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RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
AUTO DE INVESTIDURA NA POSSE
ESGOTAMENTO DO OBJETO DO PROCESSO
Sumário
1 – Decretada a providência cautelar de restituição provisória da posse de um “caminho de servidão” e executado o decidido, do qual foi lavrado, no local, um auto, onde consta que os requerentes foram investidos «na posse do caminho de servidão de passagem» e que declararam-se «como investidos na posse do caminho de servidão, no estado em que se encontra», sem arguir no ato a deficiente ou incompleta execução da decisão cautelar ou qualquer nulidade, irregularidade ou desconformidade tanto da restituição da posse como do respetivo auto, o objeto do processo esgotou-se. 2 – Como os requerentes consentiram na manutenção de duas redes amovíveis, uma no início e outra no fim do caminho, não tomaram qualquer iniciativa relativamente à existência de 8 tubos de rega no caminho, assim como de duas árvores/arbustos que estreitam o caminho de 4 metros para 3,53/3,54 metros, e, estando acompanhados do seu mandatário, não suscitaram então qualquer nulidade, irregularidade ou desconformidade quanto aos termos da restituição e investidura ou do próprio auto, o qual assinaram depois de lhes ter sido lido, ficou precludida a possibilidade de o fazerem posteriormente.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:
I – Relatório
1.1. AA e mulher, BB,instauraram procedimento cautelar contra CC e mulher, DD, pedindo, além do mais, «arestituição provisória da posse (ou doutras medidas que entender convenientes) do caminho deservidão, nomeadamente através da remoção da vedação, de modo que os AA. possam ter um acessocompletamente livre e desimpedido ao prédio de que são proprietários e proceder à urgente limpezado terreno, uma vez que são direitos já efectivamente existentes e que lhes assistem, com as legaisconsequências.»
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1.2. Produzida prova, foi determinada «a imediata restituição provisória aos autores da posse do caminho de servidão de passagem que atravessa, no sentido nascente-poente, conforme se vê no documento número cinco junto com a petição inicial, o prédio referido em B dos factos provados, determinando a imediata remoção das vedações no prédio referido em B instaladas que impeçam a livre e desimpedida passagem dos autores para o prédio referido em A dos factos provados, vindos da via pública – Rua ... –, e vice-versa.»
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1.3. Os Requeridosdeduziram oposição, onde terminaram pedindo que a providência cautelar seja «revogada, por não provada e falta de fundamento legal, e ser permitido ao requerido a colocação da rede conforme se encontrava anteriormente, devendo ser ordenado ao requerente a passagem pela nova servidão construída pelo requerido.»
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1.4. Realizada a audiência final, foi proferida decisão em que se decidiu julgar procedente a oposição e, em consequência, «revogar a providência anteriormente decretada de restituição provisória da posse aos requerentes do caminho de servidão de passagem que atravessa, no sentido nascente-poente, conforme se vê no documento número cinco da petição inicial o prédio referindo em 2) dos factos provados, restituindo-se os requeridos à situação anterior».
Embora sem constar do dispositivo, os Requerentes foram condenados como litigantes de má-fé, fixando a multa em 4 UC.
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1.5. Tendo os Requerentes interposto recurso da decisão referida em 1.4., foi por esta Relação, através de outro coletivo, concedido provimento ao recurso e, consequentemente «revoga[da] a decisão recorrida, no seu todo, inclusive a condenação como litigante de má fé e julga[da] improcedente a oposição dos Requeridos.»
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1.6. No dia 02.09.2014 foi elaborado auto de restituição provisória da posse, onde além do mais, se fez constar:
«Uma vez aqui chegados e a presença das pessoas acima indicadas verificou-se o estado do caminho de servidão, constatando-se a existência de algumas pedras de pequena e media dimensão, bem como de alguns regos, também estes de pequena e media dimensão. Seguidamente procedeu-se ao alisamento e remoção das referidas pedras, com o apoio de uma máquina. Consigna-se que a ilustre mandatária dos requeridos, Sra. Dra. EE filmou e fotografou a máquina a realizar os trabalhos, apesar da oposição do mandatário dos requerentes, dentro da propriedade dos seus constituintes. Mais consigno que o requerente, Sr. AA, foi buscar o seu trator agrícola tendo percorrido com o mesmo o caminho de servidão, verificando-se que o mesmo ficou apto à passagem do seu trator agrícola. Mais consigno que se procedeu à medição da passagem que foi alisada, medição essa efetuada de cinco em cinco metros, com as medições constantes do registo fotográfico que se junta ao presente auto. Durante essa medição procedeu-se ainda à medição entre árvores em três locais distintos, constatando-se que entre as primeiras do lado poente a largura era de 3,53 metros, entre as segundas era de 3,54 metros e nas terceiras era de 4,00 metros, conforme registo fotográfico que se junta. Por fim, constatou-se, ainda, que no leito do caminho de servidão e na parte que foi agora alisada, se encontram à superfície oito tubos de rega, que apesar de não impedirem a passagem, os requeridos comprometem-se a enterrar os mesmos no prazo de três dias. Junta-se também registo fotográfico dos referidos tubos. Consigna-se ainda que na entrada do lado nascente (estrada) a mesma tem a medição de 7 metros e tem colocada uma rede amovível com um ferro, que permite abrir e fechar a passagem por qualquer pessoa. Do lado poente também existe uma rede com as mesmas características a qual não tem o referido ferro. Pelos requerentes foi dito que não se opõe a que as entradas do lado nascente e poente fiquem fechadas, desde que seja de fácil abertura, comprometendo-se a mandatária dos requeridos a colocar as redes de fácil abertura/ acesso. Seguidamente, investi os requerentes AA e BB, aqui presentes, na posse do caminho de servidão de passagem que nasce no caminho público a nascente (Rua ...), do prédio dos requeridos, atravessando-o longitudinalmente no sentido nascente-poente e terminando na confrontação nascente do terreno dos requerentes. Os requerentes declararam-se como investidos na posse do caminho de servidão, no estado em que se encontra. Para constar lavrei o presente auto que depois de lido e achado conforme vai ser assinado por todos os intervenientes presentes. (…)»
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1.7. Tendo os Requerentes apresentado requerimento em 11.09.2024, com a referência Citius 4573334, sobre o mesmo incidiu despacho com o seguinte teor:
«Vieram os requerentes peticionar que o tribunal “se digne ordenar, em definitivo, a restituição da posse do caminho de servidão com a largura de 7 metros na entrada e de 4 metros em toda a sua extensão como resulta da decisão de 08.05.2023 com as características e as dimensões que a mesma descreve, designadamente na alínea D) da decisão, com a expressa permissão de derrubamento das árvores/arbustos que se encontrem dentro dos 4 metros de largura, bem como com a retirada dos referidos tubos e as redes que foram colocadas no início e no fim do caminho, ou vice-versa, ou seja, tal como se encontrava antes do esbulho.”
Ora, compulsados os autos constata-se que a sentença que determinou a restituição provisória da posse do caminho aos requerentes, terminou com o seguinte dispositivo:
“determino a imediata restituição provisória aos autores da posse do caminho de servidão de passagem que atravessa, no sentido nascente-poente, conforme se vê no documento número cinco junto com a petição inicial, o prédio referido em B dos factos provados, determinando a imediata remoção das vedações no prédio referido em B instaladas que impeçam a livre e desimpedida passagem dos autores para o prédio referido em A dos factos provados, vindos da via pública – Rua ... –, e vice-versa.” – sublinhado nosso.
Em parte alguma da referida sentença se determinou o derrubamento de árvores e arbustos.
Por outro lado, o tribunal já determinou a diligência da restituição provisória da posse do caminho e a diligência realizou-se no dia 3 de Setembro de 2024 – conforme auto de fls. 257 e ss. – no qual os requerentes se declaram investidos na posse do caminho de servidão, no estado em que se encontra e, ademais, o requerente “foi buscar o seu tractor agrícola, tendo percorrido com o mesmo o caminho de servidão, verificando-se que o mesmo ficou apto à passagem do seu tractor agrícola”.
Assim sendo, nada mais há a determinar a este respeito, reiterando-se que o derrubamento de árvores não se encontra contemplado no dispositivo da sentença.
Indefiro o requerido.»
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1.8. Inconformados, os Requerentes interpuseram recurso de apelação daquele despacho, formulando as seguintes conclusões:
«1º - Em 10.10.2024 o Tribunal a quo proferiu despacho a indeferir, sem qualquer fundamento de facto ou de direito, o requerido pelos aqui recorrentes nos seus requerimentos juntos aos autos em 11.09.2024.
2º - Resulta do despacho recorrido que: “nada mais há a determinar a este respeito, reiterando-se que o derrubamento de árvores não se encontra contemplado no dispositivo da sentença”, mostrando-se desde logo evidente que a sentença de 08.05.2023, proferida nestes autos, não podia contemplar o derrubamento de “árvores”, exatamente porque à data do esbulho, os arbustos não existiam. E, portanto, este argumento é infeliz e inócuo.
3º - As questões em discussão não são apenas essa, o que denota desatenção por parte do Tribunal a quo daquilo que é essencial: a restituição da posse de um caminho de servidão que está perfeitamente caracterizado, definido e delimitado nas decisões que o próprio Tribunal não pode ignorar.
4º - Desde logo, há uma questão essencial, que é a da largura dos 4 metros que o caminho de servidão sempre teve, em toda a sua extensão e que agora não tem, a acrescer ao facto de continuarem no seu leito arbustos, tubos de plástico e redes em arame que impedem a normal circulação, questões essas sobre as quais o Tribunal a quo não se pronunciou.
5º - O Tribunal a quo, com o despacho em crise, indeferiu o requerido pelos aqui recorrentes – a marcação de uma nova data para a restituição integral da posse do caminho de servidão com 4 metros de largura e sem quaisquer obstáculos, como antes não tinha, nomeadamente arbustos, tubos de plástico e redes em arame.
6º - Desta forma, o Tribunal põe termo ao processo, sem se pronunciar sobre uma questão que devia apreciar, que é o não cumprimento da decisão por parte dos recorridos da restituição integral e definitiva da posse com as condições determinadas pelo Tribunal da Relação de Guimarães e por este Tribunal.
7º - No caso, o despacho em crise não se trata de um despacho de mero expediente, já que o Tribunal a quo não se limita a ordenar o andamento regular do processo, vai muito mais longe, põe termo ao processo, decidindo indeferir os requerimentos dos recorrentes sem fundamento sério e ofendendo os direitos processuais e substantivos das partes.
8º - O despacho interfere directamente no conflito de interesses entre as partes, colocando em causa, desde logo, a aplicação da lei, o cumprimento da decisão do Tribunal da Relação de Guimarães (proc. n.º 591/23.... de 02.05.2024), a igualdade das partes e o princípio do contraditório.
9º - O Tribunal a quo não analisou na íntegra, como era seu dever, os requerimentos juntos aos autos pelos recorrentes e muito menos analisou na íntegra o auto de restituição da posse e respetivos documentos/fotografias, nem lhes faz a mínima referência no despacho em crise.
10º - Se o Tribunal tivesse analisado de forma diligente o auto e respetivos documentos, perceberia que o caminho de servidão, com as características e dimensões decididas, não foi restituído com 4 metros de largura e totalmente desimpedido, como está determinado pelo Tribunal da Relação de Guimarães e nas decisões proferidas por este mesmo Tribunal em 08.05.2023 (nestes autos) e em 20.04.2024 (nos autos principais nº 591/23....).
11º - Os arbustos são uma (falsa) parte da questão a apreciar, porque a o problema passa pela largura e pelo total desimpedimento, o que não foi apreciado, em toda a extensão do caminho de servidão.
12º - De resto quando se fala em restituição da posse de um caminho, é evidente que essa restituição tem de reportar à situação anterior ao esbulho (e, logo, à própria decisão), em que a passagem obedecia a determinadas medidas e estava absolutamente desimpedida do que quer que fosse.
13º - Os recorrentes passavam e circulavam no dito caminho a pé, com carros, com tratores e máquinas agrícolas (como expressamente consta das decisões judiciais), e se a restituição do caminho de servidão aos recorrentes não contemplar um leito com 4 metros de largura em toda a sua extensão e o seu leito não se encontrar totalmente desimpedido, não está cumprida a decisão da restituição da posse, que naturalmente pressupõe que esta se reporte ao estado anterior ao esbulho e à ofensa dos direitos que a providência repôs.
14º - O despacho recorrido, com a devida vénia, tinha obrigatoriamente de se pronunciar sobre estas questões, fundamentado nesse sentido, como devia ter-se pronunciado sobre a conduta dos recorridos, que durante a própria diligência (como ali está escrito) se obrigaram a retirar os tubos de plástico e as redes em arame do caminho e, como é habitual, não o fizeram, enganando mais uma vez toda a gente, incluindo o Tribunal.
15º - A falta de fundamentação do despacho e a falta de pronúncia sobre questões que devia apreciar, culmina na nulidade do despacho em crise, que aqui se arguiu para todos os efeitos, devendo como tal ser declarada (alínea b) e d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC).
Sem prejuízo,
16º - Os recorrentes foram notificados em 06.09.2024 de um despacho que remetia o processo “à conta” e nessa sequência os recorrentes viram-se na necessidade de submeter aos autos, em 09.09.2024, um requerimento, onde davam nota de que o auto de restituição ainda não estava disponível na plataforma Citius e expondo os demais motivos pelos quais consideram prematuro remeter de imediato os presentes autos “à conta”.
17º - Mais tarde, foi dada a indicação pela Sra. Funcionária do Serviço Externo de que o auto de restituição estava junto nos dois últimos documentos (num total de 31 documentos) no campo “Devolução direta ao processo origem”, dos quais os recorrentes não foram notificados e, por isso, foi necessário andar à procura.
18º - Encontrado o auto naquele emaranhado de documentos na plataforma Citius, do qual decorre que as medições corroboram a indicação de que a largura do caminho não corresponde àquela que está fixada nas decisões judiciais, os recorrentes entendiam, como entendem, que os autos não deviam ter sido remetidos naquele momento “à conta”, exatamente porque a decisão não estava integralmente cumprida, como se afirmou.
19º - Através daquele auto de restituição e das respetivas medições, conclui-se facilmente que o leito do caminho de servidão não foi aberto com 4 metros de largura, como está decidido pelo Tribunal da Relação de Guimarães (em 02.05.2024, no proc. 591/23....) e como determina o despacho de restituição da posse (de 08.05.2023) proferido por este Tribunal nestes autos.
20º - A decisão de 08.05.2023 proferida nestes autos, trata-se da decisão que o mandatário dos recorrentes, perante a omissão, teve necessidade de referir no auto de restituição da posse, que diz especificamente na sua alínea D) dos Factos inicialmente demonstrados, que o referido caminho de servidão tem uma largura de 4 metros de largura na sua extensão, sendo evidente que foi com base nesse despacho que foi ordenada esta restituição da posse e, por isso, porque não podem aceitar aquele “tipo de restituição” parcial, os recorrentes levantaram essa mesma questão, deixando-o expresso, mesmo contra a vontade e a oposição da Ilustre mandatária dos recorridos.
21º - Ora, o caminho de servidão não atinge a largura de 4 metros e em dois locais tal largura implica o derrube de pelo menos dois arbustos, mas, naquele ato, não foi permitido aos recorrentes alinhar os limites da largura do caminho e cortar aqueles arbustos, pois a Ilustre Mandatária dos recorridos opôs-se e a Sra. Funcionária invocou que não tinha ordens para deitar arbustos abaixo e que para tanto era necessário requerê-lo ao Tribunal a quo, como efetivamente os recorrentes depois requereram em 11.09.2024, o que foi indeferido pelo despacho ora recorrido, sem qualquer fundamento sustentável de facto ou de direito.
22º - A decisão continua incumprida, não só quanto à largura, pois resulta ainda do auto de restituição “que no leito do caminho de servidão (…), se encontram à superfície oito tubos de rega (…), os requeridos comprometem-se a enterrar os mesmos (…)” e que os requerentes “não se opõe a que as entradas (…) fiquem fechadas, desde que seja de fácil abertura, comprometendo-se a mandatária dos requeridos a colocar as redes de fácil abertura/acesso”.
23º - Ora, como já se adivinhava, nem os tubos, nem as redes foram removidas e, por isso, os recorrentes requereram a sua retirada, pois só desse modo o caminho de servidão fica totalmente desimpedido e desembaraçado, como está decidido e assim foi ordenado. Não obstante, até agora nada foi feito, nem pelos recorridos, nem pelo Tribunal a quo que indeferiu, sem mais, o requerido e sem dar cumprimento às decisões por si proferidas neste processo.
24º - Facilmente se depreende que, por um lado, os aqui recorridos nunca pretenderam cumprir na íntegra a decisão proferida nestes autos (embora o tivessem falsamente anunciado, com fotografias e vídeos), mantida pelo Tribunal da Relação de Guimarães e, por outro, o Tribunal a quo também não actua em relação ao não cumprimento por parte dos recorridos daquela decisão. Nem um mínimo de censura.
25º - O despacho recorrido parte do errado pressuposto de que a restituição provisória da posse foi integralmente cumprida, quando decorre do exposto que o Tribunal a quo, com o despacho recorrido, acaba, na prática, por não dar cumprimento à decisão do Tribunal superior, pelo que está claramente a violar o disposto no n.º 1 do art.º 152º do CPC, assim como o dever de fundamentação das suas decisões, previsto no art.º 154º do CPC.
26º - O Tribunal recorrido fez uma errada interpretação dos factos e aplicou mal o direito, na medida em que parte de pressupostos errados e amputados para concluir pelo indeferimento dos requerimentos dos recorrentes, que continuam a pugnar pelo exato e integral cumprimento de decisões proferidas pelo próprio Tribunal, devendo por esse motivo tal despacho ser revogado.
27º - Mostram-se, assim violados os preceitos legais acima indicados, nomeadamente, alíneas b) e d) do n.º 1 do art.º 615º, n.º 1 do art.º 152º e art.º 154º todos do CPC.
Nestes termos no mais que por certo serão supridos, deve dar-se provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido e substituindo-se por um outro que determine definitivamente a restituição provisória da posse na íntegra, totalmente livre e desembaraçado, com as características e dimensões plasmadas na decisão de 08.05.2023 proferida nestes autos, com as legais consequências.»
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Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido.
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1.9. Questões a decidir
Atentas as conclusões do recurso, as quais delimitam o seu objeto (artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, constituem questões a decidir:
i) Nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação e falta de pronúncia sobre questões que devia apreciar – conclusões 1ª a 15ª;
ii) Se deve ser ordenada «a restituição da posse do caminho de servidão com a largura de 7 metros na entrada e de 4 metros em toda a sua extensão como resulta da decisão de 08.05.2023 com as características e as dimensões que a mesma descreve, designadamente na alínea D) da decisão, com a expressa permissão de derrubamento das árvores/arbustos que se encontrem dentro dos 4 metros de largura, bem como com a retirada dos referidos tubos e as redes que foram colocadas no início e no fim do caminho, ou vice-versa, ou seja, tal como se encontrava antes do esbulho» - conclusões 16ª a 26ª.
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II – Fundamentação
2.1. Fundamentos de facto
Os factos e incidências processuais relevantes para a apreciação das apontadas questões são os descritos no relatório que antecede e ainda os seguintes, emergentes de ato do processo: 2.1.1. No procedimento cautelar foram considerados indiciariamente provados os seguintes factos:
«(Do requerimento inicial):
1. Mostra-se registada a favor dos requerentes, casados no regime de comunhão geral, a aquisição, por doação de FF e compra a GG e HH, de um prédio rústico sito em ..., actual freguesia ..., ... e ..., uma bouça de ... com pinheiros, que confronta pelo norte com II, do sul com ... e JJ, do nascente com KK, e do poente com AA e FF, inscrito na matriz predial sob o artigo ...84.º (anterior artigo ...62.º da freguesia ...) e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...16;
2. Mostra-se, pela ap. ...98 de 2022/04/26, registado a favor dos requeridos a aquisição, por doação de LL, de um prédio rústico denominado ..., sito em ..., na actual freguesia ..., ... e ..., uma bouça de ... e lenha, que confronta pelo norte com II, do sul com JJ, do nascente com caminho público e do poente com FF, inscrito na matriz predial sob o artigo ...87 (anterior artigo ...63 da freguesia ...) e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...17;
3. Sobre o prédio referido em 2) existe um caminho que se inicia, a nascente, na Rua ... e que o atravessa longitudinalmente, no sentido nascente-poente, terminando na confrontação nascente com o prédio referido em 1);
4. Esse caminho, que na sua abertura junto ao caminho público se apresenta com cerca de 7 metros de largura (demarcado e ladeado por dois tranqueiros), afunila depois para uma largura de cerca de 4 metros em toda a sua extensão, num comprimento de cerca de 150 metros, até desembocar a poente, no prédio referido em 1), era bem calcado, trilhado e demarcado do terreno adjacente;
5. Os requerentes e, antes deles, os vários possuidores e proprietários do prédio referido em 1), sempre usaram esse caminho instalado no prédio referido em 2) para, da via pública, acederem ao prédio referido em 1), o que continuamente fizeram à vista de todos, sem necessidade de em cada passagem imporem essa sua vontade contra a vontade de quem quer que seja, há mais 40 anos, convictos do seu direito de por ele passarem como bem entendessem e sempre que o entendessem;
6. Tratando-o, conservando-o e limpando-o, para que a circulação se fizesse sem dificuldades;
7. Esse caminho era trilhado, em duro, calcado, compactado, características que o sinalizavam no local por onde passava;
8. Por esse caminho, e ao longo de cerca de 150 metros, sempre os requerentes e seus antecessores, circularam quer a pé, quer com carros – tractores e outras máquinas agrícolas;
9. Desde que adquiriram o prédio, há mais de 40 anos, nunca os requerentes foram incomodados ou perturbados no exercício dessa passagem pelo prédio referido em 2);
10. Os requeridos, no decurso do mês de Janeiro de 2023, entenderam cortar toda a vegetação do prédio referido em 2);
11. No decorrer da desflorestação, as máquinas que realizaram o trabalho rasparam o solo e retiraram-lhe a dureza, tornando o terreno outrora compactado em movediço, inapto à passagem até de um tractor agrícola;
12. Perante a demora dos autores na reposição do caminho, os autores colocaram-lhe gravilha para que retomasse as características de dureza aptas à passagem habitual;
13. Decidiram então os réus vedar o terreno em toda a sua extensão, tendo recentemente, no mês de Março, colocado uma vedação em ferro, segura por esteios, tanto a nascente como a poente do caminho existente no prédio referido em 2);
(Da oposição e da instrução da causa, nos termos do art. 5º, nº 2, a) do CPC):
14. O descrito em 11) decorreu pelo período de duas a três semanas, em função do tempo chuvoso que se fez sentir;
15. Para aceder ao seu prédio, os requerentes podem fazê-lo através de outro caminho, situado pela extrema norte do prédio do requeridos, no sentido nascente-poente;
16. Os requeridos, na qualidade de proprietários do prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., ... e ... sob o artigo ...87 e descrito na conservatória do registo predial sob o n.º ...17 começaram a procederam à limpeza do terreno em finais de Dezembro de 2022, e deflorestação no seu prédio durante o mês de Janeiro até meados de Fevereiro de 2023, no intuito de realizarem uma plantação de árvores da espécie Pauwlonia;
17. Ao mesmo tempo que os Requeridos realizavam tais trabalhos, procederam à abertura e construção de um novo caminho para a extrema norte do seu prédio, no sentido nascente poente;
18. Tal caminho encontra-se em perfeitas condições de uso de pé, carro, tractor e máquinas agrícolas, devidamente compactado e permite a passagem e a circulação em condições de fluidez e segurança, para o prédio dos requerentes;
19. O caminho descrito em 4) esteve aberto e transitável até ../../2023, com excepção de duas a três semanas, conforme descrito em 14);
20. Após concluírem as obras do novo caminho, e de forma proteger a sua plantação, os requeridos procederam à vedação do prédio em 18 de Março 2023;
21. Garantindo, contudo, a livre passagem pelo novo caminho, que se situa da parte de fora da vedação do prédio dos requeridos e que está em perfeitas condições de circulação, desde ../../2023.» 2.1.2. Factos que o Tribunal a quo considerou «indiciariamente não provados:
«a) Que com a vedação descrita em 13), os requeridos tenham obstruído por completo a passagem dos requerentes;
b) Que os requerentes se tenham visto impedidos de aceder ao seu prédio;
c) Que os requeridos ainda tenham informado os requerentes, em tom ameaçador, que não permitiam de forma alguma que os mesmos e o seu advogado se deslocassem ao terreno ou acedessem ao referido caminho;
d) Que o novo caminho de acesso ao prédio dos requerentes tenha vindo a ser utilizado por estes, se não antes, pelo menos no mês de Março;
e) Que as obras estivessem a decorrer com a concordância dos requerentes.»
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2.2. Do objeto do recurso 2.2.1. Da nulidade da decisão recorrida
Os Recorrentes alegam, nas conclusões da sua apelação, que «[a] falta de fundamentação do despacho e a falta de pronúncia sobre questões que devia apreciar, culmina na nulidade do despacho em crise, que aqui se arguiu para todos os efeitos, devendo como tal ser declarada (alínea b) e d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC).»
Nos termos do artigo 615º, nº 1, alíneas b) e d), do CPC, a sentença é nula quando «não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão» e «o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar». Tal preceito é também aplicável, com as necessárias adaptações, aos despachos – art. 613º, nº 3, do CPC.
O artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) consagra o dever de fundamentação das decisões dos tribunais, o qual mostra-se concretizado, quanto ao processo civil, no artigo 154º, nº 1, do CPC, e constitui um corolário do processo equitativo (art. 20º, nº 4, da CRP), «dado que dá a perceber as razões do deferimento ou do indeferimento do requerimento ou da procedência ou improcedência da ação e permite controlar o iter decisório, nomeadamente por um tribunal de recurso»[1].
Segundo Alberto dos Reis[2], «há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto». Como referem, igualmente, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora[3], «para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito».
Por conseguinte, enquanto vício da decisão judicial, ou seja, como fundamento da sua nulidade, apenas releva a ausência de qualquer fundamentação e não quaisquer outras patologias. Na previsão da alínea b) só está incluída a falta absoluta de fundamentação e não a insuficiente, errada, incompleta ou deficiente. No nosso entendimento, ainda constitui falta de fundamentação uma motivação impercetível, sem relação compreensível com o objeto discutido, enquanto vício paralelo à ininteligibilidade do objeto do processo como motivo de ineptidão da petição inicial[4].
A nulidade decorrente da omissão de pronúncia sobre questões que o juiz devesse apreciar está diretamente relacionada com o disposto no artigo 608º, nº 2, do CPC, segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…), salvo se a lei lhe (…) impuser o conhecimento oficioso de outras».
Neste enquadramento, há que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes. Conforme já ensinava Alberto dos Reis[5], «são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão». Quer dizer, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões/pretensões formuladas de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado[6].
Segundo Manuel Tomé Gomes[7], «não integra o conceito de questão, para os efeitos em análise, as situações em que o juiz porventura deixe de apreciar algum ou alguns dos argumentos aduzidos pelas partes no âmbito das questões suscitadas. Neste caso, o que ocorrerá será, quando muito, o vício de fundamentação medíocre ou insuficiente, qualificado como erro de julgamento, traduzido portanto numa questão de mérito». O juiz não tem de analisar um por um todos os argumentos ou razões invocados pelas partes, ainda que tenha de dar resposta (resolução) às questões por elas invocadas; não se lhe impõe, por outro lado, que indique, uma por uma, as disposições legais em que se baseia a decisão, bastando que faça alusão às regras e princípios gerais em que a ancora[8].
Analisado o despacho recorrido, verifica-se que a mesmo não é destituído de fundamentação. A Exma. Juiz enunciou os fundamentos pelos quais se decidiu pelo indeferimento do requerimento apresentado pelos Requerentes em 11.09.2024, sob a referência ...34. Trata-se de um mero despacho, pelo que o nível de exigência é menor e se cinge à justificação do decidido.
Por outro lado, é verdade que o despacho não analisa um por um todos os argumentos expostos pelos Requerentes para ser ordenado o que então pediram, designadamente quanto ao alegado facto de:
- «a largura do leito do caminho de servidão não foi aberto com 4 metros» por «na maioria dos locais do caminho de servidão tal largura não atinge 4 metros e em dois desses locais, tal largura implica o derrube de pelo menos dois arbustos/árvores»;
- «Resultar do auto de restituição “que no leito do caminho de servidão (…), se encontram à superfície oito tubos de rega (…), os requeridos comprometem-se a enterrar os mesmos no prazo de três dias» e de na visita ao local no dia 10.09.2024 os Requerentes terem constatado «que os referidos tubos não se encontravam ainda enterrados»;
- «do auto resulta também que os requerentes “não se opõe a que as entradas do lado nascente e poente fiquem fechadas, desde que seja de fácil abertura, comprometendo-se a mandatária dos requeridos a colocar as redes de fácil abertura/acesso”», mas «os requeridos, pelo menos até ao dia de ontem (última vez que os requerentes lá passaram) também não procederam à colocação de uma rede de fácil abertura/acesso, como se comprometeram, pois a existente, da forma como está presa (sobretudo a poente), com arames vincadamente retorcidos, dificulta a abertura com o uso das mãos e torna-se, por isso, perigosa, passível de provocar ferimentos».
Com alegada base factual, os Requerentes pediam que o Tribunal ordenasse uma definitiva restituição da posse do caminho de servidão, envolvendo os seguintes aspetos:
a) «expressa permissão de derrubamento das árvores/arbustos que se encontrem dentro dos 4 metros de largura»;
b) «retirada dos referidos tubos»;
c) remoção das «redes que foram colocadas no início e no fim do caminho».
É inequívoco que o Tribunal a quo se pronunciou sobre o derrubamento de árvores/arbustos, pois argumentou que «em parte alguma da referida sentença se determinou o derrubamento de árvores e arbustos» e mais à frente reiterou que «o derrubamento de árvores não se encontra contemplado no dispositivo da sentença.»
Quanto aos tubos e às duas redes, sem se lhes referir diretamente, sustentou que «nada mais há a determinar a este respeito», uma vez que, por um lado, «o tribunal já determinou a diligência da restituição provisória da posse do caminho e a diligência realizou-se no dia 3 de Setembro de 2024 – conforme auto de fls. 257 e ss. – no qual os requerentes se declaram investidos na posse do caminho de servidão, no estado em que se encontra» e, por outro lado, consta também do aludido auto que «o requerente “foi buscar o seu tractor agrícola, tendo percorrido com o mesmo o caminho de servidão, verificando-se que o mesmo ficou apto à passagem do seu tractor agrícola”.»
Portanto, mal ou bem, o que para o efeito da invocada nulidade não releva, a Sra. Juiz pronunciou-se sobre a pretensão deduzida e os fundamentos em que a mesma se alicerçava.
Como facilmente se verifica, a falta de apreciação de todos os argumentos factuais apresentados pelos Requerentes não constitui uma omissão de pronúncia, pois esta respeita a questões e não a argumentos. Compete ao tribunal decidir questões e não razões ou argumentos aduzidos pelas partes[9]. E a questão era se tinha de ser ordenada uma restituição provisória da posse «em definitivo» depois de tudo o que já consta do auto judicial de 02.09.2024, ou seja, novo ato judicial, com nova diligência de restituição a contemplar o corte de duas árvores/arbustos para que o leito do caminho tenha 4 metros em toda a sua extensão, retirada de oito tubos de rega existentes no leito do caminho na parte já alisada com uma máquina e remoção das duas redes existentes no início e no fim do caminho por as existentes estarem presas com arames e serem de difícil manuseamento.
O juiz não tem de esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devem ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente[10].
Também não há omissão de pronúncia quando a matéria, tida por omissa, ficou implícita ou tacitamente decidida no julgamento da matéria com ela relacionada.
Tendo a Mma. Juiz apreciado a questão de saber se deveria haver um novo ato de restituição e fundamentado sumariamente o decidido, não se verifica a apontada causa de nulidade da decisão.
Pelo exposto, não sendo nula a decisão, improcede este fundamento do recurso.
*
2.2.2. Da errada apreciação da pretensão deduzida
Como bem resulta do que anteriormente expusemos, o que os Recorrentes pretendem, e foi indeferido na decisão recorrida, é a concessão de permissão para:
a) o abate «de pelo menos dois arbustos/árvores»;
b) a retirada de oito tubos de rega;
c) a remoção de duas redes existentes no início e no fim do caminho de servidão.
Liminarmente, a mero título de enquadramento, sobre o procedimento cautelar de restituição provisória da posse rege o artigo 377º do CPC: «No caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência».
Decretada a providência cautelar, o esbulhado é restituído à posse que o facto do esbulho lhe fez perder. Por conseguinte, a providência destina-se a reconstituir, de imediato, um status quo ante e nada mais do que isso. É uma providência com uma finalidade puramente conservatória.
Ainda com relevo para o caso dos autos, importa enfatizar que à fase declarativa do procedimento cautelar de restituição provisória da posse, que culmina na decisão que decreta a providência cautelar, sucede uma fase de cariz executivo, em que o tribunal impõe coercivamente ao requerido a decisão e restabelece o status quo ante, mediante a entrega material da coisa esbulhada ou da reposição da possibilidade de gozo das utilidades que integram o direito e de que o requerente foi privado. Refere a esse propósito Miguel Teixeira de Sousa[11]: «Após o decretamento da providência, o tribunal ordena, por mandado, a execução por f.j. do decidido (art. 172.º, n.º 2, e 185.º). Aquele f.j. deve lavrar, no local, um auto de entrega.» Por conseguinte, decretada a restituição, a secretaria deverá proceder à execução da decisão, emitindo mandado, para ser prontamente executado (art. 157º do CPC), procedendo-se coercivamente à entrega do objeto do direito que tiver sido esbulhado, do qual se lavrará auto (art. 159º, nº 1, do CPC).
Posto isto, no plano substancial, quanto à permissão para o abate «de pelo menos dois arbustos/árvores» de forma a que o leito do caminho tenha 4 metros de largura em toda a sua extensão, secundamos inteiramente o afirmado pelo Tribunal a quo: o abate de árvores ou arbustos, designadamente das duas referidas pelos Requerentes, não está contemplado no dispositivo da decisão que ordenou a restituição provisória da posse do caminho de servidão, nem em qualquer outra parte daquela decisão. Também nenhuma menção a tais árvores ou arbustos consta do anterior acórdão desta Relação.
Mais, nenhum facto provado alude a tais árvores/arbustos. Aliás, nem sequer está alegado que essas árvores/arbustos consubstanciam a execução de um esbulho, no sentido de se destinarem a impedir o exercício do direito real de servidão.
E a restituição provisória da posse é apenas isso: restituição da posse do caminho de servidão tal como ele estava antes do esbulho, tivesse ou não árvores ou arbustos. Tudo o que exorbita dos atos materiais de esbulho, não pode ser aqui considerado.
Trata-se, por isso, de matéria que exorbita do âmbito da providência.
Repare-se que a situação factual que esteve na base do decretamento, em 08.05.2023, da providência foi o facto de os Requeridos, no decurso do mês de janeiro de 2023, terem cortado toda a vegetação do seu prédio, utilizando para o efeito máquinas que «rasparam o solo e retiraram-lhe a dureza, tornando o terreno outrora compactado em movediço, inapto à passagem até de um tractor agrícola» (ponto 11) e, perante a colocação pelos Requerentes de «gravilha para que retomasse as características de dureza aptas à passagem habitual» (12), os Requeridos «vedar[am] o terreno em toda a sua extensão, tendo recentemente, no mês de Março, colocado uma vedação em ferro, segura por esteios, tanto a nascente como a poente do caminho» (13).
Portanto, os atos materiais do esbulho consistiram na raspagem do solo do caminho (ação que o tornou movediço) e na obstrução da passagem através da colocação de uma vedação a nascente e poente do caminho.
Foi este circunstancialismo factual, e não a existência de arbustos ou árvores no caminho à data da produção de prova e prolação da decisão (08.05.2023), que motivou o decretamento da providência cautelar.
Aliás, é de notar que os Requerentes, por requerimento de 31.07.2024, afirmaram nos autos que «no local do leito do caminho de servidão, não há qualquer árvore plantada (como falsamente se invoca) como se demonstra pela foto recentemente obtida (onde se vê “a olho nu” as marcas e os limites do caminho, em direcção e em linha recta à vedação com esteios, ao fundo), mas ainda que houvesse, o caminho é facilmente desimpedido.»
Daí que não se possa agora introduzir, posteriormente ao decretamento da providência cautelar, uma questão que nada tem a ver com o circunscrito objeto do procedimento cautelar, designadamente a autorização para os Requerentes realizarem atos conservatórios ou de limpeza do caminho, para que a circulação se faça sem dificuldades. Tais atos de conservação e de manutenção nem sequer precisam de autorização judicial, pois está reconhecida por decisão transitada em julgado (as decisões proferidas nos procedimentos cautelares adquirem valor de caso julgado quando transitadas em julgado – art. 628º do CPC; aliás, tais decisões são suscetíveis de ser executadas nos termos gerais) a existência da servidão (sabe-se qual o seu conteúdo, extensão e modo de exercício e, nos termos do artigo 1565º, nº 1, do CCiv, o direito de servidão compreende tudo o que é necessário para o seu uso e conservação) e os Requerentes já foram investidos judicialmente na sua posse.
No que concerne à remoção de oito tubos de rega, sem prejuízo do que mais à frente se referirá quanto à investidura da posse e suas consequências, constata-se desde logo que, segundo o que resulta do auto de restituição, não impedem a passagem, seja a pé ou de veículo motorizado, designadamente um trator agrícola. O próprio Requerente circulou com o seu trator pelo caminho no dia em que foi realizada a restituição, «verificando-se que o mesmo ficou apto à passagem do seu trator agrícola.»
Mais, visualizadas as fotografias que acompanham o auto de restituição, verifica-se que os tubos são de pequeno diâmetro, estão espaçados ao longo do caminho e apenas parte deles está à superfície (por exemplo, a parte do tubo 7 que está à superfície é tão diminuta que é preciso porfiar no sentido de o encontrar na fotografia). Também nas fotografias é possível ver que as partes visíveis dos tubos estão calcadas. Por todo o exposto, não impedem a passagem ou o exercício do direito indiciariamente reconhecido aos Requerentes, sem prejuízo de os Requeridos terem assumido a obrigação de os enterrar.
Quanto à remoção das duas redes existentes no início e no fim do caminho de servidão, de harmonia com o que se exarou no auto, verifica-se que as mesmas são amovíveis e permitem abrir e fechar a passagem por qualquer pessoa. Segundo o auto de restituição, a da entrada do lado nascente tem um ferro (fotografia nº 35 do auto) e a do lado poente não tem sequer ferro. Segundo se observa nas fotografias, são redes de malha larga, de um fio de reduzido diâmetro (ignora-se o concreto material, mas aparentam ser metálicas) e de fácil movimentação.
A colocação de redes de vedação, por então obstruírem a passagem pelo caminho, foram o elemento factual essencial em que assentou a demonstração tanto do esbulho como da sua natureza violenta.
Por isso, a remoção das vedações estava necessariamente incluída no âmbito do ato de restituição da posse, tanto que na decisão que ordenou a providência, repristinada pelo anterior acórdão desta Relação, determinou-se «a imediata remoção das vedações no prédio referido em B instaladas que impeçam a livre e desimpedida passagem dos autores para o prédio referido em A dos factos provados». Cumpre salientar que no primitivo auto de restituição provisória da posse, elaborado em 25.05.2023, consta que foi «necessário proceder à remoção das vedações que impediam a passagem», o que significa que as vedações referidas na decisão que decretou a providência cautelar foram então removidas, pelo que as redes que no dia 02.05.2023 se encontravam no início e fim do caminho são outras redes, as quais os Requeridos, em violação da garantia penal da providência, colocaram.
Sucede que em 02.09.2024, dia em que foi levada a cabo a diligência judicial destinada a efetivar a restituição da posse do caminho, «pelos requerentes foi dito que não se opõe[m] a que as entradas do lado nascente e poente fiquem fechadas, desde que seja[m] de fácil abertura». Consequentemente, «compromete[u]-se a mandatária dos requeridos a colocar as redes de fácil abertura/ acesso.» Nesta parte, haverá alguma espécie de lapso, pois as redes existentes já são de «fácil abertura/ acesso». Porventura, estaria a referir-se à manutenção de um sistema de fácil abertura, ou seja, a não inserir nas redes ou nos postes onde aquelas são presas/amarradas aquando do seu fecho qualquer mecanismo que dificultasse a abertura.
Portanto, os Requerentes aceitaram a manutenção das redes cuja remoção tinha sido ordenada e agora apenas está em causa a dificuldade no manuseamento dos arames (e não a impossibilidade de abrirem as redes para passarem), matéria de ordem subjetiva e da qual não é apresentada qualquer prova.
Também não está alegado qualquer superveniente ato dos Requeridos no sentido de impedir a passagem dos Requerentes pelo caminho de servidão, ato que sempre estaria a coberto da garantia penal da providência, nos termos do artigo 375º do CPC.
Todavia, sem prejuízo do que se acaba de expor relativamente tanto à largura do caminho de servidão como à remoção de tubos e redes, a questão fundamental emerge do facto de os Requerentes, sabedores das circunstâncias que agora invocam (que existem dois arbustos ou árvores que em determinado local estreitam o caminho de «cerca de quatro metros» para «3,53 metros» ou «3,54 metros», que estão oito tubos de rega no leito do caminho e que existem duas redes no início e no fim do caminho de servidão), foram investidos «na posse do caminho de servidão de passagem» e «declaram-se como investidos na posse do caminho de servidão, no estado em que se encontra».
Sendo assim, em primeiro lugar, se existia alguma objeção, seja quanto às árvores/arbustos, aos 8 tubos de rega ou à manutenção das redes, os Requerentes não podiam declarar-se investidos na posse do caminho. Se discordavam da manutenção das duas redes, das duas árvores/arbustos ou dos 8 tubos de rega, não podiam aceitar, como aceitaram, que os mesmos permanecessem no local onde se encontram.
Em segundo lugar, aquando da realização da diligência de restituição da posse, os Requerentes, estando presentes e acompanhados do seu Exmo. Mandatário, não suscitaram qualquer nulidade, irregularidade ou desconformidade quanto aos termos da restituição e investidura ou do próprio auto.
O que objetivamente consta do referido auto de restituição da posse é que os Requerentes foram investidos na posse do caminho de servidão, aceitaram tal investidura e declararam-se como investidos na posse do caminho de servidão no estado em que se encontrava. E tal como dele se fez constar, o auto foi lido aos Requerentes, que o acharam conforme, e assinado por estes, bem como por todos os demais intervenientes presentes («Para constar lavrei o presente auto que depois de lido e achado conforme vai ser assinado por todos os intervenientes presentes»).
Ora, caso existisse algum vício ou desconformidade a apontar ao ato de restituição e de investidura dos Requerentes na posse do caminho de servidão, cabia-lhes argui-lo de imediato no ato, assinalando o que, no seu entender, não traduzia a execução integral da decisão que decretou a providência cautelar.
Com efeito, dispõe o artigo 199º, nº 1, do CPC: «Quanto às outras nulidades, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar».
Nesta conformidade, terminada a elaboração do auto de restituição e assinado o mesmo pelos presentes, incluindo pelos Requerentes e o seu Exmo. Mandatário, por se ter esgotado o prazo para arguir qualquer nulidade, irregularidade ou desconformidade da restituição da posse e da respetiva investidura, ficou precludida a possibilidade de o fazerem posteriormente.
Em suma, tendo os Requerentes adotado a postura que acima se referiu quanto à permanência das duas árvores, aos 8 tubos e às 2 redes e verificando-se que foram investidos «na posse do caminho de servidão de passagem» e que declararam-se «como investidos na posse do caminho de servidão, no estado em que se encontra», sem arguir no ato a deficiente ou incompleta execução da decisão cautelar ou qualquer nulidade, irregularidade ou desconformidade tanto da restituição da posse como do respetivo auto, o objeto do processo esgotou-se e ficou precludida a possibilidade de voltarem atrás, requerendo, neste mesmo processo, a remoção da rede, dos tubos e das duas árvores.
Os processos não são intermináveis; têm um fim e este verificou-se quando os Requerentes, com os apontados condicionalismos, aceitaram e declararam-se investidos na posse do caminho de servidão.
Pelo exposto, por inexistir fundamento para acolher a pretensão dos ora Recorrentes, mantém-se a decisão recorrida.
***
III – Decisão
Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
Joaquim Boavida
Ana Cristina Duarte
Carla Maria da Silva de Sousa Oliveira
[1] Miguel Teixeira de Sousa, CPC Online (v. 4/2024), in Blog do IPPC, em anotação ao artigo 154º do CPC. [2]Código de Processo Civil Anotado, vol. V, (Reimp.), Coimbra Editora, pág. 140. [3]Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Coimbra Editora, págs. 670-672. [4] Ou seja, uma fundamentação disparatada ou absurda, sem qualquer relação com o que se discute, ou ininteligível, no sentido de que a generalidade das pessoas não a consegue compreender. [5]Código de Processo Civil Anotado, vol. V, p. 143. [6] Cf. também os Acórdãos do STJ de 07.07.1994 (relator Miranda Gusmão), BMJ nº 439, pág. 526 e de 22.06.1999, (Ferreira Ramos), CJ 1999 – II, pág. 161, da Relação de Lisboa de 10.02.2004(Ana Grácio), CJ 2004 – I, pág. 105, de 04.10.2007 (Fernanda Isabel Pereira), de 06.03.2012 (Ana Resende), proc. 6509/05, acessíveis em www.dgsi.pt. [7]Da Sentença Cível, pág. 41. [8] Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, vol. II, Almedina, 2015, p. 370. [9] Acórdão da Relação do Porto de 09.06.2011 (Filipe Caroço), proc. 5/11. [10] Acórdão do STJ de 30.04.2014 (Belo Morgado), proc. 319/10. [11]Ob. cit., em anotação ao art. 378º do CPC.