PERSI
COMUNICAÇÃO
ALTERAÇÃO DE DOMICILIO CONVENCIONADO
Sumário


1. A comunicação da integração do cliente bancário no PERSI (procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento) tem de ser feita num suporte duradouro (artigos 14º,4 e 17º,3 do DL 227/2012, de 25/10, não sendo suficiente para demonstrar o cumprimento dessa notificação o envio de uma mera carta simples, sem aviso de recepção.
2. A solução muda radicalmente, no entanto, nos casos em que o devedor, réu na acção, desapareceu da morada que tinha indicado ao Banco credor (domicílio convencionado) e não comunicou a este a sua nova morada, nos termos que tinham ficado clausulados entre ambos, estando actualmente em parte incerta, tendo inclusivamente sido citado editalmente para a acção de cobrança de dívida.
3. Nesse caso, deve-se concluir que se o devedor não recepcionou as cartas enviadas e não tomou conhecimento do respectivo conteúdo, tal se deveu a culpa sua, pelo que as comunicações têm de ser consideradas eficazes.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:
 
I- Relatório

Banco 1..., S.A., NIPC ...05, com sede na Rua ..., Lisboa, intentou a presente acção de condenação contra AA, NIF ...98, e BB, NIF ...68, ambos residentes que foram na Rua ..., ..., ..., pedindo a condenação destes no pagamento da quantia €14.723,86, acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.
Alega, para o efeito e em suma, ter celebrado com os Réus um contrato de crédito pessoal, através do qual lhes concedeu um empréstimo no valor de €15.064,67, que deveria ser liquidado em 84 prestações mensais. Os Réus deixaram de pagar as prestações mensais em 05.01.2022, ficando em dívida o capital de €14.723,86, ao qual acrescerá os juros vencidos e vincendos.
Mais alega que enviou cartas aos réus em 3 de Março de 2022 e 2 de Junho de 2022, onde os informou do incumprimento das prestações do contrato que indicou e que foram “integrados no PERSI – Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento e está a ser acompanhado por uma unidade de Recuperação”. E na carta de 2 de Junho de 2022, o Autor informou os Réus de que “na sequência de terem decorrido 91 dias da integração (…) no PERSI (…) e permanecendo em mora as responsabilidades de crédito melhor identificadas no quadro anexo, consideramos extinto o referido procedimento”.

Por desconhecimento do paradeiro dos Réus, procedeu-se à sua citação edital e, posteriormente, à citação do Ministério Público que, em representação daqueles, apresentou contestação.
Nessa contestação, alega o Ministério Público que o Autor não deu cumprimento à obrigatoriedade de integração dos Réus em “PERSI”, pelo que a preterição desse procedimento prévio à instauração da acção constitui uma excepção dilatória inominada ou atípica de conhecimento oficioso, que determina a absolvição dos últimos da instância.

Notificado do teor da contestação, veio o Autor salientar ter dado cumprimento ao PERSI, cumprido todas as formalidades impostas legalmente, incluindo as notificações, entendendo serem suficientes as cartas simples que remeteu para a morada dos Réus.

Chegando os autos à fase de saneamento, o Tribunal entendeu que o estado dos autos permitia, sem necessidade de mais provas, conhecer do mérito da causa, nos termos do disposto no art. 595º, nº1, alínea b) do Código de Processo Civil.
Foi então proferida decisão que julgou verificada a excepção dilatória inominada de preterição de sujeição de devedor a procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento e, em consequência, absolveu os Réus da instância.

Inconformado com esta decisão, o autor dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (arts. 644º,1,a, 645º,1,a, 647º,1 CPC).

Termina com as seguintes conclusões:
A) Entende assim a ora Recorrente, não existir fundamento para a contestação apresentada.
B) Através de acção declarativa veio o Autor requerer contra AA e BB o pagamento da quantia global de € 15.936,12 (quinze mil, novecentos e trinta e seis euros e doze cêntimos).
C) Acontece que o Tribunal motivou a sua decisão por considerar não ter sido demonstrado o cumprimento das obrigações decorrentes do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento instituído pelo Decreto-Lei nº 227/2012, de 25/10.
D) Entende a ora Recorrente que o cumprimento das obrigações decorrentes do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento instituído pelo Decreto-Lei nº 227/2012, de 25/10, foi escrupulosamente cumprido conforme cartas datadas de 03/03/2022, juntas com o requerimento apresentado a 01/04/2024, ao abrigo do contraditório, sob a refª ...43.
E) Verifica-se que o Banco cumpriu com todos os formalismos que legalmente lhe são exigidos, e em contrapartida a única coisa que se confirma, e que se verificou, foi o incumprimento da parte dos Réus, uma violação múltipla ou repetida do contrato de mútuo e o gozo da quantia que aos mesmos foi proporcionada pela concessão do mútuo bancário, conforme sucedeu, in casu.
F) Entende, igualmente, a ora Recorrente que o Tribunal recorrido efectuou uma errada interpretação quanto ao que foi apresentado pelo Réus em sede de contestação.
G) Devendo, para o efeito, ser considerado que se mostra cumprido o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento instituído pelo Decreto-Lei nº 227/2012, de 25/10 e revogada a sentença de que ora se recorre.

O MP respondeu ao recurso, apresentando as suas contra-alegações. Termina-as com as seguintes conclusões:
A. A Autora, inconformada com a sentença de 1 de Julho de 2024, que julgou verificada a excepção dilatória inominada de preterição de sujeição de devedor a procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento e, em consequência, absolveu os Réus AA e BB, da instância, veio dela interpor recurso.
B. Entendemos que não assiste razão ao recorrente, sendo a decisão encontrada pelo Tribunal de primeira instância, em toda a linha, justa e adequada.
C. O que está em causa nos presentes autos é um contrato de mútuo/crédito ao consumidor alegadamente incumprido pelos Réus ausentes.
D. A Autora é uma sociedade comercial anónima e instituição de crédito, com quem os Réus celebraram o aludido contrato.
E. O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, estabelece um conjunto de medidas que visam promover a prevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização de situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelassem incapazes de cumprir os compromissos financeiros que assumiram perante instituições de crédito.
F. Entre outras, nos artigos 12.º e seguintes, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, foi definido um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento.
G. In casu, sendo o contrato em causa um contrato celebrado com consumidores, nos termos dos artigos 12.º e 14.º, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, deviam os Réus ter sido obrigatoriamente integrados no PERSI.
H. A Autora não faz menção, na petição inicial, que lançou mão do PERSI e, também, não demonstrou posteriormente que o fez.
I. Apesar da junção aos autos das aludidas cartas enviadas aos Réus, o certo é que não comprovou ter-lhes comunicado o respectivo teor, porquanto não juntou qualquer meio de prova documental com vista a demonstrar a ocorrência da comunicação.
J. Apesar do referido diploma legal não exigir que o envio da comunicação deva ocorrer com aviso de recepção, o certo é que o envio de missiva simples é insuficiente para, sem outros elementos, demonstrar que as necessárias comunicações foram levadas ao conhecimento do seu destinatário.
K. A Autora não alegou factualidade pertinente com vista à recepção pelo destinatário.
L. A preterição do PERSI constitui uma excepção dilatória inominada ou atípica, pelo que andou bem o Tribunal ao absolver os Réus da instância, como se impunha, ao abrigo dos artigos 278.º, n.º 1, alínea e), e 576.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, a única questão a decidir consiste em saber se se verificava a excepção dilatória inominada de preterição de sujeição dos devedores a procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI).

III
Tudo o que é necessário para a decisão consta do relatório supra.

O “PERSI – Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento” foi criado pelo DL n.º 227/2012, de 25-10, que veio consagrar um conjunto de medidas destinadas a promover quer a prevenção do incumprimento por parte dos consumidores das responsabilidades por eles assumidas em contratos de crédito, quer a regularização das situações de incumprimento dos contratos de crédito por eles celebrados. Através da implementação de medidas extrajudiciais - de que são exemplo o PERSI e PARI (Plano de Acção para o Risco de Incumprimento), também ele instituído pelo diploma referido, visa-se promover uma actuação responsável por parte das instituições de crédito e dos clientes bancários bem como a redução dos níveis de endividamento das famílias, numa época de degradação das condições económicas e financeiras sentidas em vários países e de aumento do incumprimento dos contratos de crédito. Como se sintetiza no acórdão do STJ de 09.02.2 017, o legislador do diploma acima referido pretendeu «obviar a que as instituições de crédito, confrontadas com situações de incumprimento desses contratos, possam desencadear, de imediato, os procedimentos judiciais com vista à satisfação dos seus créditos relativamente a devedores enquadráveis no conceito legal de “consumidor”, na acepção que lhe é dada pela Lei do Consumidor (Lei n.º 34/96, de 31.07, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08.04), salvaguardando através dos mecanismos nele criados aposição dos contraentes mais fracos e menos protegidos, particularmente numa época de acentuada crise económica e financeira».
Valendo-nos aqui do que se escreve no Acórdão TRE de 15 de Setembro de 2022 (Cristina Dá Mesquita),
através do PERSI as instituições bancárias, no cumprimento dos deveres de diligência e lealdade que sobre elas impendem (cfr. artigo 4.º, n.º 1, do D/L n.º 227/2012) e como assinalámos supra num quadro de adequada tutela dos interesses dos consumidores em situação de incumprimento deverão aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor (cfr. artigos 1.º, n.º 1, alínea b), 5.º, n.º 2, 12.º a 21.º).
Sinteticamente dir-se-á que de acordo com regime previsto no pelo DL n.º 227/2012, o cliente bancário em situação de mora de obrigações decorrentes de contratos de crédito será incluído num PERSI (cfr. artigos 4.º, 5.º, n.º 2, 12.º e 14.º do D/L n.º 227/2012), podendo a regularização da situação de incumprimento passar por várias fases que vão desde uma fase inicial, à fase da avaliação dos motivos da mora e da apresentação de propostas de renegociação das condições do contrato ou de consolidação com outros contratos de crédito; seguidamente, passa-se à fase da negociação entre o cliente bancário e o Banco com vista à obtenção de um acordo de regularização da situação de incumprimento (cfr. artigos 14.º a 16.º); caso o PERSI não termine com um acordo das partes, o cliente bancário pode solicitar a intervenção do Mediador do Crédito e manter, em determinadas circunstâncias, as garantias de que beneficiou durante o PERSI (cfr. artigo 22.º).
Uma das garantias de que o cliente bancário/consumidor beneficia durante o período compreendido entre a data da sua integração no PERSI e a extinção deste procedimento (cujas causas estão previstas no artigo 17.º) é, justamente, o facto de o Banco credor estar impedido de intentar acções judiciais para obter a satisfação do seu crédito (artigo 18.º. n.º 1, alínea b)). Com efeito, da conjugação do artigo 18.º, n.º 1, alínea b) com o disposto no artigo 14.º, n.º 1 – que prescreve a obrigatoriedade de integração do cliente bancário no PERSI quando verificados os pressupostos para tal efeito – resulta que o cumprimento da obrigação de integração do cliente bancário no PERSI (obrigação que pressupõe, naturalmente, a reunião dos pressupostos para tal desiderato) constitui uma condição de acção, isto é, uma condição de que depende o exercício da função jurisdicional, de que depende o conhecimento do mérito da causa ou da resolução da causa”.
Ora, como se afirma nas contra-alegações, “a Autora não faz menção, na petição inicial, que lançou mão do PERSI e, também, não demonstrou posteriormente que o fez. Apesar da junção aos autos das aludidas cartas enviadas aos Réus, o certo é que não comprovou ter-lhes comunicado o respectivo teor, porquanto não juntou qualquer meio de prova documental com vista a demonstrar a ocorrência da comunicação. Apesar do referido diploma legal não exigir que o envio da comunicação deva ocorrer com aviso de recepção, o certo é que o envio de missiva simples é insuficiente para, sem outros elementos, demonstrar que as necessárias comunicações foram levadas ao conhecimento do seu destinatário. A Autora não alegou factualidade pertinente com vista à recepção pelo destinatário”.

Ora, quanto à questão da comunicação da integração do cliente bancário no PERSI, a lei determina que as comunicações de integração dos executados no PERSI e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail) – artigos 14.º/4 e 17.º/3, do DL 227/2012, de 25/10. Ergo, temos como óbvio que uma mera carta simples, sem aviso de recepção, não demonstra que a carta foi recebida. Apenas demonstra, quando muito, que foi enviada. A jurisprudência é, ao que sabemos esmagadora nesse sentido. Vejam-se, a mero título de exemplo, estes Acórdãos:

a) Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7.6.2018, em que foi Relator Pedro Martins, in www.dgsi.pt: «I. Não é prova suficiente da existência, na data que dela consta, e do envio e, muito menos, da recepção de uma declaração receptícia (artigo 224.º/1, do CC), uma fotocópia da mesma ou o simples depoimento de um empregado bancário do departamento do banco onde a declaração devia ter sido emitida, que diz que assinou a carta correspondente, sem um único elemento objectivo que o corrobore, como por exemplo um a/r, um registo, um aviso ou uma referência posterior a essa carta numa outra não impugnada, quando aliás essa carta, segundo a própria decisão recorrida que a deu como provada, não faz sentido no contexto em causa. III. Não se demonstrando a existência da comunicação da integração dos executados no PERSI, não existe uma condição objectiva de procedibilidade da execução (artigo 18.º/1-b do referido D/L n.º 227/2012 e ac. TRL de 26/10/2016, processo n.º 4956/14.8T8ENT-A.E1), pelo que esta não pode prosseguir.
b) Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28.11.2018, Relator Alberto Ruço, in www.dgsi.pt: «I- Nos termos do n.º 4 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, que instituiu o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), a instituição de crédito deve informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro. II – O envio de uma carta, desacompanhada de aviso de recepção, na ausência de prova sobre o efectivo recebimento da carta, é insuficiente para provar que a mencionada comunicação do banco ao cliente foi feita.».
c) Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 27.4.2017, Relatora Maria João Sousa e Faro, in www.dgsi.pt.: «I – No artigo 14º, n.º 4, do D.L. 227/2012, de 25 de Outubro exige-se que a instituição de crédito informe o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro. II – O significado de tal expressão “suporte duradouro” é dado no artigo 3.º, alínea h), do citado diploma: “qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilitasse a sua reprodução integral e inalterada, reconduzível, portanto, à noção de documento constante do artigo 362.º do Código Civil, não poderia a omissão de tal prova da declaração da instituição bancária / embargada ser colmatada com recurso à prova testemunhal (face à ausência de confissão expressa dos embargantes) – cfr. artigo 364.º, n.º 2, do Código Civil. IV- Além do mais, tratando-se de uma declaração receptícia, a sua eficácia estaria também dependente da sua chegada ao conhecimento do seu destinatário (artigo 224.º, n.º 1-1ª parte do Código Civil que consagra a teoria da recepção), sendo sobre a instituição bancária / embargada que recaía o ónus de o provar (artigo 342.º, n.º 1, do mesmo Código)”.
d) Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 29.10.2020, Relatora Raquel Batista Tavares, in www.dgsi.pt.: “É sobre a instituição de crédito, exequente/embargada, que recai o ónus de prova do envio e recepção de cartas atinentes à integração dos clientes bancários, executado, no PERSI. II- Está-se, com as devidas adaptações, perante uma excepção dilatória inominada já que, não demonstrando a instituição de crédito/exequente o prévio cumprimento dos princípios e regras imperativas estabelecidos no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, a mesma não pode intentar acções judiciais com vista à satisfação do seu crédito, conforme decorre do disposto no artigo 17.º, n.º 1, alínea b), faltando assim um pressupostos processual ou uma condição de procedibilidade da sua pretensão, levando, por isso, à extinção da execução instaurada. (…) Da análise dos referidos documentos resulta desde logo que não estarão em causa cartas registadas com aviso de recepção e nem sequer cartas registadas, pois que dos autos não consta qualquer talão de registo, prova de depósito ou aviso de entrega, comprovativo da sua expedição ou recepção; mas apenas cartas que, a terem sido enviadas, seria por correio simples (resulta, aliás, da posição da Recorrente que envia as comunicações referentes ao PERSI por correio simples). Assim, os documentos por si só não permitem concluir pelo efectivo envio das cartas. Temos, por isso, de concluir, ao contrário do que sustenta a recorrente, pela inexistência de prova documental demonstrativa do efectivo envio das cartas atinentes à integração no PERSI e à sua extinção, bem como para integração no Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI)”.
e) E no Acórdão da Relação de Lisboa de 7.6.2018 considera-se ainda que “quem se quer prevalecer de declarações receptícias, isto é, cuja eficácia depende da prova da recepção das declarações pelos seus destinatários (artigo 224.º/1, do CC), tem de ter o cuidado de fazer prova dessa recepção (artigo 342.º/1, do CC). Essa prova pode fazer-se através de notificações avulsas (artigos 256.º a 258.º do CC), mas faz-se normalmente com um aviso de recepção devidamente assinado de uma carta enviada pelo correio. Essa prova pode ainda ser feita, mais dificilmente, com um registo do envio da carta, junto com a prova do depósito na caixa de correio do destinatário, conjugados com as regras do artigo 224.º do CC). Toda a gente sabe isto (que são regras da experiência comum e da lógica das coisas) e sabem-no principalmente as empresas habituadas a lidar com situações em que é necessário fazer prova daquelas declarações, principalmente quando elas são feitas em negociações no âmbito de litígios ou de incumprimentos contratuais. Não lembraria a ninguém que um tribunal dissesse que notificou alguém com base apenas no facto de um juiz ou de um funcionário judicial dizer que essa pessoa foi notificada. Naturalmente que existe sempre um registo dessa notificação que pode ser exibido quando necessário. O mesmo vale para as seguradoras e para os bancos, que não podem vir dizer, em questões que podem ter consequências graves para as contrapartes, que notificaram ou comunicaram fosse o que fosse sem prova objectiva de o terem feito (…). Ou seja, quando se quer provar o envio de uma carta, faz-se pelo menos o registo dela; quando se quer provar a recepção de uma carta, pede-se ainda o aviso de recepção ou requer-se uma notificação avulsa. Ninguém, em questões minimamente importantes, espera fazer prova do envio de cartas apenas com o depoimento de dois empregados seus que dizem tê-las enviado (o que, como se viu, nem sequer é o caso). Quer isto dizer que se num processo judicial se diz que uma declaração receptícia foi feita e enviada, se exige logo, naturalmente, a prova disso através de uma certidão de uma notificação avulsa, ou de um a/r, ou de um registo e aviso, ou pelo menos de um elemento objectivo qualquer (por exemplo, uma referência, não impugnada, numa carta posterior à carta em causa). A simples exibição de uma fotocópia de uma carta, que pode ser feita em qualquer altura, ou o depoimento de um empregado de uma empresa que depende dos rendimentos que lhe advém do seu trabalho nela e que para além disso está a tentar provar que fez o seu trabalho como lhe é dito, agora, que devia ter feito no sentido de ter escrito e enviado essa carta, facto que pode ser determinante para a sorte de uma acção, não têm valor probatório suficiente para convencer desse envio.”
Isto para dizer que, no normal das situações, uma simples carta enviada pelo correio sem aviso de recepção não seria suficiente para comprovar em Juízo que foi recebida pelos destinatários.
Sucede que o caso dos autos foge a esta normalidade.
As cartas enviadas para citação dos réus, para a morada “Rua ..., ..., ... ...”, foram devolvidas com a indicação “mudou-se”.
O Tribunal tentou a citação por Agente de Execução em 6.7.2023, mas a mesma voltou a frustrar-se, tendo a AE junto aos autos certidão negativa segundo a qual segundo informação do actual inquilino e aqui residente há cerca de 1 ano, os citandos eram os anteriores inquilinos e já ali não residiam quando ele se mudou para lá. Disse, ainda, que continua a receber correspondência destinada aos citandos e que desconhece o seu actual paradeiro.
O Tribunal procurou obter nas bases de dados disponíveis a morada dos réus mas sem sucesso.
E por isso foi ordenada e executada a citação edital dos réus.
Perante este cenário, a situação claramente muda de figura.
Assiste inteira razão ao recorrente quando afirma: “as referidas cartas não foram recepcionadas pelos Réus muito embora exista domicílio convencionado e nenhuma alteração de morada foi comunicada ao Autor, nos termos da cláusula 12 do contrato já junto, a qual se transcreve:
“(...) 12.2. Quaisquer comunicações que o Banco remete aos Mutuários serão enviadas para o endereço (postal ou eletrónico) fornecido ao Banco.
12.3. Fica expressamente convencionado que os Mutuários se têm por domiciliados no endereço postal fornecido e indicado pelo contrato, para efeitos de citação em caso de litígio.
12.4. Enquanto não se extinguirem as relações emergentes deste contrato, é inoponível ao Banco qualquer alteração do endereço postal (domicílio) aqui indicado pelos Mutuários, salvo se, respectivamente, houverem notificado o Banco dessa alteração, mediante carta registada e com aviso de recepção.”
Ora, como podemos verificar o domicílio que consta do contrato, portanto o domicílio convencionado é Rua ..., ..., ... ..., tendo as sido as cartas de interpelação, resolução, bem como as cartas para integração do PERSI enviadas para a morada Rua ..., ..., ... ..., pelo que dúvidas não restam que as mesmas foram remetidas para o domicílio convencionado. Assim, não tendo as mesmas sido recepcionadas pelos Réus, apenas se deve a culpa sua, uma vez que os mesmos não comunicaram qualquer alteração de morada ao Credor, aqui Autor/Recorrente, sendo sua obrigação comunicar qualquer alteração do domicílio ao Credor”.
Com efeito, os réus estavam vinculados pelo contrato que celebraram com o Banco autor a manter aquela morada que eles próprios indicaram como a morada para todos os contactos contratuais futuros, e, caso a mudassem, tinham a obrigação de informar o Banco por carta registada com aviso de recepção.
Já vimos que mudaram de morada e não informaram o autor.
As obrigações acessórias dos contratos devem ser pontualmente cumpridas (art. 406º,1 CC). Logo, o autor fez o que tinha de fazer: enviar as cartas relativas ao PERSI para a morada constante do contrato; cabia aos destinatários/réus adoptar a diligência devida de molde que fosse efectivamente assegurada a recepção e o conhecimento das comunicações relevantes, que lhes fossem enviadas pelo credor.
Como desrespeitaram o contrato e não informaram o credor da sua nova morada, só nos resta concluir que se não recepcionaram as cartas enviadas e não tomaram conhecimento do respectivo conteúdo, tal se deveu a culpa sua, pelo que as comunicações têm de ser consideradas eficazes. Veja-se o art. 224º,2 CC: “é também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida”. Como se refere no Acórdão do STJ de 14 de Novembro de 2006, in CJ-STJ,XIV,3, págs. 109 a 111, o regime legal previsto no n.º 2 do art.º 224.º do CC visa “contrariar práticas como as dos que se esquivam a receber declarações, de que constituirão a maior parte cartas registadas, que são devolvidas aos respectivos remetentes. Por isso se compreende que a não recepção que se fique a dever exclusivamente ou apenas a culpa do destinatário a declaração seja havida como eficaz”.
No Acórdão do STJ, de 9.2.2012, proferido no processo n.º 3792/08.5TBMAI-A.P1.S1, disponível em dgsi.pt, refere-se que no juízo de culpabilidade do destinatário deve ponderar-se a situação de as partes terem estabelecido endereços para onde deveriam remeter as comunicações relevantes em termos contratuais e na ausência de outro critério delimitador do conceito de culpa para efeitos do nº 2 do artigo 224º do CC, teremos de nos socorrer do disposto nos artigos 799º,2 e 487º,2 CC, nos termos do qual esse elemento subjectivo deve ser concretamente aferido através do critério de um devedor criterioso e diligente.
Como se refere neste último Aresto, “a apreciação deve ser feita casuisticamente, ponderando designadamente o específico contexto contratual”, acrescentando-se que um de tais elementos a considerar é o de as partes terem “estabelecido endereços para onde deveriam remeter as comunicações relevantes em termos contratuais”.
Reforçando que “o critério de um devedor criterioso e diligente”, tem em vista contrariar as práticas vulgares, por parte dos destinatários de declarações negociais e não negociais, de se furtarem à recepção das comunicações que lhes são dirigidas, devendo demonstrar-se que sem a acção ou a abstenção culposas do destinatário, a declaração teria sido recebida”.
Solução igual à que aqui defendemos foi adoptada pelo Acórdão do TRC de 10 de Janeiro de 2023 (Relator: Arlindo Oliveira), para situação idêntica. Ali se pode ler:
“a diversidade de respostas não se funda tanto numa diversa interpretação do preceituado no artigo 224.º, n.º 2, do CC, antes na diversidade das circunstâncias relevantes em cada um dos casos e da necessidade de preencher conceitos indeterminados.
Neste contexto, parece evidente que deve estabelecer-se uma distinção entre uma situação em que as partes nada previram acerca da efectivação das comunicações, de outra, como a dos autos, em que, por razões de certeza e de segurança jurídica, deixaram expresso um certo endereço postal.
Também deve ponderar-se o facto de os devedores estarem cientes de que se encontravam em situação de incumprimento capaz de despoletar da parte do credor reacções tendentes à defesa dos seus direitos, designadamente a emissão de uma declaração resolutiva que no contrato ficou prevista”.
(…)
Assim, ponderando o clausulado contratual a respeito da eventual resolução (…) era legítimo imputar aos devedores e potenciais destinatários de uma tal comunicação um especial dever de diligência no sentido de assegurarem que a correspondência respeitante a tal contrato e que seria dirigida para os endereços indicados seria recebida sem mais impedimentos.
Não seria, com efeito, compreensível que, em tal contexto, os devedores se alheassem do local para onde as comunicações deveriam ser dirigidas, invocando, posteriormente, o desconhecimento do seu teor”.
Sem esquecer que também as obrigações acessórias dos contratos devem ser pontualmente cumpridas (cf. artigo 406.º, n.º 1, CC), o que implicava que o exequente enviasse as cartas relativas ao PERSI para a morada constante do contrato e, igualmente, faz impender sobre o executado a diligência devida de molde a que fosse efectivamente assegurada a recepção e conhecimento das comunicações relevantes e atinentes, que lhe fossem enviadas pelo credor.
O regime do PERSI impunha que as cartas fossem enviadas para o endereço do respectivo destinatário, para mais quando o mesmo consta do próprio contrato de mútuo celebrado entre as partes.
O executado bem sabia que estava em dívida para com o credor, pelo que bem deveria saber que seria contactado por tal razão.
Assim, nos termos expostos, impunha-se-lhe que, tendo sido as mesmas enviadas, nos moldes já expostos, as recepcionasse e tomasse conhecimento do respectivo conteúdo, o que não fez por culpa sua ou incúria, pelo que tais comunicações se tornaram eficazes, nos termos do disposto no artigo 224.º, n.º 2, do Código Civil, sufragando-se a solução a que se chegou na decisão recorrida”.
Esta solução a que chegámos impõe-se, não só por razões teóricas, mas também práticas: seguindo a decisão da primeira instância, como poderia o autor cobrar o seu crédito? Os devedores estão em parte incerta, incumpriram o dever contratual de comunicar por carta registada a mudança de residência ao credor, de tal forma que foi necessário recorrer à citação edital. É mais que previsível, para não dizer que é quase certo, que não seria possível notificá-los efectivamente nos termos do disposto no DL n.º 227/2012, de 25-10.
Deveria o credor ficar indefinidamente à espera que os devedores emergissem novamente, para os notificar para efeitos do PERSI, para só depois poder cobrar o seu crédito judicialmente?
A intenção desta legislação, como vimos, foi obviar a que as instituições de crédito, confrontadas com situações de incumprimento desses contratos, pudessem desencadear, de imediato, os procedimentos judiciais com vista à satisfação dos seus créditos relativamente a devedores enquadráveis no conceito legal de “consumidor”, salvaguardando através dos mecanismos nele criados a posição dos contraentes mais fracos e menos protegidos, particularmente numa época de acentuada crise económica e financeira. Mas daí não pode decorrer o efeito oposto, ou seja, uma paralisação do direito de acção do credor consagrado no art. 2º,2 CPC. Que seria o que aconteceria em casos como o presente, em que os devedores incumpriram os seus deveres contratuais acessórios e colocaram-se a eles próprios, efectivamente, ao abrigo de qualquer notificação contratual.
Daí que, sem mais, a decisão recorrida não se possa manter, pois não se verifica a apontada excepção dilatória inominada de preterição de sujeição de devedor a procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento, e logo não podiam os réus ser absolvidos da instância.
O recurso procede.

IV- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso procedente, e em consequência revoga a decisão recorrida, determinando o prosseguimento da instância.

Sem custas.  

Data: 5.12.2024
 
Relator
(Afonso Cabral de Andrade)
1º Adjunto (Alexandra Rolim Mendes)
2º Adjunto (Maria dos Anjos Melo Nogueira)