumerados no Ponto 7 (7.1, 7.2, 7.3, 7.4) da matéria de facto dada como provada, são da única e exclusiva responsabilidade da A., que é a única entidade que tinha que assegurar a boa execução dos trabalhos e dar à R. uma garantia pelos trabalhos executados;
jj) o Tribunal a quo errou ao não ter condenado a A. a reparar ou eliminar os defeitos enumerados nos pontos 7.1) e 7.2) da matéria de facto dada como provada;
kk) nos termos do disposto no artigo 1208.º do CC “o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato”;
ll) o empreiteiro tem a obrigação de realizar a obra, em conformidade com o convencionado e sem vícios (artigo 1207.º do CC), só assim se considerando o contrato pontualmente cumprimento (art.406.º do CC);
mm) ao dono de obra bastará provar a existência do defeito presumindo-se a culpa do empreiteiro, o qual, para afastar a sua responsabilidade, terá que demonstrar que o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua, o que não aconteceu;
nn) o empreiteiro tem que provar a causa do defeito, a qual lhe deve ser completamente estranha, o que bem se compreende pelo domínio que este necessariamente teve no processo executivo da prestação. Só assim se exonerará da responsabilidade pelo defeito existente na obra por si realizada;
oo) a A. jamais conseguiu ilidir essa presunção, muito menos provar que a responsabilidade pelos defeitos existentes na obra não lhe era imputável;
pp) nos termos do artigo 1225.º do CC “(...) se a empreitada tiver por objecto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente”;
qq) o Tribunal a quo errou no seu julgamento, mediante uma apreciação e valoração inapropriada e incorreta dos factos e do direito aqui aplicáveis, valoração essa que deveria ter conduzido a uma decisão parcialmente diversa da encontrada, designadamente, à condenação da Autora à reparação ou eliminação dos defeitos enumerados nos pontos 7), 7.1), 7.2), 7.3) e 7.4), da factualidade provada, assim se fazendo a tão acostumada JUSTIÇA!!!
Termos em que, dando-se provimento ao presente recurso e com o douto suprimento de V. Exas., deve a sentença ora recorrida ser revogada, com todas as consequências legais, assim se fazendo a tão acostumada JUSTIÇA!

Não foram oferecidas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver prendem-se com a impugnação da decisão de facto e suas consequências na apreciação da questão jurídica.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença foram considerados os seguintes factos:

Factos Provados
1. A autora dedica-se à industria de construção civil e empreitadas de obras públicas, designadamente construção e reparação de edifícios, atividades de promoção imobiliária, compra e venda de imóveis e revenda dos mesmos adquiridos para esse fim.
2. A ré dedica-se à atividade de comércio a retalho de produtos alimentares, bebidas, tabaco, vestuário para adultos, bebés e crianças, bijuterias, calçado e artigos de couro, relógios, joias, artigos de ourivesaria, de metais preciosos, jornais, revistas e artigos de papelaria, comércio a retalho de tecidos a metro para confeção e outros têxteis para uso doméstico e de artigos de retrosaria geral.
3. No exercício da sua atividade comercial, a autora executou para a ré serviços de construção civil num restaurante da ré sito em ..., ..., denominado “Só Espeto” e executou esses trabalhos nos termos indicados pela ré que não apresentou projeto de arquitetura nem de engenharia à autora.
4.  A ré, através de AA que agia em sua representação, solicitou à autora a realização de trabalhos de mão de obra de construção civil e acordou que a ré forneceria os materiais necessários à execução desses trabalhos.
5. Na execução do acordo referido em 3), a autora efetuou serviços de demolições, assentamento de azulejos e execução de placas, colocou azulejos, colocou tela e rebocou paredes.
6. AA pretendia a conclusão dos trabalhos referidos em 4) e em 5) de forma rápida para poder abrir o restaurante ao público.
7. Os trabalhos referidos em 4) e em 5) apresentaram as seguintes patologias:
7.1. Insuficiência de impermeabilização da cobertura na zona da cozinha, o que causou infiltrações de água no teto e paredes da cozinha;
7.2. Fissuras nas paredes exteriores e interiores da cozinha;
7.3. Azulejos partidos nas paredes da cozinha;
7.4. Deficiente colocação da tijoleira da churrasqueira com fissuras na massa entre tijolos.
8. A ré, por intermédio de AA, estabeleceu e definiu a forma técnica como foram executadas as seguintes obras e a autora executou esses trabalhos contra as suas opções técnicas transmitidas à ré e de acordo com as ordens de AA:
8.1. Abriu uma janela em local onde a parede não tinha sustentabilidade para a sua abertura e construiu uma parede sem suporte estrutural para colocação de janela, o que causou fissuras nessa parede;
8.2. Colocou azulejos em zonas da parede que não foram rebocadas, sendo os azulejos colocados diretamente no bloco contra a indicação da autora;
8.3. Os muretes deveriam levar rufos por indicação da autora e AA deu indicação para não se aplicarem rufos nos muretes e não os impermeabilizou.
9. Pela execução dos trabalhos referidos em 4) e em 5), a autora emitiu em nome da ré a fatura n.º ..., no montante de € 9.215,00, datada de 11.03.2022, a pagar nesse dia.
10. Por conta dos trabalhos referidos em 4) e em 5), a ré pagou à autora o montante de € 4.000,00.
11. Por escrito datado de 01.02.2023, a ré comunicou à autora que “com a chegada do inverno começou a ficar visível alguns defeitos dos trabalhos realizados nomeadamente fissuras nas paredes e ainda queda de água nos tetos falsos devido à impermeabilização” e solicitou à autora que “no prazo de 30 (trinta) dias seja enviado um técnico ao nosso estabelecimento para reparação das deformidades existentes nos azulejos, paredes, no churrasco e na impermeabilização. No caso de não comparecer no prazo estipulado iremos contratar outra empresa para realizar o reparo e ficará por liquidar o valor pendente que temos com a vossa empresa de 5,000.00€ (cinco mil euros)”.
12. Após a receção do escrito datado 1 de fevereiro de 2023, o gerente da autora compareceu nas instalações da ré no dia combinado com AA para verificar se existia alguma patologia na obra realizada e este não compareceu.
13. A ré solicitou a EMP03... – Engenharia Projeto e Reabilitação, Unipessoal, Lda., o fornecimento e aplicação de camada de argamassa em piso existente com tela de forma a corrigir as pendentes existentes e colocação de nova camada de tela em todo o piso por cima da cozinha, trabalhos que esta executou e a ré pagou o montante de € 4.896,00.
14. EMP03... – Engenharia Projeto e Reabilitação, Unipessoal, Lda., elaborou para a ré o orçamento designado ... que prevê a execução dos seguintes serviços no montante global de € 8.188,75:
14.1. Substituição de zona afetada no teto e gesso cartonado de 13 mm hidrófungo, com devidos remates na zona perimetral assim como emassamento da respetiva zona, com o preço de € 576,00;
14.2. Fornecimento e aplicação de pintura em tinta Stucomate da ... em teto da sala assim como a paredes afetadas pela infiltração, com o preço de € 220,50;
14.3. Remoção de cerâmico danificado, junto à zona dos fornos, assim como reposição dos mesmos com aplicação de Webebr Flex XL, para colagem do novo cerâmico, com o preço de € 810,00;
14.4. Reparação de fornos que se encontram fissurados, com reparação da zona afetada e reposição novamente de argamassas cimenticais, com o preço de € 1.837,00;
14.5. Fornecimento e aplicação de argamassa Mapegrout, de forma a reparar as fissuras nas fachadas envolventes, fissuras essas com origem em danos estruturais, com o preço de € 2.053,50;
14.6. Fornecimento e aplicação de reboco do tipo Topeca, de forma a dar acabamento à respetiva fachada, com o preço de € 1.387,50;
14.7. Fornecimento e aplicação de pintura acrílica Vieroquartz AG, de forma a dar perfeito acabamento à fachada, com o preço de € 1.304,25.

Factos Não Provados
Nada mais se provou, designadamente com relevância para a decisão da causa não se provaram os seguintes factos:
A. A tela foi aplicada sem pendentes contra a indicação técnica da autora que informou a ré de que poderia causar problemas de impermeabilização;
B. A tela colocada na cobertura foi estragada, depois de aplicada pela autora, por um soldador que andou a soldar a chaminé e as girandolas e queimou a tela;
C. A ré alegou problemas de tesouraria e solicitou à autora o pagamento da fatura n.º ..., em duas prestações;
D. A autora despendeu o montante de € 250,00 para cobrança à ré com o pagamento de honorários de mandatário judicial;
E. As situações referidas em 7) surgiram após a entrega da obra pela autora até ao inicio do ano de 2023, com a chegada do inverno.

A apelante impugna a decisão da matéria de facto.
Entende que foram incorretamente julgados os pontos 3, 5 e 8 da matéria de facto provada.
Quanto ao ponto 3, considera que não ficou provado que os trabalhos foram executados nos termos indicados pela ré. O mesmo quanto ao ponto 5.
Quanto ao ponto 8, considera que não ficou provado que a ré, por intermédio de AA, estabeleceu e definiu a forma técnica como foram executadas as obras e a autora executou esses trabalhos contra as suas opções técnicas transmitidas à ré e de acordo com as ordens de AA.
Entende que apenas se provou que o Sr. AA, em representação da ré, solicitou à autora que fizesse os trabalhos de construção civil necessários ao aumento da cozinha existente, nem poderia ser de outra forma, uma vez que o Sr. AA não percebe nada de construção civil, dedicando-se à atividade da restauração e vive na ilha ..., apenas se tendo deslocado ao local da obra algumas vezes para acompanhar a sua evolução.
O tribunal recorrido sustentou a sua convicção quanto a estas matérias, nas declarações de parte da autora, através do seu gerente, em conjugação com o depoimento prestado pela testemunha AA (apesar de ter agrupado os pontos de facto 3, 4, 5 e 6, sem que fique percetível a diferenciação entre eles) e, relativamente ao facto provado n.º 8, também com base nos depoimentos das testemunhas BB e CC.
Vejamos, então.
A testemunha CC revelou grande inimizade para com a ré e o seu representante em obra, o que foi muito visível no seu depoimento, irritado, chegando mesmo a chamar-lhe “o homem”. Tal comportamento será explicado pelo facto de, segundo disse, ter uma ação proposta contra a ré por não lhe terem pago o serviço que prestou nesta obra (representa a empresa que fez a montagem do equipamento de cozinha), com argumentos semelhantes aos que apresentaram neste processo. Quanto á empreitada da autora, pouco ou nada sabia, apenas retirando ilações do que aconteceu consigo, até porque, quando entrou em obra, a parte da autora já estava a ser finalizada.
Também o depoimento da testemunha BB, que presta serviços de eletricidade e picheleiro à autora, foi pouco relevante. Limitou-se a responder que sim às perguntas que o advogado fazia, mas demonstrou pouco conhecimento do que se passou em obra, hesitou muito quanto a identificar quais os trabalhos efetuados e durante quanto tempo. Disse que era o Sr. AA que dava as ordens e que faziam o que ele pedia, mas também acrescentou que “se fosse proibido, não fazia” e que também não faria o que considerasse errado em termos técnicos.
Resulta, assim, que estes depoimentos, só por si, desacompanhados de outros elementos de prova, não são de ordem a suportar as declarações de parte do representante da autora.
A apreciação que o Tribunal efetue das declarações prestadas, ao abrigo do disposto no artigo 466.º do CPC, nomeadamente, quando as mesmas sejam favoráveis à própria versão da parte que depõe (no fundo, quando se limitem a confirmar o alegado pela parte na peça processual que apresentou), não pode deixar de ser efetuada com o máximo de cautelas, não devendo, obviamente, essas declarações de parte, dentro destas circunstâncias, merecer, em princípio, credibilidade se não se mostrarem corroboradas por outros meios de prova.
As declarações de parte, uma vez que se limitam a referir factos que são favoráveis ao depoente, não servem por si só para comprovar os factos referidos, sendo necessário que existam meios de prova complementares que sustentem a convicção do juiz no sentido declarado – Acórdão da Relação de Guimarães de 14/09/2017, processo n.º 167447/09.1YIPRT.G1 (Alexandra Rolim Mendes), in www.dgsi.pt.
É certo que as declarações de parte deverão ser apreciadas pelo tribunal (cfr. n.º 3 do art.º 466.º do C.P.C.), a par dos outros meios de prova de apreciação livre, competindo, no entanto, pela própria natureza das mesmas, um esforço mais aturado para apurar da sua credibilidade, sobretudo quando em confronto com outra prova de sentido contrário.
Como se diz no Acórdão da Relação do Porto de 15/09/14 (in www.dgsi.pt) as declarações de parte devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado. As mesmas, como meio probatório, não podem olvidar que são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na ação. Seria de todo insensato que sem mais, nomeadamente sem o auxílio de outros meios probatórios sejam eles documentais ou testemunhais, o tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos.
Assim, ainda que não se ponha em causa que as declarações de parte podem estribar a convicção do juiz de forma auto-suficiente, assumindo um valor probatório autónomo – neste sentido, veja-se o CPC Anotado de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, vol. I, Almedina, pág. 532 – não pode nunca esquecer-se a sua particular especificidade, sobretudo quando as declarações de parte vão em sentido contrário da demais prova.
No que ao caso relava, o depoimento de CC foi claramente parcial, tanto como o do próprio representante da autora, e o depoimento de BB, mostrou-se pouco conhecedor dos factos em discussão, ainda com a agravante de ter explicado que, apesar de o Sr. AA ter muita pressa para abrir o estabelecimento e pressionar bastante os trabalhadores, ele, como profissional, nunca faria nada que fosse proibido ou errado em termos técnicos.
Isto para dizer que as declarações de parte do representante da autora se afiguram, por si sós, insuficientes para dar como provado o ponto 8 dos factos provados, quando em contraponto com o depoimento da testemunha AA, que negou tais instruções (relativamente à janela, referiu até que a mesma estava prevista desde o início e que era necessária para o arejamento) e considerando, ainda, as regras da experiência e da normalidade, pois estava em confronto uma empresa de construção civil com um empresário da restauração.
Entende-se, assim, que a ré tem razão relativamente ao ponto 8 dos factos provados, que deve transitar para os factos não provados, nos termos expostos.
Do mesmo modo, deve retira-se do ponto 3 dos factos provados que a autora executou os trabalhos “nos termos indicados pela ré”, passando este facto n.º 3 a ter a seguinte redação:
“No exercício da sua atividade comercial, a autora executou para a ré serviços de construção civil num restaurante da ré sito em ..., ..., denominado “Só Espeto” e executou esses trabalhos sem que a ré tivesse apresentado projeto de arquitetura nem de engenharia”
O ponto 5 dos factos provados, remete para o ponto 3, pelo que não necessita de qualquer alteração.
Procede, assim, a impugnação da decisão de facto.

A procedência da impugnação da decisão de facto terá consequências imediatas na decisão a proferir.
Com efeito, relativamente à solução jurídica dada pelo tribunal recorrido, a apelante não discorda da mesma, nem a põe em causa, apenas considera que a autora deve ser obrigada a eliminar ou reparar os defeitos enumerados nos pontos 7.1, 7.2, 7.3 e 7.4 dos factos provados e não apenas os descritos nos pontos 7.3 e 7.4, conforme foi determinado pela sentença.
E tem razão quanto ao ponto 7.2 – fissuras nas paredes exteriores e interiores da cozinha -, uma vez que o motivo para as mesmas não terem sido consideradas foi o facto de esse defeito ter sido causado pelas instruções dadas pelo dono da obra, o que, como já vimos, não se provou.
Já quanto ao ponto 7.1 – insuficiência de impermeabilização da cobertura na zona da cozinha, o que causou infiltrações de água no teto e paredes da cozinha – o motivo de o mesmo não ter sido considerado prende-se com o facto de tais danos já terem sido reparados por terceiro a pedido da ré, pelo que não poderá operar a exceção de não cumprimento do contrato, nos termos referidos na sentença recorrida e que a apelante não questiona (veja-se que não foi admitida a reconvenção nem a compensação de créditos por via de exceção perentória, por despacho já transitado, e que tais reparações foram já efetuadas e pagas a terceiro, pelo que pretendia a ré ser ressarcida dos montantes que pagou em sede de reconvenção).
Veja-se, a este propósito, o que consta da sentença:
“No que concerne às concretas patologias verificadas na obra realizada pela autora, efetivamente apurou-se que ocorreu uma insuficiente impermeabilização da cobertura na zona da cozinha que causou infiltrações de água no teto e paredes da cozinha, tendo sido a autora quem procedeu à execução desses trabalhos.
Não obstante, a este propósito a ré alega que já procedeu à reparação desse defeito (cf. artigos 51.º e 53.º da oposição) e sopesada a factualidade provada, constatamos, efetivamente, que resultou demonstrado que a ré solicitou a EMP03... – Engenharia Projeto e Reabilitação, Unipessoal, Lda., o fornecimento e aplicação de camada de argamassa em piso existente com tela de forma a corrigir as pendentes existentes e colocação de nova camada de tela em todo o piso por cima da cozinha, trabalhos que esta executou, tendo a ré pago o montante de € 4.896,00.
Ora, a exceção de não cumprimento do contrato funda-se, conforme supra referido, em razões de direito substantivo – o princípio do cumprimento simultâneo das obrigações sinalagmáticas – e o seu efeito pode ser, apenas, o de a ação não poder ser julgada desde logo procedente, por lhe faltar algum requisito de ordem substantiva, podendo, todavia, sê-lo mais tarde ou, até mesmo, desde já, embora só produzindo a condenação efeitos in futurum.
Pelo que relativamente a este concreto defeito na impermeabilização da cobertura na zona da cozinha, tendo o mesmo sido reparado por terceiro a pedido da ré, quanto a este concreto defeito da obra não poderá operar a exceção de não cumprimento do contrato uma vez que a ré já não pretende a sua eliminação pela autora. Na verdade, sendo a exceção de não cumprimento uma exceção dilatória de direito material que não determina a extinção do direito da contraparte, mas apenas o paralisa temporariamente por via da recusa da prestação enquanto não for realizada ou oferecida simultaneamente a contraprestação, julgamos que esta exceção não pode operar como fundamento de recusa de pagamento do preço pela ré quando esta já não pretende a reparação desse defeito pela autora.
Já no que concretamente se refere à existência de fissuras nas paredes exteriores e interiores da cozinha, a este propósito apurou-se, efetivamente, que a ré, por intermédio de AA, estabeleceu e definiu a forma técnica como foi executado esse trabalho, o que a autora executou contra as suas opções técnicas e de acordo com as ordens de AA, tendo procedido à abertura de uma janela em local onde a parede não tinha sustentabilidade para a sua abertura e tendo procedido à construção de uma parede sem suporte estrutural para colocação de janela, o que causou fissuras nessa parede. Daqui resulta que tendo esse defeito sido causado pelas instruções dadas pelo dono da obra, no caso, pela ré quanto à forma de execução dessas paredes, julgamos que o empreiteiro, no caso, a autora não é responsável pelo mesmo uma vez que procedeu à construção dessas paredes de acordo com as ordens dadas pela ré (em igual sentido, v.g., João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 2011, 4.ª Ed. revista e aumentada, Almedina, 2011, págs. 68 e 69).
Pelo que quanto a este concreto vicio da obra julgamos, pelas razões explanadas, que não procede a exceção de não cumprimento alegada pela ré.
Por fim e no que concerne aos vícios detetados nos azulejos e na tijoleira da churrasqueira, in casu, apurou-se, efetivamente, que a autora procedeu à colocação e assentamento de azulejos e provou-se que os trabalhos realizados pela mesma apresentam azulejos partidos nas paredes da cozinha e deficiente colocação da tijoleira da churrasqueira com fissuras na massa entre tijolos.
Estas patologias representam anomalias objetivas da obra que configuram vícios da mesma. E quanto a estes concretos defeitos, in casu, não resultou demonstrada a sua concreta causa.
Ora, a este propósito impõe-se referir que ao dono da obra basta provar a existência do defeito, não lhe competindo provar a sua origem, cabendo ao empreiteiro ilidir a presunção de culpa que sobre si impende (cf. artigo 799.º, n.º 1 do CC), demonstrando a causa desse defeito (neste sentido, v.g., João Cura Mariano, ob. cit., pág. 59).
Na verdade, julgamos que “ao dono da obra bastará provar a existência do defeito, presumindo-se a culpa do empreiteiro, o qual, para afastar a sua responsabilidade, terá que demonstrar que o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua.
Este ónus de prova não se satisfaz com a simples demonstração que o empreiteiro, na realização da obra, agiu diligentemente, ficando o tribunal na ignorância de qual a causa e quem merece ser censurado pela verificação do defeito apontado pelo dono da obra. Nesta situação, continua a funcionar a presunção de que o devedor da prestação é o culpado. O empreiteiro tem que provar a causa do defeito, a qual lhe deve ser completamente estranha, o que bem se compreende pelo domínio que este necessariamente teve no processo executivo da prestação. Só assim se exonerará da responsabilidade pelo defeito existente na obra por si realizada” (neste sentido, v.g., João Cura Mariano, ob. cit., pág. 67).
Pelo que, em face do exposto, não tendo a autora logrado alegar e demonstrar qual a causa de os azulejos que colocou nas paredes da cozinha terem partido nem qual a causa das fissuras existentes na massa entre os tijolos da churrasqueira, a autora não logrou ilidir a presunção de culpa que sobre si impende quanto à ocorrência desses defeitos nos trabalhos por si executados.
Por essa razão e configurando tais patologias defeitos da obra realizada pela autora, a ré tem o direito de opor à autora a exceção de não cumprimento do contrato, recusando o pagamento do preço devido pelos serviços prestados pela mesma enquanto não forem eliminados estes concretos defeitos da obra.
Nessa conformidade, e em face das considerações expostas, a ré está obrigada a pagar à autora o remanescente do preço correspondente aos serviços por esta prestados no montante de € 5.215,00 contra a simultânea eliminação dos defeitos descritos em 7.3) e em 7.4) da factualidade provada.
E isto porque, na esteira da orientação sufragada no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29.01.2013 (proc. n.º 17498/11.4YIPRT, disponível in www.dgsi.pt) e seguindo de perto a doutrina de Calvão da Silva julgamos que “a exceptio non adimpleti contractus não deve obstar ao conhecimento do mérito da ação. O juiz deve, isso sim, condenar à realização da prestação contra o cumprimento ou oferecimento simultâneo da contraprestação, em consonância com o “indireto pedido de cumprimento” coenvolto na arguição da exceptio e salvaguarda do equilíbrio contratual” (neste sentido, v.g., Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pág. 335; na jurisprudência, v.g., também e entre outros, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.10.2010, proc. n.º 571/2002; Acórdão do tribunal da Relação de Coimbra de 27.09.2005, proc. n.º 2257/05; e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26.06.2008, proc. n.º 4703/2008, todos disponíveis in www.dgsi.pt).
Daí que na esteira da orientação supra plasmada, “é legalmente possível uma condenação quid pro quo (uma coisa pela outra), ou, condenação num cumprimento simultâneo, pelo que a comprovação da exceção implica, não a absolvição do pedido, mas a condenação da ré a pagar ao autor a quantia devida pela prestação dos serviços por este efetivamente executados contra a simultânea eliminação dos defeitos” (neste sentido, v.g., Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29.01.2013 (proc. n.º 17498/11.4YIPRT, disponível in www.dgsi.pt)”.
Do que fica dito resulta, assim, a parcial procedência da apelação, sendo a ré condenada a pagar à autora o remanescente do preço correspondente aos serviços prestados pela autora, no montante global de € 5.215,00, contra a simultânea eliminação pela autora dos defeitos descritos nos pontos 7.2), 7.3) e 7.4) dos factos provados.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se, parcialmente, a sentença recorrida e, em sua substituição, condena-se a ré a pagar à autora o montante de € 5.215,00, contra a simultânea eliminação pela autora dos defeitos descritos nos pontos 7.2), 7.3) e 7.4 dos factos provados, mantendo-se a sentença quanto ao mais.
Custas por apelante e apelada, na proporção de metade para cada uma.

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Guimarães, 5 de dezembro de 2024

Ana Cristina Duarte
Eva Almeida
Alcides Rodrigues