ACIDENTE DE VIAÇÃO
VALOR DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
Sumário


I - Diversamente do que ocorre no âmbito dos danos futuros, relativamente aos quais a lei apenas exige a sua previsibilidade, a verificação de eventuais vantagens que se frustraram, enquanto pressuposto do direito ao ressarcimento dos lucros cessantes, depende necessariamente da demonstração de elementos factuais objetivos que permitam equacionar com elevada probabilidade ou verosimilhança a desvantagem considerada.
II - A valoração do dano patrimonial futuro decorrente da incapacidade ou défice funcional permanente de que o autor ficou a padecer assenta num critério de equidade, devendo o tribunal julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados dada a impossibilidade de se averiguar o valor exato dos danos.
III - A equidade constitui critério de quantificação do montante a arbitrar a título de indemnização por danos não patrimoniais, devendo atender-se ao que decorre da factualidade provada quanto à extensão e gravidade dos danos causados, ao grau de culpabilidade do agente e às demais circunstâncias do caso que se justifique atender para encontrar a solução mais equilibrada, ponderando ainda os padrões seguidos em decisões jurisprudenciais recentes.
IV - O valor de 10.000,00 € mostra-se equitativo, necessário e razoável para compensar o lesado pelos danos não patrimoniais sofridos numa situação em que do acidente e da queda que se seguiu resultaram para o lesado traumatismo da região cervical e torácica, fratura de três (3) arcos costais, à esquerda (4ª, 5ª e 6ª costelas esquerdas) traumatismo do joelho, traumatismo da coxa esquerda, hematoma ao nível do 1/3 médio da coxa esquerda; no momento do acidente e nos instantes que o precederam, sofreu enorme susto e dado o carácter súbito e imprevisto, que caracterizou o acidente e a sua incapacidade de lhe escapar, o lesado receou pela própria vida; sofreu dores muito intensas em todas as regiões do seu corpo atingidas, que persistem no momento presente, sobretudo quando permanece de forma prolongada na mesma posição, em situações de esforços e alterações climatéricas; necessita de recorrer à ingestão e toma de medicação analgésica, em períodos de agudização da dor; sofreu os efeitos dos R.X. e da T.A.C. a que se submeteu e dos medicamentos que se viu na necessidade de tomar; sofreu os incómodos e as dores inerentes à submissão aos tratamentos de Fisioterapia - Medicina Física e Reabilitação (MFR) -, ao longo de dezoito sessões; apresenta como queixas das lesões sofridas, alguma limitação na caminhada prolongada e em percorrer “muitas escadas”; limitação em permanecer sentado e em posição ortostática de modo prolongado, bem como em decúbito; limitação dolorosa nas rotações e flexão anterior do pescoço; limitação no transporte de pesos com os membros superiores, para além de 5 kg; fenómenos dolorosos na região cervical e cérvico-dorsal, por vezes irradiados à nuca, constantes, agravados quando permanece de modo prolongado na mesma posição, com esforços e alterações climatéricas; nas costelas, à esquerda, esporádicos, com eventuais esforços, por vezes, e com alterações climatéricas, alguma limitação em calçar e apertar os sapatos; limitação na condução prolongada para além de uma hora; limitação em efetuar a produção de vídeo de atividades festivas, limitação em permanecer de modo prolongado a pintar os quadros (óleo sobre tela) com redução da produção comparativamente a previamente ao acidente, apresenta dor à palpação mediana na transição cérvico-dorsal, contracturas musculares no trapézio e romboide não referidas como dolorosas à palpação, mobilidade cervical globalmente conservada, com discreta resistência final e dor referida no final de todos os movimentos, movimentos contra-resistência com dor, mantendo força, dor referida como ligeira à palpação sobre grade costal esquerda, em topografia póstero-lateral, sem aparentes deformidades ou assimetrias, na face antero-medial do terço médio inferior da coxa esquerda observada área cicatricial hiperpigmentada, plana, de forma irregular, medindo 3 por 1 centímetros de maiores dimensões, na face anterior do joelho esquerdo área cicatricial rosada, plana, medindo 3 por 3 centímetros de maiores dimensões; sofreu um “Quantum Doloris” de grau 4, numa escala de 0 a 7, na presente data, continua a necessitar de ingerir e de tomar medicação analgésica e anti-inflamatória, em períodos de agudização, prevendo-se que se mantenha essa necessidade no futuro.
V - Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

AA intentou ação declarativa com processo comum contra EMP01... - Companhia de Seguros, S.A., peticionando a condenação da ré a pagar-lhe:

a) a indemnização global líquida de 34.904,00 €, acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da propositura da presente ação, até efetivo pagamento;
b) a indemnização que, por força dos factos vertidos nos artigos 233.º a 248.º, da petição inicial, vier a ser fixada em decisão ulterior/incidente de liquidação, também acrescida de juros de mora vincendos contados desde a data da propositura da ação até efetivo pagamento.

O autor formulou o aludido pedido a título de indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais, sofridos em virtude de acidente de viação que descreve, cuja ocorrência imputa em exclusivo à conduta culposa do condutor do veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-QU, acrescentando que a responsabilidade civil por danos causados a terceiros com este veículo se encontrava transferida para a ré seguradora.
A ré apresentou contestação. Aceita a descrição da dinâmica do embate e, por essa razão, a culpa do seu segurado, bem como a sua obrigação de indemnizar os danos decorrentes do mesmo acidente, impugnando, por excessivos, os montantes peticionados pelo autor.
Depois de produzida a prova pericial foi realizada audiência final após o que foi proferida sentença julgando a ação parcialmente procedente, a qual se transcreve na parte dispositiva:
«Pelo exposto, decide-se julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:
- Condena-se a Ré a pagar ao Autor AA uma indemnização, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, no montante total de € 18.090,03 (dezoito mil noventa euros e três cêntimos), à qual deverá ser abatida a quantia de € 1.000,00 que a Ré lhe adiantou por conta da indemnização final, acrescendo ao valor em dívida juros de mora a contar da presente decisão até efectivo e integral pagamento;
Custas por Autor e Ré, na proporção do decaimento (art.º 527º, nº 1 e 2 do CPC).
Registe e notifique».

Inconformado, veio o autor interpor recurso da sentença proferida, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«I - Da indemnização arbitrada  
1. Não está em causa, a título principal do presente recurso, a culpa na produção do acidente ajuizada pela douta sentença nem, pela mesma razão, a responsabilidade da Recorrida, por força do contrato de seguro identificado nos autos.   

Danos Patrimoniais    
A) Da indemnização pela Incapacidade Temporária Absoluta para o Trabalho/Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total    
2. Ficou provado nos autos que o Autor exercia efectivamente, à data do acidente - como exerce ainda, a actividade profissional que alegou, pintura artística - paisagística e arte sacra - factos provados nnn), ooo), ppp), entre outras alusões à mesma actividade em qqq), rrr) e sss), sem que se tenha, porém, demonstrado o exacto quantitativo que o Autor aufere enquanto rendimento de tal actividade profissional.        
3. Provou-se nos autos que o acidente de viação que lhes deu origem causou lesões e sequelas ao Autor que lhe determinaram: - um período de Défice Funcional Temporário Total de quatro dias; - facto provado fff); - um período de Défice Funcional Temporário Parcial de cento e vinte e cinco dias - facto provado ggg); - um período de repercussão na actividade profissional habitual por um período de 129 (cento e vinte e nove dias) - facto provado hhh);       
4. A esse título, o Autor - havendo alegado que desenvolvia actividade profissional da qual obtinha, mensalmente, rendimentos na ordem dos € 1.000,00 (mil euros) e que esteve incapaz de a exercer durante 125 (cento e vinte e cinco) dias - invocou expressamente ter sofrido, a título de ITA ou Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total um prejuízo de € 4.000,00 (quatro mil euros) - artigos 200º, 201º, 202º, 203º e 232º da petição inicial.Vista a decis   
5. Vista a decisão recorrida, é inequívoco que o Tribunal peca por omissão ao não condenar a Ré, contrariamente ao que é peticionado pelo Autor, e não obstante o dano resultar manifesto da factualidade provada, ao pagamento de qualquer quantia pecuniária ao Autor por conta do período por si sofrido de Repercussão na Actividade Profissional de 129 (cento e vinte e nove) dias.   
6. Resulta pouco claro se o Tribunal entende que tal direito não assiste ao Autor por o mesmo não exercer actividade por conta de outrem - assim afastando a literal aplicação de eventual perda “salarial” -, por não se ter apurado exactamente qual o rendimento auferido pelo Autor em função da actividade profissional por si exercida, ou se outro fundamento houve para a não atribuição de qualquer indemnização ao Autor pela incapacidade temporária que sofreu.      
7. Certo é que a circunstância de não ter-se apurado o quantitativo exacto que o Autor aufere não impediu o Tribunal de, por recurso à equidade, fixar-lhe um dano patrimonial futuro.  
8. Porém, omitiu manifestamente pronunciar-se, de forma circunstanciada, quanto a este específico dano alegado, peticionado e provado pelo Autor, não condenando a Ré ao pagamento de qualquer indemnização por reporte a tal matéria, com o que o Autor não pode conformar-se. 
9. Certo é que o Autor deduziu, expressa e autonomamente, pretensão indemnizatória nesse sentido, e que tal pretensão não mereceu pronúncia adequada na douta sentença recorrida.
10. Face ao exposto, verifica-se estar a douta sentença recorrida ferida da nulidade prevista no artigo 615º, nº 1, d) do CPC, expressamente invocada nesta sede.     
11. Ainda que assim não se entenda, e sem conceder, sempre se imporá a revogação da decisão recorrida na parte ora visada, condenando-se se a Ré, além do mais, ao pagamento ao Autor de quantia pecuniária resultante do dano - alegado e provado - de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total de 129 dias, sofrido como consequência exclusiva do acidente dos autos.   12. No que toca à sua concreta quantificação, o Autor reitera a quantia peticionada a este respeito na acção - o valor de € 4.000,00 (quatro mil euros), sem prejuízo de, atenta a falta de prova concreta dos rendimentos do seu trabalho, outro valor se fixar por recurso a um juízo de adequação e equidade, nunca tendo por referência para tanto valor inferior ao salário mínimo nacional.   
b) Perda da Capacidade de Ganho/Dano Biológico    
13. Não pode o Autor conformar-se com o valor arbitrado a este título - € 13.000,00 - atento os factos provados pertinentes para esta matéria e que reflectem as sequelas de que ficou a padecer e a necessidade de aplicação de um juízo ressarcitório assente sobretudo na equidade e atenção ao caso concreto.  
14. Entende o Autor que o concreto quantum indemnizatório é desadequado, por insuficiente, para o compensar devidamente a este título,   
15. Pois que a aplicação do critério de equidade sobre a factualidade concretamente apurada deveria ter resultado em montante superior àquele arbitrado.   
16. Relevam assim os factos atinentes à actividade profissional e rendimento do Autor (o qual, atenta a falta de prova exacta do seu quantitativo, não pode nunca, para este efeito, ficcionar-se abaixo do salário mínimo nacional), com todas as limitações e condicionalismos - bem escalpelizados na douta sentença recorrida - relativos à sua incapacidade para o exercício da actividade de pintor artístico.   
17. Releva também a idade do Autor, o Défice Funcional Permanente da Integridade Física e Psíquica de 3 pontos de que ficou a padecer, tudo devendo ser valorado segundo critérios de equidade ao caso concreto na específica quantia indemnizatória a fixar.    
18. No caso em apreço e perante a factualidade dada como provada, com grande prevalência para a exigência física da profissão de pintor exercida pelo Autor - ortostatismo prolongado, rigidez postural - e pela sua incompatibilidade parcial com o estado de saúde a que ficou votado, o montante a fixar a este título não pode julgar-se inferior ao peticionado de € 15.000,00 (quinze mil euros), o que se requer.    
Danos não patrimoniais
19. O montante total fixado a este título afigura-se insuficiente a ressarcir de forma adequada e na justa medida dos danos sofridos pelo Autor.  
20. Os danos não patrimoniais comprovadamente sofridos pelo Autor, reflectidos na factualidade supra destacada, são de relevante gravidade e devem ser objecto de adequada e justa compensação pecuniária
21. De entre os factos supra citados, destaca-se, com pertinência para este capítulo indemnizatório, aqueles já destacados no anterior ponto destas alegações, e ainda aqueles que a douta sentença, bem, destacou na sua fundamentação e que nos escusamos de reproduzir, mas que assenta essencialmente na dor suportada, nas fracturas costais, no internamento e assistência médica, fisioterapia, medicação e demais actos a que o Autor foi sujeito, os períodos de convalescença até consolidação definitiva, o impacto emocional provocado pelo próprio episódio sinistral, etc..
22. Atenta a factualidade provada e reproduzida supra, afigura-se insuficiente a indemnização fixada em primeira instância para a compensação dos danos não patrimoniais sofridos - € 5.000,00 - a qual, pela sua extensão e gravidade, conforme resulta dos factos provados, deve ser também alterada e fixada em valor peticionado de € 15.000,00.    
I - Danos Futuros - Condenação ilíquida/relegada para decisão ulterior
23. Na al. b) do pedido, o Autor peticionou a condenação da Ré ao pagamento “da indemnização que, por força dos factos vertidos nos artigos 233º a 248º desta petição inicial, vier a ser fixada em decisão ulterior (artigo 564º, 2 do Cód. Civil) ou, seguindo outro entendimento, vier a ser quantificada em incidente de liquidação, ao abrigo do disposto nos artigos 358º, nº 2 e 609º, nº 2 do CPC, acrescida de juros de mora vincendos (…)”  
24. Esse pedido, como se refere, surgiu na sequência dos factos alegados nos arts. 233º a 248º.º da p.i., onde se alegou, em síntese, as dependências futuras de que o Autor carecerá durante o resto da sua vida em função das sequelas para si resultantes do acidente dos autos, quer por conta de medicação, quer por força de adicionais consultas médicas, fisioterapia e outros tratamentos, assim como as despesas suportadas para fazer face a tais compromissos.     
5. Ora, veio a resultar provado em primeira instância que o Autor ficou a padecer de dependências (despesas) futuras, consistentes em ajudas medicamentosas - factos provados jjj), rrr) e sss);    
26. Apesar do exposto, o Tribunal recorrido condenou apenas a Ré na parte do pedido líquido formulado pelo Autor em a), mas já não no pagamento ao Autor da indemnização ilíquida
27. A decisão recorrida, a manter-se, implicaria que o Autor não fosse ressarcido por esses danos, que resultaram provados - ainda que não quantificados.
28. Certo é que o Autor deduziu, expressa e autonomamente, pretensão indemnizatória nesse sentido, e que tal pretensão não mereceu pronúncia adequada na douta sentença recorrida.
29. Face ao exposto, verifica-se estar a douta sentença recorrida, além do mais, ferida da nulidade prevista no artigo 615º, nº 1, d) do CPC, que se invoca.  
30. Sem prejuízo, a douta sentença recorrida violou, nessa parte, além de outras, as disposições dos arts. 564.º, n.º 2 do Cód. Civil e 609.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil.
 31. Deve, pois, ser revogada e substituída, nessa parte, por Douto Acórdão que julgue esse pedido integralmente procedente, condenando a Ré, além do mais, na indemnização a que alude a alínea b) do pedido, nos termos ds fcts provados em jjj), rrr) e sss), sem prejuízo do douto suprimento.
32. Decidindo de modo diverso, fez a sentença recorrida má aplicação do direito aos factos provados e violou, além de outras, as normas dos artigos 483º, 496º., nº. 1, 562º. 566, nº3 e 564º., nºs. 1 e 2, do Código Civil.
33. Quanto ao restante que não posto em crise nas presentes alegações de recurso, deve manter-se o doutamente decidido pelo Tribunal de Primeira Instância.
Termos em que se requer:
- sejam julgadas verificadas as nulidades de sentença ora invocadas;
- seja dado provimento integral ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e proferindo-se, em sua substituição, Douto Acórdão, que esteja em conformidade com as conclusões supra- formuladas, com o que se fará, J U S T I Ç A».
A ré apresentou contra-alegações, sustentando a improcedência da apelação e a consequente manutenção do decidido em 1.ª instância.
O Tribunal a quo proferiu o despacho previsto nos artigos 617.º, n.º 1, e 641.º, n.º 1, do CPC, entendendo não padecer a decisão recorrida de qualquer nulidade.
O recurso foi admitido para subir de imediato, nos próprios autos, e com efeito devolutivo.
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, confirmando-se a admissibilidade do recurso nos mesmos termos.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) - o objeto da presente apelação circunscreve-se às seguintes questões:

A) se a decisão recorrida padece das nulidades que lhe são imputadas pelo recorrente;
B) se deve ser arbitrada ao autor uma indemnização por danos patrimoniais resultantes da incapacidade temporária absoluta/repercussão temporária na atividade profissional total de que alegadamente teria ficado afetado na decorrência do sinistro;
C) aferir da adequação do valor fixado na sentença recorrida a título de compensação pelos danos decorrentes do défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de que o autor ficou a padecer;
D) aferir da adequação do valor fixado na sentença recorrida a título de compensação dos danos não patrimoniais;
E) aferir dos pressupostos da indemnização por danos futuros no que concerne dependências (despesas) futuras, consistentes em ajudas medicamentosas.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos
1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra, relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela 1.ª instância na sentença recorrida:
a) O Autor era, à data de 19 de fevereiro de 2022, como é, na presente data, dono e legítimo proprietário do motociclo de matrícula ..-HB-...
b) No dia 19 de Fevereiro de 2022, pelas 09h40, ocorreu um acidente de trânsito na Avenida ..., desta cidade ..., em que foram intervenientes o motociclo de matrícula ..-HB-.., conduzido pelo Autor e o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-QU, propriedade de BB e conduzido por CC, a título de empréstimo.
c) A Avenida ..., no local do sinistro, configura um troço de recta, com um comprimento superior a duzentos (200,00) metros e faixa de rodagem com uma largura de 12,00 metros, com piso pavimentado a asfalto.
d) O tempo estava bom e seco.
e) O pavimento asfáltico da faixa de rodagem da Avenida ... encontrava-se limpo, seco e em bom estado de conservação, sem quaisquer ondulações, fissuras, soluções de continuidade ou buracos.
f) Pelas suas duas (2) margens, a faixa de rodagem da Avenida ... apresentava, como apresenta, bermas, também pavimentadas a asfalto, com uma largura de 00,20 metros, cada uma e separadas da faixa asfáltica de rodagem da Avenida ..., através de Linhas, pintadas a cor branca, sem soluções de continuidade: linhas delimitadoras contínuas - marcas m19.
g) A faixa de rodagem da Avenida ... permitia e permite a circulação automóvel, nos seus dois sentidos de marcha, encontrando-se, dividida em duas (02,00) hemi-faixas de rodagem, uma delas – a situada do lado Sul -, destinada ao trânsito automóvel que desenvolve a sua marcha, no sentido ..., ou seja, ... e a outra – a situada do lado Norte -, destinada ao trânsito automóvel que desenvolve a sua marcha no sentido Nascente-Poente, ou seja, ....
h) Essas duas (02,00) hemi-faixas de rodagem da Estrada Nacional nº. ...01 estavam divididas, entre si, ao longo do traçado da Avenida ..., através de uma Linha Contínua – marca m1.
i) A hemi-faixa de rodagem do lado Norte – destinada ao trânsito automóvel que desenvolve a sua marcha no sentido Nascente-Poente, ou seja, ..., por sua vez, encontrava-se, como se encontra, subdividida em três 03,00) corredores de trânsito, com uma largura de três (03,00) metros cada um, e separadas, entre si, através de Linhas, pintadas a cor branca, com soluções de continuidade: linhas descontínuas – marcas m2.
j) No preciso local da deflagração do acidente existe um entroncamento que corresponde à confluência da Avenida ... e a denominada Rua ....
k) O corredor de trânsito situado mais à direita, tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, ..., é destinado ao trânsito automóvel que desenvolve a sua marcha no sentido Nascente-Poente – ... – e cujos condutores pretendem levar a efeito a manobra de mudança de direção à sua direita e prosseguir a sua marcha, através da Rua ..., no sentido Sul-Norte.
l) Os outros dois (02,00) corredores de trânsito destinam-se ao trânsito automóvel cujos condutores pretendem prosseguir a sua marcha através da Avenida ..., no sentido Nascente-Poente, ou seja, ....
m) A visibilidade, no local do referido entroncamento, é muito boa, pois, para quem se encontra lá situado, consegue avistar-se a faixa de rodagem da Avenida ... e as suas duas (02,00) bermas asfálticas, em toda a sua largura no sentido Nascente, ou seja, em direção a ..., ao longo de uma distância superior a cem (100,00) metros e no sentido Poente, ou seja, em direção a ..., ao longo de uma distância superior a cem (100,00) metros.
n) Para quem circula pela Rua ..., no preciso local da sua confluência com a Avenida ... existe fixo em suporte vertical, um sinal de forma triangular, com a orla vermelha e com o seu fundo branco, com a sua base apontada para o ar e com o seu vértice apontado para o solo: cedência de passagem – sinal b1 e um sinal de forma circular, com o seu fundo azul, sobre o qual se encontrava, como se encontra, pintada a cor branca, na posição horizontal, com a sua parte pontiaguda apontada para o lado direito, no sentido Norte, em direção a ...: sentido obrigatório – sinal d1.
o) Nas referidas circunstâncias temporais de tempo e lugar, o Autor conduzia o seu referido motociclo de matrícula ..-HB-.., pela Avenida ..., desenvolvendo a sua marcha no sentido Nascente-Poente, ou seja, ....
p) O motociclo de matrícula ..-HB-.. transitava rigorosamente pelo corredor de trânsito do lado direito destinado ao trânsito automóvel que desenvolve a sua marcha no sentido Nascente-Poente, ou seja, ....
q) Com os seus rodados a uma distância de 0,50 metros da linha delimitativa do lado direito desse corredor de trânsito do lado direito - destinado ao trânsito automóvel que desenvolve a sua marcha no sentido Nascente-Poente, ou seja, ....
r) E animado de uma velocidade não superior a trinta (30,00) quilómetros por hora.
s) Quando rodava rigorosamente nas circunstâncias supra-referidas, foi embatido pelo veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-QU tripulado pela CC.
t) Momentos antes da ocorrência do acidente, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-QU circulava pela Rua ..., que ali entronca com a Avenida ..., pela sua margem direita, tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, ....
u) O veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-QU desenvolvia a sua marcha no sentido Norte-Sul, no sentido convergente em relação à faixa de rodagem da Avenida ....
v) A condutora do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-QU pretendia penetrar, com o veículo automóvel que conduzia, na faixa de rodagem da Avenida ....
w) Efetuar a manobra de mudança de direção à sua esquerda - manobra que era proibida pela existência do supra-referido sinal de sentido obrigatório à direita - sinal d1a.
x) E prosseguir a sua marcha, pela faixa de rodagem da Avenida ..., no sentido ... (...), em direção a ....
y) Para o que tinha necessidade de transpor a linha contínua - marca 1 -, ali existente na faixa de rodagem da Avenida ....
z) A CC conduzia de forma completamente distraída, não prestando qualquer atenção à atividade que desempenhava, nem atentava nos demais veículos automóveis e motociclos que, na altura, transitavam pela Avenida ....
aa) E imprimia ao veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-QU uma velocidade superior a sessenta (60,00) quilómetros por hora.
bb) Ao chegar ao topo da via, de onde provinha - Rua ... -, a CC não imobilizou a sua marcha, nem parou o veículo automóvel ligeiro de ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-QU, que conduzia.
cc) Não cedeu a passagem ao motociclo de matrícula ..-HB-.., em obediência ao sinal de cedência de passagem – sinal b1, que ali se apresentava à sua frente, fixo em suporte vertical, e que, na altura, se encontrava bem visível e que era do seu perfeito conhecimento.
dd) De forma súbita, brusca, imprevista e inopinada, a CC, penetrou com o veículo que tripulava na faixa de rodagem da Avenida ..., invadindo totalmente, a metade direita da faixa de rodagem da Avenida ..., tendo em conta o sentido Nascente-Poente.
ee) E cortando completamente a linha de trânsito do motociclo HB.
ff) No preciso local do entroncamento configurado pela Avenida ... e pela Rua ..., em frente à confluência e à embocadura da faixa de rodagem da Rua ....
gg) A CC, nem antes, nem depois de iniciar e desenvolver a sua manobra de penetração na faixa de rodagem da Avenida ... e de mudança de direção à sua esquerda, efetuou qualquer sinal luminoso - “pisca” - ou acústico - “buzina” -, que assinalasse a sua presença.
hh) O Autor ainda travou a fundo o referido motociclo automóvel, que tripulava, numa tentativa de evitar o embate, mas foi-lhe de todo impossível evitar o acidente.
ii) Por força do embate do veículo do veículo QU no HB, o Autor foi derrubado para o solo.
jj) O embate ocorreu totalmente sobre o corredor de trânsito do lado direito - destinado ao trânsito automóvel que desenvolve a sua marcha no sentido Nascente-Poente, ou seja, ....
kk) Esse embate verificou-se entre a parte frontal, mais à esquerda, do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-QU e a parte lateral direita frente, ao nível da roda e da forqueta, do motociclo de matrícula ..-HB-...
ll) Para quem circula pela Avenida ..., no sentido Nascente-Poente, ou seja, ..., a uma distância de duzentos (200,00) metros imediatamente antes de chegar ao preciso local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, existia, à data do acidente, como existe, na presente data, fixo em suporte vertical, nas duas (02,00) margens da referida via, um sinal indicativo de entroncamento com via sem prioridade: sinal b9b.
mm) No momento do acidente, o Autor levava, colocado na cabeça e apertado, o capacete de proteção.
nn) E seguia com todos os faróis frontais e traseiros do motociclo ligados e acesos.
oo) Como consequência direta e necessária do acidente e da queda que se seguiu, resultaram para o autor traumatismo da região cervical e torácica, fratura de três (3) arcos costais, à esquerda (4ª, 5ª e 6ª costelas esquerdas) traumatismo do joelho, traumatismo da coxa esquerda, hematoma ao nível do 1/3 médio da coxa esquerda.
pp) O Autor foi transportado, de ambulância - do INEM -, para o Hospital ..., de ..., EPE.
qq) Foram-lhe, aí, efetuados exames radiológicos às regiões do seu corpo atingidas e uma TAC à região torácica.
rr) Foram-lhe, aí, prescritos medicamentos vários, nomeadamente, analgésicos e anti-inflamatórios, que o Autor tomou.
ss) Nesse mesmo dia obteve alta hospitalar, pelas 16h00, regressando à sua casa de residência, sita na Estrada ..., ..., ... ..., ..., onde se manteve em repouso, ao longo de um período de tempo de, pelo menos, 4 dias.
tt) Após a sua alta hospitalar, o Autor frequentou a EMP02..., S.A., em ... - Dr. DD -, por conta da ré companhia de seguros “EMP01... companhia de seguros, s.a.”, o qual lhe concedeu consultas, da Especialidade de Ortopedia, lhe prescreveu um exame complementar de diagnóstico - R.X. - ao Tórax e à grade costal e lhe prescreveu medicação analgésica tópica - Zemalex/Spray.
uu) O Autor foi, ainda, seguido e acompanhados nos serviços clínicos da Ré Companhia de Seguros “EMP01... COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”, na Casa de Saúde ..., na cidade ..., onde foi acompanhado e seguido, ao longo de, pelo menos, três (03,00) consultas, pelo Médico Ortopedista, Dr. EE, o qual lhe prescreveu uma Ressonância Magnética, à região da coluna cervical e tratamento de Medicina Física e Reabilitação (MFR) - Fisioterapia.
vv) O Autor realizou 18 sessões de fisioterapia na EMP02..., S.A., em ....
ww) O Autor obteve a sua consolidação médico-legal, no dia 27 de junho de 2022.
xx) No momento do acidente e nos instantes que o precederam, o Autor sofreu enorme susto e dado o carácter súbito e imprevisto, que caracterizou o acidente e a sua incapacidade de lhe escapar, o Autor receou pela própria vida.
yy) O Autor sofreu dores muito intensas, em todas as regiões do seu corpo atingidas, e que persistem no momento presente, sobretudo quando permanece, de forma prolongada, na mesma posição, em situações de esforços e alterações climatéricas.
zz) O que leva o Autor a necessitar de recorrer à ingestão e toma de medicação analgésica, em períodos de agudização da dor.
aaa) O Autor sofreu os efeitos dos R.X. e da T.A.C. a que se submeteu e dos medicamentos que se viu na necessidade de tomar.
bbb) E sofreu os incómodos e as dores inerentes à submissão aos tratamentos de Fisioterapia - Medicina Física e Reabilitação (MFR) -, ao longo de dezoito (18,00) sessões, na EMP02..., S.A., em ....
ccc) Como queixas das lesões sofridas, o Autor apresenta:
. a nível funcional:
- Alguma limitação na caminhada prolongada e em percorrer “muitas escadas”;
- Limitação em permanecer sentado e em posição ortostática de modo prolongado, bem como em decúbito;
- Limitação dolorosa nas rotações e flexão anterior do pescoço;
- Limitação no transporte de pesos com os membros superiores, para além de 5 kg;
- Fenómenos dolorosos na região cervical e cérvico-dorsal, por vezes irradiados à nuca, constantes, agravados quando permanece de modo prolongado na mesma posição, com esforços e alterações climatéricas; nas costelas, à esquerda, esporádicos, com eventuais esforços, por vezes, e com alterações climatéricas.
. a nível situacional:
. atos da vida diária:
- Alguma limitação em calçar e apertar os sapatos.
- Limitação na condução prolongada para além de uma hora;
. vida afetiva, social e familiar:
- Limitação em efetuar a produção de vídeo de atividades festivas.
. vida profissional e de formação:
- Limitação em permanecer de modo prolongado a pintar os quadros (óleo sobre tela) com redução da produção comparativamente a previamente ao acidente.
ddd) Como sequelas das lesões sofridas, o Autor apresenta:
. Raquis: Cervical/Dorsal:
- Dor à palpação mediana na transição cérvico-dorsal;
- Contracturas musculares no trapézio e romboide não referidas como dolorosas à palpação;
- Mobilidade cervical globalmente conservada, com discreta resistência final e dor referida no final de todos os movimentos;
- Movimentos contra-resistência com dor, mantendo força;
- Dor referida como ligeira à palpação sobre grade costal esquerda, em topografia póstero-lateral, sem aparentes deformidades ou assimetrias;
- Na face antero-medial do terço médio inferior da coxa esquerda observada área cicatricial hiperpigmentada, plana, de forma irregular, medindo 3 por 1 centímetros de maiores dimensões;
- Na face anterior do joelho esquerdo área cicatricial rosada, plana, medindo 3 por 3 centímetros de maiores dimensões.
eee) O Autor contava, à data da deflagração do acidente de trânsito que está génese da presente acção, sessenta e um (61,00) anos de idade (cfr. Assento de nascimento junto aos autos)
fff) As lesões sofridas e as sequelas delas resultantes determinaram, para o Autor um período de tempo de doença de cinco (04,00) dias - Período de Défice Funcional Temporário Total.
ggg) Um período de Défice Funcional Temporário Parcial de cento e vinte (125,00).
hhh) Que se repercutiram na sua atividade profissional habitual por um período de 129 dias.
iii) O Autor sofreu um “Quantum Doloris” de grau 4, numa escala de 0 a 7.
jjj) Ficou a padecer de Dependências (Despesas) futuras, consistentes em ajudas medicamentosas.
kkk) Ficou a padecer de uma Incapacidade Parcial Permanente Geral de 03,00% - 03,00 Pontos (Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica).
lll) O Autor frequentou o Seminário ..., em ... e concluiu o Curso Geral Liceal, antigo 5º ano, na Escola Secundária ....
mmm) No ano de 1990, o Autor teve um ataque de Meningite.
nnn) À data do acidente, tal como atualmente, o Autor dedica-se à pintura paisagística e de temas sacros e religiosos, em quadros a óleo; acrílicos e aguarela.
ooo) É conhecido por “O Pintor da ...”, fazendo periódicas exposições, em vários locais, incluindo Lisboa e ....
ppp) A sua obra artística encontra-se já representada, com quadros expostos:
- Na Junta de Freguesia ..., concelho ...;
- Na Delegação de Turismo de ..., concelho ...;
- EMP03..., S.A. e Delegação de Turismo, de ...;
-No Instituto Português da Juventude, de ...;
- Na Câmara Municipal ...;
- Na Delegação de Turismo de ...;
- Na Sociedade de Instrução e Recreio, de ..., ...;
- EMP03..., de ...;
- Na Câmara Municipal ...;
- Na Banco 1... de ...;
- Na ..., em ..., ...;
- Na ..., em Lisboa;
- No Centro Cultural e Social de ..., ..., ...;
- Na Câmara Municipal ...;
- Na Associação N. Bem-Estar, de ..., ...;
- Na Câmara Municipal ...;
- No ..., em ...;
- Na Junta de Freguesia ..., em ...;
- EMP03..., ...;
- Na ..., em ....
qqq) No desempenho desta sua atividade/profissão de pintor paisagístico e de arte sacra, o Autor tem necessidade de permanecer na posição, de pé, em frente ao cavalete de pintor, ao longo de todo o seu dia de trabalho.
rrr) Para continuar a exercer a sua atividade artística de pintor como antes do acidente o Autor vai ter que despender esforços suplementares e, por vezes, necessitar de ajudas medicamentosas.
sss) Na presente data, continua a necessitar de ingerir e de tomar medicação analgésica e anti-inflamatória, em períodos de agudização, prevendo-se que se mantenha essa necessidade no futuro.
ttt) À data do acidente, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-QU estava transferida para a companhia de seguros “EMP04..., S.A.”/”EMP05...”, atualmente denominada “EMP01... Companhia de Seguros, s.a.”, através de contrato de seguro titulado pela apólice nº. ...08.
uuu) A Ré já indemnizou o Autor pelo custo de reparação do motociclo, com a quantia de € 1.959,75 e adiantou-lhe mais € 1.000,00 por conta da indemnização final.
vvv) O Autor efetuou as seguintes despesas, ainda não reembolsadas, em consequência do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, duas certidões da Conservatória do Registo Automóvel, no valor de € 34,00 e uma certidão de nascimento, no valor de € 10,00 e em medicamentos o montante de € 46,03.
1.2. Factos considerados não provados pela 1.ª instância na sentença recorrida:
a) Durante todo o período de tempo em que esteve em repouso, o Autor não conseguia tossir, por força das dores de que era afetado na sua região torácica.
b) E não conseguia dormir, também, em consequências das dores intensas de que era acometido, na região da coluna cervical, na região torácica e na região do seu membro – joelho – esquerdo.
c) Antes do acidente, era um homem ainda na força da vida.
d) Era saudável, forte, ágil, dinâmico e robusto.
e) Nunca havia sofrido qualquer outro acidente de trânsito, ou qualquer outro.
f) E nunca havia sofrido de qualquer enfermidade.
g) Não padecia, assim, de qualquer diminuição física ou funcional ou de utilização do seu corpo para as atividades de pintor paisagístico e de arte sacra e de agricultor de subsistência.
h) Sofreu um “Prejuízo de Afirmação Pessoal” de grau 2, numa escala de 0 a 5.
i) Sofreu um “Coeficiente de Dano” de grau 2, numa escala de 0 a 4.
j) E de uma Incapacidade Permanente Profissional, para o trabalho, de 05,00% - 05,00 pontos, no mínimo -, de acordo com a Tabela Nacional das Incapacidades.
k) Ao longo da sua vida ativa, o Autor trabalhou no sector da construção civil e no sector da indústria hoteleira, em ..., em ... e em ....
l) A sua obra está representada em diversas coleções particulares e de figuras públicas de arte, nomeadamente:
- Dr. FF;
- Presidentes de Câmaras Municipais;
- GG;
- HH;
- D. II.
m) Executou, ainda, diversos painéis, por solicitação, nomeadamente, para ...; ...; ...; Lisboa; ...; ... e ....
n) Em 1990, participou, pela primeira vez, numa mostra coletiva levada a efeito pelo ... de ..., concelho ....
o) O exercício dessa sua atividade/profissão de pintor de temas paisagísticos e arte sacra, emprestava, ao Autor, o prazer da plena realização do seu sonho (de pintor) de criança.
p) A referida atividade de pintura permite-lhe auferir de um rendimento numa média de 1.000,00 €, por mês.
q) Com o que o Autor fazia face às suas despesas diárias de alimentação, vestuário, habitação, água energia elétrica, transportes e despesas de saúde, além de outras.
r) Ao longo do período de tempo de cento e vinte e cinco (125,00) dias - quatro (04,00) meses, por aproximação -, de doença com Incapacidade Temporária Absoluta para o trabalho - Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total -, o Autor viu-se absolutamente impossibilitado de desempenhar a sua referida atividade/profissão de pintor paisagístico e de arte sacra.
s) E não auferiu, por essa razão, os respetivos rendimentos desse seu trabalho de pintor paisagístico e de arte sacra, com o que sofreu, a este título, um prejuízo de (04,00 meses x 1.000,00 €) 4.000,00 €.
t) A partir data da ocorrência do acidente que deu origem aos presentes autos e, como consequência direta e necessária dele, das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes, o Autor nunca mais pôde, não pode, na presente data, nem vai poder, jamais, exercer, jamais, no futuro e durante toda a sua vida, desempenhar aquelas suas as supra referidas tarefas inerentes às suas supra-referidas atividades/profissões de pintor paisagístico e de arte sacra e de agricultor de subsistência.
u) O Autor passou a apresentar um comportamento revoltado, triste, deprimido e pessimista, perante todos os problemas da sua vida e- a manifestar dificuldades na sua vida de relação.
v) Se não fosse o acidente dos presentes autos, das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes, o Autor - AA - ia, seguramente, continuar a trabalhar na plenitude das energias próprias de um homem com apenas sessenta e um (61,00) anos de idade, pelo menos, ao longo de mais (77,00 - 61,00) treze (13,00) anos.
w) E assim poder continuar a auferir o rendimento do seu trabalho, como resultado do exercício da sua atividade/profissão de pintor paisagístico e de arte sacra, no valor, sempre atualizável, de 1.000,00 € mensais.
x) O Autor efetuou as seguintes despesas, ainda não reembolsadas, em consequência do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes: € 610,00 em consultas médicas e obtenção do Relatório Médico junto aos autos; € 250,00 em deslocações em veículo automóvel próprio, para consultas médicas, cirurgia, tratamentos e resolução de assuntos relacionados com o sinistro e com a presente acção.
y) O Autor vai necessitar de recorrer, de forma habitual e permanente, ao longo de toda a sua vida, a um ou mais médicos, das especialidades de medicina geral, de ortopedia, de cirurgia e de fisiatria, além de outras especialidades.
z) O Autor vai ver-se na necessidade de pagar o custo de todas as consultas médicas, a que vai ter necessidade de recorrer, ao longo de toda a sua vida.
aa) O Autor vai ver-se na necessidade de suportar os custos das suas deslocações, nos serviços de transportes públicos, nos táxis e em veículos automóveis particulares, além de outros.
bb) Os factos descritos causam-lhe permanente, profundo, intenso e inultrapassável desgosto, sentimento de angústia e de absoluta frustração.
2. Apreciação sobre o objeto do recurso.
2.1. Das nulidades invocadas.
Em sede de recurso, o apelante começa por sustentar que o Tribunal a quo peca por omissão de pronúncia ao não condenar a ré ao pagamento de qualquer quantia pecuniária ao autor por conta do período por si sofrido de repercussão na atividade profissional de 129 dias, apesar de o autor ter deduzido, expressa e autonomamente, pretensão indemnizatória nesse sentido[1], e não obstante o dano resultar da factualidade provada.
Mais sustenta que o Tribunal recorrido condenou a ré na parte do pedido líquido formulado pelo autor em a), mas já não no pagamento da indemnização ilíquida, expressa e autonomamente peticionada pelo autor na al. b) do pedido, a qual não mereceu pronúncia adequada na douta sentença recorrida, apesar de resultar provado que o autor ficou a padecer de dependências (despesas) futuras, consistentes em ajudas medicamentosas - factos provados jjj), rrr) e sss), verificando-se, também aqui, a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, d) do CPC.
O Tribunal a quo proferiu o despacho previsto nos artigos 617.º, n.º 1, e 641.º, n.º 1 do CPC, entendendo não padecer a decisão recorrida de qualquer nulidade, nos seguintes termos:
«- Da questão da nulidade da sentença:
Nas suas alegações de recurso invoca o Recorrente que a sentença é nula, com fundamento, no disposto na al. d) do nº 1 do art.º 615º do CPC.
Só se verifica omissão de pronúncia quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre alguma questão suscitada ou de conhecimento oficioso ou pretensão formulada. O tribunal não está obrigado a incidir a sua apreciação sobre todos os argumentos de facto ou direito expendidos, pois que estes não se confundem com “questões”. Como tem sido entendimento pacífico da jurisprudência, para determinar se existe omissão de pronúncia há que interpretar a sentença na sua totalidade, articulando fundamentação e decisão (a título exemplificativo, cita-se o Ac. STJ, 23/01/2019, proc. 4568/13).
Revertendo ao caso dos autos, conforme resulta da sentença proferida, o tribunal apreciou expressamente todas as questões de facto e direito expostas ao seu escrutínio, pronunciando-se sobre os danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do acidente de viação em apreço nos autos.
O Autor convoca a matéria de facto dada como provada, mas olvida ou “faz tábua rasa” da factualidade dada como não provada, a qual nem sequer questiona. Não se provou o prejuízo relativo às perdas salariais, ou seja, que durante o período de incapacidade temporária absoluta tenha deixado de auferir, a título de rendimento do trabalho, o montante de € 4.000,00. Por outro lado, não se provou a factualidade alegada conducente ao alegado dano futuro. Por essa razão não foi alvitrada qualquer indemnização a título de perdas salariais e danos futuros.
Em face do exposto, julgo improcedente a nulidade invocada».
Apreciando a nulidade suscitada, importa considerar que as causas de nulidade da sentença encontram-se previstas no n.º 1 do artigo 615.º do CPC, preceito nos termos do qual é nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
O fundamento da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, deriva do incumprimento do disposto no artigo 608.º, n.º 2, do mesmo Código, do qual consta o seguinte: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».
Densificando o âmbito da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, referem Lebre de Freitas-Isabel Alexandre[2]: «[d]evendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado (…)».
Nas palavras de Alberto dos Reis[3], «[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão».
A par da doutrina, também a jurisprudência que entendemos de sufragar tem vindo a considerar que a referida nulidade só se verifica quando determinada questão colocada ao Tribunal - e relevante para a decisão do litígio por se integrar na causa de pedir ou em alguma exceção invocada - não é objeto de apreciação, não já quando tão só ocorre mera ausência de discussão das “razões” ou dos “argumentos" invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas[4].
Em consonância com este entendimento, pronunciou-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 3-10-2017[5], com o seguinte sumário: « (…) II - A nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608.º e 609.º do CPC, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada. III - A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia».
Por outro lado, importa salientar que o conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição direta sobre ela, ou resultar de ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou exclui[6].
Ora, apesar de o ter feito de forma lacónica, entendemos que no caso em análise a sentença recorrida abordou a questão dos pressupostos da indemnização pelos períodos de incapacidade temporária para o trabalho invocada pelo autor, nos seguintes termos: «O Autor não reclama perdas salariais na sequência dos períodos de incapacidade temporária para o trabalho que sofreu. O que o Autor reclama é os danos decorrentes das lesões sofridas, quer na sua vertente patrimonial quer na sua vertente não patrimonial», para depois vir a concluir por adequado e razoável fixar uma indemnização, a título de danos patrimoniais futuros, resultante da afetação da integridade física e psíquica sofrida, no montante de 13.000,00 € a que acresce o valor das despesas suportadas com medicamentos e certidões que teve que obter em consequência do acidente, no montante total de 90,03 €, do que decorre de forma implícita ter o Tribunal recorrido considerado não demonstrado o prejuízo relativo ao rendimento que o apelante alegadamente deixou de auferir durante o período invocado, em decorrência da matéria vertida nas als. r), s) e w) dos Factos não provados.
Assim sendo, entendemos que a decisão recorrida não enferma da invocada nulidade de omissão de pronúncia quanto a esta questão.
Porém, analisando a decisão recorrida, verifica-se que da mesma não consta qualquer pronúncia expressa sobre a pretensão autónoma formulada pelo autor na al. b) do pedido, atinente à reclamada indemnização que, por força dos factos vertidos nos artigos 233.º a 248.º, da petição inicial, vier a ser fixada em decisão ulterior/incidente de liquidação, não obstante parte das circunstâncias de facto vertidas nos pontos 234.º, 235.º e 239.º da petição inicial constarem das als. jjj), rrr) e sss) dos factos provados.
Assim sendo, importa declarar nula, nesta parte, a decisão recorrida por omissão de pronúncia, nos termos previstos na primeira parte da al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
Porém, tal constatação não impede que se conheça do objeto do recurso, atenta a regra da substituição prevista no artigo 665.º do CPC e considerando que o processo dispõe de todos os elementos necessários para o efeito, pelo que tal questão será apreciada infra.
2.2. Da obrigação de indemnizar.
2.2.1. Se deve ser arbitrada ao autor uma indemnização por danos patrimoniais resultantes da incapacidade temporária absoluta/repercussão temporária na atividade profissional total de que alegadamente teria ficado afetado na decorrência do sinistro.
No caso em apreciação, o Tribunal a quo analisou a matéria de facto atinente à dinâmica do acidente, tendo entendido que houve um facto (embate entre veículos), uma conduta ilícita (porque violadora de direitos subjetivos absolutos do autor), danos (nomeadamente lesões), um nexo de causalidade adequada entre estes danos e aquela conduta, e o nexo de imputação daquele facto ao agente, a saber, à condutora do veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-QU, cuja conduta revelou falta de prudência, inabilidade e falta de atenção, concluindo então que sobre a ré recai a obrigação de indemnizar o autor pelos danos decorrentes do referido acidente, por força do contrato de seguro obrigatório vigente na referida data, sendo esta uma questão sobre a qual não subsiste controvérsia.
Tal como prevê o artigo 562.º do Código Civil (CC), quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
Tratando-se de danos patrimoniais, a natureza material da lesão sofrida permite a efetiva indemnização do lesado mediante a remoção da alteração causada no respetivo património, sendo que a reconstituição natural (ou a indemnização específica) prevalece sobre o pagamento de uma quantia monetária a título de indemnização por equivalente.
Assim, tal como prescreve o artigo 566.º, n.º 1 do CC, a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.
Nestes casos, prevê ainda o n.º 2 do citado artigo 566.º do CC, sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.
Ainda nos termos do disposto no artigo 564.º, n. º1 do CC, o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, prevendo o n.º 2 do citado preceito que na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.
Por último, o artigo 496.º, n.º 1, do CC dispõe que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Como já vimos, no que concerne à questão dos pressupostos da indemnização pelos períodos de incapacidade temporária para o trabalho invocada pelo autor, decorre da decisão recorrida que o Tribunal recorrido entendeu não demonstrado o prejuízo relativo ao rendimento que o apelante alegadamente deixou de auferir durante o período invocado, em decorrência da matéria vertida nas als. r), s) e w) dos Factos não provados.
Sobre esta questão o recorrente não impugna a matéria de facto constante da decisão recorrida, nem põe em causa a falta de prova concreta dos rendimentos do seu trabalho durante o período em referência. Alega, porém, que a circunstância de não se ter apurado tal materialidade não impediu o Tribunal de fixar a indemnização pelo dano patrimonial futuro com base na equidade, pelo que reitera a quantia reclamada a este respeito na ação - o valor de 4.000,00 € - sem prejuízo de, atenta a falta de prova concreta dos rendimentos do seu trabalho, outro valor se fixar por recurso a um juízo de adequação e equidade, nunca tendo por referência para tanto valor inferior ao salário mínimo nacional.
Como se viu, o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (artigo 564.º, n.º 1 do CC), do que decorre que a indemnização compreende os danos emergentes e os lucros cessantes: «Constitui um dano emergente a perda ou a diminuição de valor de bens já existentes no património do lesado. Entende-se por lucro cessante a frustração de um acréscimo daquele património. Utilizando um critério jurídico, a delimitação terá por base a existência, ou não, da titularidade de um bem considerado (…)»[7].
Deste modo, os danos emergentes correspondem aos prejuízos sofridos, ou seja, à diminuição do património (já existente) do lesado, enquanto os lucros cessantes correspondem aos ganhos que se frustraram, aos prejuízos que lhe advieram por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património[8].
Neste enquadramento, resulta indiscutível que a reclamada indemnização pelos períodos de incapacidade temporária para o trabalho, invocada pelo autor, insere-se no âmbito do eventual ressarcimento de dano patrimonial configurável no âmbito dos lucros cessantes, pois assentam na alegada frustração de um acréscimo do respetivo património.
Ora, diversamente do que ocorre no âmbito dos danos futuros, relativamente aos quais a lei apenas exige a sua previsibilidade (artigo 564.º, n.º 2 do CC), a verificação de eventuais vantagens que se frustraram, enquanto pressuposto do direito ao ressarcimento dos lucros cessantes, depende necessariamente da demonstração de elementos factuais objetivos que permitam equacionar com elevada probabilidade ou verosimilhança a desvantagem considerada.
Como tal, a jurisprudência que entendemos de sufragar vem decidindo que «no âmbito da valoração deste dano patrimonial não se pode apelar a quaisquer valores ficcionados de remuneração - tal como os Tribunais costumam efectuar em sede de danos patrimoniais futuros, para efeito do cálculo da indemnização, situações em que, no fundo, o Tribunal está a julgar segundo critérios de equidade (…).
Assim, no que concerne aos danos patrimoniais resultantes da incapacidade Temporária Absoluta (ITA) para o trabalho, o Tribunal só pode atender às efectivas perdas salariais que a Autora pudesse ter sofrido no período em causa.
Ora, essas perdas salariais decorrentes da ITA para o trabalho da Autora no período em causa, de acordo com a matéria de facto provada, foram inexistentes, pelo que não tem a Recorrente direito a ver reconhecida qualquer indemnização a este título»[9].
Neste domínio, esclarece ainda o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, antes citado: «Como se disse, estamos aqui a falar de danos patrimoniais que assumem diferentes âmbitos. Por um lado, o lucro cessante, aquilo que a Autora deixou efectivamente de ganhar por causa do acidente e durante o período em que esteve temporariamente incapaz de trabalhar (que é o que se pretende valorar na indemnização, a título de incapacidade temporária absoluta); outro é um dano físico que, embora não a impedindo de ganhar como qualquer outra pessoa (os salários não dependem da condição física), a acompanhará pelo resto da vida, pretendendo valorar-se a diminuição da sua capacidade de ganho futura (dano patrimonial futuro). Neste último caso é que se poderão ficcionar os rendimentos a auferir, pois a “indemnização pela incapacidade parcial permanente tem lugar quando é afectada a capacidade de ganho (…)».
No caso em análise, resulta manifesto que o ora apelante não provou a factualidade que fundamentava o segmento do pedido atinente ao valor reclamado a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária para o trabalho, tal como resulta das als. r), s) e w) dos factos não provados, nem se pode ficcionar a verificação desses danos patrimoniais a partir da matéria de facto considerada assente, pelo que é inevitável a improcedência da pretensão de ressarcimento desse dano ou prejuízo.
Improcedem, assim, nesta parte, as conclusões da apelação.
O autor/recorrente discorda da amplitude dos danos apurados e do correspondente valor indemnizatório arbitrado pelo Tribunal a quo a título de compensação pelos danos patrimoniais futuros decorrentes da desvalorização funcional ou défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de que ficou a padecer em consequência do acidente de viação em causa nos presentes autos.
Tal compensação foi fixada pelo Tribunal a quo no montante de 13.000,00 €.
O autor/recorrente defende que a aplicação do critério de equidade à luz da factualidade concretamente apurada deveria ter resultado em montante superior àquele, relevando os factos atinentes à atividade profissional e rendimento do autor (o qual, atenta a falta de prova exata do seu quantitativo, não pode nunca, para este efeito, ficcionar-se abaixo do salário mínimo nacional), com todas as limitações e condicionalismos - bem escalpelizados na douta sentença recorrida - relativos à sua incapacidade para o exercício da atividade de pintor artístico, à idade do autor e ao Défice Funcional Permanente da Integridade Física e Psíquica de 3 pontos de que ficou a padecer, concluindo que o montante a fixar a este título não pode julgar-se inferior ao peticionado de 15.000,00 €.
Nas contra-alegações, a ré/apelada defende que a quantia fixada é justa, equilibrada e equitativa perante os factos que resultaram provados
No caso, não podem subsistir dúvidas de que as sequelas enunciadas em ccc), ddd), qqq), e rrr), afetam o corpo e a saúde do autor, prejudicando-o no confronto com os demais cidadãos, já que implicam dificuldades acrescidas e esforços suplementares na sua atividade pessoal e profissional, consubstanciando uma afetação da sua saúde a qual traduz um dano que tem de ser juridicamente protegido e quantificado.
Resta, assim, aferir da adequação do montante arbitrado pelo Tribunal a quo pelo dano futuro, na vertente patrimonial, pela perda de capacidade de trabalho decorrente da incapacidade de que padece o recorrente, em conjunto com as incapacidades funcionais resultantes do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica sofrido, fixado em 03,00 pontos - cf. a al. kkk) dos factos provados.
Esta diminuição da aptidão física afetará, necessariamente, a capacidade laboral do autor e a respetiva capacidade de ganho, traduzindo-se, como tal, numa fonte de danos patrimoniais futuros, indemnizáveis nos termos do artigo 564.º, n.º 2 do CC, tal como tem vindo a ser amplamente reconhecido pela jurisprudência[10].
Tal como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-11-2009[11], em moldes que julgamos de sufragar inteiramente, «este acréscimo significativo de esforço, esta maior penosidade na execução das tarefas profissionais que o esperam, não será compensado com qualquer acréscimo suplementar de retribuição pela prestação laboral desenvolvida ou pelo exercício da actividade profissional liberal, sendo exactamente essa perda de retribuição suplementar pelo maior esforço desenvolvido, cuja causa radica nas sequelas da lesão, isto é, na incapacidade parcial permanente (no caso), um dos prejuízos futuros e previsíveis que deve ser indemnizado.
Acresce que não pode esquecer-se que a incapacidade funcional em causa pode repercutir-se, em termos de previsibilidade e normalidade, em outros factores como a possível antecipação de reforma com a inerente repercussão no seu montante, a maior dificuldade de progressão na carreira, a necessidade de escolha de profissão mais adequada à incapacidade existente, o que implicará, o afastamento de outras, porventura mais rentáveis ou pessoalmente mais apetecíveis, mas que envolveriam maior dificuldade de execução ou cujo exercício se torne mesmo impossível face à específica incapacidade funcional em causa (…).
Trata-se, pois, de factores que, não estando relacionados directamente com a perda efectiva da capacidade de ganho futuro apontam, todavia, para prejuízos futuros previsíveis na esfera patrimonial da vítima.
(…)
o dano funcional, gerando o inerente prejuízo funcional, repercute-se, a um tempo, na vida do lesado em geral e na vida do trabalho, aqui através das consequentes perdas de capacidade de ganho ou da efectiva redução de créditos, mas esta repercussão na área estritamente laboral não representa mais que uma parcela daquele dano ou prejuízo funcional (…)».
Assim, tratando-se de privação de outras oportunidades pessoais, e/ou profissionais, decorrentes do défice físico-psíquico, tal dano não pode deixar de ser considerado no âmbito do ressarcimento a título de danos patrimoniais futuros, «influenciando e majorando, portanto, no cálculo equitativo do seu quantum, mas não constituindo, pois, um dano a valorar em uma outra quantia, autónoma ou separada do quantum indemnizatório a fixar em sede de danos patrimoniais futuros, sob pena de constituir, como bem se adverte, entre outros, no Ac. STJ de 17.12.2009, uma “duplicação indemnizatória (…) violadora da lei e dos princípios da equidade que presidem à fixação do montante indemnizatório em causa”»[12].
Neste contexto, deve entender-se que os danos patrimoniais futuros decorrentes de uma lesão física não se reduzem à redução da capacidade de trabalho, já que, antes de mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e integridade física. Como tal, não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta a perda de rendimento que dela resulte ou a necessidade de um acréscimo de esforço para a evitar[13].
Em consequência, no cômputo da indemnização pelos danos patrimoniais futuros decorrentes do défice funcional permanente de que o autor ficou a padecer em decorrência do acidente de viação em causa nos presentes autos deve englobar-se quer a vertente laboral quer a vertente pessoal indemnizatória resultante das sequelas sofridas em resultado do acidente em apreço.
Deste modo, a valoração destes danos patrimoniais futuros, decorrentes da incapacidade ou défice funcional permanente de que a autora ficou a padecer assenta num critério de equidade, conforme decorre do disposto no artigo 566.º, n.º 3 do CC, devendo o tribunal julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados, dada a impossibilidade de se averiguar o valor exato dos danos.
Perante a dificuldade de cálculo da indemnização do dano patrimonial futuro, ponderando em conjunto todas as incapacidades funcionais resultantes do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica sofrido, a jurisprudência, com vista a reduzir a margem de discricionariedade do julgador, tem vindo a enunciar critérios de apreciação e de cálculo.
Assim, relativamente a este dano patrimonial futuro, constitui entendimento jurisprudencial reiterado que uma justa indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não irá auferir e que se extinguirá no final do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida, isto é, o tempo provável de vida do lesado (e não na vida profissional ativa do lesado, já que não é razoável ficcionar-se que a vida física desaparece no mesmo momento e com ela todas as suas necessidades), posto que só assim se logrará, na verdade, reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação[14].
Por outro lado, e conforme se refere no citado Ac. do STJ de 8-05-2012, deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros.
Como tal, o valor obtido deve necessariamente merecer um ajustamento, tal como aliás vem referenciado pelo recorrente, dado o facto de ocorrer uma antecipação do pagamento de todo o capital duma só vez e de modo a evitar o enriquecimento injusto que poderia resultar desse facto, sendo que neste domínio a jurisprudência vem oscilando na consideração de uma dedução entre os 10% e os 33%[15].
Atendendo precisamente à atual tendência de rigidez das aplicações de capital em valores muito baixos, entendeu já o Supremo Tribunal de Justiça como adequada uma dedução de 10% relativa ao recebimento antecipado[16].
Por outro lado, perante os elementos que resultam dos autos, e na ausência de prova relativa ao rendimento mensal alegado pelo autor, afigura-se adequado ao caso em apreciação atender ao valor da retribuição mínima mensal garantida, com referência à data em que o tribunal encerrou a audiência final nos presentes autos (06-05-2024)[17] na determinação do valor base da indemnização a aferir com recurso à equidade, sendo esta a data mais recente a atender para efeito de indemnização[18], por força do disposto no artigo 566.º, n.º 2 do CC e 607.º, n.º1 do CPC.
Assim, sufragamos o entendimento vertido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-10-1999[19] que considerou adequado atender ao salário vigente à data do encerramento da discussão em 1.ª instância, por ser a data mais recente a ter em conta pelo tribunal, porquanto «no juízo de equidade a efectuar, para o cálculo dos danos futuros, não se pode partir de um salário desactualizado».
No caso, importa ainda considerar a idade do autor (o autor contava, à data do acidente que deu origem à presente ação, 61 anos de idade), o período temporal correspondente ao período provável de vida do recorrente - atenta a sua esperança média de vida que em Portugal, ultrapassa os 78 anos nos homens[20] - atendendo a que as necessidades básicas do lesado não cessam no termo da sua vida ativa -, o défice permanente da integridade físico-psíquica que lhe foi fixado - ficou a padecer de uma Incapacidade Parcial Permanente Geral de 03,00% - 03,00 Pontos (Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica) -sendo que, como se provou, à data do acidente, tal como atualmente, o autor dedica-se à pintura paisagística e de temas sacros e religiosos, em quadros a óleo; acrílicos e aguarela, no desempenho desta sua atividade/profissão de pintor paisagístico e de arte sacra, o autor tem necessidade de permanecer na posição, de pé, em frente ao cavalete de pintor, ao longo de todo o seu dia de trabalho; para continuar a exercer a sua atividade artística de pintor como antes do acidente o autor vai ter que despender esforços suplementares e, por vezes, necessitar de ajudas medicamentosas.
Além dos enunciados elementos objetivos, importa ainda atender aos padrões seguidos em decisões jurisprudenciais recentes uma vez que a quantificação do montante indemnizatório em causa é efetuada com recurso à equidade, prevendo o artigo 8.º, n.º 3 do CC que, nas decisões a proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.
Recorrendo ao método comparativo ao nível da indemnização pelo dano patrimonial futuro emergente de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica parcial, e a título meramente exemplificativo, encontramos diversas decisões ao nível da jurisprudência dos tribunais superiores que entendemos de ponderar:
- Ac. do STJ de 27-02-2018[21], em que para um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 3 pontos, que implica maiores esforços no exercício da atividade habitual, sinistrado com 10 anos de idade à data do acidente, estudante, foi confirmado o valor indemnizatório a este título de 10.000,00 €;
- Ac. do STJ de 21-04-2022[22]: lesada com 51 anos à data do acidente; tendo-lhe sido fixado um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos, compatível com o exercício da atividade profissional habitual, mas a exigir esforços suplementares e trabalhos moderados; resultando da factualidade dada como provada que a autora é enfermeira instrumentista, que a referida atividade profissional é exigente, requer esforço, dedicação, rigor, rapidez e eficácia na assistência quer aos pacientes, quer ao cirurgião no bloco operatório, implicando passar muito tempo de pé e em circulação, que a autora perdeu agilidade e não pode fazer movimentos bruscos com a cabeça pois fica com sensação de desequilíbrio; à data do acidente auferia, a título de remuneração base, em 14 prestações mensais o valor de € 1.476,40; foi atribuída uma indemnização no montante de 22.000,00 €;
- Ac. do STJ de 14-01-2021[23]: tendo o lesado, à data do acidente 32 anos de idade, ficado a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos, sendo as sequelas em termos de repercussão permanente na atividade profissional compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicando ligeiros esforços suplementares nomeadamente nas tarefas que obriguem à permanência em pé durante períodos prolongados, quer parado quer em marcha ou a subir e descer muitas escadas, entendeu-se justa e equitativa a quantia de 20.000,00 € fixada no acórdão recorrido como valor indemnizatório pela perda da capacidade geral do lesado;
- Ac. do TRP de 26-09-2016[24], em que para uma incapacidade parcial geral de 2 pontos, sinistrado com 34 anos à data do acidente, considerando uma retribuição mensal base de 782,40 € foi atribuída uma indemnização no montante de 5.000,00 €;
- Ac. do TRG de 23-03-2017[25] (relator: José Cravo) , em que para uma limitação funcional de 11 pontos de IPG, sinistrado com 46 anos à data do acidente, considerando o rendimento mensal de €508,89 foi atribuída uma indemnização no montante de € 20.000,00.
- Ac. do TRE de 26-10-2017[26], em que para uma incapacidade parcial geral de 7 pontos, sinistrado com 59 anos à data do acidente, considerando o rendimento mensal de 1.000,00 € foi atribuída uma indemnização no montante de 12.000,00 €;
- Ac. do TRL de 25-02-2021[27], em que para um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixado em 1 ponto, e não ocorrendo uma perda efetiva de ganho, mas em que o lesado tem de fazer um maior esforço para obter o mesmo rendimento, ao longo da sua expetativa de vida de cerca de 45,5 anos, se considerou justa e adequada a fixação de indemnização no montante de 2.917,67 €;
- Ac. TRP de 29-04-2021[28], em que para um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos, numa lesada sem rendimentos e com 61 anos de idade na data do acidente, se considerou justa e adequada a fixação de indemnização no montante de 4.000,00 €;
- Ac. do TRG de 30-09-2021[29], em que para um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixado em 4 pontos, sem repercussão permanente na atividade profissional, mas em que a lesada, de 26 anos, costureira, sempre necessitará de recorrer regularmente a medicação analgésica e anti-inflamatória, e auferia uma remuneração mensal de 557,00 € à data do acidente e de  600,00 € à data da propositura da ação, em ambos os casos deduzida da taxa social única e acrescida de subsídio de alimentação, se considerou justa e adequada a fixação de indemnização no montante de 15.000,00 € pelo reflexo patrimonial futuro do dano biológico.
Ponderando as circunstâncias do caso concreto em apreciação, sem deixar de atender aos padrões de indemnização adotados em decisões jurisprudenciais recentes, entendemos que o juízo prudencial e casuístico efetuado na sentença recorrida para fixar indemnização pelos danos patrimoniais futuros decorrentes da afetação da integridade física e psíquica sofrida pelo autor mostra-se conforme à equidade, situando-se dentro dos padrões da jurisprudência firmada em casos com alguma semelhança e, por isso, na margem de discricionariedade que lhe é consentida.
Deste modo, entendemos que o valor fixado na decisão recorrida é adequado e equitativo à reparação dos danos sofridos, revelando-se em consonância com os critérios habitualmente adotados em casos análogos, pelo que deve manter-se a ponderação efetuada pelo Tribunal a quo.
Nestes termos, não vemos fundamentos decisivos para alterar a sentença recorrida neste segmento pelo que deve a mesma ser confirmada nesta parte, improcedendo as correspondentes conclusões do apelante.
Discorda o apelante do montante arbitrado pelo Tribunal a quo a título de indemnização por danos não patrimoniais, defendendo que o montante fixado a este título é insuficiente para ressarcir de forma adequada e na justa medida os danos sofridos, pretendendo que o valor dessa indemnização seja alterado e fixado no valor peticionado, de 15.000,00 €.
Relativamente às consequências de ordem não patrimonial, o Tribunal recorrido fixou a indemnização devida por estes danos em 5.000,00 €.
No âmbito da responsabilidade por factos ilícitos, o artigo 496.º, n.º 1 do CC prevê que na fixação da indemnização se atenda aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Nas palavras de Mário Júlio de Almeida Costa[30], «distingue-se entre danos patrimoniais e danos não patrimoniais, consoante sejam ou não susceptíveis de avaliação pecuniária. Quer dizer, os primeiros, porque incidem sobre interesses de natureza material ou económica, reflectem-se no património do lesado, ao contrário dos últimos, que se reportam a valores de ordem espiritual, ideal ou moral.
Representam danos patrimoniais, por exemplo, os estragos feitos numa coisa ou a privação do seu uso, a incapacitação para o trabalho em resultado de ofensas corporais. Constituem danos não patrimoniais, por exemplo, o sofrimento ocasionado pela morte de uma pessoa, o desgosto derivado de uma injúria, as dores físicas produzidas por uma agressão. Observe-se que o mesmo facto pode provocar danos das duas espécies».
Tal como referem Pires de Lima e Antunes Varela[31], «o Código Civil aceitou, em termos gerais, a tese da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, embora limitando-a àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos», cabendo assim ao tribunal, em cada caso, dizer se o dano é ou não merecedor da tutela jurídica.
A este propósito, enunciam ainda os autores antes citados, algumas situações possivelmente relevantes, como a dor física, a dor psíquica resultante de deformações sofridas, a ofensa à honra ou reputação do indivíduo ou à sua liberdade pessoal, o desgosto pelo atraso na conclusão dum curso ou duma carreira, sublinhando ainda a propósito, que os simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos não patrimoniais, citando para o efeito vários acórdãos do STJ.
Trata-se de indemnização que visa compensar o lesado pela dor ou sofrimento, de ordem física ou psicológica, ou outras consequências de natureza não patrimonial, através do recebimento de uma quantia pecuniária que possa mitigar os efeitos do ato lesivo.
Deste modo, «ante a imaterialidade dos interesses em jogo, a indemnização dos danos não patrimoniais não pode ter por escopo a sua reparação económica. Visa sim, por um lado, compensar o lesado pelo dano sofrido, em termos de lhes proporcionar uma quantia pecuniária que permita satisfazer interesses que apaguem ou atenuem o sofrimento causado pela lesão; e, por outro lado, servir para sancionar a conduta do agente»[32].
Nos termos que resultam do disposto no artigo 496.º, n.º 4 do CC a equidade constitui critério de quantificação do montante a arbitrar a título de indemnização por danos não patrimoniais, devendo atender-se à extensão e gravidade dos danos causados, ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso que se justifique atender.
Neste domínio, refere ainda o citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-07-2017, «no critério a adotar, não se devem perder de vista os padrões indemnizatórios decorrentes da prática jurisprudencial, procurando - até por uma questão de justiça relativa - uma aplicação tendencialmente uniformizadora ainda que evolutiva do direito, como aliás impõe o n.º 3 do artigo 8.º do CC.
Para tal efeito, são relevantes, além do mais: a natureza, multiplicidade e diversidade das lesões sofridas; as intervenções cirúrgicas e tratamentos médicos e medicamentosos a que o lesado teve de se submeter; os dias de internamento e o período de doença; a natureza e extensão das sequelas consolidadas, o quantum doloris, o dano estético, se o houver».
Na valoração do dano não patrimonial inserem-se, nomeadamente, «o (pretium doloris) ou compensação das dores físicas e angústias, que compreendem não só a valorização da dor física resultante dos ferimentos sofridos e dos tratamentos que implicaram, como a dor vivenciada do ponto de vista psicológico; o (pretium pulchritudinis), também designado por dano estético caracterizado por cicatrizes, deformações, dissimetrias e mutilações, com diminuição ou reflexo na beleza ou harmonia física do lesado; o dano da distracção ou passatempo (em francês: dommage «d'agrément»), correspondente à privação de atividades extra-profissionais de carácter lúdico e o dano existencial ou de afirmação pessoal»[33].
Impõe-se, assim, encontrar a solução mais equilibrada, tendo em conta o que decorre da factualidade provada e ponderando os padrões seguidos em decisões jurisprudenciais recentes, sem esquecer que a jurisprudência constante dos tribunais superiores em matéria de danos não patrimoniais vem entendendo que a indemnização, ou compensação, para responder atualizadamente ao comando do artigo 496.º do Código Civil e constituir uma efetiva possibilidade compensatória deverá constituir um lenitivo para os danos suportados, não devendo, portanto, ser miserabilista ou meramente simbólica[34].
A título meramente exemplificativo e sem especiais preocupações de exaustividade, importa recorrer ao método comparativo e ponderar alguns dos critérios adotados na jurisprudência dos tribunais superiores em casos com alguns contornos análogos, ainda que necessariamente distintos atentas as circunstâncias concretas de cada caso:
- O Ac. do STJ de 25-02-2021[35] entendeu adequado e equitativo o valor de 25.000,00 € fixado pelo Tribunal da Relação para compensar os danos não patrimoniais sofridos pelo autor numa situação que o lesado, com 27 anos,  teve um período de incapacidade temporária absoluta de 113 (dias) e 194 (dias) de incapacidade temporária parcial. Foi-lhe fixada uma incapacidade permanente parcial de 6% que lhe afeta as suas capacidades gerais físico psíquicas, exigindo-lhe maior esforço na execução das suas atividades pessoais e profissionais. Foi-lhe fixado um quantum doloris de 5 pontos e de 4 pontos de dano estético. Foi afetado nas suas atividades desportivas e de lazer, quantificado em 2 pontos. Sofreu, no momento do acidente, a angústia de vir a morrer e tem desgosto de ter ficado com a cicatriz na testa, o que o inibe, socialmente;
- No Ac. do STJ de 18-09-2012[36] entendeu-se adequado o montante indemnizatório de 8.000,00 € pelos danos não patrimoniais sofridos, referente a lesado com 41 anos de idade à data do acidente, ficou com uma IPP equivalente a 2%, compatível com o exercício da sua actividade, mas implicando algum esforço suplementar, sofreu perda de consciência, cefaleia frontal, dor no joelho esquerdo e estiramento cervical, foi assistido em serviço de urgência hospitalar, usou colar cervical e sofreu dores de grau 3 numa escala de 1 a 7, teve incapacidade temporária profissional total durante 33 dias e continua a sofrer de cervicalgias residuais, o que lhe causa desgosto;
No Ac. do STJ de 28-06-2012[37] entendeu-se adequado o montante indemnizatório de 10.000,00 € pelos danos não patrimoniais sofridos, referente a lesada com 46 anos de idade à data do acidente, foi sujeita a internamentos hospitalares com exames médicos, passou a apresentar dificuldades de flexão e extensão da coluna e rigidez do ombro esquerdo com abdução a 90º, esteve cerca de um mês impedida de fazer a sua vida diária e profissional, sofre um quantum doloris de grau 2 e IPP de 6 pontos, deixou de fazer caminhadas e cultivo do campo e sente frustração, passando a ser ríspida com os familiares; 
- No Ac. TRP de 29-04-2021[38] entendeu-se adequado o montante indemnizatório de 10.000,00 € pelos danos não patrimoniais sofridos, referente a lesada com 61 anos de idade à data do acidente; em consequência do acidente e das lesões sofridas, a autora ficou perturbada, desenvolvendo um quadro de ansiedade; o quantum doloris foi fixado num grau 4; devido às lesões que sofreu em consequência do acidente, a autora sofreu dores e incómodo no normal fluir do seu dia-a-dia, a autora sente-se triste, perturbada e desgostosa; ainda hoje, a autora sente dor, ansiedade, nervosismo;
- No Ac. TRG de 10-07-2018[39] entendeu-se adequado o montante indemnizatório de  8.500,00 € pelos danos não patrimoniais sofridos; referente a lesada com 71 anos de idade à data do acidente; após o embate foi transportada, de ambulância, para a Unidade de Saúde ..., EPE, de ..., onde lhe foram prestados os primeiros socorros no respetivo Serviço de Urgência e foi submetida a TAC CE e aplicado um colar cervical e onde se manteve internada durante um dia e uma noite, após o que foi transferida de ambulância para o Hospital ..., onde realizou novamente TAC CE e esteve internada durante um período de tempo de dois dias; regressou novamente à Unidade de Saúde ..., EPE, de ..., onde esteve internada mais uma semana, finda a qual obteve alta hospitalar e regressou ao domicílio; e aí permaneceu em convalescença no leito pelo período de duas semanas, viu-se na necessidade de tomar medicação analgésica e anti-inflamatória e sofreu dores e incómodos inerentes aos períodos de internamento, acamamento, ao uso do colar cervical e tratamentos a que teve de se sujeitar; no momento do embate e nos instantes que o precederam, sofreu um enorme susto, a data da consolidação das sequelas sofridas pela autora ocorreu em 28-08-2013: em virtude do embate e das lesões sofridas, a autora apresenta agravamento ligeiro do anterior quadro psiquiátrico (humor depressivo); as lesões sofridas pela autora determinaram um período de défice funcional temporário total fixável em 11 dias; a um período de défice funcional temporário parcial fixável em 92 dias e a um período de repercussão temporária na atividade profissional total fixável em 103 dias; ainda em consequência do embate e das lesões sofridas, a autora padece de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da atividade habitual; e sofreu um “quantum doloris” no grau 3, numa escala de 1/7;
- No Ac. TRE de 17-11-2016[40] julgou-se adequado o valor indemnizatório de  10.000,00 € pelos danos não patrimoniais sofridos, referente a lesado que sofreu traumatismo crânio-encefálico sem perda de conhecimento, traumatismo cervical e traumatismo da grelha costal direita; luxação IF do polegar esquerdo, tendo sido efetuada redução ortopédica; traumatismo da coluna cervical com raquialgia, embora sem alterações neurológicas; traumatismo do tornozelo; cervicalgia de predomínio esquerdo; discretas alterações degenerativas disco-ligamentares sem outras alterações; torcicolo pós-traumático; fratura do 9.º arco costal direito, recebeu assistência hospitalar e esteve imobilizado no leito, em casa, durante cerca de 30 dias, por dificuldade na marcha e por dores; na recuperação das lesões efetuou 30 sessões de fisioterapia; sofreu: i) um período de défice funcional temporário total de 22 dias; ii) um período de défice funcional temporário parcial de 88 dias; iii) um período de repercussão temporária na atividade profissional total de 110 dias; e iv) um quantum doloris fixado no grau 3/7; passou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 3 pontos, correspondente a: dor cervical moderada com contractura muscular paravertebral de predomínio esquerdo, com ligeira limitação das rotações e lateralidade esquerdo sem alterações neurológicas; e rigidez moderada da IF do polegar esquerdo, sendo a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer, considerando que o Autor praticava ciclismo e futebol; terá de realizar tratamentos médicos regulares e fisioterapia; na sequência do acidente, tem-se sentido triste e frustrado, para além do sofrimento causado pelas dores sentidas;
- No Ac. TRP, de 26-09-2016[41] entendeu-se adequado o montante indemnizatório de 10.000,00 € pelos danos não patrimoniais sofridos, referente a lesado com 34 anos à data do acidente, levado de urgência para o hospital, onde lhe foram prestados os primeiros socorros e efetuados exames radiológicos tendo ainda o A. sido sujeito a intervenção cirúrgica ortopédica, patelectomia parcial supero-medial, e reinserção medial do tendão quadricipital com 2 âncoras 5.0mm; sujeitou-se a tratamentos diversos, incluindo 53 sessões de consultas e tratamentos de fisioterapia; em consequência do acidente o A. ficou afetado, quanto ao membro inferior direito, de: Cicatriz transversal pré-patelar, normocrómica, com discreta reação queloide, 17cmx1cm de dimensão, avaliável no grau 1 de uma escala de 7 de gravidade crescente; discreta limitação nos últimos graus de flexão (0º-120º), sem dor à palpação, sem derrame articular e sem instabilidade ligamentar e sem atrofia muscular, com gonalgia residual; as sequelas de que ficou afetado determinam-lhe uma desvalorização para todas as atividades em geral de 2 pontos em 100 que, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares; deixou de jogar futebol com os amigos por força das sequelas resultantes do presente sinistro; sofreu dores, com as lesões, os tratamentos que foi submetido e as sequelas, fixáveis no grau 5 numa escala de 7 de gravidade crescente; sofreu os aborrecimentos emergentes das sessões fisiátricas e internamentos hospitalares.
Comparando a situação dos presentes autos com os casos aludidos nos acórdãos antes mencionados é possível detetar na decisão recorrida uma certa diferença, para menos, em relação aos padrões indemnizatórios seguidos pela jurisprudência que entendemos representativa no âmbito da indemnização por danos não patrimoniais.
Os factos enunciados em oo) a ggg) da matéria de facto assente são bem demonstrativos das consequências advindas para o autor em resultado do acidente em apreciação, evidenciando as sequelas permanentes dele decorrentes para a integridade físico-psíquica do autor, tudo com relevante e indiscutível repercussão na sua vida pessoal, com diminuição ou reflexo na harmonia física do lesado e em termos psicológicos, com consequências que persistirão ao longo da sua vida, importando destacar que as lesões sofridas provocaram ao autor dores físicas intensas, tanto no momento do acidente como no decurso do tratamento, sendo o quantum doloris fixável no grau 4, numa escala de 0 a 7.
Ponderando então as circunstâncias do caso concreto em apreciação, sem deixar de atender aos padrões de indemnização adotados em decisões jurisprudenciais recentes, entende-se conforme à equidade fixar a indemnização devida ao autor a título de danos não patrimoniais no montante de 10.000,00 € em vez dos € 5.000,00 € fixados pela 1.ª instância.
Por conseguinte, procedem parcialmente, nesta parte, as correspondentes conclusões da apelante.
No âmbito do pedido enunciado em b) supra, veio o autor reclamar a indemnização que, por força dos factos vertidos nos artigos 233.º a 248.º, da petição inicial, vier a ser fixada em decisão ulterior/incidente de liquidação, também acrescida de juros de mora vincendos contados desde a data da propositura da ação até efetivo pagamento.
No que concerne aos danos futuros patrimoniais, decorrentes da necessidade, alegada pelo autor, de recorrer, de forma habitual e permanente, ao longo de toda a sua vida, a um ou mais médicos, das especialidades de medicina geral, de ortopedia, de cirurgia e de fisiatria, além de outras especialidades, bem como aos alegados custos das deslocações, nos serviços de transportes públicos, nos táxis e em veículos automóveis particulares, além de outros, não subsiste controvérsia nos autos, uma vez que, nessa parte, a decisão recorrida não vem concretamente impugnada no âmbito da presente apelação, nem existem razões que levem à alteração ou revogação da decisão relativamente a esta matéria, em face da matéria de facto apurada nos autos.
Porém, o recorrente sustenta que o Tribunal recorrido condenou a ré na parte do pedido líquido formulado pelo autor em a), mas já não no pagamento da indemnização ilíquida, expressa e autonomamente peticionada pelo autor na al. b) do pedido, a qual não mereceu pronúncia adequada na douta sentença recorrida, apesar de resultar provado que o autor ficou a padecer de dependências (despesas) futuras, consistentes em ajudas medicamentosas - factos provados jjj), rrr) e sss). Por tal razão, pede a revogação da sentença recorrida, nessa parte, e sua substituição por decisão que julgue esse pedido procedente, condenando a ré, além do mais, na indemnização a que alude a alínea b) do pedido, nos termos dos factos provados em jjj), rrr) e sss).
Como se viu, o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (artigo 564.º, n.º 1, do CC), prevendo o n.º 2 do citado artigo 564.º do CC que na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.
Como resulta do citado normativo, a lei prevê a indemnização dos danos futuros, exigindo, porém, a sua previsibilidade.
Com efeito, determinável ou indeterminável, apenas o dano futuro previsível é indemnizável.
Assim, não se pode relegar a demonstração do dano futuro meramente hipotético para liquidação em execução de sentença[42].
«O dano é futuro e previsível quando se pode prognosticar, conjecturar com antecipação ao tempo em que acontecerá, a sua ocorrência.
No caso contrário, isto é, quando o homem medianamente prudente e avisado o não prognostica, o dano é imprevisível. 
De harmonia com o disposto no normativo citado, o dano imprevisível não é indemnizável antecipadamente - o sujeito do direito ofendido só poderá pedir a correspondente indemnização depois de o dano acontecer, depois de lesado»[43].
Neste domínio, refere-se no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-11-2022[44]:
«1. Por dano futuro deve entender-se aquele prejuízo que o sujeito do direito ofendido ainda não sofreu no momento temporal que é considerado, ou seja, nesse tempo já existe um ofendido, mas não existe um lesado.
2. Os danos futuros podem dividir-se em previsíveis e imprevisíveis: o dano é futuro é previsível quando se pode prognosticar, conjeturar com antecipação ao tempo em que acontecerá, a sua ocorrência; no caso contrário, isto é, quando o homem medianamente prudente e avisado o não prognostica, o dano é imprevisível, desconsiderando-se o juízo do timorato; o dano imprevisível não é indemnizável antecipadamente, o que significa que o sujeito do direito ofendido só poderá pedir a correspondente indemnização depois de o dano acontecer, depois de lesado.
3. Os danos previsíveis podem dividir-se entre os certos e os eventuais: dano futuro certo é aquele cuja produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como infalível; dano futuro eventual é aquele cuja produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como meramente possível, incerto, hipotético.
4. O caráter eventual do dano pode conhecer vários graus, como se fossem diferentes tonalidades da mesma cor: desde um grau de menor eventualidade, de menor incerteza, em que não se sabe se o dano se verificará imediatamente, mas se pode prognosticar que ele acontecerá num futuro mediato mais ou menos longínquo, até um grau em que nem sequer se pode prognosticar que o prejuízo venha a acontecer num futuro mediato, em que mais não há que um receio; naquele grau de menor incerteza, o dano futuro deve considerar-se como previsível e equiparado ao dano certo, sendo indemnizável; naquele grau de maior incerteza, o dano eventual, esse que mais não seja que um receio, deve equiparar-se ao dano imprevisível, não indemnizável antecipadamente (isto é, só indemnizável na hipótese da sua efetiva ocorrência).
5. O dano certo pode subdividir-se em determinável e indeterminável: determinável é aquele que pode ser fixado com precisão no seu montante; indeterminável é aquele cujo valor não é possível de ser fixado antecipadamente à sua verificação; nesta classificação está causa apenas e só a extensão do prejuízo e a sua expressão monetária, e não mais a realidade do evento.
6. Determinável ou indeterminável, o dano futuro certo é sempre indemnizável, residindo a diferença no seguinte: no momento de julgar, deve fixar-se a indemnização do dano determinável, ao passo que em relação ao dano certo mas indeterminável na sua extensão, a fixação da indemnização correspondente é remetida para decisão ulterior, a execução de sentença (art.ºs 564º, nº 2 CC e 609.º, n.º 2 CPC)
(…)».
Revertendo à questão em causa nos presentes autos, resulta da matéria de facto assente que, o autor ficou a padecer de Dependências (Despesas) futuras, consistentes em ajudas medicamentosas - al. jjj) -, para continuar a exercer a sua atividade artística de pintor como antes do acidente o autor vai ter que despender esforços suplementares e, por vezes, necessitar de ajudas medicamentosas - al. rrr) dos factos provados - que, na presente data, continua a necessitar de ingerir e de tomar medicação analgésica e anti-inflamatória, em períodos de agudização, prevendo-se que se mantenha essa necessidade no futuro - al. sss) dos factos provados.
Assim sendo, estamos indiscutivelmente perante danos que se sabe desde já que existirão, pois é previsível a necessidade de recurso a ajudas medicamentosas ao longo da vida do autor, designadamente, a necessidade de ingerir e de tomar medicação analgésica e anti-inflamatória, em períodos de agudização, ainda que se desconheça a sua extensão e quantificação.
Como se viu, o artigo 564.º, n.º 2 do CC prevê expressamente que, na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis, dispondo o mesmo preceito que, se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.
Por outro lado, a necessidade de recurso aos critérios da equidade, nos termos do n.º 3 do artigo 566.º do CC[45], surge quando se encontre esgotada a possibilidade de recurso aos elementos com base nos quais se determinaria com precisão o montante dos danos[46].
Mas, mesmo nas situações em que não seja possível determinar o montante exato dos prejuízos, o recurso à equidade pressupõe que “o «núcleo essencial» do dano está suficientemente concretizado e processualmente demonstrado e quantificado, não devendo o juízo equitativo representar um verdadeiro e arbitrário «salto no desconhecido», dado perante matéria factual de contornos manifestamente insuficientes e indeterminados”[47], devendo, então, proferir-se condenação genérica, por não haver elementos factuais suficientemente consistentes para quantificar a indemnização devida[48].
Ora, no segmento em apreciação estamos indiscutivelmente perante danos futuros suscetíveis de configurar danos emergentes[49], sendo ainda possível tentar a quantificação de tais danos com maior precisão em incidente de liquidação, e não apenas com recurso à equidade (artigo 566.º, n.º 3 do CC).
Assim, tal como salienta o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-05-2009[50], «[s]empre que o tribunal verificar o dano, mas não tiver elementos para fixar o seu valor, quer se tenha pedido um montante determinado ou formulado um pedido genérico, cumpre-lhe relegar a fixação do montante indemnizatório para liquidação em execução de sentença».
Deste modo, deve a fixação da correspondente indemnização ser relegada para incidente de liquidação, por não dispormos de elementos para fixar o objeto ou a quantidade, nos termos previstos no artigo 609.º, n.º 3 do CPC, visto que está demonstrada a previsibilidade de tais danos futuros.
Consequentemente, na procedência da apelação nesta parte, importa alterar a parte dispositiva da sentença, condenando-se a ré/recorrida a pagar ao recorrente/autor as quantias que se vierem a liquidar posteriormente, ao abrigo do disposto nos artigos 564.º, n.º 2, do CC e 609.º, n.º 2 do CPC, relativas às despesas com ajudas medicamentosas ao longo da vida do autor, decorrentes de medicação analgésica e anti-inflamatória necessária em períodos de agudização.
 Procede, assim, ainda que parcialmente, a apelação.
Tal como resulta da regra enunciada no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo. Neste domínio, esclarece o n.º 2 do citado preceito, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for.
No caso em apreciação, como a apelação foi julgada parcialmente procedente, ambas as partes ficaram parcialmente vencidas no recurso, pelo que devem as mesmas ser responsabilizadas pelo pagamento das custas do recurso (bem como da ação).

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, em consequência do que:

a) alteram a decisão recorrida no que concerne ao montante indemnizatório referente aos danos não patrimoniais, condenando-se a ré a pagar a este título ao autor o valor de 10.000,00 € em vez da quantia de 5.000,00 € atribuída na sentença recorrida;
b) condenam a ré/recorrente a pagar ao autor as quantias que se vierem a liquidar posteriormente, ao abrigo do disposto nos artigos 564.º, n.º 2 do CC e 609.º, n.º 2 do CPC, relativas às despesas com ajudas medicamentosas ao longo da vida do autor, decorrentes de medicação analgésica e anti-inflamatória necessária em períodos de agudização.
c) confirmar a sentença recorrida no restante.
Custas da ação e da apelação por autor/apelante e ré/recorrida, na proporção dos respetivos decaimentos.

Guimarães, 05 de dezembro de 2024
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (Juiz Desembargador - relator)
Afonso Cabral de Andrade (Juiz Desembargador - 1.º adjunto)
Maria dos Anjos Melo Nogueira (Juíza Desembargadora - 2.º adjunto)


[1] Alegando que desenvolvia atividade profissional da qual obtinha, mensalmente, rendimentos na ordem dos 1.000,00€ e que esteve incapaz de a exercer durante 125 dias, e invocando expressamente ter sofrido, a título de ITA ou Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total um prejuízo de 4.000,00 € - artigos 200.º, 201.º, 202.º, 203.º e 232.º da petição inicial.
[2] Cf. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, p. 737.
[3] Cf. Alberto dos Reis Código de Processo Civil anotado, Volume V - reimpressão - Coimbra, Coimbra-Editora, 1984, p. 143.
[4] Cf. por todos, os Acs. do STJ de 8-11-2016 (relator: Nuno Cameira) - revista n.º 2192/13.0TVLSB.L1. S1-  6.ª Secção; de 21-12-2005 (relator: Pereira da Silva), revista n.º 05B2287; ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[5] Ac. do STJ de 3-10-2017 (relator: Alexandre Reis), revista n.º 2200/10.6TVLSB.P1. S1 - 1.ª Secção, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Secções Cíveis, p. 1, www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/Civel_2017_10.pdf.
[6] Cf. o Ac. do STJ de 6-06-2000 (relator: Ferreira Ramos), revista n.º 00A251, disponível em www.dgsi.pt.
[7] Cf. Henrique Sousa Antunes, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral - Coord. José Brandão Proença, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2021, p. 561.
[8] Cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, pg. 579.
[9] Cf., por todos, o Ac. TRG de 04-10-2018 (Relator: Pedro Alexandre Damião e Cunha; p. 305/16.9T8BGC.G1, disponível em www.dgsi.pt.
[10] Neste sentido, cf., por todos, o Ac. do STJ de 20-10-2011 (relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), p. 428/07.5TBFAF.G1. S1, disponível em www.dgsi.pt.
[11] Relator Moreira Alves, p. 585/09.6YFLSB, disponível em www.dgsi.pt.
[12] Cf. o Ac. TRG de 2-11-2017 (relator: António Barroca Penha) p. 1315/14.6TJVNF.G1; acessível em www.dgsi.pt.
[13] Cf. Ac. do STJ de 4-06-2015 (relatora: Maria dos Prazeres Beleza), p. 1166/10.7TBVCD.P1. S1 - 7.ª Secção; acessível em www.dgsi.pt.
[14] Cf., por todos, os Acs. do STJ de 8-05-2012 (relator: Nuno Cameira), p. 3492/07.3TBVFR.P1; de 18-12-2007 (relator: Santos Bernardino), p. 07B3715; o Ac. TRG de 11-03-2021 (relatora: Cristina Cerdeira) p. 1852/17.0T8GMR.G3; acessíveis em www.dgsi.pt.
[15] Cf., a propósito, o Ac. do STJ de 25-11-2009 (relator: Raul Borges), p. 397/03.0GEBNV.S1 - 3.ª Secção - disponível em www.dgsi.pt.
[16] Cf. Ac. do STJ de 19-05-2020 Relator Acácio das Neves; p. 3907/17.2T8BRG.G1.S1, disponível em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:3907.17.2T8BRG.G1.S1/; em sentido idêntico, cf. os acs. do STJ de 30-03-2017 (relator: Olindo Geraldes); p. 2233/10.2TBFLG.P1. S1; de 26-05-2009 (relator: Paulo Sá), p. 3413/03.2TBVCT.S1, disponíveis em www.dgsi.pt.
[17] No valor de 820,00 € - Dec. Lei n.º 107/2023, de 17-11.
[18] Cf. o Ac. TRC de 3-05-2013 (relatora: Albertina Pedroso) p. 1556/07.2TBAGD.C1; acessível em www.dgsi.pt.
[19] Relator Sousa Dinis, p.99B717, disponível em www.dgsi.pt.
[20]Cf. dados publicados em
https://www.pordata.pt/Portugal/Esperan%c3%a7a+de+vida+%c3%a0+nascen%c3%a7a+total+e+por+sexo+(base+tri%c3%a9nio+a+partir+de+2001)-418-5194.
[21] Relatora Fátima Gomes, p. 3901/10.4TJNF.G1. S1, disponível em www.dgsi.pt.
[22] Relator Fernando Baptista, p. 96/18.9T8PVZ.P1. S1, disponível em www.dgsi.pt.
[23] Relatora Rosa Tching, p. 2545/18.7T8VNG.P1. S1, disponível em www.dgsi.pt.
[24] Relatora Ana Paula Amorim, p. 595/14.1TBAMT.P1, disponível em www.dgsi.pt.
[25] Relator: José Cravo; p. 3856/15.9T8BRG.G1, disponível em www.dgsi.pt.
[26] Relatora Isabel Imaginário, p. 1107/13.0TBELV.E1, disponível em www.dgsi.pt.
[27] Relator Nelson Borges Carneiro, p. 852/17.5T8AGH.L1-2, disponível em www.dgsi.pt.
                                [28] Relator Paulo Duarte Teixeira, p. 2834/17.8T8PNF.P1, disponível em www.dgsi.pt.
                                [29] Relator Joaquim Boavida, p. 4460/19.8T8BRG.G1, disponível em www.dgsi.pt.
[30] Cf. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª edição, Coimbra, Almedina, 2013, p. 592.
[31] Cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, pg. 499.
[32] Cf. o Ac. do STJ de 13-07-2017 (relator: Manuel Tomé Soares Gomes), p. n.º 3214/11.4TBVIS.C1. S1 - 2.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
[33] Cf. o Ac. do STJ de 06-10-2016 (relator: António Piçarra), p. n.º 1043/12.7TBPTL.G1. S1 - 7.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
[34] Cf. o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002, de 09-05-2002 - publicado no Diário da República, Série I-A, n.º 146, de 27-06-2002 (Revista ampliada n.º 1508/01-1).
[35] Relator: Bernardo Domingos, p. 3014/14.0T8GMR.G1. S1; disponível em www.dgsi.pt.
[36] Relator Azevedo Ramos, proferido na Revista n.º 289/06.1TBPTB.G1. S1 - 6.ª Secção - disponível em www.stj.pt.
[37] Relator Sérgio Poças, proferido na Revista n.º 1692/05.0TBMCN.P1. S1 - 7.ª Secção - com o sumário disponível www.stj.pt.
[38] Relator Paulo Duarte Teixeira, p. 2834/17.8T8PNF.P1, disponível em www.dgsi.pt.
[39] Relatora Eugénia Cunha, p. 3037/15.1T8VCT.G1 - disponível em www.dgsi.pt.
[40] Relatora Florbela Moreira Lança, p. 3037/15.1T8VCT.G1; disponível em www.dgsi.pt.
[41] Relatora Ana Paula Amorim, p. 595/14.1TBAMT.P1, disponível em www.dgsi.pt.
[42] Cf. o Ac. do STJ de 15-07-2005 (relator: Faria Antunes), p. 05A3397, disponível em www.dgsi.pt.
[43] Cf. o Ac. TRC de 12-01-2010 (relator: Carlos Querido), p. 163/04.6TBOFR.C1, disponível em www.dgsi.pt.
[44] Relator José Capacete, p. 10905/19.0T8SNT.L1-7, disponível em www.dgsi.pt.
[45]   Nos termos do artigo 566.º, n.º 3, do CC, «Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados».
[46] Cf. o Ac. do STJ de 10-12-2019 (relatora: Assunção Raimundo), p. 1087/14.4T8CHV.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[47] Cf. o Ac. do STJ de 28-10-2010 (relator: Lopes do Rego), p. 272/06.7TBMTR.P1. S1, disponível em www.dgsi.pt.
[48] Em sentido idêntico, cf. os Acs. do TRC de 11-10-2017 (relatora: Maria Catarina Gonçalves), p. 228/15.9T8SEI.C1; de 06-06-2006 (relator: Garcia Calejo), p. 1605/06, disponível em www.dgsi.pt.
[49] Sendo que estes correspondem aos prejuízos sofridos, por contraposição aos lucros cessantes, os quais correspondem aos ganhos que se frustraram, aos prejuízos que advieram para o lesado por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património - cf. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição revista e atualizada, com a colaboração de Henrique Mesquita, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, p. 579.
[50] Relator Azevedo Ramos, p. 2684/04.1TBTVD.S1, disponível em www.dgsi.pt.