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RECURSOS INTERLOCUTÓRIOS COM SUBIDA A FINAL
Sumário
- O n.º 4 do artigo 644.º do CPC estatui que se não houver recurso da decisão final, as decisões interlocutórias que tenham interesse para o apelante independentemente daquela decisão podem ser impugnadas num recurso único, a interpor após o trânsito da referida decisão; - A eventual procedência do recurso da decisão que indeferiu as impugnações à lista provisória de créditos não implicará na anulação / reversão da decisão que homologou o Plano; - A decisão recorrida (de indeferimento das impugnações) não configura decisão interlocutória com interesse para os apelantes independentemente da decisão final; - Logo, dessa decisão não é admissível recurso nos termos previstos no citado n.º 4 do artigo 644.º do CPC. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Da inadmissibilidade dos recursos interpostos, em coligação, pelos Credores (…), (…) e (…)
No âmbito dos presentes autos de Processo Especial de Revitalização (PER), a Administradora Judicial Provisória juntou a lista provisória de créditos.
Foram apresentadas impugnações, as quais foram objeto de decisão, indeferindo-se as impugnações relativas aos créditos reconhecidos a (…), SA e a (…) Contagem, Lda., bem como as relativas ao montante dos créditos que foram reconhecidos aos Credores Impugnantes, mantendo-se os créditos pelos valores que constam da lista de credores.
Decorrido o prazo de votação do Plano, a AJP apresentou-se a juntar o respetivo mapa do qual consta que foi votado por credores que representam 74,84% dos créditos reconhecidos, sendo que destes, 83,65% votaram favoravelmente e 16,35% votaram desfavoravelmente o Plano; dos votos emitidos, 35,11% são votos não subordinados e, dentro destes, a percentagem de 68,23% votou favoravelmente e 31,77% votaram desfavoravelmente.
Os Credores (…) e (…) constam do mapa como não tendo emitido sentido de voto do Plano, sendo que o Credor (…) votou favoravelmente o Plano.
Nenhum credor se apresentou a requerer a não homologação do plano.
Decorridos os trâmites processuais documentados nos autos, foi proferida sentença, a 11/07/2024, conforme segue:
«(…) nos termos conjugados dos artigos 17.º-F, n.ºs 5 e 7, do CIRE, homologa-se por sentença o plano de recuperação apresentado pela Requerente (…), Lda., a fls. 1831 e seguintes dos autos.»
Por requerimento de 30/07/2024, os Credores (…), (…) e (…), inconformados com a decisão interlocutória que indeferiu as impugnações por si apresentadas à lista provisória de créditos, apresentaram-se a interpor recurso, pugnando pela revogação dessa decisão, a substituir por outra que lhes reconheça a totalidade do crédito reclamado, incluindo-se as rentabilidades de 2020, 2021 e primeiro trimestre de 2022, e que não reconheça os créditos das credores (…), S.A. e (…) Contagem, Lda., devendo ser retirados da lista de credores reconhecidos.
Trata-se, assim, de recurso interposto da decisão interlocutória que indeferiu as impugnações à lista provisória dos créditos, fazendo-se apelo ao regime inserto no artigo 644.º/4, do CPC.
Como questão prévia, os Recorrentes dão conta de que tinham interposto recurso autónomo da decisão de indeferimento das impugnações, que não foi admitido, mais sustentando que “a reapreciação desta matéria, referente aos montantes reconhecidos aos Recorrentes, poderá implicar nova decisão acerca da homologação ou não homologação do plano de recuperação apresentado, considerando que estarão em causa valores substancialmente diferentes, competindo ao Tribunal a quo considerar se se mantêm as condições para a homologação do plano de recuperação.”
Recebidos os autos no TRE, os Recorrentes e a Recorrida foram auscultados quanto à circunstância de o recurso previsto no artigo 644.º/4, do CPC só poder ser interposto após o trânsito da decisão final, o que não se verificava à data da interposição do recurso em apreço, bem como quanto à questão da legitimidade para interpor recurso da decisão final, designadamente pelo Recorrente (…), uma vez que votou favoravelmente o Plano, o que acarreta falta de interesse processual quanto à impugnação de anteriores decisões, o que decorre ainda da não afirmação de uma utilidade efetiva na interposição do recurso (não resultou vencido no desfecho do processo).
A Recorrida pronunciou-se no sentido da inadmissibilidade do presente recurso, por impossibilidade legal.
Os Recorrentes, por seu turno, invocaram que:
- foram notificados da homologação do plano de revitalização a 11/07/2024, terminando o prazo para recurso no dia 29/07/2024, pelo que o recurso foi apresentado no primeiro dia do prazo nos termos do artigo 644.º/4, do CPC, a dia 30/07/2024;
- os princípios da economia processual (cfr. artigo 6.º do CPC) e da boa-fé permitem o aproveitamento dos atos processuais, de modo a evitar nova apresentação de recurso, nova subida do mesmo;
- o voto favorável ao plano apresentado demonstra apenas a concordância do Recorrente com o conteúdo do mesmo, nomeadamente quanto ao prazo e forma de pagamento, e não no que respeita ao montante que lhe será pago;
- a definição do montante a liquidar pela Devedora ao Recorrente dependia da decisão que recaísse sobre as impugnações apresentadas, pelo que esse valor não ficou escrito no plano apresentado.
Mais foram Recorrentes e Recorrida auscultados quanto à falta de interesse para os Recorrentes na decisão interlocutória independentemente da decisão final.
Sustentou a Recorrida que o recurso não deve ser conhecido.
Os Recorrentes, por seu turno, invocaram que não renunciam ao direito de ver corrigido o valor reconhecido aos respetivos créditos, apenas tendo concordado com a forma e prazo de pagamento estabelecidos no Plano, e que são objetivamente afetados e prejudicados pela decisão acerca da impugnação à lista de credores, já que tal decisão afeta diretamente o valor dos créditos que lhes foram reconhecidos e, consequentemente, a posição patrimonial que estes assumem enquanto credores da Devedora; a procedência do recurso interposto levará a que recebam um valor superior. Por via do que entendem subsistir interesse autónomo independentemente da decisão final.
Assim não é, como se passa a explicar.
Sendo certo que a decisão prevista no n.º 5 do artigo 17.º-D do CIRE, de apreciação das impugnações apresentadas à lista provisória de créditos, não é suscetível de recurso autónomo[1] (desde logo por não ter a natureza de incidente processado autonomamente, pois a impugnação da lista, que não tem fundamento específico nem é sujeita ao pagamento de taxa de justiça, não admite sequer resposta, nem a decisão tem força de caso julgado fora do PER), apenas pode ser submetida a apreciação pelo Tribunal da Relação ao abrigo do regime inserto no n.º 3 ou no n.º 4 do artigo 644.º do CPC, consoante o Credor se ache inconformado com a decisão final de homologação/não homologação do Plano e dela pretenda recorrer, ou se encontre conformado com o teor dela.
De facto, o n.º 3 determina que as decisões proferidas pelo tribunal de 1ª instância que não se enquadrem nas situações elencadas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 644.º podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1. A parte que tenha ficado vencida na decisão final e que dela pretenda interpor recurso há de impugnar, nesse recurso, as decisões intercalares que pretenda anular ou reverter. Se considerar não dispor de fundamento que sustente o recurso da decisão final, pretendendo ainda assim obter a anulação ou a revogação da decisão final, ainda assim pode ter lugar a interposição de recurso da decisão final sustentada na impugnação da decisão interlocutória com função instrumental e prejudicial relativamente ao resultado final, invocando-se fundamento específico que não se encontra diretamente nessa decisão mas na decisão interlocutória.[2] Tal regime confere “a possibilidade de a parte vencida introduzir no recurso da decisão final a reapreciação de decisões intercalares, com o risco de a sua eventual revogação provocar efeitos anulatórios de um determinando segmento da tramitação processual e afetar a decisão final.”[3]
Já o n.º 4 estatui que se não houver recurso da decisão final, as decisões interlocutórias que tenham interesse para o apelante independentemente daquela decisão podem ser impugnadas num recurso único, a interpor após o trânsito da referida decisão. Assim, nas situações em que a parte não interponha recurso da decisão final, as decisões intercalares que pretenda atingir deverão integrar recurso autónomo, a interpor após o trânsito da decisão final, desde que se afirme o interesse do Recorrente na referida impugnação, o que se afere pela utilidade efetiva na intervenção do Tribunal Superior. E porque se trata de recurso interposto após o trânsito da decisão final, que não foi objeto de recurso, o interesse para o apelante há de ser um interesse autónomo diferenciado do efeito jurídico da decisão final que transitou em julgado e que não será afetado pelo desfecho deste recurso. “Só pode tratar-se de decisões com interesse independente da transitada decisão final.”[4]
Relativamente ao interesse para o apelante, que não interpôs recurso da decisão final, nas decisões interlocutórias, esclarece Abrantes Geraldes[5] o seguinte:
«Assim, sem embargo da razão que porventura assista à parte relativamente a determinadas decisões interlocutórias, se for declarada vencedora na ação não se verificará, em regra, interesse na impugnação de tais decisões que, na prática, exercem uma função meramente instrumental. Faltando-lhe, nessa eventualidade, legitimidade para impugnar a decisão principal, carecerá também de interesse processual quanto à impugnação de anteriores decisões.
Mais frequentes serão os casos de ausência de interesse na impugnação de decisões intercalares quando a parte vencida na ação nem sequer interponha recurso da decisão final. Não sendo impugnada esta decisão, vedado lhe estará solicitar a reapreciação de decisões que tenham sido consumidas pela resultado final, depois de terem desempenhado para a decisão uma função meramente instrumental.
Em ambos os casos, independentemente de quem tenha sido declarado parte vencedora na ação, certas decisões intercalares apresentam autonomia. Assim, desde que algum interesse legítimo advenha para a parte da revogação, alteração ou anulação da decisão intercalar, estão reunidas as condições para a interposição do recurso autónomo, verificados que sejam os demais requisitos legais.»
Será o caso, designadamente, de decisão interlocutória que considere ter o mandatário incorrido na violação do dever de urbanidade, com comunicação à Ordem dos Advogados para os efeitos tidos por convenientes. Será o caso, designadamente, de decisão interlocutória que que considere ter a parte incorrido na violação do dever de respeito devido ao Tribunal e no eventual crime de desobediência, determinando a extração de certidão para efeitos de procedimento criminal. Configuram, entre outras, decisões interlocutórias que têm interesse para o apelante[6] independentemente da decisão final.
Revertendo para o caso em apreço, é de salientar que a eventual procedência do recurso da decisão que indeferiu as impugnações não implicará na anulação/reversão da decisão que homologou o Plano.
Importa, assim, aferir se os Recorrentes são titulares de interesse, interesse independente da transitada decisão final, na reapreciação da decisão que indeferiu as impugnações.
Como é sabido, «a lista de credores (…) não visa a satisfação dos créditos, pelo que o seu conteúdo não afeta diretamente os créditos. O que verdadeiramente pode afetar o direito de crédito é o plano de recuperação. Claro que a lista de créditos será relevante na votação do plano, mas não se pode olvidar que, qualquer que seja o sentido da votação, o plano não pode colocar os credores numa situação previsivelmente pior do que a que se verificaria na ausência do plano.»[7]
Por outro lado, «a decisão sobre as impugnações não é efetivamente necessária para a aprovação e homologação de um plano, pois o quórum e maioria de deliberação podem ser computadas exclusivamente com base na lista provisória de créditos, podendo o juiz computar os créditos que tenham sido impugnados se considerar que há probabilidade séria de tais créditos deverem ser reconhecidos.»[8]
Certo é que «o PER não tem como finalidade dirimir litígios sobre a existência, natureza ou amplitude de créditos. A decisão sobre a reclamação de créditos é meramente incidental pelo que nos termos do n.º 2 do artigo 96.º do CPC não constitui caso julgado fora do respetivo processo.»[9]
Em conclusão,
A decisão sobre as impugnações à lista de créditos releva para efeitos de determinação do universo dos créditos e respetivos titulares, implicando na definição de quem pode participar nas negociações, no procedimento de aprovação do acordo e na eventual oposição ao mesmo e, bem assim, no estabelecimento da base de cálculo das maiorias necessárias. Donde, a lista só é definitiva nos termos e para os efeitos do processo de revitalização.[10]
Em face de tal regime, afigura-se que, transitada que está a decisão de homologação do Plano de Recuperação aprovado, nenhum interesse atendível pode ser invocado pelos Credores Recorrentes. A eventual derrogação da decisão que apreciou as impugnações formuladas pelos referidos Credores não tem a virtualidade de bulir com a decisão final transitada em julgado nem define a natureza e a amplitude dos créditos de que se arroguem os impugnantes noutros enquadramentos ou procedimentos.
Por outro lado, mesmo que se considere a posição dos credores apenas em face do PER, certo é que a decisão final de homologação transitou em julgado. A decisão transitada em julgado homologou o Plano de Recuperação apresentado pela Requerente a fls. 1831 e seguintes dos autos. Desse Plano constam os créditos dos Recorrentes lançados pelos valores decorrentes da decisão interlocutória recorrida. Valores que, por integrarem o Plano homologado pela sentença transitada em julgado, não são suscetíveis de alteração neste concreto processo. Por conseguinte, não podem os Recorrentes almejar obter o reconhecimento e pagamento de créditos por valor superior ao que consta do Plano homologado pela sentença transitada em julgado.
A decisão recorrida não configura, pois, decisão interlocutória com interesse para os apelantes independentemente da decisão final.
Acresce não ter sido oportuna a interposição do recurso, já que não foi observado o regime inserto na parte final do n.º 4 do artigo 644.º do CPC, não tendo os Recorrentes respeitado o prazo dilatório ali consagrado[11] – cfr. artigo 139.º/2, do CPC.
Termos em que se indefere o requerimento de interposição de recurso pelos Credores (…), (…) e (…) – artigo 641.º, n.ºs 2, alínea a) e 5, do CPC.
Sumário: (...)
Évora, 13/11/2024
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
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[1] TRE de 08/06/2016, proc. 39/16; TRC 06/06/2017, proc. 608/17.
[2] Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo CPC, 3.ª edição, pág. 179.
[3] Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 180.
[4] Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil, O Novo Regime Recursório Civil, 4.ª edição, pág. 135.
[5] Ob. cit., pág. 182.
[6] Cfr. artigo 631.º, 1 e 2, do CPC.
[7] Nuno Salazar Casanova, David Sequeira Dinis, PER, 1.ª edição, págs. 75 e 76.
[8] Nuno Salazar Casanova, David Sequeira Dinis, ob. cit., pág. 77.
[9] Nuno Salazar Casanova, David Sequeira Dinis, ob. cit., pág. 79.
[10] Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, 3.ª edição, pág. 155.
[11] A decisão final foi notificada a 11/07/2024, pelo que se tem por notificada a 15/07/2024 (cfr. artigo 255.º do CPC); o recurso foi interposto a 30/07/2024, data em que ainda não tinha transitado a decisão final.