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ACIDENTE DE TRABALHO
DEPOIMENTO DE PARTE DO SINISTRADO
DIREITOS DISPONÍVEIS
Sumário
O depoimento de parte só pode ter por objecto factos relativos a direitos disponíveis, ou seja, factos susceptíveis de serem confessados.
Texto Integral
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães
I – RELATÓRIO
AA, com os sinais dos autos, requereu, no âmbito do presente processo especial emergente de trabalho, a abertura da fase contenciosa contra EMP01..., S.A., também nos autos melhor identificada, alegando nomeadamente que foi vítima de um acidente de trabalho, que descreve, e que 15ºRealizada a tentativa de conciliação a 20/06/2023, viria a mesma a frustrar-se. 16ºCom efeito, a Ré apenas aceitou a existência da apólice pelo salário indicado nesta peça e não aceitou o resultado da perícia médica nem qualquer responsabilidade pela reparação do acidente de trabalho por entender que este se ficou a dever a violação das normas de segurança por parte do sinistrado.
terminando a pedir que a R. seguradora seja condenada a pagar-lhe as prestações infortunísticas que discrimina.
A ré contestou para, e nomeadamente, impugnar, por falsa, a versão do acidente descrita no artigo 4.º da PI, alegando por sua vez factos tendentes a demonstrar que o acidente ocorreu por negligência grosseira do autor e violação, por este, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador e previstas na lei.
Entre as provas que indicou a ré requereu “o depoimento de parte do A à matéria dos artigos 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 23º, 23º, 24º, 25º, 26º, 27º, 28º, 29º, 30º, 31º, 32º, 33º, 34º, 35º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º, 41º, 42º, 43º, 45º, 46º, 47º, 48º, 49º, 51º, 52º, 53º, 54º, 55º, 56º, 57º, 58º, 59º, 60º, 61º, 62º, 63º, 64º, 65º, 66º, 67º, 68º, 69º, 70º, 71º, 73º, 80º, 81º, 82º, 83º, 84º, 85º, 88º, 89º, 90º, 91º, 96º, 100º, 103º desta contestação
Em sede de despacho saneador a Mm.ª Juiz a quo elencou, entre outros, os seguintes temas de prova:
“I Apurar a estática do acidente – arts. 11 a 20 da contestação II Determinar a dinâmica do acidente- modo como o acidente ocorreu- correspondente aos seguintes factos alegados pelas partes 1 - Nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em B) a E) quando o autor se encontrava em cima de uma carinha e passou para cima de uns barrotes que se encontravam numa palete, visando chegar a uma chapa que estava por cima de uma janela, os barrotes deslizaram provocando-lhe a queda de uma altura de um metro ou metro e meio de altura – art. 4ª da petição inicial. 2. Dinâmica alegada pela ré 2.1 - para chegar às chapas situadas a cerca de 3 metros de altura do solo, o autor por iniciativa própria decidiu escalar e colocar-se sobre dois barrotes de madeira cilíndricos, com um diâmetro de 10 cm cada, que estavam encostados à parede: 2.2 - (…) primeiro subiu para alguns materiais de construção que estavam encostados à dita parede, junto aos ditos barrotes e a uma altura de cerca de um metro de do solo; 2.3 - (…) depois, subiu para um dos barrotes de madeira que estava encostado à parede, soltos (sem fixação ao solo), situado a uma altura de cerca de dois metros do solo; 2.4 - (…) colocou-se numa posição vertical sobre esses barrotes e, esticou os braços de forma a tentar alcançar as chapas colocadas nas aberturas situadas na parte superior da parede; 2.5 - (…) pôs um dos pés sobre a parte superior desse barrote e o outro sobre o barrote situado um pouco mais acima; 2.6 - (…) os pés do autor eram maiores que o diâmetro dos barrotes ficando parte da planta dos pés sem sustentação; 2.7 - (…) o topo do barrote não tinha resistência para suportar o peso do autor; 2.8 - (…) enquanto movimentava uma das chapas à altura de dois metros, um dos pés do autor resvalou/escorregou, ficando sem sustentação; 2.9 - (…) o que determinou a sua queda no chão de uma altura de dois metros; 2.10 - (…) da qual resultaram lesões corporais para o autor.
III Apurar se houve atuação negligente grosseira do sinistrado 3.1 - A tarefa que o autor executava quando sofreu a queda não lhe foi determinada pela entidade patronal; 3.2 - (…) que a desconhecia que autor a ia realizar; 3.3 – (…) não era urgente; 3.4 – (…) para a executar o autor devia usar uma escada ou escadote; 3.5 – (…) ou escalar os materiais e equipamentos de construção que existiam no local; 3.6 -- (…) o autor sabia que a sua entidade patronal tinha disponíveis, onde e à distância de menos de vinte metros desse local, escadas móveis metálicas, pertencentes à sua entidade patronal; 3.7 - (…) apesar deste conhecimento, o autor decidiu não utilizar as escadas; 3.8 - (…) o autor sabia que ao colocar-se sobre os barrotes corria risco de desequilíbrio e queda; 3.9 - (…) o autor previu a possibilidade de movimentação dos barrotes ou perda de aderência dos seus pés. 3.10 - (…) o autor não usava qualquer dispositivo de retenção; 3.11 - (…) sabia que a execução de trabalhos que ia levar a cabo oferecia o risco de queda; 3.12 - (...) sabia que não se encontrava implementado qualquer meio de proteção coletiva para o risco de queda em altura. 3.13 – (…) antes do acidente a entidade empregadora, através dos seus legais representantes, tinham-lhe dito expressamente que: a) lhe estava proibido de executar trabalhos em altura sem que se encontrasse sobre equipamentos que lhe garantissem a devida estabilidade, como escadas, escadotes ou plataformas; b) caso necessitasse de realizar trabalhos em altura, deveria adotar procedimentos que garantissem a devida segurança, nomeadamente (entre outros, como o uso de linha de vida, cordas ou cabos ligados a um arnês), a utilização de escadas, escadotes ou plataformas estáveis. 3.14- Se o autor tivesse usado um escadote ou escada não teria caído; 3.15- A opção do autor de subir aos barrotes foi injustificado e não beneficiou a execução da tarefa em questão; 3.16- À data dos factos o autor contava com experiencia profissional de cerca de 30 anos;”
E proferiu o seguinte despacho:
“Requerimento da ré de depoimento de parte do autor Indefere-se o depoimento de parte do autor à matéria indicada no ponto b) do requerimento probatório da ré. Como é sabido, a confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (art. 352º do Cód. Civil). A confissão judicial constitui meio de prova com força probatória vinculada (força probatória plena arts. 356º e 358º, nº 1, do CC), sendo o depoimento de parte a via de, em audiência de discussão e julgamento, a provocar. Dispõe, no entanto, o art. 354º, al. b) do Cód. Civil, que a confissão não faz prova contra o confitente se recair sobre factos relativos a direitos indisponíveis e, o art. 361º do mesmo que o reconhecimento de factos desfavoráveis, que não possa valer como confissão, vale como elemento probatório que o tribunal apreciará livremente. Nesta matéria secundamos o entendimento segundo o qual o depoimento de parte só poderá ser requerido relativamente a factos desfavoráveis ao confitente, o qual assenta na consideração de que é o meio de obter a confissão (entendimento este que tem apoio, também, na epígrafe Da prova por confissão das partes- da Secção III do Capítulo III do CPC). No entendimento, atenta a natureza da presente ação, tratando-se de factos relativos a direitos indisponíveis ou não desfavoráveis ao depoente, o depoimento de parte do autor não é admissível (cf. art. 354.º b) do CC e, neste sentido, Ac. TRL de 10-01-2019, Proc. 41/18.1T8CSC-B.L1-6, Gabriela Marques, www.dgsi.pt.). Com estes fundamentos, indefere-se o requerido depoimento de parte.”
Inconformada com esta decisão de indeferimento do requerido depoimento de parte, dela veio a ré interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição):
“I- Mesmo que não possa valer como confissão, o reconhecimento pelo sinistrado de factos desfavoráveis vale como elemento probatório que o Tribunal aprecia livremente, nos termos do disposto no artigo 361.º do Cod Civil.
II- O facto de não ser possível obter, através do depoimento de parte do Autor, a confissão de factos que lhe sejam desfavoráveis, não retira utilidade a esse depoimento, o qual é evidente importante para a descoberta da verdade.
III- O Autor vivenciou, na primeira pessoa, os acontecimentos nos quais se traduziu o acidente em questão e, como tal, tem pleno conhecimento dos factos em discussão nestes autos, podendo, assim, contribuir, de forma relevante, para a descoberta da verdade.
IV- O princípio do inquisitório impõe ao juiz, quanto àqueles factos e aos demais de que lhe é lícito conhecer, o poder/dever de diligenciar no sentido da descoberta da verdade e da justa composição do litígio.
V- E, como tal, tendo a Ré requerido o depoimento de parte do Autor sobre a matéria relacionada com o acidente e sendo evidente a importância das suas declarações para a descoberta da verdade, impunha-se que o tribunal as tivesse admitido, ainda que ao abrigo do princípio do inquisitório e mesmo que não possam valer como confissão
VI- A produção, oficiosa, ou a requerimento da recorrente, do depoimento de parte do Autor impõe-se no caso, atendendo ao seu evidente conhecimento dos factos em discussão e contributo para a descoberta da verdade.
VII- Logo, apesar de todas as partes estarem cientes, como devem estar, que o depoimento do Autor não será valorado como confissão, é, ainda assim, admissível, nos termos do disposto nos artigos 411º e 452.º do CPC e 361.º do Cod Civil, e impõe-se tendo em vista a descoberta da verdade.
VIII- Como tal deve ser revogada a douta decisão sob censura, ordenando-se, ao invés, que seja admitido o depoimento de parte do Autor requerido pela Ré, Autor à matéria indicada pela Ré no requerimento probatório constante da contestação, ou seja, pontos 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 23º, 23º, 24º, 25º, 26º, 27º, 28º, 29º, 30º, 31º, 32º, 33º, 34º, 35º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º, 41º, 42º, 43º, 45º, 46º, 47º, 48º, 49º, 51º, 52º, 53º, 54º, 55º, 56º, 57º, 58º, 59º, 60º, 61º, 62º, 63º, 64º, 65º, 66º, 67º, 68º, 69º, 70º, 71º, 73º, 80º, 81º, 82º, 83º, 84º, 85º, 88º, 89º, 90º, 91º, 96º, 100º, 103º dessa contestação (ou, se assim não se entender, àqueles relativamente aos quais for considerado pertinente esse depoimento)
IX-O douto despacho sob censura violou as normas dos artigos 411.º, 452º do CPC e 361.º do Cod Civil”
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II OBJECTO DO RECURSO
Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 640.º, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enuncia-se então a questão que cumpre apreciar:
a) Se é admissível o depoimento de parte requerido pela ré, a prestar pelo autor/sinistrado. III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos relevantes para a decisão da causa são os que resultam do relatório supra. IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO
Como se diz, e concorda-se, no despacho recorrido, “(…) a confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (art. 352º do Cód. Civil). A confissão judicial constitui meio de prova com força probatória vinculada (força probatória plena arts. 356º e 358º, nº 1, do CC), sendo o depoimento de parte a via de, em audiência de discussão e julgamento, a provocar.”
Ora, o art. 354.º do Código Civil, cuja epígrafe é Inadmissibilidade da confissão, dispõe
:
“A confissão não faz prova contra o confitente:
a) Se for declarada insuficiente por lei ou recair sobre facto cujo reconhecimento ou investigação a lei proíba; b) Se recair sobre factos relativos a direitos indisponíveis;
c) Se o facto confessado for impossível ou notoriamente inexistente.”
Conjugando o regime prescrito nas normas referidas, parece evidente a conclusão de que no caso presente o requerido depoimento de parte é inadmissível.
Com efeito, os direitos emergentes de acidente de trabalho têm natureza indisponível, como claramente decorre do art. 78.º da LAT (Lei nº 98/2009, de 04.9) – “Os créditos provenientes do direito à reparação estabelecida na presente lei são inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis (…)” - e os processos de acidente de trabalho correm oficiosamente, sem necessidade do impulso das partes, como resulta do n.º 1 do art. 26.º do CPT.
Donde, como se defende em Ac. RL de 03-12-2014, “(…) sendo os direitos à prestações e créditos infortunísticos, inalienáveis e irrenunciáveis (art. 78º da LAT/2009), não devia o sinistrado ter sido, sequer, admitido a prestar depoimento de parte para “confessar” qualquer factualidade que lhe fosse desfavorável.”[1]
Entendimento de há muito sufragado, aliás, trazendo-se à colação, a título de ex., o Ac. do STJ de 12-12-1990, em cujo sumário se escreveu:
“I - Em processos por acidentes de trabalho ou doenças profissionais, em que se pretende fazer valer direito a uma pensão ou indemnização, sendo esses direitos indispensaveis e mesmo irrenunciaveis, o depoimento de parte não pode recair sobre factos relativos a esses direitos. II - A confissão assim obtida seria ineficaz, por falta de legitimidade de parte em dispor de direito a que os factos se referem.”[2]
Este é também o entendimento perfilhado no Ac. da RL de 10-01-2019, também referenciado na decisão recorrida, e em cuja fundamentação designadamente se escreveu: “É certo que sempre existe a possibilidade de o depoimento de parte ser livremente apreciado quando não tenha carácter confessório, pois tal decorre do artigo 361.º do CC. Mas a questão em apreço não é a da apreciação do valor probatório de um depoimento prestado, mas a da admissibilidade da sua prestação. Ora a admissibilidade pressupõe a possibilidade de confissão decorrente da natureza dos factos sobre que incide, nada tem a ver com a força probatória de depoimento de que a confissão (possível ab initio) não decorra ( neste sentido Ac. da RL supra aludido ). Aliás, a prestação de declarações pelas partes fora do regime da confissão está expressamente prevista no artigo 466.º, do CPC, embora apenas a requerimento da própria parte, e no artigo 452.º, n.º 1, do CPC, que, estabelecendo embora a iniciativa do juiz, não obsta a que o requerimento lhe seja endereçado pelas partes. (…) Referem Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto (in CPC Anotado Vol 2º, pag.s. 464/465), que relativamente à proposta formulada pela Ordem dos Advogados no sentido de se consagrar, quando da revisão de 1995-1996, a figura do testemunho de parte, livremente valorável em todo o seu conteúdo, esta não veio a ser perfilhada, consagrando-se apenas a possibilidade do juiz poder oficiosamente determinar a prestação de depoimento de qualquer das partes (art. 552º, n.º1, do CPC). Logo, tem sido entendido que admitir-se que as partes pudessem ser chamadas a depor sobre factos relativos a direitos indisponíveis, tal traduziria, na prática, a consagração legal da figura do testemunho de parte que a comissão revisora do CPC rejeitou, concluindo-se pela não admissibilidade do depoimento de parte quando estejam em causa direitos indisponíveis (neste sentido Lebre de Freitas, ob. cit. Pag. 473; e Ac da RL de 31/05/2011 in www.dgsi.pt/jtrl).”[3]
Este acórdão tem Comentário concordante de Miguel Teixeira de Sousa nos seguintes termos: “O acórdão esclarece, de forma bastante didáctica, a admissibilidade da prova por confissão. Só o desconhecimento desta admissibilidade pode ter levado a recorrente a gastar tempo e dinheiro (e a fazer gastar tempo e dinheiro).
Lembre-se que, em coerência com a indisponibilidade do objecto do processo, a não impugnação não tem efeito cominatório (art. 574.º, n.º 2, CPC) e a revelia não é operante (art. 568.º, al. c), CPC).”[4]
Neste sentido também, conquanto reportando-se a uma acção de impugnação de paternidade, Ac. RG de 13-06-2019, no qual pode ler-se: “A lei processual não fornece um conceito de depoimento de parte. Limita-se a dispor sobre quem pode prestá-lo e de quem pode ser exigido – artigo 453.º do CPC - e sobre que factos pode recair do ponto de vista da sua relação com a pessoa do depoente – artigo 454.º do CPC. Estabelece, ainda, a forma como deve ser requerido – artigo 452.º, n.º 2 do CPC – e como e quando deve ser prestado – artigos 456.º a 463.º do CPC. Este meio de prova “depoimento de parte” encontra-se previsto no artigo 452.º do CPC, norma que se integra na secção epigrafada “prova por confissão das partes” A confissão, meio de prova, define-a a lei substantiva como «o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária» - artigo 352.º C. Civil. Daqui decorre, conjugando regimes, que o depoimento de parte é o meio processual que a lei adjectiva põe ao serviço do direito probatório substantivo para provocar a confissão judicial, como expressamente previsto no artigo 356.º, n.º 2 do C. Civil. Ora, se depoimento de parte se destina a provocar a confissão da parte e se esta, pelo seu objecto, implica o reconhecimento de factos desfavoráveis ao depoente e que favorecem a posição da parte contrária, então bem se compreende que o depoimento só possa ser exigido quando esteja em causa o reconhecimento pelo depoente de factos "cujas consequência jurídicas lhe são prejudiciais e cuja prova competiria, portanto, à parte contrária, nos termos do artigo 342.º do Código Civil» (M. ANDRADE, "Noções Elementares e Processo Civil", 1976, pg. 240, citado no Acórdão do STJ de 27/01/2004 (Alves Velho) 03A3530). Mas isto só é assim quanto aos factos relativos a direitos disponíveis, ou seja, factos susceptíveis de serem confessados.”[5] (sublinhamos)
Também, não obstante estarmos aí no âmbito de uma acção de divórcio, a pertinência mantém-se, Ac. RP de 22-04-2024, de cujo sumário consta:
“I - O depoimento de parte, solicitado pela parte contrária, só pode ter por objeto factos pessoais ou do conhecimento da parte e visa a obtenção da confissão sobre uma realidade desfavorável à parte que depõe. II - Ainda que se admita que o depoimento de parte, no segmento em que não importe confissão, possa ser apreciado livremente pelo tribunal (art. 361.º CC), isso não autoriza a parte contrária a requerer o depoimento da outra parte para dela obter informações diferentes das confessórias. III - A própria parte pode requerer as suas próprias declarações e o tribunal pode suscitá-las oficiosamente sobre quaisquer factos que interessem à decisão da causa, valendo estas declarações, em concatenação com a demais prova, não como meio confessório, mas como prova livremente valorada pelo tribunal.”[6]
Este parece ser também o entendimento de António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, quando no seu Código de Processo Civil Anotado escrevem “Visto que o depoimento de parte se destina a obter a confissão do depoente, é natural que o seu âmbito se restrinja aos factos que admitam confissão, estando, assim, excluídos aqueles a que se refere o art. 354.º do CC, o que, todavia, não obsta a que o juiz, oficiosamente, solicite a qualquer das partes a prestação de declarações, mesmo no âmbito de ações que incidam, sobre direitos indisponíveis (v.g. […]), sendo legítimo extrair daí elementos que influam na formação da convicção da matéria de facto controvertida. (…)”[7]. (sublinhamos)
Também o de José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, quando no seu Código de Processo Civil Anotado afirmam: “Tão-pouco podem ser objeto de depoimento de parte, por não poderem, em geral, ser objecto de confissão, os factos abrangidos pelo art. 354 CC.”[8].
Não se desconhece a existência de vozes discordantes[9] - propugnando designadamente que ainda que estejam em causa direitos indisponíveis, insusceptíveis de confissão, não se justifica a proibição de um depoimento de parte, sem prejuízo de não estar sujeito à força probatória vinculada, ficando antes sujeito à livre apreciação do julgador -, mas que em nosso entendimento não traduzem a melhor leitura dos preceitos legais aplicáveis, acima mencionados.
O processo versa direitos indisponíveis, sendo certo, aliás, que com o requerido depoimento de parte pretende a ré fazer a prova de factos com os quais pretende demonstrar que acidente ocorreu por negligência grosseira do autor e violação, por este, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador e previstas na lei, isto é, factos que visam a descaracterização do acidente como acidente de trabalho. A confissão requer o poder de disposição do direito a que se refere o facto confessado, não bastando que o confitente seja titular do direito a que se refere o facto confessado.
Como escreveu Anselmo de Castro, citando Vaz Serra, “a confissão é susceptível de ter aquilo a que pode chamar-se eficácia negocial indirecta, pois embora recaia sobre factos, destes depende ou pode depender o direito, podendo portanto, ser adoptada, para indirectamente, o confitente dispor do seu direito. Daí que, não obstante não ser um negócio jurídico lhe serem exigidos requisitos destinados a evitar que a declaração confessória não dê garantias de veracidade e ponderação. Estes requisitos parece deverem dizer respeito, sobretudo, à capacidade e à legitimação e ao objecto da confissão.”[10]
Por outro lado, e ainda que se congemine que o autor tem conhecimento «privilegiado» dos factos em questão, não se pode olvidar que o artigo 452.º/ do CPC permite ao juiz, em qualquer estado do processo, determinar a comparência pessoal das partes (também) para a prestação informações ou esclarecimentos sobre factos que interessem à decisão da causa, e que embora no n.º 1 do art. 452.º do CPC se estabeleça para tanto a iniciativa do juiz, tal não obsta a que o requerimento para esse efeito lhe seja endereçado pelas partes.
Assim, e ao contrário do propugnado pela recorrente, a decisão recorrida não violou as normas dos artigos 411.º e 452º do CPC e nem do 361.º do CC.
V - DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo da recorrente.
Notifique.
Guimarães, 18 de Dezembro de 2024
Francisco Sousa Pereira (relator)
Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso
Antero Veiga