SEGURO DE VIDA
DECLARAÇÃO DO RISCO
OMISSÃO DE INFORMAÇÃO
NULIDADE DO CONTRATO
Sumário


1. Estando em causa um seguro do ramo Vida, a declaração do risco consiste na informação relativa ao estado de saúde da pessoa a segurar.
2. A lei impõe que quem está a negociar a realização de um contrato «deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte» (art. 227º CC).
3. A segurada que ao preencher o questionário sobre a sua saúde omite completamente referência às patologias de que sabia que sofria (hipertensão arterial, medicada com dois fármacos anti-hipertensores, e leiomioma no útero que lhe provocava hipermenorreia, controlado com progesterona), violou a sua obrigação contratual, numa questão fundamental dentro da economia do contrato, e actuou com dolo eventual, pelo que o contrato de seguro é anulável (arts. 24º ,1 e 25º,1 do DL n.º 72/2008 de 16/4.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
 
I. Relatório

AA e BB, residentes na Estrada ..., ..., ..., em ..., intentaram contra EMP01..., S.A., com sede na Rua ..., ..., Edifício ..., ..., ... ..., em ..., a presente acção declarativa de condenação, sob a forma comum, pedindo que se declare válido e eficaz o contrato de seguro do ramo vida, celebrado entre os Autores e a Ré, titulado pela apólice n.º ...44, e que se condene a Ré a reconhecer a validade do supramencionado contrato de seguro e, em consequência, a pagar aos Autores o capital seguro contratado, mediante a amortização do valor em dívida à entidade bancária beneficiária, à data da determinação da incapacidade permanente da Autora, o qual se cifrava em € 51.572,10, os juros de mora sobre o capital seguro, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento, e uma indemnização por danos não patrimoniais, no valor de € 5.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Para tal, alegou nos termos constantes de fls. 6-10, que aqui se dão por reproduzidos por uma questão de economia processual.
Regularmente citada, a Ré contestou, nos termos constantes de fls. 29-33, que aqui também se dão por reproduzidos.

Em sede de audiência prévia, foi proferido despacho saneador onde se fixou o valor da causa, se reconheceu a validade e a regularidade do processado, se identificou o objecto do litígio, se enunciaram os temas da prova, em moldes que não suscitaram reclamações das partes, bem como se admitiu a prova requerida pelas partes.

Designou-se dia para a audiência de discussão e julgamento, à qual veio a proceder-se com inteira observância de todo o formalismo legalmente previsto, como consta das respectivas actas.

A final foi proferida sentença, que julgou totalmente improcedente a acção e, em consequência, absolveu a Ré dos pedidos contra si formulados pelos Autores.

Inconformados com esta decisão, os autores dela interpuseram recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (arts. 644º,1,a, 645º,1,a, 647º,1 CPC).

Terminam com as seguintes conclusões:
1. Os recorrentes consideram que OS DOCUMENTOS CONSTANTES DOS AUTOS, as DECLARAÇÕES de PARTE da AUTORA e o DEPOIMENTO DAS TESTEMUNHAS ARROLADAS em sede de audiência de discussão e julgamento, impunham a prolação de decisão diversa da recorrida quanto aos factos dados como provados nos n.ºs 11, 18, 19, 20, 21, 22, 24, 25 e 26 não resultaram provados nos exactos termos constantes da sentença.
2. Quanto ao Facto Provado n.º 11, a testemunha CC explicou cabalmente que o questionário médico foi preenchido por terceiro representante da Ré seguradora e enviado, já preenchido, para a Autora, tendo a Autora sido questionada apenas se estava tudo igual ao que ela terá respondido que sim, cfr gravações do sistema Citius, por referência à Acta do dia 23/02/2024, ficheiro 459-22...._2024-02-23_14-12-16, minutos 04.00 a 05.50, 14.10 a 16.50 a 17.33, 31.28 a 48 e 459-22....__459-22...._2024-02-23_15-14-50.mp3, minutos 3.25 a 5.57.
3. Aliás, na fundamentação da douta sentença resulta que o Tribunal a quo reconhece isso mesmo, vide pág 7, 1.º parágrafo,, onde pode ler-se (…) tendo o questionário de saúde sido preenchido pelo agente da EMP01..., pessoa sua conhecida (…) bem como a constatação da resposta da Autora pelo que se impunha dar como provado que: O questionário de Saúde (…) foi preenchido por um representante da Ré, contactado por intermédio da funcionária bancária que geriu todo o processo de mútuo bancário, tendo a Autora sido questionada somente se estava tudo igual ao questionário preenchido para a seguradora EMP02..., ao que esta respondeu afirmativamente.”.
4. Por outro lado, não constam da fundamentação elementos probatórios que permitam dar como provado o facto n.º 18, pelo que, o Tribunal a quo só podia dar como demonstrado aquilo que consta do atestado multiusos junto pela Autora, uma incapacidade permanente global para o trabalho de 69%.
5. O douto Tribunal a quo, para concluir que à “À data da contratação do seguro, a Autora sofria de hipertensão arterial (…) e tinha um leiomioma (...)” (facto 19) ou “À data da contratação do seguro, a Autora apresentava patologia prévia (...) carecia de documento de diagnóstico médico com data anterior a 16/08/2019, tratando-se de facto médico que exige prova documental.
6. Sucede que, analisando todos os documentos médicos juntos aos autos por ambas as partes, não existe uma data para o diagnóstico de hipertensão arterial, a Ré não logrou demonstrar que a Autora sofria de patologia prévia na data da contratação do seguro, competindo-lhe o ónus da prova, pelo que não podia o Tribunal recorrido dar como provados os factos 19 e 21.
7. O douto Tribunal recorrido apenas podia dar como provado quanto à hipertensão da Autora, aquilo que consta dos documentos médicos juntos aos autos, a existência de antecedentes de hipertensão sem data de diagnóstico definida.
8. Analisando a prova, designadamente o testemunho de CC, já acima identificado, impunha-se também decisão diversa quanto ao facto 20, uma vez que esta testemunha esclarece o momento da contratação do seguro à Ré.
9. De acordo com o depoimento desta funcionária bancária, a Autora não respondeu negativamente às questões do questionário médico, limitou-se a dizer que a sua situação de saúde estava igual, à luz dos seus conhecimentos, considerou-se uma pessoa saudável, e assinou o formulário, tudo isto à distância, por telefone, sem qualquer esclarecimento ou informação por parte do agente da Ré.
10. O Tribunal não pode concluir que a Autora respondeu negativamente quando o formulário já vinha preenchido, apenas pode concluir que a Autora assinou o questionário dele constando respostas já preenchidas.
11. Já quanto ao facto 22, o mesmo não resultou provado nos exactos termos constantes da sentença, aliás, basta atentarmos na carta de resolução enviada pela Ré à Autora, doc. n.º 4 junto com a PI, e percebemos que a Ré nunca invocou uma patologia em concreto, diz-se na missiva “foi possível concluir que a pessoa segura tinha patologia prévia”.
12. Não há prova nos autos de que a patologia determinante para avaliar o risco seria o diagnóstico de hipertensão arterial como a douta sentença dá como provado, porque não foi isso que foi alegado nem atestado pelas testemunhas da Ré DD e EE, como resulta dos seus depoimentos, cfr gravação do sistema Citius, por referência à Acta do dia 23/02/2024, ficheiro 459-22....__459-22...._2024-02-23_11-49-49, minutos 5.36 a 6.49, 9.25 a 11.32 e ficheiro 459-22...._2024-02-23_11-02-25, minutos 38.40 a 40.50.
13. O mesmo se diga quanto ao facto provado 24, a existência de situação omissiva não constituiu um facto mas uma conclusão de comportamento, a existência de doença é que leva à análise do risco e dos termos contratuais.
14. Por último, o Tribunal recorrido não podia dar como provados os factos 25 e 26, já que, qualquer notificação da Autora para apresentar documentação ou ocorreria por escrito ou por telefonema gravado, porém a Ré não junta nenhum destes elementos de prova conforme é sua obrigação.
15. Tratando-se de prova documental, o depoimento das testemunhas é insuficiente para dar estes factos como provados, até porque nem a testemunha DD nem a testemunha EE, esclarecem as condições de tempo e modo em que tais informações fora solicitadas, vide gravações do sistema Citius, por referência à Acta do dia 23/02/2024, ficheiro 459-22....__459-22...._2024-02-23_11-49-49, minutos 12.25 a 14.00 e ficheiro 459-22...._2024-02-23_11-02-25, minutos 26.00 a 28.00.
16. Quanto aos Factos não Provados, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não tem elementos probatórios para decidir como fez, optando pela versão da Ré em detrimento da versão da Autora com base em juízos de valor e presunções.
17. O diagnóstico da existência de doença à data da contratação do seguro tem que ser demonstrado documentalmente, através de relatório ou perícia médica, no entanto não há nos autos qualquer documento que prove o diagnóstico de doença/patologia com data anterior à contratação do seguro.
18. O Tribunal recorrido não tem elementos probatórios que lhe permitam dar como provado um diagnóstico desta patologia antes da data de 16/08/2019 (data da celebração do contrato de seguro), pelo que teria que ser dado como provado o facto contrário a este, atendendo a que o ónus da prova impendia sobre a Ré.
19. Quanto ao segundo facto dado como não provado “A Autora à data da celebração do contrato de seguro cumpriu com todos os deveres de informação e comunicação que lhe foram exigidos, tendo informado a Ré com verdade e sem omitir nada” salvo o devido respeito, o Tribunal incorreu em erro de julgamento, descurando a especificidade do caso em concreto, designadamente o contexto da contratação que lhe foi retratado pela funcionária do Banco (testemunha CC).
20. A compreensão da desvalorização e desconhecimento demonstrados pela Autora, acaba por ser corroborada pela testemunha FF, médica que subscreveu o Atestado de Doença da Autora junto aos autos, ao desvalorizar a condição de patologia uterina da Autora, referindo que se trata de uma patologia feminina benigna muito comum, “é raro dar problemas”, “não alarmamos a utente”, “o risco é muito baixo”, “não há motivo para alarme”, cfr. gravação, acta do dia 11/03/2024, ficheiro 459-22...._2024-03-11_14-08-14, minutos 3.40 a 12.30 e 23.40 a 29.00
21. E de resto, resulta do Atestado de Doença emitido por esta médica, que a última citologia cervicovaginal realizada em 2010 estava normal, assim como a mamografia surge com micronódulos benignos e adenopatias sem carácter de suspeição.
22. Face a esta prova testemunhal e documental, a douta sentença tinha que dar como provado que: A Autora, à data da celebração do contrato de seguro, estava convicta que estava a cumprir com todos os deveres de informação e comunicação que lhe foram exigidos e se considerava saudável.
23. Salvo o devido respeito, este facto foi claramente incorrectamente julgado pois a testemunha FF não declarou nos moldes que resultam da fundamentação e que podemos ler no antepenúltimo parágrafo da página 7 da douta sentença, mas precisamente no sentido de desvalorizar a patologia conforme resulta da gravação do seu depoimento.
24. Procedendo-se à alteração da matéria de facto conforme se entende ser de Justiça face à prova produzida tinha que ser dada por procedente a presente acção, que não ficou demonstrado que a Autora padecia de patologia prévia a 16/08/2029, data da celebração do contrato de seguro, e como tal não houve omissão ou declaração inexacta relevante para a contratação.
25. Ainda que não se proceda à alteração da matéria de facto que determinará outra decisão de Direito, conforme entendem os Autores que será devido, salvo o devido respeito, sempre se entenderá que o tribunal a quo não podia ter aplicado o direito como fez encontrando-se a violar e a interpretar erradamente os artigos 3.º e 5.º do Regime das Clausulas Contratuais Gerais, os artigos 24.º, 25.º 26.º e 188.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro e o 342.º do Código Civil.
26. Ainda que provada a existência de patologia prévia, os factos têm que ser analisados no âmbito do contexto de negociação contratual do caso concreto à luz dos critérios de boa-fé e do dever de diligência e de informação que assistiam a ambas as partes.
27. A verdade é que no momento da contratação do seguro, tudo foi facilitado à Autora pela Ré, porém, no momento da assunção do sinistro, a Ré procurou eximir-se à sua responsabilidade agarrando-se a uma qualquer patologia prévia.
28. Não pode o Tribunal ad quem ignorar que a responsabilidade da declaração do risco inicial deve ser compartilhada entre o segurador e o tomador, já que a este não se exige que conheça os elementos indispensáveis à avaliação do risco, e no caso em apreço, o representante da Ré em nada colaborou para que a Autora percebesse quais a informações relevantes a declarar, sendo aliás a douta sentença omissa quanto a este dever de informação, previsto nos art. 3.º e 5 º RGCC, que impendia sobre a Ré.
29. Ainda que tenha assinado o questionário, a Autora só fica vinculada pelas respostas ao questionário se for dado como provado que a seguradora fez as perguntas para obter a informação que levava às respostas, não só essa prova não foi feita como não ficou provado que a Autora tinha conhecimento das questões e respostas colocadas no dito questionário para com isso conhecer dos elementos relevantes para a Ré na apreciação do risco.
30. No contexto factual provado em sentença, nunca pode considerar-se que a Autora possa ter omitido circunstâncias relevantes sobre o seu estado de saúde.
31. Sendo certo que, a informação respeitante à declaração inicial do risco que consta no questionário clínico consubstancia uma verdadeira cláusula contratual geral marcada pela pré-disposição e pela generalidade, à qual a Autora se limitou a aderir sem que a Ré cumprisse com os deveres de informação e comunicação previstos no DL 446/85, de 25 de Outubro e reforçados pelo art. 24.º n.º 4 do RJCS.
32. Ademais, a circunstância de as respostas não serem conformes com a realidade não implica por si só que a Autora tenha violado o seu dever de declaração do risco, omitindo circunstâncias relevantes, à luz do previsto no art. 24.º, n.º 1, do RJCS sempre seria preciso provar que a Autora tinha tais circunstâncias por significativas para a apreciação do risco pelo segurador, o que não ocorreu in casu.
33. Aliás, a matéria factual é claramente omissa quanto à prova da leitura do formulário pela Autora e quanto ao conhecimento e relevância das circunstâncias para a Autora.
34. A este título o expresso na fundamentação da sentença, páginas 9 e 10, é claramente insuficiente, não se sustenta em matéria de facto e parte do pressuposto, que também não dá como provado, de que a Autora leu e assinou o formulário com total conhecimento de que devia ter declarado aquelas patologias, quando tal também não ficou provado.
35. Atenta a matéria factual dada como provada, não é aplicável no caso sub iudice o regime legal previsto no artigo 25.º do RJCS.
36. Esta disposição regula as situações de «dolo-vício», o que exige que da matéria factual constassem factos provados quanto à intenção ou consciência da Autora induzir em erro a Ré, quanto à sua vontade e consciência de mentir ou omitir, independentemente de qualquer propósito, o que não ocorre e aliás nem é alegado pela Ré.
37. Pelo contrário, aquilo que resultou provado, vide Facto Provado 14, é que a Autora considerou incompreensível e injustificado o comportamento da Ré até por colocar em causa a sua idoneidade moral, o que contraria uma consciência dolosa na sua actuação.
38. Acresce que, esta disposição legal ao regular um caso de «dolo-vício», tem como consequência a necessidade da verificação da dupla causalidade exigida nos artigos 253.º e 254.º do Código Civil, o que, no caso sub judice, face à factualidade dada como provada e não provada, não é possível concluir.
39. Cabia à Ré provar que as omissões cometidas pela autora tinham como único intuito facilitar a contratação do seguro e a obtenção, por esta, das melhores condições, o que não logrou fazer, daí resultando que não se pode qualificar como doloso o comportamento da Autora.
40. Neste sentido, vide Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 12-03-2015 e 04-11-2021, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15-11-2018, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-03-2021.
41. O quadro factual enunciado na douta sentença afasta a conclusão de que a Autora sequer tenha agido dolosamente, menos ainda com o intuito de possibilitar ou sequer facilitar a contratação do seguro e nas melhores condições, quando conduz à aplicação do regime previsto para a negligência no art. 26º do RJCS, mais concretamente no seu nº 4, alínea a).
42. Sendo certo que, tendo a Autora agido de forma negligente, a Ré já não podia prevalecer-se das omissões ou declarações inexactas em virtude de à data da comunicação da resolução (13/09/2021) estarem já volvidos dois anos desde a contratação do seguro que ocorreu a 16/08/2019.

A ré não apresentou contra-alegações.

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, as questões a decidir consistem em saber:

a) Se ocorreu erro no julgamento da matéria de facto
b) Se havia fundamentos para a Seguradora anular o contrato de seguro

III
A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:
1. No dia 16.08.2019, os Autores contrataram com a Ré um seguro de vida, titulado pela apólice n.º ...44, junta a fls. 11-17 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
2. Tal contratualização foi feita no âmbito de um mútuo bancário, na modalidade Vida-Crédito habitação, sendo seu beneficiário irrevogável o Banco 1..., S.A..
3. Mediante o referido seguro contratualizado a Ré obrigou-se a garantir o pagamento de indemnização em consequência de morte, invalidez ou incapacidade temporária dos Autores à referida instituição bancária até ao montante em dívida, recebendo em contrapartida o pagamento do competente prémio mensal.
4. Em Janeiro de 2020, foi detectada na Autora a existência de um tumor no peito direito.
5. Na sequência, a 03.03.2020 a Autora foi submetida a uma biópsia ao tumor que veio a revelar a existência de cancro da mama.
6. A Autora foi encaminhada para tratamento, tendo feito sessões de radioterapia e tratamento hormonal.
7. Na sequência da doença oncológica que lhe foi diagnosticada em Abril de 2020 a Autora ficou incapacitada permanentemente para o trabalho, tendo deixado de exercer a sua actividade profissional.
8. A 26.05.2021, em sede de Junta Médica, foi atribuída à Autora uma incapacidade permanente e definitiva de 69%, conforme atestado médico de incapacidade multiuso que se encontra junto a fls. 18 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
9. Perante tal circunstância, a Autora accionou o contrato de seguro junto da Ré para pagamento da indemnização devida em função do que foi contratualizado, tendo enviado a documentação essencial solicitada.
10. Em resposta, por carta datada de 13.09.2021, que se encontra junta a fls. 20 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, a Ré comunicou à Autora a anulabilidade do contrato celebrado por omissão do dever inicial de risco, não tendo assumido o pagamento de qualquer indemnização, por entender que aquela possuía patologia prévia à data da contratação da apólice.
11. O «Questionário de Saúde», que se encontra junto a fls. 38/39 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, foi preenchido por intermédio da funcionária bancária que geriu todo o processo de celebração do mútuo bancário, tendo-lhe a Autora dito que não havia quaisquer problemas de saúde.
12. A Ré resolveu o contrato de seguro, incluindo em relação ao Autor.
13. Os Autores deixaram de ter contrato de seguro associado ao seu crédito bancário, o que lhes provocou apreensão e receio em relação ao futuro, face à falta de cobertura dos riscos morte e invalidez e a incapacidade da Autora para trabalhar.
14. A Autora, já fragilizada pela doença, ficou ainda mais fragilizada a nível emocional com o comportamento da Ré, por considerar incompreensível e injustificado e colocar até em causa a sua idoneidade moral.
15. Em 26.05.2021, data da fixação da incapacidade da Autora, o montante em dívida ao Banco 1..., S.A. cifrava-se em € 51.572,10.
16. Não obstante a resolução contratual perpetrada pela Ré, os Autores continuaram a pagar o prémio de seguro associado à prestação bancária, sendo que a Ré veio a restituir-lhes todos os montantes pagos a esse título com reporte à data da resolução contratual.
17. A cláusula CX 201 das condições particulares da Apólice exige 66% de incapacidade para a cobertura da invalidez definitiva para a profissão.
18. Além do cancro da mama, na fixação à Autora da incapacidade em 69% a Junta Médica teve ainda em consideração outras patologias.
19. À data da contratação do seguro, a Autora sofria de hipertensão arterial medicada com fármacos anti-hipertensores, a saber Amiloride e Candesartan, e tinha um leiomioma no útero que lhe provocava hipermenorreia, sendo controlada com progesterona.
20. Ao responder negativamente a todas as questões do formulário/questionário de saúde referido em 11., a Autora omitiu à Ré a existência de patologias.
21. À data da contratação do seguro, a Autora apresentava patologia prévia que omitiu à Ré e que a colocaria no plano de omissão de declaração inicial do risco.
22. Se a Ré tivesse conhecimento, à data da subscrição da apólice, de tal situação omissiva, designadamente o diagnóstico de hipertensão arterial, a contratação não se teria concretizado como se concretizou, automaticamente, uma vez que a apólice teria ficado retida para análise pela Área de Subscrição da Ré.
23. Para tal careceria a Ré de solicitar adicionalmente relatórios médicos com vista à avaliação da situação da Autora e do risco de contratar.
24. A Ré, caso soubesse de tal situação omissiva, não teria contratado nas mesmas condições em que contratou, ficando sempre o seguro, nesse caso, sujeito a uma causa de exclusão ou a um agravamento do prémio de seguro.
25. Na sequência da participação do sinistro, porque tivesse entendido não ser suficiente a que foi apresentada, a Ré solicitou à Autora documentação complementar, como Relatório do Médico de Família ou do Médico Assistente, indicando historial clínico completo anterior a 2019, com descrição de todas as patologias e data dos respectivos diagnósticos.
26. A Ré nunca chegou a receber a informação complementar solicitada.

B. Factos não provados

Nenhum dos restantes factos alegados com relevância para a decisão da causa resultou provado, nomeadamente que:
-à data da celebração do contrato de seguro não padecia de patologia prévia nem omitiu qualquer informação;
-a Autora à data da celebração do contrato de seguro cumpriu com todos os deveres de informação e comunicação que lhe foram exigidos, tendo informado a Ré com verdade e sem omitir nada;
-actualmente, o montante em dívida à entidade bancária é de € 51,199,79.

IV
Conhecendo do recurso.
Começa a recorrente por querer impugnar a decisão sobre matéria de facto.
Como é sabido, há regras apertadas para poder impugnar a decisão sobre matéria de facto.

Ora, constam do art. 640º CPC os requisitos formais de admissibilidade do recurso sobre matéria de facto. Como escreve Abrantes Geraldes (Recursos, 2017, fls. 158):
“a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em algumas das seguintes situações:
a) falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, nº 4 e 641º, nº 2, al. b);
b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (art. 640º, nº 1, al. a);
c) falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (vg. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc);
d) falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”.
Os recorrentes cumpriram o ónus imposto pela lei, pelo que, sem mais, vamos analisar esta parte do recurso.
O art. 607º,4 CPC estabelece que “na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”.
E o nº 5 acrescenta que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
Em anotação a este artigo, escreve Lebre de Freitas (CPC anotado, 3ª edição): “o princípio da livre apreciação da prova situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração (ver o nº 2 da anotação ao art. 604º): é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção de que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas da experiência aplicáveis”.
De seguida o mesmo autor faz uma breve nótula sobre a evolução histórica do princípio da livre apreciação.
Seguidamente acrescenta que estão sujeitas à livre apreciação do julgador a prova testemunhal (art. 396º CC), a prova por inspecção (art. 391º CC), a prova pericial (art. 389º CC), e a prova por declarações de parte (…)”.
Ora, na fundamentação de qualquer decisão sobre matéria de facto assume papel essencial a análise crítica das várias provas produzidas. Não basta elencar os meios de prova produzidos, porque na esmagadora maioria das vezes eles não são coincidentes, antes são claramente divergentes. E ainda menos basta indicar apenas excertos da prova, os que são ou parecem favoráveis ao recorrente. E para que se perceba por que razão o Tribunal decidiu considerar provados uns factos e não provados outros, tendo havido prova contraditória, é essencial que essa análise crítica seja feita.
Dito isto, vamos então apreciar os vários factos cujo julgamento é contestado.

Primeiro, o facto provado 11: “o «Questionário de Saúde», que se encontra junto a fls. 38/39 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, foi preenchido por intermédio da funcionária bancária que geriu todo o processo de celebração do mútuo bancário, tendo a Autora lhe dito que não havia quaisquer problemas de saúde”.
A recorrente pretende que passe a ficar como provado que: “O questionário de Saúde (…) foi preenchido por um representante da Ré, contactado por intermédio da funcionária bancária que geriu todo o processo de mútuo bancário, tendo a Autora sido questionada somente se estava tudo igual ao questionário preenchido para a seguradora EMP02..., ao que esta respondeu afirmativamente”.
Convenhamos que a primeira alteração que os recorrentes pretendem não é relevante: ficar escrito que o questionário foi preenchido por intermédio da funcionária bancária que geriu todo o processo de celebração do mútuo bancário, ou ficar escrito que foi preenchido por um representante da Ré, contactado por intermédio da funcionária bancária que geriu todo o processo de mútuo bancário, é exactamente o mesmo do ponto de visto do significado jurídico da afirmação, pelo que não se justifica qualquer alteração.
O que se passa é que a realidade é sempre mais rica e complexa do que aquilo que é previsto pelos Juristas nas leis. O ideal para ambas as partes e para este Tribunal seria que o questionário tivesse sido apresentado directamente, em mão, aos autores, eles o tivessem lido com atenção, colocado as cruzinhas nos sítios onde bem entendessem, assinado, e tivessem devolvido o mesmo aos serviços da ré. Tudo seria claro e evidente.
Ao invés disso, o que se passou, e foi relatado pela testemunha CC, que trabalha no Banco 1..., é que os autores tinham um crédito anterior junto da Banco 2..., e quiseram transferir o mesmo para o Banco 1..., sendo que ela os ajudou em todo esse processo. Com essa transferência foi feito um seguro na EMP02.... Ela fez as perguntas todas do questionário aos autores, pensa que foi em 2018. E os autores assinaram o questionário, sendo que eram os dois saudáveis, não foi indicado nenhum problema de saúde. Agora, para fazer o seguro com a EMP01..., limitou-se a questionar os autores se tinha havido alguma alteração em relação ao questionário clínico que tinha sido apresentado por eles da primeira vez, e eles disseram que não havia. Por outras palavras, perguntou-lhes se continuavam saudáveis, e responderam sim. Perguntada como obteve o impresso do questionário em causa, respondeu que foi através de um amigo de um amigo seu, que trabalha na EMP01.... Ela enviou a esse amigo a informação necessária, sobre a identificação dos autores e situação de saúde, e dele recebeu o impresso já preenchido, que enviou por email aos autores para assinarem, o que eles fizeram.
Daqui se vê que a segunda alteração que os recorrentes pretendem também não pode ser acolhida, porque deixaria a matéria de facto incompleta, ficando por explicar o que tinha sido declarado no formulário apresentado à EMP02.... A formulação dada pelo Tribunal faz a síntese do que foi dito, mas respeitando o que foi declarado pela testemunha. Donde, deve manter-se o facto 11 tal como está.

Vejamos agora o facto provado 18: “Além do cancro da mama, na fixação à Autora da incapacidade em 69% a Junta Médica teve ainda em consideração outras patologias”.
Os recorrentes alegam que não constam da fundamentação elementos probatórios que permitam dar como provado este facto, pelo que, o Tribunal a quo só podia dar como demonstrado aquilo que consta do atestado multiusos junto pela Autora, uma incapacidade permanente global para o trabalho de 69%.
Só por lapso se pode entender esta pretensão dos recorrentes. Lendo o atestado multiuso junto aos autos, vê-se que o coeficiente de desvalorização obtido está explicado por referências aos Capítulos XVI-IV, VI e III do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, sendo que só o primeiro se refere a oncologia, ao qual foi associada uma desvalorização de 0,6000. Aos outros dois capítulos foram associadas desvalorizações de 0,0600 e 0,0340. Daí ser inteiramente certa a decisão do Tribunal de dar como provado o facto 18.

Factos provados 19 e 21:

19. “À data da contratação do seguro, a Autora sofria de hipertensão arterial medicada com fármacos anti-hipertensores, a saber Amiloride e Candesartan, e tinha um leiomioma no útero que lhe provocava hipermenorreia, sendo controlada com progesterona”.
21. “À data da contratação do seguro, a Autora apresentava patologia prévia que omitiu à Ré e que a colocaria no plano de omissão de declaração inicial do risco”.
Os recorrentes afirmam que para concluir que à “À data da contratação do seguro, a Autora sofria de hipertensão arterial (…) e tinha um leiomioma (...)” (facto 19) ou “à data da contratação do seguro, a Autora apresentava patologia prévia (...), o Tribunal carecia de documento de diagnóstico médico com data anterior a 16/08/2019, tratando-se de facto médico que exige prova documental. Sucede que, analisando todos os documentos médicos juntos aos autos por ambas as partes, não existe uma data para o diagnóstico de hipertensão arterial, a Ré não logrou demonstrar que a Autora sofria de patologia prévia na data da contratação do seguro, competindo-lhe o ónus da prova, pelo que não podia o Tribunal recorrido dar como provados os factos 19 e 21. Apenas podia dar como provado quanto à hipertensão da Autora, aquilo que consta dos documentos médicos juntos aos autos, a existência de antecedentes de hipertensão sem data de diagnóstico definida”.
Mas também aqui não assiste razão aos recorrentes.
Desde logo foram eles que juntaram aos autos em 7.9.2022 o atestado de doença subscrito pela médica Dra. FF, do qual se retira que a autora “tem os seguintes antecedentes pessoais conhecidos: hipertensão arterial, carcinoma da mama, depressão, cesariana; foi avaliada em consulta no Centro de Saúde em 30.7.2019 por menometrorragias. Realizou ecografia ginecológica em 29.7.19 (útero aumentado com miomatose intersticial difusa; micromiomas no corpo uterino) (…).
Juntaram igualmente documento subscrito pelo Dr. GG, escrito em língua inglesa, do qual se retira que a autora tem 47 anos e sofre de hipertensão controlada com Amiloride, Candesartan e Omeprazol. Tem ainda menorragia controlada com progesterona e historial de leiomioma no útero.
A testemunha Dr. EE, médico, que trabalha para a ré, ajudou a interpretar esta documentação toda, e fê-lo de maneira que mereceu total credibilidade. Explicou que de acordo com a documentação que lhe chegou a segurada em Agosto de 2019 era saudável, mas afinal já tinha sido operada, tinha hipertensão medicada, problemas no útero, etc, etc, etc. Ele pediu informação complementar ao médico assistente, que não chegou. Concluiu que em Agosto de 2019 não foram dadas as informações que deveriam ser dadas. A hipertensão é um assunto muito importante e que consta do questionário. Mais explicou que se em Janeiro de 2020 a autora já estava a tomar dois medicamentos para a hipertensão, então é porque esse problema já existia há mais de 6 meses.
Também as declarações prestadas pelos Autores ao abrigo do disposto no artigo 466º,3 CPC foram relevantes, como explica o Tribunal recorrido. A autora admitiu que não informou a seguradora de que tomava medicação para a hipertensão porque “não achou importante”, acrescentando que “nunca se considerou hipertensa”, mas que “tomava dois comprimidos por causa disso”.
Também o autor confirmou os problemas de hipertensão que a sua esposa tinha.
Ora, com base nesta prova, bem andou o Tribunal em dar como provados estes factos 19 e 21. O ponto 19 contém a identificação das patologias prévias à celebração do seguro que afligiam a autora, e o 21 é uma conclusão que daí se retira. Que a autora omitiu essas patologias à Ré é igualmente incontroverso, atento o que já dissemos, e aquilo que o Tribunal recorrido explicou na motivação.

O que nos leva ao facto provado 20.
“20. Ao responder negativamente a todas as questões do formulário/questionário de saúde referido em 11., a Autora omitiu à Ré a existência de patologias”.
Os recorrentes afirmam que “analisando a prova, designadamente o testemunho de CC, já acima identificado, impunha-se também decisão diversa quanto ao facto 20, uma vez que esta testemunha esclarece o momento da contratação do seguro à Ré. De acordo com o depoimento desta funcionária bancária, a Autora não respondeu negativamente às questões do questionário médico, limitou-se a dizer que a sua situação de saúde estava igual, à luz dos seus conhecimentos, considerou-se uma pessoa saudável, e assinou o formulário, tudo isto à distância, por telefone, sem qualquer esclarecimento ou informação por parte do agente da Ré. O Tribunal não pode concluir que a Autora respondeu negativamente quando o formulário já vinha preenchido, apenas pode concluir que a Autora assinou o questionário dele constando respostas já preenchidas”.
Ora, quer a primeira instância quer esta Relação têm muito presente o depoimento desta testemunha CC. Simplesmente, o uso de um intermediário, que conhece um amigo de um amigo, que trabalha na seguradora, não pode nunca desresponsabilizar o segurado quanto ao conteúdo do questionário de saúde, até pela simples razão que teve oportunidade de o ler, e que o assinou. Independentemente da forma como o papel lhe chegou às mãos, se já totalmente preenchido (como foi o caso), se parcialmente preenchido ou em branco, o que é incontornável é que os segurados lêem e assinam o documento em causa. Essa assinatura serve para alguma coisa, não é um mero rabisco inconsequente. Tem efeitos jurídicos que nenhum adulto na posse das suas faculdades pode ignorar. É esse justamente o caso destes autos. Os autores assinaram esse questionário, e por isso responsabilizaram-se pela validade da informação nele contida acerca da sua saúde, que foi transmitida à contraparte.
Daí que o facto provado 20 esteja inteiramente correcto. A autora omitiu à seguradora algumas das patologias que já sabia que tinha.

Facto provado 22
“22. Se a Ré tivesse conhecimento, à data da subscrição da apólice, de tal situação omissiva, designadamente o diagnóstico de hipertensão arterial, a contratação não se teria concretizado como se concretizou, automaticamente, uma vez que a apólice teria ficado retida para análise pela Área de Subscrição da Ré”.
Os recorrentes dizem que este facto não resultou provado nos exactos termos constantes da sentença, aliás, basta atentarmos na carta de resolução enviada pela Ré à Autora, doc. n.º 4 junto com a PI, e percebemos que a Ré nunca invocou uma patologia em concreto, diz-se na missiva “foi possível concluir que a pessoa segura tinha patologia prévia”. E acrescentam que não há prova nos autos de que a patologia determinante para avaliar o risco seria o diagnóstico de hipertensão arterial como a douta sentença dá como provado, porque não foi isso que foi alegado nem atestado pelas testemunhas da Ré DD e EE, como resulta dos seus depoimentos.
Também aqui não podemos dar razão aos recorrentes.
Primeiro porque o que o Tribunal deu como provado foi exactamente o que emergiu dos depoimentos de EE e DD. O Tribunal recorrido explicou muito bem esta parte. A primeira dessas testemunhas, médico que presta serviços à Ré há 30 anos, “explicou com absoluta clareza e com recurso aos seus conhecimentos técnicos e profissionais a importância do questionário de saúde e a necessidade de o seu preenchimento ser “com certeza e correcção”, para efeitos de fixação do valor do prémio (podendo haver sobreprémios ou inclusão de cláusulas de exclusão nos casos de invalidez), porquanto a informação sobre a existência de problemas de saúde determina a realização de exames médicos e a recolha de dados sobre a história clínica – exemplificou mesmo que “se houver diagnóstico de carcinoma, dependendo de há quanto tempo foi diagnosticado, há uma grande percentagem de alterações genéticas que degeneram em cancro, devendo fazer-se análises genéticas para aferir de existe alguma predisposição”; e também concretizou que a falta de informação da situação clínica da Autora à data da subscrição do seguro foi determinante das condições de seguro contratualizadas, ao ponto de se essa informação tivesse sido previamente fornecida, teria o processo de ser encaminhado para a testemunha que valorizaria, como valoriza, a existência de hipertensão com toma de medicação (porque há “risco de doença cardiovascular”; explicou que “se em 2020 já fazia esses dois medicamentos para a hipertensão arterial, pelo menos há mais de seis meses que o fazia”, “com dois anti-hipertensores!”, segundo exclamou com veemência), menorragias e leiomioma uterino (porque é um “tumor em princípio benigno do músculo do útero” que se traduz em “grandes perdas de sangue nos períodos menstruais”, podendo “provocar anemias”, donde a necessidade de fazer um “estudo da hemoglobina”, e até “levar a ter de retirar o útero”), pedindo relatórios clínicos sobre os quais seria feita uma análise sobre as condições de seguro que, no caso concreto, não seriam seguramente as mesmas; mais, a testemunha explicou que teoricamente o cancro da mama pode ter relação com os problemas uterinos da Autora por causa do aumento de esteróides com o uso da terapia com progesterona, aumentando o risco, indo até mais longe referindo que “a proximidade temporal entre o diagnóstico do cancro da mama e a data da subscrição do seguro” legitima que se conjecture que “poderia já haver patologia nessa data”, sendo na altura “preciso saber como é que se chegou ao diagnóstico, por exemplo, a existência de um nódulo antigo”; por fim, a testemunha referiu que solicitou documentação complementar que não foi apresentada”. O essencial deste depoimento foi corroborado pela testemunha DD.
E segundo, porque o que ficou provado corresponde àquilo que a prática judiciária e o senso comum nos dizem. As companhias de seguros negociam com base em riscos, e em probabilidades. Num seguro de saúde, as patologias que ficaram descritas são importantes ou mesmo essenciais para a seguradora decidir se contrata, e os termos em que contrata. Foi exactamente isso que ficou escrito neste facto: perante as doenças ou problemas que a autora já tinha à data em que subscreveu o seguro, caso elas tivessem sido comunicadas à seguradora, o processo teria sido apresentado a um médico da companhia, para ponderação. Tudo isto é por demais óbvio.

Facto provado 24:
24. A Ré, caso soubesse de tal situação omissiva, não teria contratado nas mesmas condições em que contratou, ficando sempre o seguro, nesse caso, sujeito a uma causa de exclusão ou a um agravamento do prémio de seguro”.
Pelas mesmas razões já adiantadas supra, este facto deve manter-se tal como está.
Os recorrentes pensam que a existência de situação omissiva não constituiu um facto mas uma conclusão de comportamento, a existência de doença é que leva à análise do risco e dos termos contratuais.
Salvo o devido respeito, é justamente o oposto. Passando por cima da expressão “tal situação omissiva”, o que resulta do facto 24 sem margem para qualquer dúvida é que se a ré soubesse dos problemas de saúde da autora descritos em 19, teria exigido um prémio mais elevado ou teria incluído no contrato cláusulas de exclusão associadas a esses específicos problemas. Pela razão óbvia que, de acordo com os conhecimentos actuais da medicina, nessa matéria o risco de ocorrência de um “sinistro” era já altíssimo, quase deixando de ser risco para passar a ser certeza. Se um cliente se apresentar perante uma seguradora a querer fazer um seguro de saúde e indicando ser portador de uma determinada doença, é garantido que a seguradora, no mínimo, incluirá no contrato uma cláusula a excluir da cobertura não só essa doença como também as que lhe podem estar associadas. E porquê ? Porque aí a seguradora sabe que estará a obrigar-se a indemnizar o segurado por um evento que com toda a probabilidade irá mesmo ocorrer.
Também este facto 24, ligado umbilicalmente aos anteriores, não denota qualquer erro de julgamento pelo que se deve manter.

Factos provados 25 e 26
“25. Na sequência da participação do sinistro, porque tivesse entendido não ser suficiente a que foi apresentada, a Ré solicitou à Autora documentação complementar, como Relatório do Médico de Família ou do Médico Assistente, indicando historial clínico completo anterior a 2019, com descrição de todas as patologias e data dos respectivos diagnósticos.
26. A Ré nunca chegou a receber a informação complementar solicitada”.

Os recorrentes afirmam que o Tribunal recorrido não podia dar como provados estes dois factos, já que, qualquer notificação da Autora para apresentar documentação ou ocorreria por escrito ou por telefonema gravado, porém a Ré não junta nenhum destes elementos de prova conforme é sua obrigação. Tratando-se de prova documental, o depoimento das testemunhas é insuficiente para dar estes factos como provados, até porque nem a testemunha DD nem a testemunha EE, esclarecem as condições de tempo e modo em que tais informações foram solicitadas.
Porém, consideramos que também aqui não lhe assiste razão.
Como a sentença explicou, na motivação, a testemunha EE (Médico de Cirurgia Plástica e Construtiva que presta serviços à Ré há 30 anos) … “também concretizou que a falta de informação da situação clínica da Autora à data da subscrição do seguro foi determinante das condições de seguro contratualizadas, ao ponto de se essa informação tivesse sido previamente fornecida, teria o processo de ser encaminhado para a testemunha que valorizaria, como valoriza, a existência de hipertensão com toma de medicação (porque há “risco de doença cardiovascular”;
Disse ainda que solicitou documentação complementar que não foi apresentada.
E, com efeito, ouvido o depoimento desta testemunha, podemos acrescentar que ela declarou ainda que pediu várias vezes a documentação clínica necessária, recebeu apenas uma parte, que lhe permitiu ver que em Agosto de 2019 a autora já tinha sido operada, tinha hipertensão medicada, problemas no útero, etc. Mandou pedir informação complementar ao médico assistente, e “até hoje não chegou”. E confirmou mais de uma vez que pediu essas informações, que não chegaram. Resta dizer que mereceu total credibilidade, pela forma como falou, não havendo o menor indício de estar a faltar à verdade. E não podemos aceitar a tese dos recorrentes de que tais factos tinham de ser provados por documento. Se tivesse sido apresentado algum documento, então só a junção dele aos autos faria prova da sua existência. Mas quando o que está em causa é a afirmação de que foram pedidos os documentos mas não foram juntos, a prova testemunhal é suficiente.

Factos não provados

Os recorrentes não concordam que o Tribunal tenha considerado como não provado que:
-“à data da celebração do contrato de seguro não padecia de patologia prévia nem omitiu qualquer informação”; e
-“a Autora à data da celebração do contrato de seguro cumpriu com todos os deveres de informação e comunicação que lhe foram exigidos, tendo informado a Ré com verdade e sem omitir nada”;

Sucede que aqui, porque estamos perante a versão oposta àquela que emergiu provada, sob pena de contradição insanável, outra não podia ser a decisão. E logo, a justificação é a que ficou exposta supra, não havendo mais nada a acrescentar.
E assim, a matéria de facto provada mantém-se tal como a primeira instância a fixou.

Aplicação do direito
Mesmo com a matéria de facto provada, entendem os recorrentes que “o tribunal a quo não podia ter aplicado o direito como fez encontrando-se a violar e a interpretar erradamente os artigos 3.º e 5.º do Regime das Clausulas Contratuais Gerais, os artigos 24.º, 25.º 26.º e 188.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro e o 342.º do Código Civil”. E ainda acrescentam que “atenta a matéria factual dada como provada, não é aplicável no caso sub iudice o regime legal previsto no artigo 25.º do RJCS”.

Vamos então ver qual foi a subsunção jurídica feita pelo Tribunal recorrido, para depois analisar se foi cometido algum erro.
Estamos perante um contrato de seguro do ramo vida.
Trata-se de um contrato a favor de terceiro, tendo como tomador/promissário a Autora, como promitente a Ré Seguradora e como beneficiário o Banco mutuante. A solução irá emergir do regime previsto nos artigos 25º e 26º do DL 72/2008, de 16.04.
O Tribunal considerou que a segurada Autora não só omitiu a sua história clínica na vertente das doenças e/ou patologias que lhe tinham sido diagnosticadas e para as quais estava a ser medicada, como está completamente fora de hipótese que não conhecesse tais patologias.
Que é o mesmo que dizer que a Autora faltou à verdade e desprezou as advertências constantes do Questionário que assinou, levando a Ré à elaboração de um contrato ferido na sua formação, porque realizado sem o conhecimento de todos os elementos de facto relevantes no sentido da formação da vontade.
Convenhamos que a omissão das patologias existentes na pessoa da Autora e até dos tratamentos da mesma, independentemente da sua gravidade, tem necessariamente de influir na elaboração de um contrato, do ramo vida. Por essa razão a Ré tomou a posição de fazer cessar o contrato, considerando-o anulável por omissão do dever inicial do risco, o que implica que a tenha considerado dolosa – caso em que “[o] segurador tem direito ao prémio devido até ao final do prazo referido no n.º 2(cfr. artigo 25.º, n.ºs 1 e 4, do R.J.C.S.) –, tendo logrado demonstrar que não teria celebrado o contrato que celebrou se tivesse conhecido os factos omitidos (vide ponto 21. dos factos provados), pese embora tenha procedido à devolução dos prémios pagos (vide ponto 16. dos factos provados), apenas prevista nos termos do disposto no artigo 26.º, n.º 4, alínea b), do R.J.C.S. (como vimos, quanto às omissões negligentes exige-se o nexo de causalidade entre a patologia omitida e o sinistro).
Considerou ainda a sentença que, demonstrando-se que a Autora, à data da contratação do seguro, sabia que padecia de hipertensão arterial, para a qual era medicada, e tinha um leiomioma no útero que lhe provocava hipermenorreia, sendo controlada com progesterona, ao responder negativamente a todas as questões do «Questionário de Saúde», actuou conscientemente e livre e esclarecida na sua vontade, sobrepondo o seu interesse e dessa forma determinando a decisão de contratar por parte da Ré: é que se esta tivesse conhecimento, à data da subscrição da apólice, de tal situação omissiva, designadamente o diagnóstico de hipertensão arterial, a contratação não se teria concretizado como se concretizou, automaticamente, uma vez que a apólice teria ficado retida para análise pela Área de Subscrição da Ré e, muito provavelmente, não teria contratado nas mesmas condições em que contratou, ficando sempre o seguro, nesse caso, sujeito a uma causa de exclusão ou a um agravamento do prémio de seguro.
Daí, a autora actuou com dolo, nem que seja sob a forma de dolo eventual, porquanto, ainda que não tivesse directamente querido ‘enganar’ a Ré com a omissão das patologias de que padecia e que se encontravam identificadas no questionário nem previsto necessariamente que a sua conduta a colocasse no plano de omissão de declaração inicial do risco, aceitou a eventualidade de as patologias omitidas poderem vir a ser conhecidas pela Ré e serem relevantes em caso de ocorrência de sinistro, associado ou não àquelas.
Como tal, a sentença recorrida considerou que se encontram verificadas as condições de facto e de direito que conduzem à anulação do contrato de seguro em causa, tal qual vem prevista no artigo 25.º do R.J.C.S., que foi perpetrada pela Ré e que a desonera de qualquer responsabilidade no que respeita ao pagamento do crédito ao beneficiário irrevogável.
Onde está o erro neste raciocínio ?
A resposta é: não está.

Vejamos porquê.
Ao contrato de seguro ora em causa é aplicável o regime do DL n.º 72/2008, de 16/04, que aprovou o novo Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS).
A lei impõe que quem está a negociar a realização de um contrato «deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte» (art. 227º CC).
Dispõe também o art. 24º ,1 do DL n.º 72/08 que: "o tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador”. E de acordo com o art. 25º,1 do mesmo Diploma, em caso de incumprimento doloso do dever referido no nº 1 do artigo anterior, o contrato é anulável mediante declaração enviada pelo segurador ao tomador do seguro.
A posição da Seguradora é a de que, tendo a autora, aquando da celebração do contrato de seguro, prestado falsas declarações, o contrato de seguro é anulável.
Recuando um pouco no tempo, temos que já no art. 29º do Código Comercial era cominada a sanção da invalidade do contrato de seguro para os casos de erro como vício de vontade -declarações falsas ou omissões relevantes-, incidindo sobre a própria formação do contrato, na medida em que impediam a formação da vontade real da seguradora, uma vez que tal formação se baseia em factos ou circunstâncias ignoradas (que lhe foram omitidos ou escondidos).
Estando em causa um seguro do ramo Vida, a declaração do risco consistirá fundamentalmente na informação relativa ao estado de saúde da pessoa a segurar. Para esse efeito, as seguradoras usam um questionário, o qual funciona como uma das formas de declaração inicial do risco pelo candidato tomador do seguro que tem por objectivo a ponderação por parte da seguradora dos riscos a correr com a celebração do contrato que lhe é proposto (cfr. Acórdão do TRL de 12.7.2018 - Manuel Marques).
No caso destes autos, já vimos que o questionário de saúde que a autora assinou e forneceu à ré seguradora omite completamente referência às patologias de que a autora sabia que sofria: hipertensão arterial, medicada com dois fármacos anti-hipertensores, e tinha um leiomioma no útero que lhe provocava hipermenorreia, sendo controlado com progesterona.
Ou seja, à data da contratação do seguro, a Autora apresentava patologias prévias que omitiu à Ré.
Se a ré tivesse conhecimento, à data da subscrição da apólice, de tal situação omissiva, designadamente o diagnóstico de hipertensão arterial, a contratação não se teria concretizado como se concretizou, automaticamente, uma vez que a apólice teria ficado retida para análise pela Área de Subscrição da Ré, e o seguro não teria sido contratado nas mesmas condições, ficando sempre sujeito a uma causa de exclusão ou a um agravamento do prémio de seguro. O que, diga-se de passagem, é mais que óbvio. Ao celebrar o contrato de seguro de saúde, a seguradora obriga-se, mediante o recebimento de uma prestação mensal, a assumir o risco de ocorrência de uma doença ou incapacidade, pagando a quantia contratualizada. A informação o mais exacta possível sobre o estado de saúde do segurado à data da contratação é absolutamente fundamental para que a seguradora possa calcular o risco que está a aceitar. Se o segurado já sofre à data da contratação do seguro, de determinadas patologias, podemos ter como garantido que o risco de ocorrência do sinistro aumenta consideravelmente, e por vezes, podendo mesmo passar a ser uma certeza, apenas não se sabendo o quando. Daí que até a boa-fé contratual obrigue a que o segurado informe a seguradora com transparência de todos os problemas de saúde que sabe que tem.
O que sucedeu nos autos foi que a autora sabia que tinha hipertensão, para a qual tomava não um mas dois medicamentos, para além de outros problemas já descritos, mas não os comunicou à seguradora no momento certo, que era o da celebração do contrato.   
A essência da igualdade das partes no contrato de seguro foi assim atingida no seu núcleo duro. A autora celebrou o contrato de seguro sabendo que era portadora de problemas de saúde, que poderiam levar a consequências gravosas, como a hipertensão, que pode causar acidentes vasculares cerebrais, aneurismas, e outras doenças do foro cardiovascular, e outro tipo de problemas graves, e a Seguradora celebrou-o desconhecendo tal facto em absoluto, porque acreditou no que a autora lhe comunicou, via questionário.
Para que este desequilíbrio não suceda a lei estabelece para o segurado o ónus de, no momento da formação do contrato, comunicar ao segurador todas as circunstâncias conhecidas que possam influenciar a determinação do risco, que no caso do seguro do ramo Vida consistirá essencialmente na informação sobre o seu estado de saúde, o que, além do mais, resulta ainda do princípio da boa fé, pois a avaliação do risco depende das informações prestadas pelo segurado no momento da formação do contrato (cfr. Acórdão do TRC de 13.9.2016 (relator Fonte Ramos). Ou, como se decidiu no Acórdão do STJ de 2.12.2013 (relator - Granja da Fonseca), “impõe-se que o tomador do seguro responda com absoluta verdade ao questionário/minuta do contrato de seguro, informando a seguradora de todos os elementos necessários, para que esta possa avaliar o risco, decidir sobre a sua aceitação e em que condições e estabelecer o respectivo prémio de seguro”.
Em abstracto, ainda se poderia colocar a questão de saber se o elemento sobre o qual incidiu o erro era fundamental dentro da economia do contrato, ou se era meramente secundário. É a questão da essencialidade das declarações na formação da vontade negocial.
No acórdão do STJ de 23.2.2012 (Abrantes Geraldes - Relator) afirma-se: “era importante que se tratasse de inexactidão susceptível de influir na aceitação do contrato de seguro proposto à Seguradora ou nas respectivas condições. Tal efeito encontrou eco em diversos acórdãos dos tribunais superiores que se debruçaram, por exemplo, sobre situações em que existia:
-Omissão no boletim de adesão a contrato de seguro de grupo do ramo vida de que o aderente sofria de cirrose hepática;
-Omissão de que o segurado tinha sido submetido a intervenção cirúrgica de extirpação parcial do estômago;
-Omissão de que o segurado fora submetido a uma intervenção cirúrgica de substituição da válvula aórtica.
Dando especial ênfase a casos apreciados neste Supremo Tribunal, são de destacar as seguintes situações:
-Ac. do STJ, de 11-7-06, CJSTJ, tomo I, pág. 151: omissão do segurado de que sofria de angina de peito;
-Ac. do STJ, de 2-12-08, CJSTJ, tomo III, pág. 158: omissão do segurado de que sofria da diabetes;
-Ac. do STJ, de 27-5-08, CJSTJ, tomo II, pág. 81: omissão do segurado de que sofria de hipertensão arterial[1].
Ademais, era correntemente assumido que recaía sobre a Seguradora o ónus da prova de um nexo de causalidade entre a inexactidão, omissão ou falsas declarações e a outorga do contrato.
Neste sentido cfr. os Acs. do STJ, de 4-3-04, CJSTJ, tomo I, pág. 102, de 17-11-05, CJSTJ, tomo III, pág. 120, e de 24-2-08, CJSTJ, tomo I, pág. 116, segundo os quais cabia à Seguradora o ónus da prova de que o segurado, quando subscreveu a proposta de seguro e respondeu ao questionário clínico apresentado, tinha conhecimento de que padecia da doença que o vitimou, ou que exarou declarações falsas ou reticentes de factos ou circunstâncias dele conhecidas, susceptíveis de influir na formação do contrato e suas condições, enquanto relacionadas com a avaliação do risco a assumir (cfr. ainda JOSÉ VASQUES, Contrato de Seguro, pág. 225).
No acórdão recorrido, o Tribunal da Relação extraiu a afirmação da anulabilidade do contrato de seguro do facto que foi aditado, como facto alegadamente confessado, de que “no âmbito de uma consulta de rotina, no mês de Setembro de 2004, em que foi observada pelo Dr. C. A., a A. realizou então uma endoscopia que apresentava resultados normais”, em conjugação com a resposta negativa a uma pergunta do questionário, subscrito posteriormente, em Novembro de 2004, segundo a qual a A. “não tinha realizado endoscopia”. Ainda que tal factualidade se mantivesse, de modo algum poderia encontrar-se em nesta discrepância motivo para a invocação da anulabilidade do contrato de seguro”.
No caso destes autos nenhuma dúvida se levanta sobre a essencialidade da informação que foi omitida pela autora à sua seguradora. Não se tratava de pormenores de saúde irrelevantes, mas sim de problemas de saúde potencialmente graves se não forem tratados.
Tal omissão não pode deixar de ser vista como deliberada, ergo dolosa, ainda que na modalidade de dolo eventual, como refere a sentença, pois a autora sabendo ser portadora dessas doenças, foi celebrar um seguro de saúde e omitiu qualquer referência às mesmas. Não se diga que a autora ignorou ou desvalorizou, por exemplo a hipertensão, porque não é crível que um adulto não saiba as consequências gravíssimas que a hipertensão pode ter, não as tema, e não se preocupe em andar protegido. Foi o caso da autora. Apesar de na audiência de julgamento ter procurado fazer passar a ideia que desvalorizava por completo o problema da tensão arterial elevada, podemos ter a certeza que tal não corresponde à verdade porque também reconheceu que tomava dois medicamentos para a ter controlada. E basta isso para podermos ter a certeza que a autora sabia que a hipertensão era um assunto muito sério, ao ponto de ter de estar diariamente medicada. Coisa diferente seria a autora ser hipertensa sem o saber. Mas não é esse o caso. E como tal, deveria ter comunicado esse seu problema à seguradora. Sendo mais concreto, quando lhe puseram à frente o questionário de saúde, deveria ter lido com atenção e ao chegar à parte da hipertensão teria de colocar a cruz no sítio certo. Ao não o fazer, podemos ter a certeza que voluntariamente omitiu essa informação. Ou seja, agiu com dolo. Pode não o ter feito com o objectivo de enganar a seguradora para conseguir o seguro pelo prémio mais baixo possível, daí não ser um caso de dolo directo, mas será sempre, no mínimo, dolo eventual. Como a sentença explica.
E a Ré Seguradora aceitou celebrar o contrato com a autora, desconhecendo que esta padecia das referidas doenças. E não é pelo facto de a doença que veio a ser diagnosticada à autora não ter, à primeira vista, qualquer relação com as patologias prévias desta, que se altera a solução jurídica.
O remédio jurídico que a lei prevê para estas situações que desvirtuam por completo a essência do contrato de seguro é a anulabilidade do contrato, como vimos.
O contrato de seguro, tendo sido anulado, não produz qualquer efeito.
E assim, a sentença recorrida não cometeu qualquer erro de facto ou de direito, pelo que deve ser confirmada na íntegra.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso totalmente improcedente e confirma na íntegra a sentença recorrida.   

Custas pelos recorrentes.  

Data: 5.12.2024

Relator
(Afonso Cabral de Andrade)
1º Adjunto (António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida)
2º Adjunto (Paulo Reis)


[1] Destaque nosso.