ACIDENTE DE TRABALHO
IPATH
JUNTA MÉDICA POR UNANIMIDADE
DIVERGÊNCIA DO LAUDO
NÚCLEO ESSENCIAL DE FUNÇÕES
Sumário


I - A atribuição de IPATH é questão que exige uma maior reflexão e envolve a avaliação de todos os elementos que constam do processo não estando o tribunal absolutamente vinculado aos laudos médico-legais, que como é consabido são apenas meios de prova a apreciar livremente pelo tribunal que poderá deles divergir em situações devidamente fundamentadas, em que sem pôr em causa o juízo técnico emitido pelo peritos médicos podem e devem proceder à sua adequação com a concreta e determinada realidade apurada – cfr. arts. 388.º e 389.º do Código Civil e art.º 489.º do Código do Processo Civil.
II - O exercício do trabalho habitual corresponde à execução de um conjunto de tarefas que constituem o núcleo essencial de determinada actividade profissional, sendo necessariamente de concluir que o sinistrado fica afectado de IPATH quando as sequelas de que padece, resultantes do acidente apenas permitem desempenhar funções meramente residuais ou acessórias do trabalho habitual que não permitiram a quem quer que fosse que com essas tarefas pudesse manter essa mesma profissão/trabalho habitual.
III – Existindo nos autos elementos factuais, designadamente as exigências do trabalho prestado à data do acidente e as suas repercussões no posto de trabalho depois da cura clínica, que conduzem à impossibilidade do exercício da profissão habitual, impõe-se ao julgador divergir do laudo de junta médica, atribuindo ao sinistrado IPATH.
IV – É de atribuir IPATH se atualmente o sinistrado não tem condições físicas para de forma segura exercer o núcleo essencial das suas tarefas de pedreiro que tinham quando ocorreu o acidente e que impõem a persistente capacidade de equilíbrio postural e equilíbrio instável em altura.

Texto Integral


Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

Na fase conciliatória dos presentes autos com processo especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado AA e responsável EMP01... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., não obteve êxito a tentativa de conciliação, em virtude da discordância manifestada pela Seguradora quanto ao resultado do exame do GML, nomeadamente quanto à questão das incapacidades temporárias, quanto à IPP e à IPATH, já que apenas aceitou as IT`s e a desvalorização constantes do seu boletim de alta que atribuiu ao sinistrado a IPP de 28.de6%.
Não tendo sido possível a conciliação entre as partes, veio a Seguradora requerer a realização de junta médica, nas especialidades de otorrinolaringologia e de neurocirurgia, nos termos do artigo 138.º n.º 2 do C.P.T., tendo apresentado os respectivos quesitos.

Foi determinada a realização de juntas médicas nas referidas especialidades, tendo os Exmos. Peritos concluído, por unanimidade, o seguinte:

- Na especialidade de otorrinolaringologia
Após a realização de ECD, o sinistrado ficou afectado de hipoacusia esquerda e dano vestibular compensado (pelos resultados do exame clínico, da VNG e da posturografia), sequelas a que atribuíram uma IPP de 36% (0,24x1.5); e esteve em situação de ITA de 16/03/2019 até ../../2019; de 22/08/2020 até ../../2021 e de ITP de 28/06/2019 até ../../2019; 20/02/2021 até ../../2021 (cfr. auto de junta médica sob a ref.ª ...86, fls. 459 e 463); em esclarecimentos adicionais pedidos pelo tribunal, consideraram os Exmos. Peritos que tais sequelas não são causa de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, dado que “a vertigem está centralmente compensada” e “pode ter uma adaptação do posto de trabalho com evicção de trabalho em altura” (fls. 476, 478 e 479);
- Na especialidade de neurocirurgia
O sinistrado apresenta um síndrome pós-traumático com queixas ligeiras, nomeadamente alterações mnésicas, admitindo um período de ITA de 180 dias para tratamento das lesões neurológicas, sequelas a que atribuíram uma IPP de 3% a majorar pelo fator 1,5 (cfr. auto de junta médica sob a ref.ª ...26, fls. 455); em esclarecimentos adicionais pedidos pelo tribunal, consideraram os Srs. Peritos que a sequela do foro neorocirúrgico não é causa de IPATH (fls. 477 vº, 478 e 480 vº).
Ao abrigo do disposto no art.º 21º n.º 4 da Lei n.º 98/2009 de 4/09, o Tribunal a quo solicitou parecer técnico complementar ao Instituto do Emprego e Formação Profissional, tendo em vista o cabal esclarecimento da situação do sinistrado, no que respeita à desvalorização funcional atribuída se o torna ou não incapaz para a profissão habitual de pedreiro. No âmbito da emissão de tal parecer conclui-se que o sinistrado se encontra com incapacidade permanente e absoluta para todo e qualquer trabalho.
Notificadas as partes de tal parecer, apenas a Seguradora responsável se pronunciou, reiterando a posição de que o sinistrado não se mostra afetado de IPATH e sustentando que o parecer em causa não deve sobrepor-se ao resultado das juntas médicas e dos esclarecimentos prestados pelos Srs. Peritos.
Seguidamente foi pelo Tribunal a quo proferida sentença no âmbito da qual se fixou ao sinistrado a IPP de 39,42%, com IPATH, desde a data da alta (../../2021) e da qual consta o seguinte dispositivo.
“3. Perante o exposto, considerando a matéria de facto apurada e ao abrigo das disposições legais citadas, julgo procedente a presente acção e, em consequência,
1- Nos termos do art. 140º nº 1 do Cód. Proc. Trabalho, fixo ao sinistrado AA:
-uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), com uma desvalorização de 39,42% para o trabalho em geral, a partir de ../../2021.
- ITA de 16/03/2019 a 11/09/02/2019; e de 22/08/2020 a ../../2021;
-ITP de 30% de 12/09/2019 a 21/08/2020 e de 20/02/2021 a ../../2021.
2- Condeno a R. EMP01... – Companhia de Seguros, S.A. a pagar ao sinistrado:
a) Uma pensão anual e vitalícia no valor de €5.664,53 (cinco mil seiscentos e sessenta e quatro euros e cinquenta e três cêntimos), com início em 05/03/2021, a qual será paga adiantada e mensalmente, até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual e sendo os subsídios de férias e de Natal, no valor de 1/14 da mesma pensão, pagos, respetivamente, nos meses de Junho e de Novembro;
b) A quantia de €4.706,66 (quatro mil setecentos e seis euros e sessenta e seis cêntimos) a título de subsídio por situação de elevada incapacidade;
c) A quantia de €3.350,62 (três mil trezentos e cinquenta euros e sessenta e dois cêntimos) a título de diferenças na indemnização por incapacidade temporária;
d) A quantia de €98,40 (noventa e oito euros e quarenta cêntimos) relativa a despesas com deslocações obrigatórias;
e) juros de mora à taxa legal pelas pensões e indemnizações em atraso, nos termos do art. 135º do Cód. Proc. Trabalho, desde a data do vencimento de cada um dos duodécimos da pensão em falta, desde a data da alta quanto ao subsídio de elevada incapacidade e diferenças na indemnização por IT e desde a data da tentativa de conciliação quanto às despesas de transporte aí aceites, até integral pagamento.
Custas pela R. seguradora.
Notifique.
Registe.

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Fixo à causa o valor de €73.399,74, nos termos do art. 120º do Código de Processo do Trabalho.
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Oportunamente cumpra o disposto no art. 137º do Cód. Proc. Trabalho.”

Inconformada veio a Seguradora interpor recurso de apelação, no qual formulou as seguintes conclusões que passamos a transcrever:

“1. Proferiu o Tribunal a quo Sentença, por haver considerado encontrar-se dotado de todos os elementos, os quais, no seu entendimento, eram aptos à decisão, designadamente de facto.
2. Salvo melhor opinião, foi cometido erro de julgamento, precisamente porque os elementos de que o tribunal dispunha não o aptavam à decisão que acabou por tomar.
3. Assim, considera a ora apelante incorretamente julgados os factos que dão como provado que “que o núcleo fundamental das tarefas inerentes à profissão de pedreiro está comprometido, já que o sinistrado não poderá, sem risco de desequilíbrios e quedas, trabalhar em andaimes, mesas ou plataformas de trabalho.”.
4. Afigura-se inquestionável a força probatória do auto de exame por junta médica, mesmo sujeita ao princípio da livre apreciação pelo juiz.
5. Neste sentindo, ensina-nos o Tribunal da Relação do Porto, em Acórdão de 01/09/2020, “não estando o juiz adstrito às conclusões da perícia médica (…) apenas dela deverá discordar, (…) com base em opinião científica em contrário, em regras de raciocínio ou máximas da experiência que possa extrair no âmbito da sua prudente convicção.”.
6. A mera realização de junta médica pressupõe, per si, a pronúncia dos peritos sobre todo o tipo de lesões que o sinistrado pudesse padecer, tendo sempre presente todas as idiossincrasias relativas a cada posto de trabalho.
7. Já no que toca aos pareceres do IEFP, estes pretendem apenas esclarecer eventuais dúvidas sobre o emprego do trabalhador incapacitado. 
8. Não só os relatórios periciais em causa se baseiam nos testemunhos prestados pelos sinistrados, sem verificação efectiva das suas capacidades e incapacidades para as tarefas, 
9. Como a ser verificável, ainda estariam em falta os conhecimentos médicos do técnico do IEFP para tal avaliação.
10. No processo em crise, foi determinada a marcação duas juntas médicas de especialidade.
11. Mais uma vez ficou demonstrado que o Sinistrado poderá desempenhar tarefas referentes à sua profissão,
12. Salientando os Exmos peritos de Otorrinolaringologia que “a vertigem está centralmente compensada” e “pode ter uma adaptação do posto de trabalho com evicção de trabalho em altura”.
13. Ainda que com esforço acrescido e, eventualmente, a necessidade com algumas adaptações ou modificações técnicas, que permitam a execução dessas tarefas tendo em conta as limitações funcionais adquiridas e a capacidade restante, que aos serviços de medicina do trabalho da empresa competirá definir e implementar.
14. Parece assim claro que o Tribunal a quo pretende atribuir uma IPATH só por cautela de um eventual incumprimento da entidade patronal da sua obrigação de reintegração do seu trabalhador.
15. Deve assim se proceder a alteração da decisão nos termos do nº1 do artigo 662º do CPC, aplicável por remissão do artigo 1º, nº2 al. a), do CPT, 
16. Uma vez que a sentença recorrida violou e interpretou erroneamente as normas que invoca na sentença e todo o disposto nº 5 das Instruções Gerais da TNI, devendo o sinistrado ser considerado capaz para a sua profissão habitual ou, em alternativa 17. Serem os peritos médicos que integraram as juntas médicas realizadas instados a pronunciarem-se sobre o parecer do IEFP ou, ainda em alternativa, ser ordenada a realização de uma junta médica da especialidade de medicina do trabalho a fim de a mesma analisar de forma integrada todos os elementos clínicos que compõe os presentes autos.  

NESTES TERMOS E DEMAIS DE DIREITO, deve o presente recurso ser declarado procedente e, como corolário, ser alterada da decisão do Tribunal Recorrido em consonância com o resultado fixado em sede de junta médica, fazendo-se assim a ACLAMADA JUSTIÇA!”

O Ministério Publico que patrocina o sinistrado respondeu ao recurso concluindo pela sua improcedência.
O recurso foi admitido como apelação a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar.
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II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do Recorrente (artigos 608º n.º 2, 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil), a única questão que se coloca à apreciação deste tribunal respeita à atribuição ou não ao sinistrado de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH).
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos relevantes para a decisão da causa são os que resultam do relatório supra, a que acrescem os seguintes:

a) No dia 15/03/2019, pelas 17h20, em ..., o(a) A. sofreu um acidente no exercício da sua profissão de pedreiro, que consistiu no seguinte: quando o sinistrado estava a fazer a aplicação de tijoleira numa placa, esta cedeu e o sinistrado caiu de uma altura de 3 metros.
b) Em consequência de tal acidente, o A. sofreu TCE, fronto-parietal esquerdo, ferimento frontal esquerdo, com amnesia para o evento e traumatismo da grade costal direita.
c) Tal acidente verificou-se quando o(a) A. prestava o seu trabalho de pedreiro para a entidade patronal EMP02..., Unipessoal, Ldª.
d) A responsabilidade infortunística desta entidade patronal encontrava-se transferida para a R. seguradora através da apólice nº ...03 e pelo salário mensal de € 600,00x14/meses/ano, acrescido de sub. alimentação de €126,00 x 11 meses.
e) O A. auferia o salário mensal de € 600,00x14 meses, acrescido de sub. alimentação de € 126,00x 11 meses, o que perfaz o salário anual de €9.786,00.
f) A R. seguradora pagou ao A., a título de indemnização por incapacidade temporária a quantia de €5.453,30.
g) O A. despendeu €98,40 em transportes nas deslocações ao GML, ao Tribunal.
h) O sinistrado teve alta clínica em 4/3/2021.
i) O sinistrado nasceu em ../../1962 (fls. 78).

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Da atribuição ao sinistrado de IPATH.
Insurge-se a Recorrente quanto ao facto de o tribunal a quo ter divergido dos laudos unanimes de junta médica das especialidades de otorrinolaringologia e de neurocirurgia, valorizando de forma errónea o parecer do IEFP e o exame médico singular do GML, ao atribuir ao sinistrado uma incapacidade permanente parcial para o trabalho habitual. Tal contraria os autos de junta médica nos quais de forma unanime foi entendido pelos Srs. Peritos Médicos não ser de atribuir ao sinistrado incapacidade para o trabalho habitual.
Reclama por isso que se altere a decisão recorrida valorizando-se os autos de junta médica unanimes que entenderam não ser de atribuir ao sinistrado IPATH.

A este propósito o tribunal a quo consignou o seguinte na sentença recorrida:
“Em sede de exame médico singular, porém, foi fixada ao sinistrado uma incapacidade permanente e absoluta para a profissão habitual (IPATH), ponderando-se que existe risco de queda moderado e valores de equilíbrio reduzido, ao passo que os Exmos. Peritos que integraram as juntas médicas consideraram que nenhuma das sequelas é causa de IPATH, salientando os Exmos peritos de ... que “a vertigem está centralmente compensada” e “pode ter uma adaptação do posto de trabalho com evicção de trabalho em altura”. Neste ponto, afigura-se-me que os Exmos peritos médicos, em particular do foro de ..., não tiveram em devida conta o núcleo essencial das funções inerentes à profissão de pedreiro, ao admitir que o sinistrado pode manter esta profissão, desde que evite trabalhos em altura. O laudo médico, nesta parte, deve ser conjugado com os relevantes contributos do parecer técnico solicitado ao IEFP, que é o serviço competente do ministério responsável pela área laboral a que se refere o art. 21º nº 4 da lei 98/2009 de 4/9. A propósito da análise de funções próprias do posto de trabalho do sinistrado, refere-se o seguinte no parecer:
“(…) Executa caboucos e edificações de betão armado, efetua revestimento de maciços de alvenarias de tijolo, de pedra, ou outros blocos, efetua roços e demolições, realiza coberturas com telha, efetua trabalhos de ladrilhagem e cofragem, manejando ferramentas e máquinas apropriadas e realizando as seguintes tarefas e operações:
1. Prepara e organiza o trabalho de acordo com as características do(s) trabalho(s) que vai realizar e orientações do encarregado
(…)
2. Colabora na execução de fundações diretas de elementos estruturais de alvenarias e de pavimentos;
(…)
3. Executa alvenarias estruturais e de tapamento
(…)
4. Executa revestimentos em pavimentos, paredes e tetos
(…)
5. Efetua coberturas de telha de cerâmica ou de outro material
(…)
6. Realiza tarefas inerentes ao carpinteiro de cofragens
(…)
7. Realiza desmontes e demolições, utilizando ferramentas adequadas, nomeadamente martelos pneumáticos e elétricos.
8. Coadjuva na montagem e desmontagem de andaimes exteriores e interiores.
9. Realiza qualquer tarefa inerente ao operário de construção civil: pedreiro.
10. Coadjuva na carga e descarga de materiais para a obra (sacos de cimento, tijolos, telhas, azulejos, mosaicos, pedras, areia, vigas de pré-esforçado, etc.).
11. Verifica a qualidade do trabalho em função das especificações técnicas solicitadas.
12. Assegura a limpeza e conservação das máquinas e ferramentas de trabalho que utiliza”
Analisando os riscos profissionais, as condições ambientais, e as exigências sensoriais, físicas, motoras e cognitivas requeridas para o efetivo desempenho das tarefas exercidas habitualmente pelo trabalhador no concreto posto de trabalho que ocupava à data do acidente, refere-se, ainda, que:
Em termos de riscos profissionais, o trabalhador está sujeito a quedas e a trabalhar em posição de equilíbrio instável (trabalhar em andaimes, em cima de estruturas de betão e de ferro, escadotes e escadas, telhados, etc.).
(…)
Em termos de locomoção a função exige persistentes deslocações em terreno plano, desnivelado e acidentado (escavações, piso da obra com obstáculos), a subida e descida frequente de escadas e andaimes, transportando pesos diversos.
(…)
Ao nível das exigências psicomotoras, é necessária agilidade física e coordenação motora no desenvolvimento das tarefas
(…)
É requerido também elevada firmeza e controlo muscular contínuo ao nível dos membros inferiores (subir e descer escadas e andaimes, manter posturas em equilíbrio instável e em altura, adotar e manter de forma persistente as posturas de joelhos e de cócoras).”
Conclui-se no parecer em apreço que:
“(…)
3. Das principais tarefas, e suas exigências, do posto de trabalho habitual que o Sr. AA desempenhava à data do acidente, destacam-se as seguintes por considerarmos serem as mais relevantes para a avaliação da incapacidade para o trabalho habitual:
• É exigido, de forma persistente, a postura de bipedestação, a capacidade de locomoção e equilíbrio em altura, a capacidade de transferir cargas, que permita desempenhar as tarefas nucleares de pedreiro.
4. Atendendo às exigências requeridas para o desempenho profissional e produtivo das tarefas nucleares ao posto de trabalho de pedreiro, designadamente a persistente necessidade de equilíbrio instável, postura de bipedestação e locomoção, e transferência de cargas, entendemos que as mesmas aparentam ser incompatíveis com as limitações que o Sr. AA aparenta atualmente, perante as sequelas e limitações que o sinistrado apresenta (…).
5. Consideramos ainda, que atendendo à idade, habilitações académicas, experiência e competências profissionais especificas no âmbito de operário especializado da construção civil, assim como as suas incapacidades, parecem inexequíveis as possibilidades de exercício de outras profissões compatíveis, que não requeiram a persistente postura de bipedestação, capacidade de equilíbrio postural e equilíbrio instável em altura, e transferência de cargas, designadamente pedreiro, servente, carpinteiro de cofragens ou pintor de construção civil, refletindo assim o manifesto prejuízo na capacidade de trabalho e de ganho do sinistrado.”
Ora, de acordo com o enquadramento das sequelas do sinistrado na TNI efectuado pelos Srs. Peritos médicos, em particular do foro de ..., o sinistrado apresenta perda auditiva no ouvido esquerdo a que atribuíram uma desvalorização de 20 pontos e vertigens a que atribuíram uma desvalorização inicial de 5%, considerando que esta, apesar de centralmente compensada, é impeditiva do trabalho em altura. Afigura-se-me, assim, que o núcleo fundamental das tarefas inerentes à profissão de pedreiro está comprometido, já que o sinistrado não poderá, sem risco de desequilíbrios e quedas, trabalhar em andaimes, mesas ou plataformas de trabalho. Limitar a actividade do sinistrado a trabalhos ao nível do solo não é compatível com a manutenção da sua profissão habitual de pedreiro. Daí que seja de concluir que, perante a natureza das funções próprias de um pedreiro, associadas à idade do sinistrado (com 59 anos à data da alta), é de concluir que este não se encontra apto para o exercício da sua profissão habitual, ainda que com a limitação resultante do grau de desvalorização para o trabalho em geral que lhe foi atribuído.
É, pois, de concluir que as sequelas resultantes das lesões sofridas pelo sinistrado em consequência do acidente são causa de Incapacidade Permanente e Absoluta Para o Trabalho Habitual (IPATH).”
Vejamos:
A atribuição de IPATH é questão que exige uma maior reflexão e envolve a avaliação de todos os elementos que constam do processo não estando o tribunal absolutamente vinculado aos laudos médico-legais, que como é consabido são apenas meios de prova a apreciar livremente pelo tribunal que poderá deles divergir em situações devidamente fundamentadas, em que sem pôr em causa o juízo técnico emitido pelo peritos médicos podem e devem proceder à sua adequação com a concreta e determinada realidade apurada – cfr. arts. 388.º e 389.º do Código Civil e art.º 489.º do Código do Processo Civil.
Assim, definidas e enquadradas que estão, face à TNI, as lesões e sequelas que o sinistrado apresenta, questão esta de cariz essencialmente técnico/médico, o juízo quanto à questão de saber se as mesmas determinam, ou não, IPATH passa pela apreciação de diversos outros aspetos, como o tipo de tarefas concretas que o trabalho habitual do sinistrado envolve, conjugado, se for o caso, com outros elementos probatórios e com as regras do conhecimento e experiência comuns, o que extravasa um juízo puramente técnico-científico.
Incumbe, assim, ao tribunal decidir se o sinistrado se encontra ou não afetado de uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), para o que se mostra essencial analisar as características da atividade profissional do sinistrado e as funções do seu posto de trabalho.
Para esta avaliação, apresenta-se da maior importância a realização do inquérito profissional e análise do posto de trabalho, a que se reportam as alíneas a) e b) do n.º 13 das Instruções Gerais das TNI, aprovada pelo DL n.º 352/2007, de 23/10, bem como a requisição de parecer por parte de peritos especializados a que se reporta o art.º 21.º, n.º 4, da Lei 98/2009, de 04/09, o qual foi, no caso dos autos, solicitado ao Instituto de Emprego e Formação Profissional, IP, cujo relatório se encontra junto a fls. 489 a 492 dos autos.
Na verdade, a IPATH pressupõe a impossibilidade de o sinistrado executar as tarefas características da atividade laboral que exercia, ficando este, porém, com uma capacidade (residual) para o exercício de outra atividade.
Tal como se sumariou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24/10/2019[1], “I. A incapacidade absoluta para o trabalho habitual não implica a impossibilidade da totalidade das tarefas incluídas na categoria. O que releva é o núcleo essencial dessas funções, as tarefas que dão corpo à categoria, o núcleo das tarefas que eram executadas. II. Deve considerar-se afetado de uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual o sinistrado que apenas pode desempenhar funções residuais ou acessórias do trabalho que habitualmente executava.”
Como refere Carlos Alegre in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª edição, página 96, a propósito da incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), “trata-se de uma incapacidade de 100% para a execução do trabalho habitual do sinistrado, no desempenho da sua específica função, actividade ou profissão, mas que deixa uma capacidade residual para o exercício de outra actividade, laboral compatível, permitindo-lhe alguma capacidade de ganho, todavia, uma capacidade de ganho, em princípio diminuta”.
Contudo daqui não resulta só ser de atribuir IPATH quando o sinistrado não poder executar nenhuma das tarefas que anteriormente desempenhava no seu posto de trabalho, ao invés significa apenas que o sinistrado deixou de poder executar pelo menos o núcleo essencial das tarefas que anteriormente exercia.
Como acertadamente se refere no Ac. RL de 7/3/2018[2], “não se pode falar em IPATH se o sinistrado retoma a totalidade das suas funções ou, pelo menos, o seu conjunto fundamental, embora com limitações decorrentes das lesões sofridas no acidente. Neste caso, o sinistrado, pese embora os constrangimentos e esforço acrescido continua a conseguir executar as tarefas inerentes ao seu posto de trabalho.
Se não consegue, não é reconvertível em relação ao seu posto de trabalho e, em consequência, está afetado de IPATH.”
Na mesma linha o Ac. da R.P. de 30/5/2018[3], o qual refere que, “O exercício de uma profissão/trabalho habitual é caraterizado pela execução, e necessidade dessa execução, de um conjunto de tarefas que constituem o núcleo essencial dessa atividade profissional, não se podendo deixar de concluir que o sinistrado fica afetado de IPATH se as sequelas do acidente lhe permitem, apenas, desempenhar função meramente residual ou acessória do trabalho habitual de tal modo que não permitiria que alguém mantivesse, apenas com essa (s) tarefa (s) residual (ais), essa profissão/trabalho habitual.”
A determinação da existência, ou não, de IPATH nem sempre é fácil, sendo certo que, por vezes, poderá ser ténue a fronteira entre esta e uma vulgar IPP, impondo-se a avaliação da repercussão desta na (in)capacidade para o sinistrado continuar a desempenhar o seu trabalho habitual, correspondendo este às funções fulcrais e que predominante desempenhava à data do acidente.
Assim, o exercício do trabalho habitual corresponde à execução de um conjunto de tarefas que constituem o núcleo essencial de determinada actividade profissional, sendo necessariamente de concluir que o sinistrado fica afectado de IPATH quando as sequelas de que padece, resultantes do acidente apenas permitem desempenhar funções meramente residuais ou acessórias do trabalho habitual que não permitiram a quem quer que fosse que com essas tarefas pudesse manter essa mesma profissão/trabalho habitual.
No caso em apreço foi atribuída ao sinistrado uma IPP com IPATH, com base no parecer emitido pelo IEFP, conjugado com o auto de exame médico singular realizado pelo GML, bem como com a restante informação clínica resultante dos autos, em manifesta divergência no que respeita à atribuição de IPATH com o laudo unanime de junta médica das especialidades.
Voltamos a salientar que a prova pericial, em que se traduzem os exames médicos realizados no âmbito das acções emergentes de acidente de trabalho, está sujeita à livre apreciação pelas instâncias, sendo livremente fixada pelo Tribunal, nos termos prescritos nos artigos 389.º do Código Civil e 489.º do Código do Processo Civil, não estando assim o Tribunal impedido de atribuir maior força probatória a outros meios de prova, que apontem fundamentadamente para a modificação do resultado da perícia médica realizada nos autos e se fixe assim um entendimento divergente daquela[4].
Como temos vindo a defender, designadamente no Ac. de 12-09-2019[5], “resulta do disposto no artigo 140.º do CPT. que a fixação da incapacidade para o trabalho decorre de decisão soberana do juiz, que evidentemente terá de ter em atenção a prova pericial produzida, que deverá ser apreciada livremente pelo julgador. No entanto, atenta a natureza técnica e complexa associada a este tipo de perícia, na maioria dos casos a decisão proferida pelo juiz relativamente à fixação da incapacidade para o trabalho corresponde àquela que foi atribuída pelos peritos médicos que intervieram no processo em exame singular ou colegial e sendo este último presidido pelo juiz, permite-lhe indagar e esclarecer, aquando da realização do exame, todas as suas dúvidas resultantes da complexidade e tecnicidade que normalmente decorre de uma perícia médico-legal.
Reafirmamos que destinando-se esta prova a fornecer ao tribunal uma especial informação de facto tendo em conta os específicos conhecimentos técnicos ou científicos do perito que se não alcançam pelas regras gerais da experiência (cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 261 e segs. e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, 322 e segs.), deve ser apreciada pelo juiz segundo a sua experiência, a sua prudência, o seu bom senso, com inteira liberdade, sem estar adstrito a quaisquer regras, medidas ou critérios legais, o que implica que o juiz possa na decisão de facto afastar-se do que resultou da perícia, mas apenas deverá discordar em casos devidamente fundamentados, nomeadamente baseados em outras opiniões científicas, ou em razões jurídico processuais que se afigurem ao legislador de relevantes.”
Retornando ao caso dos autos teremos de dizer que de forma clara e cabalmente fundamentada e justificada a juiz a quo divergiu dos autos unânimes das juntas médicas da especialidade no que tange à atribuição de IPATH, com o que não podemos deixar de concordar, já que os demais elementos de prova que constam dos autos conjugados com as regras da experiência impunham a divergência aos autos de junta médica da especialidade.
Quer do auto de exame médico singular no qual se ponderou existir risco de queda moderado e valores de equilíbrio reduzido, se conclui pela atribuição de IPTH, quer do parecer elaborado por perito especializado a que se reporta o art.º 21.º, n.º 4, da Lei 98/2009, de 04/09, solicitado ao Instituto de Emprego e Formação Profissional, IP, permite-nos divergir dos autos unânimes de Junta Médica da especialidade, nos quais apenas se conclui (em sede de esclarecimentos aos Peritos solicitados pelo Tribunal), de forma concisa e desprovida de fundamentação (apenas afirmaram que o sinistrado pode manter a profissão, desde que evite trabalhos em altura), não ser de atribuir ao sinistrado IPATH. Não resulta dos referidos laudos que tivessem sido apreciadas as funções concretamente exercidas pelo sinistrado, nem que tivessem tido em conta o núcleo essencial das funções inerentes à profissão de pedreiro.
Como se refere no Ac. da Relação de Évora de 14-06-2018[6], “No caso concreto, não está em causa o laudo pericial emitido pela junta médica, nem o seu juízo científico, mas sim elementos factuais que vão além do mesmo, como sejam as concretas condições e exigências físicas, mentais e emocionais, em que o trabalho era prestado no momento do acidente de trabalho e as suas repercussões no posto de trabalho a partir da data da alta. Em face das sequelas das lesões decorrentes do acidente e das caraterísticas funcionais do posto de trabalho em causa, o tribunal analisa e pondera se no caso concreto o trabalhador pode continuar a prestar aí a sua atividade tal como se não tivesse havido acidente de trabalho, embora de forma mais penosa, ou se tal é impossível.”
No caso dos autos, os elementos probatórios permitem concluir com segurança que o sinistrado, em virtude das lesões sofridas, bem como das respectivas sequelas de que é portador em consequência do acidente dos autos, designadamente as do foro de ... (o sinistrado ficou a padecer de perda auditiva no ouvido esquerdo e vertigens), que são sem dúvida impeditivas, quer do trabalho em altura, quer dos demais trabalhos em que o risco de desequilíbrios e quedas esteja preponderantemente presente, como sejam os trabalhos em andaimes, mesas, plataformas de trabalho, telhados, escadotes, escadas, estruturas de betão, etc.
As limitações provocadas pelas vertigens, tal como resulta do parecer do IEFP impedem que o sinistrado não consiga desempenhar as tarefas nucleares inerentes ao posto de trabalho que ocupava à data do acidente – pedreiro da construção civil -, as quais demandam trabalhar em posições de equilíbrio instável, exigem ampla capacidade de locomoção, em terreno plano, desnivelado ou acidentado, pressupõe a necessária agilidade física e coordenação motora no desenvolvimento das diversas tarefas e por fim requerem também elevada firmeza e controlo muscular contínuo a nível dos membros inferiores (subir e descer escadas e andaimes, manter posturas de equilíbrio instável e em altura e manter de forma persistente as posturas de joelhos e de cócoras).
Mais resulta do parecer do IEFP que o sinistrado após a alta clínica tentou por duas vezes retomar o exercício da sua atividade habitual, mas sem sucesso, atendendo às evidentes limitações, tais como o desequilíbrio postural e risco de queda, consequente das tonturas e vertigens. Entretanto o sinistrado reformou-se pela segurança social.
Importa reter que à data do acidente, o sinistrado desenvolvia habitualmente as seguintes tarefas “executa caboucos e edificações de betão armado, efetua revestimentos de maciços de alvenarias de tijolo, de pedra, ou de outros blocos, efetua roços e demolições, realiza coberturas com telha, efetua trabalhos de ladrilhagem e cofragem, manejando ferramentas e máquinas apropriadas.
Sabemos também que as principais tarefas que o posto de trabalho de pedreiro da construção civil, requerem persistente necessidade de equilíbrio instável, postura de bipedestação, locomoção, e transferência de cargas, ou seja, exigem agilidade física e coordenação motora no desenvolvimento das tarefas, as quais se revelam incompatíveis com as tonturas e vertigens de que padece atualmente o sinistrado.
Em suma, para o desempenho das funções fulcrais de operário da construção civil/pedreiro, é imprescindível que o trabalhador possua um adequado sentido de equilíbrio, robustez e agilidade física com grande destreza manual e coordenação motora para poder praticar as diversas tarefas/funções associadas à sua atividade, que o sinistrado deixou de possuir em face das sequelas de que ficou portador principalmente do foro de ....
Assim, existindo nos autos elementos factuais, designadamente as exigências do trabalho prestado à data do acidente e as suas repercussões no posto de trabalho depois da cura clínica, conjugadas com a idade do sinistrado (59 anos à data da alta) e as regras da experiência, conduzem-nos à impossibilidade do exercício da profissão habitual, já que o sinistrado não consegue realizar o núcleo essencial das funções de sua profissão de pedreiro, designadamente todas que se relacionam com o trabalho em altura, bem andou o julgador ao divergir do laudo de junta médica, atribuindo ao sinistrado IPATH.
De tudo isto resulta, que é de atribuir IPATH se atualmente o sinistrado não tem condições físicas para de forma segura exercer o núcleo essencial das suas tarefas de pedreiro que tinha quando ocorreu o acidente e que impõem a persistente capacidade de equilíbrio postural e equilíbrio instável em altura.
Improcedem as conclusões do recurso e confirma-se a sentença recorrida.

V - DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida
Custas a cargo da Recorrente.
Notifique.
Guimarães, 18 de Dezembro de 2024

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Francisco Sousa Pereira
Antero Dinis Ramos Veiga


[1] Proc. n.º 1730/15.8T8VRL.G1 relator Antero Veiga disponível em www.dgsi.pt
[2] Proc. nº 1445/14.4T8FAR.L1-4 disponível em www.dgsi.pt
[3] Proc. n.º 2024/15.4T8AVR.P1, disponível em www.dgsi.pt.
[4] cfr. Ac. STJ de 8/06/2021, Proc. n. 3004/16.8T8FAR.E1.S1.
[5] Proc. n.º 327/18.5Y2GMR, disponível em www.dgsi.pt
[6] Proc. n.º 1679/15.0T8BJA.E1 (relator Moisés Silva), consultável in www.dgsi.pt