CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL
CONTRATO DE EMPREITADA
DESINTERESSE DE AMBAS AS PARTES PELO CUMPRIMENTO
EXTINÇÃO DO CONTRATO
Sumário


I – A falta de redução a escrito do depoimento de parte, nos casos em que a lei o exige (para conter confissão), mesmo que se encontre gravada, impede que a declaração prestada pela parte revista força probatória contra o confitente, só podendo ser livremente valorada pelo Tribunal, tal como dispõe o nº 4 do art.º 358º do CC.
II – Na cessão da posição contratual transfere-se da esfera jurídica de um sujeito para a esfera jurídica de um outro, todo o acervo jurídico (constituído por faculdades e vínculos) compreendido em certo estatuto e emergente de um precedente contrato; verifica-se a extinção subjectiva da prévia relação contratual quanto ao cedente, sendo a mesma relação adquirida pelo cessionário e permanecendo idêntica, apesar da modificação dos sujeitos.
III - O fornecimento de bens e serviços pode corresponder, nomeadamente, a um contrato de compra e venda ou a um contrato de empreitada, tendendo a corresponder a este segundo quando os materiais fornecidos têm uma natureza meramente instrumental, no sentido de que não são aptos a facultar, por si, utilidades imediatas, necessitando ainda de ser montados e associados a outros materiais (instalados) para passarem a ter valor funcional.
IV - Nas situações em que as partes já revelaram o seu desinteresse pelo cumprimento do contrato, não se justifica que a vigência deste fique dependente de um pedido de resolução deduzido por qualquer um dos contraentes, devendo, antes, o contrato cessar por um duplo comportamento volitivo concludente. V – Extinto o contrato, havendo lugar ao simples cumprimento parcial da obrigação, haverá lugar também à redução proporcional da contraprestação a que a outra parte estiver vinculada.
VI - Para efeito de aplicação do art.º 609º, nº 2, do NCPC, é irrelevante que o autor tenha formulado um pedido líquido ou específico sem que tenha conseguido provar os factos que havia alegado e dos quais dependia a fixação ou quantificação do objecto da prestação; também essa situação se insere no âmbito de previsão da norma citada e, portanto, também nesse caso o tribunal deverá condenar no que vier a ser liquidado.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

EMP01..., Lda,
intentou a presente acção declarativa de processo comum contra
EMP02..., Lda,
peticionando a condenação desta no pagamento da quantia de € 124.059,46, acrescida de juros de mora.
Para tanto, alegou ter fornecido serviços (projecto e montagem), materiais e mão de obra à ré, numa obra situada em ..., no valor acima indicado, conforme factura que remeteu à ré, mas que não foi paga.
Citada, a ré apresentou contestação, negando terem sido prestados os serviços, materiais e mão de obra identificados na aludida factura e afirmando que autora litiga de má fé.
A autora, em resposta, pugnou pela improcedência da invocada litigância de má fé, invocando, por sua vez, que é a ré quem litiga de má fé, tendo concretizando que os serviços, materiais e mão de obra foram efectivamente prestados à ré, na sequência de esta ter ficado com o negócio que lhe pertencia e ter a autora, então, passado a assumir o papel de fornecedora da ré.
Dispensada a realização da audiência prévia, foram os autos saneados, o objecto do litígio e os temas da prova delimitados e os actos processuais programados.
Realizada a audiência final, foi prolatada sentença que julgou totalmente improcedente a acção.

Inconformada com tal sentença, dela apelou a ré, tendo concluído as suas alegações de recurso nos seguintes termos:

“A) De acordo com a matéria dada como provada proferida a decisão ora em crise, como foi.
B) O douto Tribunal percebeu o que se passou entre as partes e, assim, não se entende como veio classificar o negócio celebrado entres as partes como contrato de empreitada, pois o próprio, em nº 9 dos factos provados refere que as partes (recorrente e recorrida), transferiram o contrato de empreitada celebrado com o dono da obra, para a R., passando a recorrente a figurar como fornecedora da recorrida.
C) O que a recorrente pretendia e veio peticionar nestes autos, foi o pagamento da quantia de 124.059,46€, resultante do fornecimento de diversos serviços, materiais e mão-de-obra, para a obra X... Residence, em ....
D) As partes não celebraram um contrato de empreitada entre si, nem tal está peticionado nos autos.
E) O que está peticionado são os fornecimentos do projeto de execução de toda a obra, elaborado no início da mesma, a matéria-prima e mão-de-obra dos serviços que a recorrente prestou àquela, na referida obra.
F) Contrariamente ao referido pelo douto Tribunal, foram devidamente descriminados nos orçamentos apresentados, sendo que inicialmente em nome da EMP01..., por virtude da transferência do contrato, foram objecto de orçamento emitido pela EMP02... ao referentes ao projeto e demais materiais e serviços, que os aceitou autos e as respostas de n.ºs 5, 6, 9, 10, 11, 12 e 13 dos factos provados.
G) Entre recorrente e recorrida foi celebrado um contrato de compra e venda com colocação de materiais, que incluía também o fornecimento do projeto da obra.
H) Projeto este que, conforme se pode verificar pelos orçamentos, monta na quantia de 46.057,00€ + iva.
I) Se é certo que a destrinça entre o contrato de empreitada e o contrato de compra e venda é difícil, em circunstâncias normais, não é o que sucede no caso concreto (recorrente, recorrida e cliente) aquele foi celebrado entre a recorrida e o cliente.
J) Passando a recorrente a mero fornecedor da recorrida, conforme o douto Tribunal a quo considerou assente.
K) Também o dono de obra referiu em audiência que, porque a recorrida era o seu empreiteiro, foi aquela que figurou como seu fornecedor e foi àquela que fez os pagamentos dos serviços prestados, pagamentos esses que estão totalmente em dia.
L) Mesmo quando a EMP02... deixou as instalações da recorrente e levou consigo os trabalhadores, o dono da obra não questionou o que quer que fosse, tendo a mesma prosseguido por instruções daquela e com o pessoal que a mesma retirou à EMP01....
M) Situação esta que é solidificada pelo facto de, todos os elementos existentes no processo, confirmarem que a recorrente, a recorrida e cliente acordaram com tal situação.
N) Não podia o douto Tribunal ter entendido que as partes, recorrente e recorrida, estariam vinculadas a um contrato de empreitada, pois o que realmente foi acordado entre ambas foi um contrato de fornecimento de serviços, com colocação de materiais.
O) Contrariamente ao referido pelo douto Tribunal, está suficientemente provado nos autos que a recorrente forneceu para a obra de que a recorrida era empreiteira, quer os projetos, quer os materiais, quer a mão-de-obra, aliás, tal como consta dos pontos 9, 10, 11 e 13 dos factos provados.
P) Deve considerar-se que entre as partes foi celebrado um contrato de compra e venda, com colocação de materiais, pelo que, não se tratando da celebração de um contrato de empreitada, a recorrente não estava obrigada às regras próprias daquele regime.
Q) Pois não estava vinculada ao dono da obra, não se comprometeu a terminar a mesma, não se vinculou a qualquer prazo, nem tinha o direito de receber o preço, daquele.
R) Constando a recorrida como empreiteiro, incumbia-lhe pagar aos fornecedores, nomeadamente à recorrente.
S) A recorrida, na qualidade de empreiteira, aliciou os trabalhadores da recorrente a rescindirem o contrato de trabalho que possuíam com aquela e a celebrar outra com a própria e assim, aproveitando todos os serviços feitos e projetos elaborados, passou a fazê-la por sua conta.
T) Deve alterar-se a qualificação do contrato celebrado entre as partes, de contrato de empreitada, para contrato de prestação de serviços com fornecimento de materiais.
U) Devendo também alterar-se as respostas dadas aos pontos A., B. e C. dos factos não provados para provados.
V) Alterando-se a classificação do tipo de contrato celebrado entre recorrente e recorrida, verifica-se que não podia o douto Tribunal ter decidido como fez, porque, deu como provado que, a recorrente figuraria como fornecedora da recorrida na obra (ponto 9 dos factos provados), que esta, na execução do negócio e pelo menos até Setembro de 2022, tratou do projecto para a obra (estereotomia), dispôs de mão-de-obra e de materiais para a mesma (ponto 10 dos factos provados), e que não obstante aqueles fornecimentos, a recorrida não pagou à recorrente (ponto 13 dos factos provados).
X) Factos considerados provados com base na prova testemunhal e na prova documental junta aos autos.
Z) O douto Tribunal tomou em consideração o email de ../../2022, do sócio gerente da recorrida, que confirma o trabalho feito pela recorrente na obra, que quantificou em 51.081,40€, até àquela data, mas não o utilizou para considerar uma confissão, mas sim para referir que esse valor é muito inferior ao peticionado nos autos.
AA) As declarações do sócio-gerente da recorrida, acompanhadas do referido e-mail, devem considerar-se confissão integral e sem reversas, quanto aos valores mencionados no referido e-mail e também quanto ao facto de que à data de Agosto de 2022, era aquele valor que a recorrente tinha colocado em obra.
AB) Não se entende como é que o douto Tribunal pode ter tido tal entendimento, quando o email é de ../../2022, conforme ponto 10 dos factos provados, e conforme resulta do ponto 11 dos factos provados, a recorrente esteve em obra, fornecendo mão de obra e materiais para a mesma, até Outubro de 2022.
AC) O douto Tribunal a quo, considerou provado no ponto 13 dos factos provados que, a recorrente forneceu à recorrida o projeto para a obra, dispôs de mão de obra e forneceu materiais, que aquela não pagou.
AD) A recorrida, porque era empreiteira da obra, recebeu do cliente o preço correspondente.
AE) Contrariamente ao referido pelo douto Tribunal, constam dos autos todos os elementos necessários para prova do tipo de contrato celebrado entre as partes, bem como de todos bens e serviços fornecidos e respectivos montantes.
AF) O douto Tribunal devia ter condenado a recorrida no pagamento da quantia peticionada, pois dúvidas não há de que a recorrente forneceu, a pedido da recorrida, tudo o constante da fatura reclamada nos autos, correspondendo ao projeto da obra, materiais e mão de obra por ela colocados.
AG) Deve alterar-se a douta decisão proferida nos autos, de absolvição da recorrida, para uma decisão que a condene no peticionado.
AH) Caso assim se não entenda, deve alterar-se a decisão proferida, substituindo-a por outra, que condene a recorrida no pagamento da quantia de 51.081,40€, pelos serviços prestados pela recorrente, para a referida obra, até ../../2022, relegando-se para liquidação em execução de sentença, os restantes serviços prestados desde essa data, até ao final de Outubro de 2022, data em que a recorrente deixou de prestar tais serviços para a recorrente, pois é essa a data em que o Tribunal considerou terem cessado as prestações de serviços, bem como o fornecimento e colocação materiais pela recorrente.
AI) Caso assim se não entenda também e, tendo em atenção que, inegável é que o douto Tribunal considerou nos factos provados que a recorrente prestou serviços na obra da recorrida, e que os mesmos não foram pagos, sempre devia ter proferido decisão a recorrente os valores referentes a tais serviços, que se viessem a apurar, em liquidação de execução de sentença.
AJ) Deve revogar-se a decisão proferida, substituindo à recorrente todos os valores referentes à prestação de serviços, fornecimento de projetos e materiais, bem como a sua colocação, que se vierem a apurar ter sido fornecidos pela recorrente para a obra, relegando-se a sua quantificação para execução em liquidação de sentença.”.
Foram apresentadas contra-alegações, nas quais a autora concluiu nos seguintes termos:
«1. A Recorrente justifica o seu recurso pela alegada, errónea interpretação feita pelo Tribunal a quo em relação à relação contratual que existia entre as partes e a posição jurídica de cada uma nos negócios celebrados.
2. Alega que relativamente à obra Ancorre Residence existia entre a Ré e a Autora, um contrato de fornecimento e não um contrato de empreitada.
3. Deste modo reforça, que o que peticionou nos autos, não é resultado de uma empreitada, mas sim fruto de um contrato de fornecimento que incluía (passa-se a citar): “o projeto de execução de toda a obra; matéria-prima e mão de obra dos serviços que a recorrente prestou àquela, na referida obra”.
4. Acrescenta ainda que os valores que a Ré recorrida deve à Autora recorrente aparecem discriminados nos orçamentos que a segunda apresentou ao cliente final e que tal deve ser entendido como negociação de preços no hipotético contrato de fornecimento entre a Ré e a Autora.
5. Para corroborar a sua tese, a Recorrente serve-se do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4/06/2019, processo 4301/16.8T8VIS.C1. S1, relatado por José Rainho e cita as correntes doutrinarias defendidas por Menezes Leitão e João Cura.
6. Em suma e para definir a qualificação jurídica do contrato (compra e venda/empreitada), perspetiva o Supremo Tribunal (no Acórdão referenciado supra) algumas diferenças essenciais:
- “O contrato de compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa ou outro direito, mediante um preço (874.º CC)” de onde resulta a apenas “a transferência de propriedade de uma coisa ou de um direito”. “O fim principalmente visado pelo comprador é a aquisição de um direito sobre determinada coisa que, em princípio já existe na esfera jurídica do vendedor. Na perspetiva do vendedor a finalidade primordial da celebração do contrato é o recebimento do preço, que consiste na expressão do valor da coisa em dinheiro.”
- “Empreitada é um contrato (de prestação de serviços) pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço (1207.º CC)”, de onde emerge uma obrigação de prestação de facto (obrigação de resultado) que é a obra.” A obra a realizar é o fim primordialmente visado pelo dono da obra. O recebimento do preço é por seu turno, o fim visado do empreiteiro”.
7. Como resulta provado na sentença no ponto n.º 5, “A Autora apresentou a 08/03/2022, orçamento ao cliente EMP03..., Lda., (…) para o revestimento daquela obra, conforme doc.1”.
8. Resulta também provado que:
- a 15.03.2022 e após negociações e redução do preço dos serviços para 100,00/m2, a EMP03... o aceitou (ponto n.º 6 sentença)
- a EMP03... Lda., rejeitou adiantar qualquer valor com a adjudicação da obra e aceitou pagar à Autora depois ada obra feita, colocada no local (ponto 7 sentença)
- Perante tal, a Autora pediu ajuda financeira à Ré (ponto 8 sentença)
- Nesse contexto, decidiu-se transferir/formalizar o contrato para a Ré, de modo a ser esta a obter o financiamento para a obra. (ponto 9 sentença)
9. Crê-se que estas questões estão também notórias na prova testemunhal produzida, mais concretamente do registo sonoro da sessão de Julgamento de 17-05-2024, depoimento do senhor AA, representante legal da EMP03..., Lda, (dona da obra), que teve início pelas 15h25 e terminou pelas 16h03, do minuto 00:05:50 ao minuto 00:09:43.
10. Depoimento que deve ser confrontado com as declarações prestadas pelo Representante legal da Autora Recorrente, BB, que consta do registo sonoro da sessão de Julgamento de 30-04-2024, com início pelas 10h22 e terminaram pelas 10h44, do minuto 00:03:20 até ao minuto 00:03:55.
11. Neste pressuposto, parece inequívoco que o fim que a sociedade EMP03... visava com o contrato era uma prestação de facto e que o resultado que pretendia obter era a realização da obra de revestimento da fachada.
12. Nessa mesma lógica parece obvio que o a Autora Recorrente pretendia obter com o contrato era o pagamento do preço pela obra finalizada.
13. Como bem Alega a Recorrente, na esteira do Acórdão do Supremo por si trazido, “Pacífico, entretanto, é o entendimento de que acima de quaisquer elementos objetivos, o elemento fundamental a considerar para a destrinça entre os contratos em causa é sempre constituído pela vontade dos contraentes. A qualificação Jurídica do negócio há de resultar, em larga medida, do que tiver sido pretendido pelas partes, que não terão deixado, em qualquer caso, de configurar na sua mente um dos dois contratos em causa e o seu regime”.
14. Deste modo e com o devido respeito, face à prova produzida a Recorrente faz uma incorreta interpretação da doutrina que invoca e errada subsunção do direito aos factos concretos.
15. É certo que o que está em causa nos autos é um contrato de empreitada, não um contrato de compra e venda.
16. Concomitantemente não se entende como é que a Autora Recorrente pode entender que existia um contrato de prestação de serviços com colocação de materiais entre esta e a Ré Recorrida.
17. Muito menos se entende que a Autora Recorrente alegue que não estava vinculada ao dono da obra e que não se comprometeu a terminar a mesma, nem estava obrigada a qualquer prazo ou o direito de receber do dono da obra.
18. Deve lembra-se a Recorrente que o pilar basilar do direito obrigacional é o princípio da consensualidade e da Autonomia da vontade.
19. Ora são características essências do contrato de compra e venda a bilateralidade e a sinalagmatissidade.
20. Veja-se Antunes Varela in “Das Obrigações Em Geral”, Vol. I, 10.ª Ed., pág. 396), onde o autor refere expressamente que o “contrato de compra e venda é evidentemente um contrato bilateral (cfr. Art.º 874.º do C.C.).”
21. No desenvolver de tal pensamento (Antunes Varela in Ob. Loc. Cit., pág.s 396 a 397) refere ainda que: “(…) os contratos bilaterais também se designam por contratos sinalagmáticos, porque para além de pressuporem o nascimento de obrigações para ambas as partes, tem de se verificar, cumulativamente, que essas obrigações têm de estar unidas entre si por um vínculo de reciprocidade ou interdependência, que, segundo a intenção das partes, acompanha as obrigações típicas do contrato desde o seu nascimento (sinalagma genético) e continua a refletir-se no regime da relação contratual, durante todo o período de execução do negócio e em todas as vicissitudes registas ao longo da sua existência (sinalagma funcional)”
22. Dito isto, deve ser referido que em nenhum momento foi realizado qualquer contrato de compra e venda entre a Autora Recorrente e a Ré Recorrida.
23. Veja-se que a Ré nunca requereu que lhe fosse fornecido qualquer projeto ou os materiais que se encontram descritos na fatura, muito menos que estes fossem colocados em obra.
24. Por outro lado, e relativamente aos materiais que tenham sido fornecidos e colocados em obra - em relação aos quais não resultou provado nos autos quais foram ou qual a quantificação monetária do seu preço- estes sempre teriam sido colocados em benefício da dona da obra.
25. Isto é, não existe qualquer bilateralidade nem sinalagmatismo entre as alegadas prestações.
26. Tudo porque logicamente a Ré nunca contratou qualquer fornecimento ou prestação e serviços à Autora, nem a Autora alguma vez forneceu fosse o que fosse à Ré ou teve intenção de o fazer.
27. O que aconteceu realmente e resulta provado pela prova produzida nos autos é que a Autora foi contactada empresa EMP03..., Lda para a realização de uma obra em ....
28. Mediante esse contacto a Autora Recorrente definiu como a cliente como deveria ser feita a obra, qual o prazo de execução, seu preço para a mesma, bem como todos os tramites contratuais da empreitada.
29. Resulta provado que a Autora Recorrente inclusive manteve-se em negociações com a dona da obra, até conseguir assegurar a mesma, tendo até anuído uma diminuição preço por metro quadrado.
30. Para além disso, a Autora Recorrente iniciou os trabalhos em obra e inclusive subcontratou mão de obra para que se desse prosseguimento à mesma (como se disse nenhum dos bens ou serviços foi requerido pela Ré Recorrida).
31. Como fez referência o antigo colaborador da Autora Recorrente CC, de acordo com o Registo sonoro da sessão de Julgamento de 17-05-2024, no qual versa o seu depoimento que teve início pelas 16h04 e terminou pelas 16h24, do minuto 00:04:14 até ao minuto 00:08:06
32. Em tal depoimento é claro que foi a Autora Recorrente que iniciou a obra e que eram os seus trabalhadores que lá se encontravam a realizar a mesma, sem qualquer intervenção da Ré Recorrida.
33. O próprio representante da Autora Recorrente confirma que subcontratou mão de obra para dar andamento à obra, tudo consta registo sonoro da sessão de Julgamento de 30-04-2024, mais concretamente das declarações de BB que tiveram início pelas 10h22 e terminaram pelas 10h44, do minuto 00:12:33 até ao minuto 00:13:00.
34. Por tudo o que foi dito, duvidas não podem existir que não existe nem nunca existiu qualquer contrato de compra e venda entre a Autora Recorrente e a Ré Recorrida.
35. Subsumindo-se todos os fatos trazidos aos auto pode inclusive concluir-se que relativamente a esta obra, não existia qualquer relação contratual da Ré Recorrida com a Autora Recorrente.
36. Ademais, a relação que existia entre a Ré e a cliente EMP03..., Lda, era uma relação meramente formal.
37. Como resulta provado no ponto 9 da sentença, quem realizou o contrato com a dona da obra foi a Autora, figurando a Ré formalmente no contrato apenas para convencer a entidade bancária a conferir o financiamento necessário para os trabalhos.
38. Neste ponto parece mais que evidente que a vontade real das partes envolvidas era celebrar um contrato de empreitada entre as sociedades EMP03..., Lda e a sociedade EMP01..., Lda (Autora nos presentes Autos).
39. Neste pressuposto, a Ré figura formalmente no contrato apenas como “testa de ferro”, não tendo participado nas negociações, ou tido uma palavra a dizer quanto aos aspetos essenciais do mesmo, nomeadamente o preço ou o prazo de execução da obra.
40. De acordo com o artigo 240.º n. º1 do CC, existe simulação “se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante”
41. Sobre o negocio simulado refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, processo 71/17.0T8PTM.E1, datado de 27-02-2020 e relatado por Manuel Bargado que: “ A simulação é uma divergência bilateral entre a vontade e a declaração, fruto de um pacto entre as partes com a intenção de enganar terceiros, assumindo nesta importância crucial o pacto simulatório, através do qual as partes acordam em criar uma aparência negocial e em regular a forma de relacionamento entre o negócio aparente, assim exteriorizado e o negócio real.”
42. Quanto às tipologias simulatórias diz o referido acórdão que “Pode distinguir-se na simulação entre simulação subjetiva e objetiva, consoante incida sobre os sujeitos intervenientes ou sobre o negócio ou alguma das suas cláusulas, sendo que na simulação subjetiva surge como contraparte alguém com a finalidade de ocultar a identidade do verdadeiro interveniente no contrato, vulgarmente denominada “testa de ferro”.
43. Na situação em apreço nos autos, todas partes envolvidas na assinatura do contrato de empreitada para a obra que se discute (revestimento da fachada na obra de ...), tinham consciência de quem ia realizar a obra era a Autora e que esta era a real empreiteira da obra.
44. Tanto o dono da obra, a empresa EMP03..., Lda como a empreiteira EMP02..., Lda (Ré Recorrida), como a empreiteira de facto EMP01..., Lda (Autora Recorrente), tinham plena consciência que apenas assinavam o contrato dessa forma para “enganar” terceiros, que neste caso era o banco.
45. Portanto sabe a Autora Recorrente, e sempre soube (como de resto sabem todos os 3 intervenientes que o simularam), que a realidade dos factos sempre foi que o negócio simulado era o contrato de empreitada entre a dona da obra: EMP03..., LDA e a EMP02..., Lda, e que este servia para encapotar o negocio dissimulado que expressava a real vontade das partes, isto é o contrato de empreitada entre a Autora Recorrente e a dona da obra. 46. Mediante esta simulação subjetiva que resultou provada por prova testemunhal e documental que se encontra nos autos, a Autora quer vir alegar a errónea qualificação do contrato, com o argumento que o que deve ser relevante para aferir a tipologia contratual é a vontade expressa das partes.
47. Pois a vontade expressa das partes, como se provou era que não existisse qualquer relação contratual da Ré Recorrida com a obra em causa.
48. A esse propósito resulta do registo sonoro da sessão de Julgamento de 30-04-2024 mais concretamente das Declarações de BB, na qualidade de gerente da Autora, que teve início pelas 10h22 e terminou pelas 10h44 e que recai especificamente sobre o 00:19:04 ao minuto 00:20:08.
49. No trecho em questão, como já vem sido evidenciado ao longo das presentes contra alegações, é nítido que a Autora tem consciência que não esta a fornecer os bens e a mão de obra à Ré Recorrida, mas ao seu cliente final (dono da obra).
50. Com as referidas declarações do gerente da Autora Recorrente, confirmam-se o que foi dito pela testemunha DD que emitiu efetivamente as guias de transporte de materiais das instalações da EMP01.../Autora Recorrente para o local da obra em .... ...
51. Tudo coincidente com os depoimentos das testemunhas (ambos ex-funcionários da Autora) EE que diz ter entregado a obra para orçamentação ou FF que referiu que a Autora Recorrente fez o arranque da obra e a sua produção.
52. Sem embrago, tal não faz prova que os bens foram fornecidos à Ré Recorrida ou qual o valor económico dos mesmos.
53. Considerando o exposto, a Ré Recorrida, nunca requereu à Autora Recorrente que esta lhe fornecesse quaisquer materiais ou lhe prestasse quaisquer serviços, pelo que nada tem a pagar à Autora Recorrente.
54. Porquanto, se a Autora Recorrente forneceu efetivamente na referida obra, bens e serviços à empresa EMP03..., Lda que não lhe foram pagos, não cabe à Ré quantificá-los nem responsabilizar-se pelos mesmos.
55. Dito de outro modo, se a Autora considera que não lhe foram pagos os bens e serviços que prestou à dona da obra, deve faturá-los e reclamá-los a esta e não à Ré Recorrida que nunca lhe contratou qualquer compra ou prestação de serviços.
56. Outrossim deve também ser desconsiderada, por ser meramente especulatória e descabida a afirmação da Autora Recorrente quando diz que a Ré Recorrida “aliciou os trabalhadores da recorrente a rescindirem o contrato de trabalho que possuíam com aquela e celebrar outro com a própria e assim, aproveitando todos os serviços feitos e projetos elaborados, passou a fazê-la por sua conta”.
57. Em consequência não devem proceder os argumentos da Autora Recorrente, não se alterando a qualificação do contrato celebrado entre as partes como contrato de compra e venda/ prestação de serviços, porque na realidade não se realizou qualquer contrato entre a Autora e a Ré.
58. Neste sentido não podem ser dados por provados os factos presentes nos pontos A, B e C da sentença.
59. Ao contrário do que quer fazer parecer a Autora Recorrente, os factos provados no ponto 10 e 12 da sentença não entram em contradição.
60. Uma coisa é a Autora ter tratado da execução do projeto até Setembro de 2022 e para tal ter disposto de materiais e mão de obra e outra coisa distinta é a Ré Recorrida ter aproveitado o que lá estava e continuado a obra.
61. Isto porque, como já dito os bens e serviços que eventualmente tenham sido enviados para a obra foram realizados em prol e benefício do contrato da Autora com a dona da obra, assim como esta última os requereu.
62. Por esse motivo, a Ré Recorrida, quando se viu obrigada a cumprir o contrato simulado, e assumir a obra que foi abandonada pela Autora Recorrente, não tinha como saber o que tinha ou não tinha sido prestado ou fornecido, nem tinha obrigação de pedir contas à Autora.
63. O e-mail de 10 de Agosto, enviado pelo gerente da EMP02..., GG e referido nas alegações da Autora Recorrente, nota-se pela identificação das partes que foi remetido pelo interlocutor identificado na qualidade de funcionário da EMP01..., por esse motivo foi enviado do correio eletrónico: ..........@..... com o conhecimento de HH (gerente da EMP01.../Autora Requerente à data dos factos) e ..........@....., como surgem identificados em CC.
64. Ora o e-mail não tem o alcance que a Autora Requerida lhe pretende atribuir, porquanto no fundo não passa de uma tentativa de cobrança feita por um colaborador à entidade devedora dos serviços.
65. Quando muito pode ser interpretado o referido e-mail como prova de que a Autora Recorrente sabia que a dona da obra não lhe tinha pago os trabalhos executados.
66. Nunca pode ser vista como uma confissão de divida do interlocutor, ou como um reconhecimento de que tinham sido colocados em obra trabalhos no valor de 51.081,40€.
67. Nem tão pouco resulta provado pelo depoimento do legal representante da dona da obra, que a EMP03..., Lda tenha efetuado o pagamento dos bens e a mão de obra colocados em obra até Outubro de 2022 Ré Recorrida, em vez de o ter feito à Autora Recorrente.
68. Nestes tramites, a Autora Recorrente apenas supõe que a dona da obra tenha pago à Ré Recorrida o que esta executou, quando a única coisa que resulta provada é que a dona da obra tem procedido ao pagamento dos trabalhos realizados pela Ré Recorrida, desde que esta assumiu a obra.
69. Dito isto, duvidas não podem existir que a tudo o que consta da fatura reclamada pela Autora, na melhor das hipóteses foi fornecido à dona da obra EMP03..., Lda e nunca à Ré Recorrida, que jamais requereu qualquer fornecimento ou prestação de serviço à Autora Recorrente para a obra em causa.
70. Destarte, não existe nem nunca existiu qualquer contrato, seja de que natureza fosse, entre a Autora Recorrente e a Ré Recorrida relativamente à obra de ..., pelo que não resulta qualquer obrigação contratual para a Ré Recorrida relativamente ao pagamento do preço reclamado pela Autora Recorrente.
71. Moldes em que se deve manter a decisão proferida nos autos, absolvendo-se a Recorrida do peticionado.».
Colhidos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.

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II. Delimitação do objecto do recurso e questões a decidir

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do apelante, tal como decorre das disposições legais dos art.ºs 635º, nº 4 e 639º do NCPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º, nº 2 do NCPC). Por outro lado, não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº 3 do citado diploma legal).
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As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela recorrente e a sua precedência lógica, são as seguintes:

a) do erro de julgamento na decisão de facto [quanto aos pontos de A, B e C do elenco dos factos não provados];
b) da reapreciação da decisão de direito [importando averiguar se resulta da factualidade apurada – com as alterações que recorrente pretende ver introduzidas - a celebração de um contrato entre as partes (em que a autora figura como fornecedora de serviços, materiais e mão de obra à ré) e, em caso afirmativo, qual a sua qualificação jurídica e se a autora cumpriu a sua obrigação, tendo direito ao respectivo preço].
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III. Fundamentação

3.1. Fundamentação de facto
O Tribunal recorrido considerou provados e não provados os seguintes factos (destacando-se a negrito a matéria de facto ora impugnada):
“Factos provados:
1. A Autora dedica-se, com intuito lucrativo, entre outros, à atividade de construções metálicas, revestimentos, coberturas e isolamentos de edifícios.
2. A Ré dedica-se, com intuito lucrativo, entre outros, ao desenvolvimento de projetos de engenharia e arquitetura e atividades especializadas de construção (como construções metálicas, revestimentos, coberturas e isolamentos de edifícios), atividades de consultoria, científicas, técnicas e similares, essencialmente no âmbito de atividades de arquitetura, de engenharia e técnicas afins, e ainda atividades de ensaios e de análises técnicas, atividades de investigação científica e de desenvolvimento entre outras atividades de consultoria, científicas, técnicas ou similares. Fabricação de estruturas de construções metálicas. Atividades de mecânica geral. Consultoria económica, estratégica e financeira. Outras atividades de consultoria, científicas, técnicas e similares. Realização e análise de projetos de investimento. Apoio na gestão empresarial.
3. A ../../2023, a Autora emitiu e enviou a fatura nº ...43, reclamando à Ré o pagamento do preço: de um projeto, no valor de € 56.760,32, de matérias-primas e acessórios, no valor de € 42.178,00, de mão de obra, no valor de € 9.389,94, e de serviço de montagem, no valor de € 15.730,20, em obra X... Residence, em ....
4. A Ré devolveu por duas ocasiões a fatura enviada pela Autora, por entender não ser devida.
5. A Autora apresentou a 08.03.2022 orçamento ao cliente EMP03..., Lda, com sede na ..., ..., ..., para o revestimento daquela obra, conforme doc. 1 que se junta.
6. Que a 15.03.2022 e após negociações e redução do preço dos serviços para €100,00/m2, o aceitou.
7. A EMP03... Lda rejeitou adiantar qualquer valor com a adjudicação da obra e aceitou apenas pagar à Autora depois da obra feita, colocada no local.
8. Perante tal, a Autora pediu ajuda financeira à Ré.
9. Neste contexto, decidiu-se transferir/formalizar o contrato para a Ré, de modo a ser esta a obter financiamento para a obra, figurando a Autora como fornecedora da Ré.
10. Na execução do negócio e, pelo menos, até setembro de 2022, a Autora tratou do projeto para a obra (estereotomia), dispôs de mão de obra e de materiais para a obra.
11. Em final de Outubro de 2022, a Autora deixou a obra e a Ré, as instalações da Autora.
12. Desde janeiro de 2023, a Ré vem executando a obra id no contrato, que sofreu alterações, nomeadamente no seu interior e nos prazos.
13. Tendo aproveitado o referido em 10., mas não pagando à Autora.
14. A Autora não olvida que as partes não têm qualquer relação comercial há mais de 12 meses.
15. A Autora não olvida que, entretanto, foram intentadas pela aqui Ré duas ações judiciais para cobrar os créditos.
16. A factura supra id. foi emitida a ../../2023, devido a ter sido necessário verificar, o que levou tempo à nova administração, todos os pagamentos e toda a facturação, tanto mais que a contabilidade era feita numa empresa externa, reunir a documentação referente aos materiais colocados em obra e o apuramento das despesas com mão-de-obra.
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Factos não provados:
A. Para a obra X... Residence, em ..., a Autora forneceu à Ré: um projeto, no valor de € 56.760,32; matérias-primas e acessórios, no valor de € 42.178,00; mão de obra, no valor de € 9.389,94; e serviço de montagem, no valor de € 15.730,20.
B. A Ré recebeu do cliente “EMP03..., Lda” o preço de A.
C. A EMP03... Lda. pagou à Ré o valor do referido em 10..
D. Após saída da Autora, o cliente final alterou o projeto que tinha sido apresentado aquando das negociações.
E. Resultado de tal, a obra teve de ser toda alterada e revista, quer a nível de estereotomia quer a nível de quantidades de materiais, tendo sido necessário inclusive retirar tudo quanto havia sido executado anteriormente pela Autora.
F. A Ré executa a obra com um novo projeto que nada tem a ver com o apresentado à Autora.
G. O presente processo judicial foi intentado pela Autora para equivaler no valor que tem em dívida, pois se considerado o processo judicial distribuído a este juízo e a soma dos distribuídos no Local Cível de Vila Nova de Famalicão, os valores atingem praticamente os 120.000,00 €.
H. Como consequência da atitude processual da Autora, a Ré teve de justificar-se às entidades bancárias e de análise de risco.”. 
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3.2. Fundamentação de direito
3.2.1. Do erro de julgamento da decisão de facto
O recurso interposto pela autora visa, como vimos supra, a reapreciação da decisão de facto e de direito.
Impugnada a decisão da matéria de facto e resultando cumpridos os ónus impostos pelo art.º 640º, nº 1, als. a), b) e c), do NCPC, pois que a apelante faz referência aos concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, indica os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por ela propugnados, a decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida e indica, ainda, as passagens da gravação em que funda o recurso (nº 2, al. a) do citado normativo), cumpre conhecer do objecto da mesma antes de se proceder à reapreciação da decisão de direito.
Por outro lado, sendo de admitir a impugnação da matéria de facto, a Relação pode e deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa – cfr. art.º 662º, nº 1, do NCPC.
E, para tanto, reapreciar a prova que se lhe afigurar pertinente para decidir da concreta pretensão recursória e de acordo com o princípio da livre apreciação da prova (excepto, como é evidente, se se tratar de uma situação que contenda com a apreciação de prova vinculada).
Com efeito, tendo presente que o princípio da livre apreciação das provas continua a ser a base, nomeadamente quando em causa estão documentos sem valor probatório pleno; relatórios periciais; depoimentos das testemunhas e declarações de parte [vide art.ºs 341º a 396º do CC e 607º, nos 4 e 5 e ainda 466º, nº 3 (quanto às declarações de parte) do NCPC], cabe ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis.
Fazendo ainda [vide, Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, em anotação ao art.º 662º do NCPC, p. 328 e seguintes e que aqui seguimos de perto]:
- uso de presunções judiciais – “ilações que a lei ou julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido” (vide art.º 349º do CC), sem prejuízo do disposto no art.º 351º do CC, enquanto mecanismo valorativo de outros meios de prova;
- ou extraindo de factos apurados presunções legais impostas pelas regras da experiência em conformidade com o disposto no art.º 607º, nº 4, última parte (aqui sem que possa contrariar outros factos não objecto de impugnação e considerados como provados pela 1ª instância);
- levando em consideração, sem dependência da iniciativa da parte, os factos admitidos por acordo, os provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito por força do disposto no art.º 607º, nº 4 do NCPC (norma que define as regras de elaboração da sentença), ex vi art.º 663º do NCPC (norma que define as regras de elaboração do acórdão e que para o disposto nos art.ºs 607º a 612º do NCPC remete, na parte aplicável).
Por fim, é de realçar que embora não exigida na formação da convicção do julgador uma certeza absoluta, por via de regra não alcançável, quanto à ocorrência dos factos que aprecia, é necessário que da análise conjugada da prova produzida e da compatibilização da matéria de facto adquirida, extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras da experiência (vide, art.º 607º nº 4 do NCPC) se forme no espírito do julgador a convicção de que com muito elevado grau de probabilidade os factos em análise ocorreram. Neste contexto e na dúvida acerca da realidade de um facto ou da repartição do ónus da prova, resolvendo o tribunal a mesma contra a parte à qual o facto aproveita, tal como decorre do disposto nos art.ºs 414º do NCPC e 346º do CC.
Feito este enquadramento, urge então verificar se, na parte colocada em crise, a análise crítica da prova corresponde à realidade dos factos ou se a matéria em questão merece, e em que medida, a alteração pretendida pela apelante.
No caso, a autora/recorrente insurge-se contra a decisão relativa à matéria de facto, dizendo, em suma e como já vimos, que a prova produzida impunha que fossem consideradas provadas as questões de facto constantes dos pontos A., B. e C., do elenco dos factos não provados, sendo que naqueles itens consta o seguinte:
A. Para a obra X... Residence, em ..., a Autora forneceu à Ré: um projeto, no valor de € 56.760,32; matérias-primas e acessórios, no valor de € 42.178,00; mão de obra, no valor de € 9.389,94; e serviço de montagem, no valor de € 15.730,20.
B. A Ré recebeu do cliente “EMP03..., Lda” o preço de A.
C. A EMP03... Lda. pagou à Ré o valor do referido em 10.”.
Mais concretamente, sustenta a recorrente que a factualidade constante da parte inicial do referido ponto A. – mormente na parte em que refere que os serviços e materiais ali discriminados foram fornecidos à ré - deve ser julgada provada, fazendo apelo, por um lado, à matéria de facto inserta no ponto 9 do elenco dos factos provados e, por outro, às declarações prestadas pela testemunha AA (legal representante da sociedade EMP03..., Lda) e pelo legal representante da apelada, GG.
Por sua vez, a recorrida defende que não foi celebrado qualquer contrato entre a autora e ré, tendo esta actuado como mera “testa de ferro” no contrato celebrado com a dona da obra e que só continuou a execução da obra, após a autora a ter abandonado, por a ter isso ter sido obrigada.
Ora, ouvida a prova gravada na sua íntegra e analisados com particular atenção os depoimentos acima assinalados, na sua globalidade, conjugados entre si e com a prova documental constante dos autos, e considerando as regras da experiência e da lógica, entendemos que assiste razão à recorrente quando afirma que da prova produzida resulta demonstrada a celebração de um acordo entre a autora/recorrente e a ré/recorrida, no sentido daquela passar a fornecer a esta os serviços que inicialmente tinham sido acordados directamente com a dona da obra.
Não podemos, pois, acompanhar nesta parte a decisão proferida pelo tribunal recorrido.
Note-se, aliás, e como muito bem salienta a recorrente, embora tenha concluído pela inexistência de qualquer contrato entre a autora e a ré, o tribunal recorrido, de forma incongruente, deu expressamente como provado que as partes transferiram o contrato de empreitada inicialmente negociado entre a autora e dona da obra para a recorrida, passando a apelante a figurar como fornecedora da ré/recorrida (cfr. ponto 9 do elenco dos factos provados).
Por outro lado, do depoimento prestado pelo legal representante da dona da obra (AA), o qual nos mereceu particular credibilidade, dada a sua isenção e assertividade, resultou que a dona da obra negociou a empreitada com a autora/recorrente; porém, a dada altura o representante da autora/recorrente, HH comunicou-lhe que a empresa estaria com dificuldades e sugeriu que o contrato fosse feito com a ré/recorrida; que não colocou qualquer entrave, tendo celebrado o contrato com a ré/recorrida nas mesmas condições; que a partir do momento em que assinou o contrato passou a considerar a ré/recorrida a sua empreiteira; que muito embora o representante legal da recorrente tenha continuado a comparecer nas reuniões de obra até finais de 2022, desconhece a que título é que o fazia e porque é que o deixou de fazer desde então, nada lhe tendo sido comunicado a esse propósito, frisando que a relação contratual se desenvolveu exclusivamente com a ré/recorrida e sem qualquer interrupção ou alteração (a não ser quanto a prazos), a partir da referida celebração do contrato escrito, tendo sido a esta entidade que foram efectuados todos os pagamentos dos trabalhos relacionados com a obra de revestimento das fachadas em questão.
Mais acrescentou que os pagamentos à ré estão a ser integralmente cumpridos de acordo com os autos de medição apresentados e aprovados, tendo o 1º pagamento ocorrido em Março de 2023.
Por sua vez, o legal representante da ré/recorrida, explicou que, até dada altura, a autora e a ré trabalhavam em parceria, usando a ré as instalações da primeira e que colaborava indistintamente com uma e outra empresa. Esclareceu também que, por via dessa parceria, a autora solicitou ajuda financeira à ré para adquirir os materiais necessários à execução da obra da cliente EMP03..., Lda, visto que os termos do negócio acordado com aquele cliente só lhe permitiriam começar a cobrar o preço numa fase avançada da empreitada, ou seja, quando iniciasse a instalação das placas de revestimento em compósito. Isto porque (como também foi explicado pela testemunha AA) só se podia começar a proceder à instalação de tal revestimento após a montagem de toda a estrutura na qual as ditas placas assentam.
Depois e muito embora tenha afirmado insistentemente que a apelada não solicitou qualquer serviço à autora e que todo o negócio foi tratado entre esta e a dona da obra, tendo a intervenção da recorrida se limitado à obtenção de um financiamento bancário para a obra, não deixou de confirmar que o valor do financiamento obtido acabou por nunca ser canalizado para a autora, apesar de ter sido esta quem deu início aos trabalhos contratados e suportou os custos a eles associados, tendo feito a preparação da obra e a montagem da estrutura necessária à aplicação do revestimento em placas de compósito.
Mais referiu que o valor de financiamento foi utilizado pela recorrida na aquisição de material para a obra (placas de revestimento em compósito), material este que só foi veio a ser aplicado após a saída da recorrente (confirmando-se assim que o financiamento obtido serviu para financiar a ré, enquanto empreiteira da obra, e não a autora).
Afirmou ainda que, após a celebração do contrato entre a ré e a EMP03..., Lda (a dona da obra), a autora efectuou trabalhos na obra, mas que a recorrida não recebeu da EMP03..., Lda os valores ora reclamados pela autora, tendo referido de forma espontânea que “Só temos de pagar à EMP01... aquilo que o cliente nos pagar a nós”, asserção que, a nosso ver, indica com segurança bastante que a autora, depois da transferência do contrato de empreitada para a ré, só poderia e deveria cobrar à ré o pagamento dos trabalhos que efectuasse na obra.
E tanto assim é que o legal representante da ré procurou fazer crer nada haver a pagar à autora, não propriamente porque não tenha estabelecido qualquer relação comercial com esta, mas antes, porquanto, a mesma deixou a obra numa altura em que ainda não era possível cobrar à cliente (só estava a estrutura feita) e porque após a saída da autora da obra, a dona da obra teria alegadamente reformulado todo o projecto, tendo o material aplicado pela autora sido desmontado; sendo que esta última justificação nem sequer obteve qualquer suporte na restante prova produzida, tendo antes sido frontalmente desmentida pelo legal representante da dona da obra.
Note-se que o tribunal recorrido não só julgou não provado que o projecto tivesse sido alterado e que o material instalado pela autora tivesse sido retirado – cfr. pontos D a F do elenco dos factos não provados -, como deu por assente que a ré aproveitou todo o trabalho desenvolvido e o material aplicado na obra pela autora – cfr. ponto 13 do elenco dos factos provados.
Depois, quando perguntado sobre o teor da mensagem de correio electrónico que dirigiu à dona da obra, em 10.08.2022, e do auto de medição que seguiu em anexo (cfr. documentos 7 e 8 juntos com o requerimento datado de 12.02.2024), interpelando-a para o pagamento de trabalhos já realizados, o legal representante da ré disse que enviou a aludida mensagem, “na qualidade de parceiro da EMP01...” (e não na qualidade de funcionário da autora, como diz a ré nas contra-alegações); sendo que, analisado o auto de medição junto a tal e-mail constata-se que o referido auto de medição se encontra emitido em nome da ré e não da autora.
Assim sendo, e conforme adiantamos, julgamos não subsistir dúvidas que, conforme relatado pelo legal representante da dona da obra, a ré/recorrida, com a celebração do contrato de empreitada (cfr. documento nº 6 junto com o requerimento de 12.02.2024) passou a assumir de forma efectiva o papel de empreiteira na obra em questão, ou seja, a autora deixou de relacionar-se directamente com a dona da obra, passando, pois, a intervir na obra como mera subcontratada/fornecedora da ré.
Na verdade, só assim se compreende que o legal representante da ré tenha admitido, ainda que de forma mitigada, que teriam que pagar à autora aquilo que lhes fosse pago pelo cliente.
Por outro lado, e no que respeita à parte final do ora visado ponto A. [um projeto, no valor de € 56.760,32; matérias-primas e acessórios, no valor de € 42.178,00; mão de obra, no valor de € 9.389,94; e serviço de montagem, no valor de € 15.730,20], defende a recorrente que também constam dos autos todos os elementos necessários para prova dos bens e serviços fornecidos pela autora e dos respectivos montantes, referindo que os valores relativos aos aludidos serviços e materiais se encontram devidamente discriminados nos orçamentos juntos ao processo. 
Mais argumenta que o tribunal recorrido não tomou em devida consideração o teor do aludido email de 10.08.2022, o qual conjugado com as declarações do sócio-gerente da recorrida, devem considerar-se “confissão integral e sem reservas”, quanto aos valores mencionados no mesmo e-mail e também quanto ao facto de que à data de Agosto de 2022, ser aquele valor que a recorrente tinha colocado em obra.
Porém, nem o aludido e-mail tem o alcance que a autora lhe pretende atribuir, dado que o auto de medição foi elaborado com critérios distintos dos acordados com a dona da obra, não tendo merecido a aprovação daquela (como melhor explicaremos adiante); nem se verifica a invocada confissão do legal representante da ré, pois não foi exarada em acta qualquer assentada, como obriga o disposto no art.º 463º, nº 1, do NCPC (cfr. acta da audiência final de 30.04.2024).
Com efeito, o aludido preceito continua a impor a redução a escrito do depoimento de parte na sua vertente confessória. Porém, a lei apenas exige a redução a escrito do depoimento de parte, nas circunstâncias descritas no indicado normativo: o depoimento é sempre reduzido a escrito, na parte em que houver confissão do depoente ou quando este narrar factos ou circunstâncias que impliquem indivisibilidade da declaração confessória.
Assim, verificada a natureza confessória do depoimento ou declarações da parte, a redacção dos termos da confissão incumbe ao juiz, podendo as partes ou seus advogados fazerem as reclamações que entendam, e, concluída a assentada, é lida ao depoente, que confirma ou faz as rectificações necessárias (nºs 2 e 3 do citado art.º 463º).
Deste modo, compaginando o que vimos de referir, a parte do depoimento, ou dos esclarecimentos do sujeito processual, que não assuma a natureza de confissão, com a amplitude referida, não tem que ser reduzida a escrito por não ser prova tarifada, sendo um meio de prova livremente apreciado pelo tribunal. De harmonia com o referido, o art.º 466º, nº 3 do NCPC, estabelece precisamente que as declarações de parte serão livremente apreciadas pelo tribunal na parte em que não representem confissão.
Na verdade, a formalidade da assentada na acta da audiência de discussão e julgamento encontra-se reservada para a confissão judicial provocada, a qual, de acordo com o disposto no nº 2 do art.º 356º do CC, pode ser feita tanto em depoimento de parte como em prestação de informações ou esclarecimentos ao tribunal.
Mas, havendo confissão judicial, a força probatória plena contra o depoente depende da sua redução a escrito, isto porque, se o não for, é livremente apreciada pelo tribunal, mesmo que se encontre gravada. É o que, a nosso ver, inequivocamente decorre da leitura conjugada do preceituado nos nºs 1 e 4 do art.º 358º do CC.
Por isso que, embora não desconhecendo existir jurisprudência em sentido contrário (ex: o ac. da RG de 15.09.2014, proferido no processo 1190/12.5TBGMR.G1, e acessível in www.dgsi.pt), no sentido de que “a falta de redução a escrito do depoimento de parte confessório só constituiria nulidade caso tivesse influência no exame e na decisão da causa, o que não sucede quando este é integralmente gravado”, e com todo o respeito devido - que é muito -, entendemos na esteira do ac. desta Relação de Guimarães de 31.10.2019, relatado no processo nº 33627/18.4YIPRT.G1 (e em que interveio o Exmº Sr. Desembargador Joaquim Boavida, aqui 1º adjunto) que a desconsideração da indicada formalidade da assentada implica que a declaração da parte, mesmo que se encontre gravada, e ainda que seja confessória, ao invés de ter o valor probatório de prova plena contra o confitente, que lhe atribui o nº 1 do art.º 358º do CC, passa a ser livremente apreciada pelo tribunal, nos termos do nº 4 do mesmo normativo.
De todo o modo, ouvido o depoimento prestado pelo legal representante da ré, bem como o depoimento prestado pelo legal representante da autora (BB) e da testemunha AA, dúvidas não restam que a demandante, ora recorrente - dos trabalhos que se encontram previstos nos orçamentos juntos aos autos (cfr. documento nºs 1 e 4 juntos com o requerimento de 12.02.2024) – procedeu à “estereotomia” (preparação da obra) e procedeu à colocação/montagem da “estrutura e respectivos acessórios”, não tendo iniciado a instalação dos “painéis planos de alumínio compósito FR”.
Mas, nem dos aludidos depoimentos, nem mesmo do depoimento prestado pela testemunha II - que afirmou ter analisado os elementos de suporte contabilístico disponíveis na autora para proceder à elaboração da factura reclamada nos autos – se pode extrair com segurança qual o valor dos trabalhos efectuados pela autora, e muito menos que a aludida preparação da obra envolve-se a elaboração de um projecto no montante de € 56.760,32 e que os custos da matéria prima e acessórios, da mão de obra e dos serviços de montagem da estrutura tivessem ascendido a € 67.297,94 (€ 42.178,00 + € 9.389,94 + € 15.730,20).
A referida testemunha II disse que os elementos facultados foram escassos, tendo, pois, indicado os valores com base em estimativas.
Por sua vez, o legal representante da dona da obra enfatizou que o preço dos trabalhos foi fixado no valor de € 100 por m2 com os painéis colocados (estrutura + painéis), não se tendo estabelecido qualquer verba específica para a elaboração de projecto ou preparação da obra (estereotomia), tendo acrescentado que, de todo o modo, o valor reclamado pela autora a esse título não faz qualquer sentido.
O legal representante da ré explicou, por seu lado, que o e-mail e o respectivo auto de medição tiveram o propósito de tentar sensibilizar a dona da obra a realizar um adiantamento, mormente face aos elevados custos da matéria-prima que já havia sido adquirida pela autora, não tendo essa diligência surtido qualquer efeito junto da dona da obra, pois o contrato afastava expressamente tal situação.
Depois, perscrutados os orçamentos e o contrato de empreita juntos aos autos com o requerimento de 12.02.2024, facilmente se consta que não se encontra prevista qualquer verba autónoma para a elaboração de um projecto. Aliás, os orçamentos não aludem a qualquer projecto e o contrato de empreitada refere-se tão só ao fornecimento e aplicação de revestimento de fachadas exteriores de acordo com a proposta apresentada, referindo ainda que as peças desenhadas e as peças escritas seriam fornecidas pela EMP03..., Lda.
Acresce que, analisado atentamente o auto de medição anexo à mensagem de correio electrónico de 10.08.2024, constata-se que o mesmo foi baseado num cronograma financeiro elaborado pela autora e:
- indica como valor total da obra o montante de € 418.700,00, correspondente a 4.187 m2 X € 100/m2;
- individualiza os trabalhos realizar em obra nos seguintes itens, atribuindo-lhes percentagens no valor global da obra: Projeto/Preparação – 10% (correspondente a € 41.870,00); Distanciadores – 5% (correspondente a € 20.935,00); XPS – 10% (correspondente a € 41.870,00); Perfilaria – 35% (correspondente a € 146.545,00) e Alumínio Compósito – 40% (correspondente a € 167.480,00);
- indica estarem concluídos em 100% os trabalhos de projecto/preparação da obra, no aludido valor de € 41.870,00; em 22% os relativos a distanciadores e em 11% os relativos a XPS, no montante cada um de € 4.605,70.
Ou seja, atribui-se no aludido documento à parcela denominada de “projecto /preparação da obra” apenas o valor de € 41.870,00 e calculada através de uma percentagem sobre o volume total da obra, sendo esse valor clara e substancialmente inferior ao montante de € 56.760,32, reclamado nos presentes autos.
Acresce, por outro lado, que também não podemos ter por exacto o valor assim atribuído à denominada parcela “projecto/preparação” da obra, pois, desconhecemos como foi aferido o volume total da obra indicado no referido auto de medição, sendo que na ausência de outros elementos mais objectivos, não podemos concluir que é o correcto, tanto mais que nos orçamentos juntos aos autos o volume da obra indicado é de apenas 3.323,27 m2.
Nestes termos, julga-se manifesto que não foi produzida prova cabal e segura sobre os valores dos trabalhos efectivamente realizados pela autora na obra em questão.
Assim, por tudo quanto deixamos exposto, procede apenas parcialmente a pretensão recursória da autora neste particular, decidindo-se, em conformidade, alterar a redacção do ponto 10 do elenco dos factos provados, nos seguintes termos:
“10. Na execução do negócio acordado com a ré e, pelo menos, até setembro de 2022, a autora executou para aquela, na obra X... Residence, os serviços relativos ao projecto/preparação da obra (estereotomia), bem como os serviços de montagem da estrutura, sendo os materiais por si fornecidos, em valor não concretamente apurado.”.
Isto assente, julgamos que, face aos considerandos já vertidos a respeito do ponto A do elenco dos factos não provados, ser de toda a evidência que a factualidade inserta no ponto B deve ser eliminada (por carecer de autonomia) e a do ponto C deve ser dada como provada, no sentido de que a ré tem vindo a receber da cliente o valor dos trabalhos executados pela autora, o que aliás se coaduna com a matéria de facto incluída no ponto 13 do elenco dos factos provados, onde se diz que a ré aproveitou os ditos trabalhos.
Na verdade, tendo a ré feito seus os trabalhos executados pela autora, ora recorrente, o valor dos mesmos está necessariamente incluído nos valores que a ré vem cobrando à dona da obra, uma vez que, como também se explicou acima, o valor dos serviços prestados se encontra diluído no preço final da colocação do revestimento “em painés planos de alumínio compósito FR”).
Por conseguinte, julga-se necessário alterar a redacção do ponto 13 do elenco dos factos provados, nos seguintes termos:
“13. Tendo aproveitado o referido em 10 e tendo vindo a receber o respectivo preço da cliente, mas não pagando à Autora.”.
*
Pelo exposto, e em suma, determina-se a alteração da redacção dos pontos 10 e 13 dos factos provados, e a eliminação dos pontos A, B e C dos factos não provados, nos termos acima assinalados, procedendo parcialmente a impugnação da decisão de facto.
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3.2. Da reapreciação da decisão de mérito da acção
Vistos os factos, importa agora apreciar se se deve manter a decisão jurídica da causa.
A recorrente insurge-se contra a sentença recorrida, invocando, desde logo, ter ocorrido erro na qualificação da relação contratual estabelecida entre as partes e em discussão nos presentes autos.
No entanto, importa referir que, quanto ao invocado erro na qualificação da relação contratual entre as partes como sendo um contrato de compra e venda (ou contrato de prestação de serviços) e não um contrato de empreitada, se constata que, diversamente do sustentado pela recorrente, a sentença recorrida não julgou a pretensão da autora improcedente com fundamento na qualificação do alegado contrato celebrado entre as partes como de empreitada, antes considerou não estar demonstrada a existência de qualquer acordo entre as mesmas.
Com efeito, na sentença recorrida observa-se a este propósito, o seguinte:
“Revertendo todo o vindo de expor ao caso concreto, cabe à Autora nesta ação demonstrar a existência e termos do contrato, nomeadamente quanto ao acordado sobre o preço a pagar pela realização da obra; à Ré, demonstrar que já realizou esse pagamento ou que o mesmo não pode ser feito/não é ainda devido.
Pois bem, da factualidade apurada nos autos não resulta a celebração do alegado contrato de empreitada entre a Autora e a Ré e, tão pouco, qualquer acordo quanto a preço e sua satisfação relativos a trabalhos que a Autora terá levado a cabo na obra X....
O orçamento apurado nos autos e para a realização de trabalhos de serralharia em edifício situado em ... consta demonstrado como tendo sido apresentado pela Autora a terceiro e como tendo sido por este negociado e aprovado; os termos do contrato – duração, caraterísticas, preços, prazos das obrigações – constam demonstrados como tendo sido ajustados entre o terceiro e a Autora.
Resulta dos autos que a Ré surge no contrato escrito para meros efeitos de financiamento da execução da obra pela Autora, que receberia diretamente do financiador (Banco), conforme se extrai do email de agosto de 2022.
Dos factos não já consta demonstrada qualquer negociação ou celebração de negócio de empreitada entre a Autora e a Ré, designadamente, que as partes acordaram que a Autora prestasse/fornecesse à Ré um projeto, matérias-primas e acessórios, mão de obra e serviço de montagem no edifício ..., em ....
Também não resulta demonstrada qualquer negociação ou acordo entre a Autora e a Ré acerca do preço e do modo de ele ser determinado e do momento do seu pagamento, o que, adiante-se, nos dizem as regras da experiência e do senso comum, seria o normal acontecer em contratos de empreitada.
Ainda que tivesse ficado demonstrado acordo quanto ao preço a pagar pela Ré ou resulta dos usos que a empreitada tem de ser paga, por se tratar de contrato oneroso, sempre se diria que a Autora não logrou demonstrar qual fora esse concreto valor e termos do pagamento, tão pouco quais os concretos trabalhos executados para a Ré e que atingissem valor ou que fora acordado valores para cada parcela ou tipo de trabalhos.
Ou seja, cabendo à Autora o ónus de prova da existência e dos termos do contratado com a Ré, nomeadamente quanto ao preço a pagar, e não tendo sido tal cumprido, haverá que concluir pelo insucesso da sua pretensão.” (o sublinhado é nosso).
Do que deixamos ora transcrito, ressalta que o fundamento da decisão recorrida não é assim – repete-se – a alteração da qualificação da relação contratual entre as partes invocada pela autora, mas sim a falta de prova da relação contratual invocada.
De todo o modo, entende a autora, ora recorrente, que resultou demonstrada a celebração de um acordo entre as partes – ora o qualificando como contrato de compra e venda [cfr. conclusões G e P], ora dizendo que se trata de um contrato de prestação de prestação de serviços, com colocação de materiais [cfr. conclusões N e T] -, na sequência da transferência do contrato de empreitada negociado com a dona da obra para a ré; enquanto que a ré defende que a autora apenas celebrou um contrato com a dona da obra, pois que o contrato escrito (denominado de empreitada) firmado entre a ré a aludida dona da obra se trata de um negócio simulado.
Começando pela argumentação da apelada, afigura-se-nos manifesto que a mesma falece de razão.
Com efeito, os factos em causa não são suficientes para integrar todos os pressupostos da simulação, previstos no art.º 240, do CC [divergência entre a vontade declarada e a vontade real; acordo entre as partes sobre essa divergência e intenção de enganar terceiros], ao contrário do que veio agora defender a ré/recorrida e aparentemente concluiu o tribunal recorrido.
É certo que ficou demonstrado que a foi a autora quem negociou a execução de uma obra e o respectivo preço com a sociedade EMP03..., Lda e que, tendo esta rejeitado adiantar qualquer valor com a adjudicação da obra, foi solicitado pela autora ajuda financeira à ré, tendo sido, nessa sequência, acordado que esta assumisse formalmente a posição contratual de empreiteira, com o objectivo de obter financiamento para a obra.
Todavia, não foi alegado, nem resultou provado ter ocorrido qualquer acordo entre todos os intervenientes nos negócios com o intuito de enganar terceiros, pelo que não podemos afirmar que o contrato de empreitada celebrado entre a ré a EMP03..., Lda se trata de um contrato nulo, por simulado.
Vide, a propósito, o ac. da RL de 19.12.2023, prolatado no processo nº 1034/20.4T8CSC.L1, acessível in www.dgsi e que trata uma situação em tudo idêntica à presente.
Quanto a nós, no caso em apreciação, e a entender-se que o negócio entre a autora e a sociedade EMP03..., Lda já se encontrava perfeito antes da sua formalização por escrito, terá apenas ocorrido um acordo de cessão da posição contratual entre a autora e a ré, com a anuência da sociedade EMP03..., Lda (cfr. art.º 424º e seguintes do CC).
Com efeito, e conforme referem Pires de Lima e Antunes Varela “[a] cessão da posição contratual opera uma simples modificação subjectiva na relação contratual básica, a qual persiste, embora com um novo titular” (in, Código Civil Anotado”, Vol. I, 4ªed., p. 376).
Do que se trata é, então, de transferir da esfera jurídica de um sujeito para a esfera jurídica de um outro, todo o acervo jurídico (constituído por faculdades e vínculos) compreendido em certo estatuto e emergente de um precedente contrato; verifica-se a extinção subjectiva da prévia relação contratual quanto ao cedente, sendo a mesma relação adquirida pelo cessionário e permanecendo idêntica, apesar da modificação dos sujeitos (cfr. Carlos Mota Pinto, in “Cessão da posição contratual, p. 450).
Concretizada a transmissão, é com o cessionário que o cedido passa a travar as relações negociais envolvidas; é, em particular, dele que passou a ter de exigir o cumprimento das obrigações respectivas, não daquele com quem originariamente se vinculou.
Por conseguinte e voltando ao caso dos autos, podemos afirmar que a ré – ao intervir no contrato escrito de empreitada em substituição da autora (com o acordo de todos os intervenientes) - recebeu, no seu globo, os direitos e também os deveres que à autora assistiam no projectado contrato de empreitada e que esta, por sua vez, tinha assumido perante a dona da obra.
Ao mesmo tempo, a dona da obra deixou de ter como contraparte a autora, agora substituída pela ré, com quem passou a travar todas as relações obrigacionais envolvidas.
Sem prejuízo, emerge ainda da factualidade provada que foi a autora quem iniciou os trabalhos na obra contratada, na qualidade de “fornecedora” da ré, tendo a autora executado para esta os serviços relativos ao projecto/preparação da obra (estereotomia), bem como os serviços de montagem da estrutura, incluindo os materiais por si fornecidos, em valor não concretamente apurado (cfr. pontos 9 e 10 do elenco dos factos provados).
Concomitantemente, e ao contrário do que concluiu o tribunal recorrido, julgamos ter ficado demonstrada a celebração de um contrato entre a autora e a ré (como, aliás, já resulta evidenciado na decisão acima proferida sobre a impugnação da matéria de facto).
Passemos, então, à qualificação da relação contratual assim estabelecida entre a autora e a ré.
Diga-se - como proposição - que os acordos ou negócios jurídicos devem ser analisados e qualificados, não apenas com base na sua configuração formal, mas também em função das circunstâncias em que se enquadram e dos objectivos que visam realizar.
Como muito bem se observa no ac. RC de 7.05.2024 (proferido no processo nº 1113/23.6T8CTB.C1, consultável in www.dgsi.pt): “A qualificação de um negócio analisa-se na identificação das suas características determinantes, as quais, através de um processo subsuntivo (nas situações mais claras) ou tipológico (quando o «parentesco» do negócio a uma figura típica se não mostra evidente), permitem identificar o tipo ou combinação de tipos negociais a que tal negócio se pode reconduzir (ou excluí-los, concluindo antes pela existência de um negócio atípico). Naturalmente, a aferição daquelas características determinantes depende essencialmente da concreta estipulação e regulação editada pela vontade das partes intervenientes no negócio, pelo que ela se traduz sempre num problema de interpretação da vontade negocial (vontade negocial entendida tal como vertida na estipulação e condutas adoptadas e não como abstracta manifestação de intenções).”.
No caso, dos factos provados e com interesse para a apreciação desta questão ressuma o seguinte:
- a autora forneceu materiais e serviços para uma obra de revestimento exterior de um prédio, serviços estes que correspondem grosso modo à preparação da obra e à montagem daqueles materiais (pontos 3, 5 e 10 do elenco dos factos provados);
- desenvolveu essa actividade (fornecer e colocar) de forma repetida ou reiterada ao longo de determinado período de tempo (ponto 10 do elenco dos factos provados);
- tal actividade ocorreu entre os mesmos sujeitos e sempre por referência ao mesmo objecto, colocação de revestimento exterior de um prédio em construção (ponto 10 do elenco dos factos provados);
- os materiais fornecidos são, em regra, instrumentais de outro bem – revestimento exterior do prédio -, necessitando de instalação para com aquele bem se articularem em termos funcionais e utilitários e exigindo preparação técnica específica para a sua instalação (conforme, aliás decorre dos elementos coligidos nos autos, mormente do orçamento aludido no ponto 5 e 10 do elenco dos factos provados);
-  quando a autora deixou a obra em causa, a ré prosseguiu com a execução da mesma (ponto 12 do elenco dos factos provados);
- a autora dedica-se à actividade de construções metálicas, revestimentos, coberturas e isolamento de edifícios (ponto 1 do elenco dos factos provados).
Os factos descritos correspondem à situação corrente do fornecimento e instalação de materiais, a qual, por vezes, suscita grandes dificuldades de qualificação, face à concorrência de elementos típicos da compra e venda e da empreitada.
Enquanto que no contrato de compra e venda, que transmite a propriedade de um bem mediante um preço (art.º 874º do CC), o adquirente pretende aceder a um bem, impondo-se ao vendedor uma obrigação de dare e a eventual actuação subsequente do vendedor (instalação) terá um papel acessório ou subordinado face ao acesso à coisa, principal utilidade visada pelo adquirente; no contrato de empreitada, pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço (art.º 1207º do CC), o interesse do dono da obra radica no acesso a uma obra final (e não aos bens nela usados ou integrados), cabendo à outra parte (o empreiteiro) uma obrigação de resultado (de facere) conducente à realização da obra contratada, e o fornecimento de bens por este (legalmente prevista no art.º 1210º, nº 1 do CC) tende a constituir mera condição instrumental da realização da sua obrigação, sem autonomia.
Dependendo esta qualificação, como referido, em primeira linha da forma como se expressa a vontade das partes, deverá atender-se ao momento mais relevante do acordado, ou seja, avaliar se está em causa uma vontade de acesso ao bem (como produto acabado) ou ao resultado da instalação do bem. Esta aparente singeleza da questão é, porém, enganadora, dada a multiplicidade de formas de articulação da vontade das partes e os termos quase nunca inequívocos como tal vontade se manifesta, nem sempre se mostrando fácil descortinar qual o concreto tipo negocial querido pelas partes em cada caso (compra e venda, empreitada, contrato misto ou negócios autónomos sucessivos, coligados ou não).
Daí as conhecidas dificuldades em estabelecer um critério seguro de diferenciação entre os contratos de compra e venda e de empreitada. Vários critérios são adiantados: critério da acessoriedade, do factor preponderante, da referência do preço, da existência ou não da coisa ao tempo da encomenda, do carácter fungível ou infungível da coisa ou da configuração económica do contrato, entre outros. Nenhum critério se mostra, porém, absoluto ou concludente nos seus resultados. Assente o papel determinante da vontade das partes (também subjacente aos critérios adiantados), deverá atender-se aos contributos dos vários critérios (na verdade, aos contornos concretos da situação), na medida em que acentuam certos aspectos da regulação realizada e assim exprimem a real vontade das partes (assim, vg, o ac. da RC de 7.05.2024, supra citado).
No caso, os factos provados apontam de forma evidente para a existência de um contrato de empreitada. Ambas as prestações (de dare, inerente à venda, e de facere, própria da empreitada) surgem intimamente relacionadas, dando conta de uma unidade funcional entre elas (sem autonomia recíproca e assim sem convocarem contratos autónomos).
No caso, os materiais fornecidos têm uma natureza meramente instrumental, no sentido de que não são aptos a facultar, por si, utilidades imediatas, necessitando ainda de ser montados e associados a outros materiais (instalados) para passarem a ter valor funcional. E este parece, na verdade, o aspecto determinante: não o acesso aos materiais fornecidos, mas ao resultado da sua instalação (a obra), revelando um determinante interesse no funcionamento integrado na obra.
Releva também, no mesmo sentido, que os fornecimentos de serviços em causa (preparação da obra e serviços de montagem) se traduzem a final em intervenções «instaladoras» extensas e relevantes, com a produção de um resultado final que vai muito além de uma instalação acessória. Na verdade, e como vimos, tais serviços visavam a realização do revestimento das fachadas exteriores da obra em causa (cfr. mais uma vez o orçamento junto aos autos); a intervenção instaladora prolongou-se no tempo, acentuando a feição prestadora de serviços e a colocação dos materiais exigiu intervenção técnica, superando um mero valor secundário da colocação ou instalação meramente subordinada à alienação.
Neste quadro, a percepção de um declaratário normal (cfr. art.º 236º, do CC) tenderia justamente a privilegiar a finalidade funcional, última, dos bens em causa e assim a sustentar a qualificação do acordado como contrato de empreitada. Mormente, porquanto, “se do bem em causa só se pode retirar utilidade depois de ter sido montado, e se essa montagem carece de determinada preparação técnica, não se pode qualificar o contrato como de compra e venda” (cfr. Pedro Romano Martinez, Compra e venda e empreitada, in Comemorações dos 35 anos do CC (…), vol. III, Coimbra Editora 2009, p. 242; ainda, no mesmo sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. II, Coimbra Editora 1986, p. 789 e ac. do STJ de 4.06.2019, processo nº 4301/16.8T8VIS.C1.S1, acessível in www.dgsi.pt).
Ante o exposto, forçoso é concluir que o acordo celebrado entre as partes se enquadra, pois, no âmbito de um típico contrato de empreitada ou, melhor de, subempreitada, previsto nos art.ºs 1207º e 1213º, do CC.
Sendo que nada obsta a tal conclusão, o facto de não resultar dos factos provados – como se diz na sentença recorrida - um “acordo entre a Autora e a Ré acerca do preço e do modo de ele ser determinado e do momento do seu pagamento”.
Conforme define o art.º 1207º do CC “Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”.
Daqui se depreende serem três os elementos essenciais deste contrato: os sujeitos, a realização de uma obra e o pagamento do preço.
Trata-se de um contrato sinalagmático, isto é, do qual resultaram obrigações, para a ré, dona da obra, a de pagar à autora, empreiteira, o preço convencionado, e para a última a de realizar a obra.
O normal é as partes convencionarem o preço relativo à obra, que deve ser pago, não havendo cláusula ou uso em contrário, no acto da aceitação da obra (art.º 1211º do CC).
O preço da empreitada, na doutrina de Pedro Romano Martinez, é normalmente fixado até ao momento da celebração do negócio jurídico, sendo uso já constar do orçamento aprovado aquando do ajuste do contrato (in, Direito das Obrigações (Parte Especial) – Contratos”, Almedina, 2.ª edição, 2001, p. 395).
Ainda segundo o mesmo autor, “O preço pode ter sido determinado de um modo global, normalmente designado por preço a forfait, a corpo ou per aversionem (….)
Nas obras de maior vulto é frequente a preexistência de um projecto, pormenorizado e completo, de todo o trabalho a realizar, com a fixação de respectivo preço. Esta forma de determinação do preço apresenta-se, em princípio, como mais vantajosa para o dono da obra, porque fica, de antemão, conhecedor do montante que lhe será exigido; em contrapartida, o empreiteiro corre mais riscos, porquanto terá de suportar eventuais maiores despesas se a sua previsão, quando à realização de toda a obra, não estava correcta.
Diferentemente, as partes podem estabelecer que o preço da obra seja determinado por cada artigo, por unidade a executar. Por exemplo, o empreiteiro obriga-se a fazer vinte cadeiras a X por objecto, ou a plantar mil eucaliptos a Y por unidade. A determinação do preço por unidades implica a perfeita diferenciação e divisão das partes que integram a obra, com respeito ao todo a obter.
Da mesma forma, se as partes estabelecerem um preço por medida, o preço total da obra vai depender da dimensão que esta tiver depois de concluída. Será o caso de o empreiteiro se obrigar a rasgar uma estrada a X por quilómetro, ou a desinfectar uma seara de trigo a Y por hectare, ou a alcatifar um apartamento a Z por metro quadrado. As obras cujo preço for determinado por medida não se concebem sem uma absoluta identidade e continuidade qualitativa do todo, mas com parte quantitativamente determinada em razão da sua extensão.
Nestes dois casos, a remuneração do empreiteiro resulta da aplicação dos preços unitários, previstos no contrato para cada espécie de trabalho a realizar, às quantidades desses trabalhos efectivamente executados.” (in op. loc. cit., p. 395-396).
Mas prossegue o mesmo autor: (…) “Todavia, se as partes não estabeleceram uma forma de fixação do preço ou se o orçamento tinha uma finalidade de mera orientação, terá de se estabelecer um critério para assentar no valor dessa prestação do dono da obra: de facto, como se depreende do disposto no art.º 1221º CC, a perfeição do contrato de empreitada não depende da fixação, por acordo, do preço. O preço, apesar de ser um elemento integrador da noção de empreitada, pode ser determinado em momento posterior ao ajuste.” (in op. loc. cit., p. 397, sendo o sublinhado nosso).
Ademais, o contrato de subempreitada que tem a sua definição legal no art.º 1213º nº 1 do CC é o contrato pelo qual um terceiro se obriga para com o empreiteiro a realizar a obra a que este se encontra vinculado, ou uma parte dela.
São, assim, pressupostos deste negócio jurídico: a existência de um contrato prévio, nos termos do qual alguém (o empreiteiro) se vincula a realizar uma obra; e a celebração de um segundo negócio jurídico, por cujos termos um terceiro se obriga, para com o empreiteiro, a realizar toda ou parte da mesma obra.
Os dois contratos – empreitada e subempreitada – prosseguem a mesma finalidade. Apesar de serem contratos distintos, visam ambos a realização do interesse do dono da obra. A subempreitada enquadra-se no projecto geral e é de toda a conveniência que esteja com ele harmonizada, de forma a que a sua realização não inutilize o resultado a obter por meio deste.
Concluindo, de tudo quanto deixamos dito, dúvidas não restam que, no caso em apreciação, a autora se vinculou perante a ré a realizar a obra acordada com a dona da obra (e nas mesmas condições).
Isto posto, no que especificamente concerne ao cumprimento do aludido contrato, sabe-se por via dos factos provados, que a autora procedeu apenas aos serviços de preparação da obra e de montagem da estrutura (sendo os materiais por si fornecidos), tendo em final de Outubro de 2022 deixado a obra, a qual vem desde então a ser executada pela ré (cfr. pontos 10 a 12 do elenco dos factos provados).
Ou seja, a autora não concluiu a obra contratada, tendo efectuado apenas parte dos trabalhos previstos.
Todavia, a nosso ver, tal não constitui qualquer óbice a que a autora tenha direito à contraprestação dos trabalhos efectivamente realizados, tanto mais, quando resultou demonstrado que a ré aproveitou os mesmos e vem recebendo da dona da obra o seu valor (dado este se encontrar englobado/diluído no preço da colocação do revestimento “em painés planos de alumínio compósito FR”).
Acresce que, tendo ficado apurado que a autora deixou a obra e que a ré continuou a mesma, temos que concluir pela extinção do contrato de subempreitada firmado entre ambas.
Na verdade, e socorrendo-nos do entendimento vertido no recentíssimo ac. desta Relação de Guimarães de 21.11.2024, prolatado no processo nº 123114/22.5YIPRT.G1, em que também são partes as autora e ré (relatado pela Exmª Sra. Desembargadora Maria dos Anjos Nogueira e em que a relatora intervém como adjunta e consultável in www.dgsi.pt), afigura-se-nos que, atenta a descrição da matéria de facto provada e supra apontada “o programa contratual se interrompeu e não foi reatado, sem que qualquer das partes manifestasse verdadeiro interesse no seu reatamento e total cumprimento.
De facto, da matéria elencada não se pode concluir estar-se perante um abandono da obra, antes se devendo considerar que o contrato se extinguiu (cfr. VAZ SERRA, anot. cit., pág. 12, e INOCÊNCIO GALVÃO TELES, Direito das Obrigações, 7.ª ed., Coimbra Editora, pág. 129, qualificam esta extinção como uma caducidade do contrato), devendo adoptar-se a mesma solução que está prevista para as situações de impossibilidade de cumprimento de uma obrigação por causa não imputável a qualquer das partes (artigo 790.º, n.º 1, do Código Civil). Nestas situações, em que as partes já revelaram o seu desinteresse pelo cumprimento do contrato, não se justifica que a vigência deste fique dependente de um pedido de resolução deduzido por qualquer um dos contraentes. O contrato cessa por um duplo comportamento volitivo concludente (BRANDÃO PROENÇA, Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações, cit., pág. 312).
Igualmente neste sentido assim se decidiu no Ac. STJ 2209/14.0TBBRG.G3.S1 de 14.01.21.”.
Ou seja, tal como na situação relatada no referido aresto, também na presente, o comportamento das partes revela que as mesmas não pretendem reatar o contrato de subempreitada, tendo colocado termo ao mesmo. 
E, assim sendo, tendo a autora cumprido, pelo menos, parte da sua obrigação quando o contrato se extinguiu e tendo a ré aproveitado os trabalhos efectuados na obra por aquela, tem a ora recorrente direito a exigir a contraprestação dos trabalhos por si efectivamente executados (aliás, foi expressamente dado como provado que a recorrida não liquidou qualquer montante por conta desses trabalhos).
Ou seja, há lugar a uma redução da prestação proporcional da contraprestação a que se vinculou a ré, nomeadamente nos termos do disposto no art.º 793º, do CC.
Com efeito, a contraprestação da ré fica reduzida proporcionalmente ao valor dos trabalhos executados pela autora, só assim se encontrando o necessário equilíbrio das prestações a que as partes se obrigaram.
Neste sentido, veja-se Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. II, 3ª ed., p. 47.
E mesmo se entendendo que o incumprimento parcial do contrato é imputável à autora (por força do disposto no art.º 799º, do CC), a solução a dar ao caso em apreço não seria diversa. Na verdade, nos casos de incumprimento parcial definitivo imputável ao devedor, o credor que opte por aproveitar a parte cumprida, terá direito à redução proporcional do preço, nos termos art.º 802º, nº 1 do CC. Assim, o ac. do STJ de 7.12.2023, proferido no processo nº 1784/21.8T8FAR.E1.S1, consultável in www.dgsi.pt.
De todo o modo, não tendo sido possível apurar o concreto valor de tais trabalhos (cfr. ponto 10 do elenco dos factos provados), dever-se-á relegar a sua liquidação para momento posterior, nos termos previstos no citado art.º 609º, nº 2, do NCPC - como, aliás, a própria recorrente veio pedir no presente recurso, ainda que a título subsidiário.
Com efeito, dispõe este normativo, que “Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”.
E embora tenha existido alguma jurisprudência que interpretava a aludida disposição legal (mais concretamente a norma do anterior CPC que lhe correspondia), sustentando que apenas seria aplicável quando, no momento da sentença, ainda não fosse possível conhecer todos os factos necessários à liquidação da obrigação, não sendo, todavia, aplicável quando esses factos já haviam ocorrido e muito menos quando esses mesmos factos haviam sido alegados mas não provados (vg, o ac. do STJ de 17.01.1995, proferido no processo nº 085801, disponível in www.dgsi.pt), pensamos poder afirmar que essa corrente jurisprudencial está ultrapassada, não merecendo acolhimento na jurisprudência mais recente do STJ e não colhendo o necessário apoio na letra da lei e no pensamento legislativo.
Na verdade, nada na letra da lei nos induz a fazer tal interpretação (restritiva), uma vez que a previsão da norma em questão reporta-se à falta de elementos para fixar o objecto ou a quantidade da condenação sem fazer qualquer distinção entre as situações em que esses elementos não existem por ainda não terem ocorrido os factos que permitiriam fixar o objecto ou a quantidade da obrigação e as situações em que esses factos já ocorreram, já são conhecidos e até foram alegados, sucedendo apenas que não foram provados. Em qualquer uma dessas situações, o Tribunal – no momento em que profere a sentença – não dispõe desses elementos e, portanto, está impossibilitado de fixar o objecto ou a quantidade da prestação e, ao que nos parece, é apenas essa circunstância que está subjacente à norma em questão.
O que ali se pretende salvaguardar é a possibilidade de o tribunal proferir uma decisão condenatória, nas situações em que, apesar de se ter apurado a existência do direito e respectiva obrigação, não se determinou o objecto ou a quantidade dessa obrigação. Ou seja, o juiz apurou a efectiva existência de uma obrigação – sabendo, portanto, que o réu terá que ser condenado – mas não apurou qual é o concreto objecto ou a quantidade exacta dessa prestação – não podendo, por isso, determinar o objecto da condenação.
Numa situação dessas, e como refere Alberto dos Reis (in, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, p. 71) “…nem seria admissível que a sentença absolvesse o réu, nem seria tolerável que o condenasse à toa, naquilo que ao juiz apetecesse. A única solução jurídica é a que o texto consagra: proferir condenação ilíquida. O juiz condenará o réu no que se liquidar em execução de sentença”.
Temos, portanto, como certo que tal disposição será aplicável a todos os casos em que o Tribunal, no momento em que profere a decisão, carece de elementos para fixar o objecto ou a quantidade da condenação, seja porque ainda não ocorreram os factos constitutivos da liquidação da obrigação, seja porque, apesar de esses factos já terem ocorrido e terem sido alegados, não foi feita a sua prova.
Neste sentido, pronunciaram-se ainda José Lebre de Freitas (in, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 2ª ed., p. 682), Vaz Serra (in, RLJ, Ano 114º, p. 309 e 310) e, entre outros, o ac. do STJ de 22.09.2016, proferido no processo nº 681/14.8TVLSB.L1.S1, acessível in www.dgsi.pt.
Concluímos, portanto, que, para efeito de aplicação da norma citada, é irrelevante que o autor tenha formulado um pedido líquido ou específico sem que tenha conseguido provar os factos que havia alegado e dos quais dependia a fixação ou quantificação do objecto da prestação; também essa situação se insere no âmbito de previsão da norma citada e, portanto, também nesse caso o tribunal deverá condenar no que vier a ser liquidado.
O que é absolutamente necessário é que se prove a existência da obrigação, uma vez que aquilo que pode ser relegado para posterior liquidação, ao abrigo da citada disposição legal, não é a existência da obrigação – porque esta, constituindo um pressuposto necessário para que seja proferida uma decisão condenatória, tem que ser previamente demonstrada – mas sim e apenas o objecto ou a quantidade dessa obrigação. Vide, assim, o ac. RC de 11.10.2017, processo nº 228/15.9T8SEI.C1 e o ac. 13.11.2023, processo nº 1285/22.7T8GDM.P1, ambos igualmente disponíveis in www.dgsi.pt.
Por fim, pediu ainda a autora a condenação da ré em juros de mora sobre a quantia reclamada. Porém, atento o facto de o crédito pecuniário não ser líquido, temos de considerar não existir ainda mora do devedor (da ré/recorrida), pois que nos casos de iliquidez do crédito, a mora não ocorre enquanto ele se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor – art.º 805º, nº 3 do CC -, o que não é o caso.
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Conclui-se desta forma pela procedência parcial do recurso interposto pela autora, revogando-se a sentença recorrida e, em consequência, condenando-se a ré a pagar a autora o valor dos trabalhos aludidos no ponto 10. do elenco dos factos provados, em quantia a liquidar posteriormente.
As custas da acção e do presente recurso são da responsabilidade da recorrente e da recorrida, provisoriamente, na proporção de metade, ficando o seu rateio definitivo para a decisão a proferir na liquidação (art.º 527º, nºs 1 e 2, do NCPC).
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IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela autora, revogando-se a sentença recorrida e, em consequência, decide-se condenar a ré EMP02..., Lda a pagar a autora EMP01..., Lda o valor referente à realização dos trabalhos aludidos no ponto 10. do elenco dos factos provados, em quantia a liquidar posteriormente.
As custas da acção e do presente recurso são da responsabilidade da recorrente e da recorrida, provisoriamente, na proporção de metade, ficando o seu rateio definitivo para a decisão a proferir na liquidação.
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Guimarães, 5.12.2024
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Juíza Desembargadora Relatora: Dra. Carla Maria da Silva Sousa Oliveira
1º Adjunto: Juiz Desembargador: Dr. Joaquim Boavida
2º Adjunto: Juiz Desembargador: Dr. Afonso Cabral de Andrade