- Nos casos de violência doméstica a produção antecipada de prova tem a finalidade de protecção da própria vítima, para minimizar a vitimização secundária e repetida, prevenir a intimidação e a retaliação e evitar que as repercussões decorrentes do trauma se reflictam negativamente na aquisição da prova e na genuinidade dos depoimentos.
- O art.º 33º da Lei nº 112/2009, de 16/09, não estabelece a obrigatoriedade de a vítima de violência doméstica prestar declarações para memória futura.
- O critério para determinar os casos em que tal situação deve ocorrer resulta da ponderação entre o interesse da vítima de não ser inquirida senão na medida do estritamente indispensável às finalidades do processo e o interesse da comunidade na descoberta da verdade e na realização da justiça.
Nos autos de inquérito nº 1896/24.6GBABF do Tribunal Judicial da Comarca de …, Juízo Local Criminal de … - Juiz …, por despacho datado de 23/10/2024, foi indeferida a tomada de declarações para memória futura de AA, requerida pelo Ministério Público.
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Inconformado com aquela decisão, veio o Ministério Público interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
“a) Têm por objecto os presentes autos a prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, nº 1, al. b), e nº 2, al. a) do Código Penal.
b) Quando inquirida perante OPC, a vítima descreveu factos de considerável gravidade (o próprio nível de risco foi graduado em elevado), dos quais destacamos (1) aquele em que a vítima refere que o arguido, na presença do filho da vítima, agarrou numa faca de grandes dimensões e começou a manuseá-la ao mesmo tempo que proferia a expressão “daqui ninguém sai e ninguém entra”; (2) o episódio em que o arguido, no interior do automóvel, apertou o pescoço da vítima e de seguida disse que a matava e depois que iria cometer o suicídio; e, para não ser demasiado exaustivo, (3) o episódio que esteve na origem da instauração do presente inquérito, no qual ocorreram severas agressões físicas e ameaças de morte. A gravidade dos factos é de tal ordem que a própria vítima afirmou que cedia aos caprichos do arguido para evitar discussões, ao ponto de se tornar submissa durante a relação.
c) O Ministério Público considerou que era necessário realizar nova inquirição da vítima com vista a recolher esclarecimentos adicionais sobre os episódios de violência sofridos.
d) Com vista a evitar a repetida audição no processo (pretendendo, assim, afastar o perigo de revitimização) e com o propósito de acautelar a genuinidade do depoimento (uma vez que o arguido é o ex-companheiro da vítima), possibilitando que as declarações prestadas pela vítima sejam tomadas em conta no julgamento (na eventualidade do processo prosseguir para essa fase processual), o Ministério Público requereu a tomada de declarações para memória futura nos termos e pelos fundamentos constantes no despacho de fls. 263-265.
e) O Tribunal a quo decidiu indeferir o requerido, indicando como conclusão final da sua decisão o seguinte: “tanto quanto extraímos do processado a prestação de declarações para memória futura requerida tem abrigo formal na norma do art. 33º da Lei nº 112/2009, mas inexiste fundamento para crer que a diligência alcançaria qualquer dos interesses materiais substantivos visados pela norma habilitante. Por um lado, inexiste a nosso ver qualquer substrato material que dê abrigo ao requerido (reserva da intimidade, perecimento da prova, particular fragilidade da pessoa a ouvir, etc.). Por outro, é provável que a realização da diligência acabe por desaguar em mais inquirições judiciais da ofendida (em vez de menos),, o que é contrário ao propósito de salvaguarda da pessoa a ouvir que pode dar abrigo formal à diligência. Assim sendo, apenas a mera conveniência da investigação parece aconselhar a realização da diligência requerida. Pelos motivos que que ficam expostos, indefiro o requerido”.
f) A vítima nos presentes autos não só vítima, mas sim vítima especialmente vulnerável. Com efeito, o nº 3 do artigo 67º-A do CPP refere expressamente que “as vítimas de criminalidade violenta, de criminalidade especialmente violenta e de terrorismo são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis”. E o crime de violência doméstica configura expressa e legalmente criminalidade violenta –cfr. artigo 1.º, al. j) do Código de Processo Penal.
g) No caso concreto, esta pessoa é vítima especialmente vulnerável, não apenas porque tal é uma decorrência dos dispositivos legais referidos, mas também pelos seguintes motivos: foi vítima de violência física e psíquica de relevante gravidade; todo esse quadro de violência foi gerado pelo arguido, o qual, durante um longo período de tempo, atormentou a vítima; situação que potencia um grau de agressividade passível de gerar sentimento de insegurança à vítima, tendo a mesma, quando prestou declarações, afirmado que se tornou uma pessoa submissa durante a relação e não se impunha por sentir receio de vir a sofrer represálias; o significativo lapso temporal em causa, cujos factos delituosos foram praticados desde Novembro de 2021 até pelo menos Agosto de 2024; e, como ocorre em inúmeros casos, quando o arguido toma conhecimento da existência dos presentes autos, como já ocorreu, existe o sério risco que volte a importunar a vítima, na tentativa de a demover de denunciar mais factos ou de a levar a prestar um depoimento, nomeadamente em sede de julgamento, que não o prejudique.
h) Situações de violência física e psíquica como as descritas nos presentes autos são suscetíveis de causar prejuízos psicológicos, os quais podem surgir de imediato ou a médio ou a longo prazo.
i) As vítimas de violência doméstica que são sujeitas a constantes e reiteradas agressões físicas e psicológicas têm uma maior tendência para esquecer alguns episódios e de perder a noção do tempo em que ocorreram. É compreensível que assim seja por diversas ordens de razões, entre as quais: (1) a própria vítima, inconscientemente, gera mecanismos de defesa para se proteger dos efeitos nefastos derivados dos episódios de violência vivenciados, esquecendo o que ocorreu ou minimizando a sua gravidade; e (2) a sujeição a reiterados e constantes episódios de violência implica que se torne difícil descrever cada um deles, separadamente e pormenorizadamente.
j) Importa ainda ter em consideração a existência de sérias consequências no adiamento da recolha e consolidação do depoimento da vítima, consequências essas que podem surgir com o tempo decorrido entre os episódios de violência e a prestação do depoimento, quer pela questão da interferência temporal, quer pelo sugestionamento acidental (por exemplo, cada depoimento no processo ou mesmo um relato perante terceiros, mesmo que informal, constitui um processo de aprendizagem em que cada questão feita pelo interlocutor pode ser assimilada na memória da vítima, influenciando as evocações posteriores).
k) Esta concreta vítima de violência doméstica, por ter sido sujeita a diversos episódios de violência física e psicológica, está sujeita a maiores perdas de memória.
l) Ao contrário pelo defendido pelo Tribunal recorrido, a tomada de declarações para memória futura possibilita que esta vítima não volte a ser inquirida ao longo do processo.
m) Ao contrário da posição assumida pelo Mmº Juiz de Instrução, a tomada de declarações para memória futura permitirá acautelar, de forma muito significativa, esta consequência da necessidade de falar sobre factos com relevância criminal.
n) A salvaguarda da integridade psíquica e física da vítima é a principal preocupação do titular dos presentes autos e signatário do presente recurso. Não se requer a realização de uma diligência de tomada de declarações para memória futura com base em conveniência da investigação. Aquilo que é conveniente e pelo qual pugnamos é salvaguardar a integridade física e psíquica da vítima, desiderato que será possível alcançar com a realização da diligência requerida.
o) Pelo exposto, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 67.º-A, n.º 1, e nº 3, e 271.º, do Código de Processo Penal, 24.º, n.º 1, da Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro, e 33.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro.
p) Numa interpretação conforme com o disposto nestas normas legais, salvo melhor entendimento, ao Mmº Juiz de Instrução apenas lhe cabia tomar uma decisão diversa daquela que agora se recorre, mormente determinando a tomada de declarações para memória futura.
q) Por todos os motivos expostos discorda-se do teor do despacho proferido pelo Mmo. Juiz de Instrução, motivo que funda o presente recurso e motivo pelo qual se apela à sua revogação pelos Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Évora.
r) Nesta senda, deve o presente recurso ter provimento e, consequentemente, ser revogado o despacho recorrido e, em consequência, deverá ser ordenada a tomada de declarações para memória futura à vítima AA.”
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O recurso foi admitido, com subida imediata, em separado e efeito suspensivo.
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Nesta Relação, o Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, acompanhando a posição já assumida na 1ª instância.
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Proferido despacho liminar, teve lugar a conferência.
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2 – Objecto do Recurso
Conforme o previsto no art.º 412º do Cód. Proc. Penal, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso, as quais delimitam as questões a apreciar pelo Tribunal ad quem, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cf. neste sentido, Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 1994, pág. 320, Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos Penais”, 9ª ed., 2020, pág. 89 e 113-114, e, entre muitos outros, o acórdão do STJ de 5.12.2007, no Processo nº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt).
À luz destes considerandos, a questão a decidir neste recurso consiste em apurar se o despacho que indeferiu o pedido de tomada de declarações para memória futura de AA deverá ser revogado e substituído por outro que o autorize.
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3- Fundamentação:
Nos presentes autos investigam-se factos suscetíveis de integrarem a prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art.º 152º, nº 1, alínea b) e nº 2, alínea a) do Cód. Penal, por parte do arguido BB contra AA.
É a seguinte a decisão recorrida, datada de 23/10/2024:
“Veio o Ministério Público requerer a tomada de declarações para memória futura de uma testemunha, AA, vítima do crime investigado nos autos.
Para tanto invocou, em síntese,
Que a diligência é admissível por se enquadrar nas normas dos artigos:
33º nº 1 da Lei nº 112/2009 de 16 de Setembro (Regime Jurídico aplicável à Prevenção da Violência Doméstica), e 24º nº 1 da Lei nº 130/2015 de 4 de Setembro (Estatuto da Vítima).
E deve ter lugar no caso uma vez que:
A diligência pode acautelar a fiabilidade do depoimento, já que a demora na recolha de provas pode alterar a sua memória ou causar sugestionamentos acidentais futuros, A inquirição da testemunha em sede de audiência de julgamento pode causar-lhe prejuízo psicológico, atendendo à relação familiar que tem com o denunciado, e à natureza do crime em investigação,
E, bem assim, é provável que a tomada de declarações para memória futura no inquérito evitará a exposição repetida da ofendida ao sistema judicial, exposição essa que pode trazer-lhe também prejuízo psíquico.
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No caso dos autos, face ao processado, afigura-se-nos —desde já adiantamos— que o requerido não tem, pelo menos por ora, fundamento bastante. Com efeito, pese embora no caso estejam reunidos os pressupostos formais para ser admissível a diligência, cremos que não há motivos substantivos concretos para ser deferida a sua realização.
Antes do mais, assinale-se que a tomada de declarações para memória futura, nos termos legais aplicáveis ao caso, está dependente de decisão do juiz nesse sentido: decorre das normas em abstracto aplicáveis,
O art. 33º nº 1 da Lei nº 112/2009 de 16 de Setembro (Regime jurídico aplicável à Prevenção da Violência Doméstica),
O art. 24º nº 1 da Lei nº 130/2015 de 4 de Setembro (Estatuto da Vítima), e
O art. 28º nº 2 da Lei 93/99 de 14 de Julho (Lei de Protecção de Testemunhas),
Que tal diligência pode ser realizada, inexistindo porém obrigatoriedade da sua realização. Com efeito, na lei processual a realização obrigatória da tomada de declarações para memória futura está consagrada expressamente —desde que verificados os respectivos pressupostos objectivos, sem margem para qualquer ponderação do juiz acerca da bondade da diligência— apenas no art. 271º nº 2 do Código de Processo Penal.
Em contraponto à obrigatoriedade prevista na hipótese específica do art. 271º nº 2 do CPP (ou seja, fora dos casos de crimes sexuais contra menores) (Casos em que intercede imperativamente o interesse de acautelar a realização de justiça mesmo que, eventualmente, apenas muitos anos depois da ocorrência dos factos (arts. 113º nº 6 e 115º nº 2 do Código Penal), nos demais casos legalmente previstos a tomada de declarações para memória futura depende sempre de um juízo: seja (com vista à preservação da prova, em nome do interesse de realização de justiça) sobre a existência de perigo de perda da prova ( Nos casos do art. 271º nº 1 do CPP sobre se há ou não indícios suficientes de que a pessoa a ouvir está acometida de doença, se a doença será grave ou não, ou se é suficientemente grave que ponha em risco o seu depoimento posterior em audiência; Sobre se há ou não indícios de que a deslocação para o estrangeiro será momentânea ou terá carácter permanente, e neste caso se provavelmente impedirá o testemunho na audiência; etc.), seja sobre a ponderação dos interesses específicos ( Nos casos do art. 271º nº 1 do CPP a reserva da esfera da intimidade sexual da pessoa (e, no caso dos crimes de tráfico de pessoas, a possível fusão entre os dois perigos, perda prova e reserva da intimidade), nos outros casos previstos na lei (Lei nº 112/2009, Lei nº 130/2015, Lei 93/99), a protecção da tranquilidade e estabilidade psíquica da pessoa a ouvir.
Em certos casos intercede ainda o interesse de promoção de uma investigação suficientemente célere (pelo menos em parte será também este um dos interesses inerentes ao art. 33º nº 1 da Lei nº 112/2009, em face do disposto no nº 6 do mesmo artigo, no contexto do nº 7 do normativo e do art. 28º da mesma lei: não parece ser algum interesse dos peritos —nº 6 daquele art. 33º— que justifica a admissibilidade de alguma antecipação da sua intervenção no processo, sendo a urgência que o legislador quis atribuir às investigações o que parece ser, pelo menos em parte, a justificação para a realização antecipada das diligências que, normalmente, ocorrem só na audiência) que (com vista, essencialmente, a salvaguardar a pessoa a ser ouvida) justificam em certos casos a realização da diligência.
Ou seja, fora dos do art. 271º nº 2 do CPP, nenhuma das normas ( O que dizemos vale em igual medida para todas as normas processuais que permitem a constituição de prova pessoal antes da acusação, para que os depoimentos pré-constituídos possam valer, como testemunho, na audiência de discussão e julgamento: a possibilidade (em contraponto à obrigatoriedade do art. 271º nº 2 do CPP) é a regra dos arts. 33º nº 1 da Lei nº 112/2009 (Regime jurídico aplicável à Prevenção da Violência Doméstica); 24º nº 1 da Lei nº 130/2015 (Estatuto da Vítima); e 28º nº 2 da Lei 93/99 (Lei de Protecção de Testemunhas) aptas a dar abrigo à realização da diligência dispensa, para além da verificação dos requisitos formais (tratar-se de vítima especialmente vulnerável, investigar-se um crime de violência doméstica, etc.), um juízo sobre a sua fundamentação substantiva, ou seja, sobre a adequação da diligência para lograr os objectivos que justificam a sua realização.
Bem se entende que assim seja, uma vez que as normas que regem o instituto em causa pretendem alcançar um equilíbrio entre os interesses em jogo, tanto os que o fundamentam em certos casos como os que o desaconselham noutros.
De um lado, como se disse antes, a preservação de provas perecíveis e/ou da saúde psíquica e reserva da intimidade da pessoa ouvida. E, do outro, os princípios do contraditório pleno, da “igualdade de armas” entre os sujeitos do processo penal, e da imediação na avaliação das provas.
Do que se conclui que em casos como o dos autos (que não se enquadra nos casos de tomada obrigatória de declarações para memória futura) a realização da diligência carece de fundamento substantivo, não sendo legítima a pré-constituição de prova pessoal para valer na audiência (com a consequente, e inevitável, compressão dos valores do contraditório pleno e “igualdade de armas”) por causa do singelo cumprimento dos seus requisitos formais, para mera conveniência da investigação (Em contraponto, também não é legítimo indeferir-se a realização da diligência apenas porque o juiz entende que a investigação seria melhor direccionada neste ou naquele sentido — a direcção do inquérito cabe apenas ao Ministério Público (arts. 53º nº 1 e 263º nº 1 do CPP), ao juiz cabe (apenas) decidir sobre haver, ou não, fundamentos para a concreta diligência de prova requerida, uma vez que a mesma, de acordo com a lei, carece de despacho autorizativo do juiz.) Numa formulação talvez mais simples: caso a diligência requerida seja no caso concreto contrária à ratio das normas que permitem a sua realização, ou não preencha de forma alguma essa ratio (que é sempre distinta da mera conveniência da investigação), cumprirá indeferi-la mesmo que os pressupostos formais estejam verificados.
Cumpre pois verificar, em primeiro lugar, se os requisitos formais que admitem a realização da tomada de declarações para memória futura estão verificados e, em segundo lugar, se no caso concreto é provável ou não que os interesses substantivos visados pelas normas habilitantes sejam efectivamente conseguidos pela realização da diligência.
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No que concerne aos pressupostos formais (que tornam admissível, em abstracto, a constituição de prova pessoal/testemunhal fora da audiência e antes da acusação) o caso concreto admite a realização da diligência.
Com efeito, o crime investigado é violência doméstica, e a pessoa a ouvir é a vítima do crime, o que dá ao requerido legitimidade formal: as normas do regime processual especial relativo ao crime de violência doméstica (Lei nº 112/2009) admitem a tomada de declarações para memória futura da vítima (art. 33º nº 1 da referida Lei).
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Concluindo-se ser admissível a diligência, vejamos agora se dos autos dimana algum fundamento substantivo que aconselhe (ou imponha) a sua realização.
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Assinale-se, antes do mais, que a prestação de declarações para memória futura, revestindo carácter menos formal do que as audiências de julgamento não é —longe disso - inócua: no seu decurso as testemunhas podem ser sujeitas a linhas de inquirição relevantes que são aptas a causar inquietação e intranquilidade emocional (seja porque ab initio é sobre tais matérias que se pretende saber o que é do seu conhecimento, seja porque a prestação de declarações para memória futura está sujeita a contra-interrogatório pela Defesa - o que não sucede nos casos em que se realize uma inquirição pelo Ministério Público).
Sabendo que assim acontece, haverá que equilibrar também estes factores -apesar da menor formalidade por comparação à audiência, a prestação de declarações para memória futura pode também causar os resultados que aquela própria diligência pretende evitar - para decidir se deve ou não ter lugar a pré-constituição de prova pretendida. Dito de outro modo: considerando os interesses em causa, casuisticamente haverá que aferir se a diligência pretendida é, ou não, apta a conseguir os desideratos que a justificam em certos casos.
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Assinale-se, ainda, que a lei processual prevê que em regra a tomada de declarações para memória futura não prejudica a prestação posterior de depoimento na audiência de julgamento, excepto se essa repetição for impossível ou puser em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que deva depor.
Assim o estatui expressamente o art. 271º nº 8 do CPP (Onde se lê: “A tomada de declarações nos termos dos números anteriores não prejudica a prestação de depoimento em audiência de julgamento, sempre que ela for possível e não puser em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que o deva prestar.”), sendo a regra respeitante à questão da Lei nº 112/2009 (Regime Jurídico aplicável à Prevenção da Violência Doméstica) absolutamente simétrica ao regime processual geral (art. 33º nº 7 do diploma).
No caso da Lei nº 93/99 de 14 de Julho (Lei de Protecção de Testemunhas), o diploma não prevê especialidades, pelo que se aplica a regra geral do art. 271º do CPP (para o qual, aliás, o art. 28º nº 2 dessa Lei 93/99 remete expressamente).
A excepção a esta regra acontece apenas no caso de o abrigo formal da diligência ocorrer somente ( Tratando-se de vítima (ou assistente, ou parte civil, etc.; cfr. art. 33º nº 6 da Lei nº 112/2009) em crime de violência doméstica aplica-se o regime próprio da Lei nº 112/2009 - ou seja, a regra é a de que a diligência não prejudica a prestação posterior de depoimento na audiência, se requerida por algum sujeito do processo com legitimidade para o efeito, salvos casos de impossibilidade ou risco para a saúde da pessoa ouvida. Note-se que a publicação em 2015 da Lei nº 130/2015 (Estatuto da Vítima, posterior à Lei nº 112/2009) não revogou tacitamente o nº 6 do art. 33º da Lei nº 112/2009. Com efeito este art. 33º sofreu alteração praticamente simultânea (o Estatuto da Vítima, Lei nº 130/2015, foi publicado em Diário da República em 4 de Setembro de 2015, sendo que a redacção actual do art. 33º da Lei nº 112/2009 resulta da alteração operada pela Lei nº 129/2015, publicada no dia imediatamente anterior) e o legislador deixou então intocada a regra do seu nº 6 (o que sucedeu igualmente nas seis alterações legislativas entretanto feitas à mesma lei).) pela via do art. 24º da Lei nº 130/2015 de 4 de Setembro (Estatuto da Vítima), caso em que a repetição fica excluída a menos que seja indispensável para descoberta da verdade.
Ou seja, de acordo com as regras expressamente consagradas na lei processual (e, em particular, na Lei nº 112/2009, Regime Jurídico aplicável à Prevenção da Violência Doméstica), ressalvados os casos de impossibilidade ou risco concreto para a saúde da pessoa que deva depor, a tomada de declarações para memória futura não evita que a pessoa seja (novamente) ouvida na audiência.
A regra tem fundamentos evidentes.
Por um lado, tendo ficado acautelada a eventual perda da prova mas constatando-se que, afinal, esta não pereceu, nenhum motivo justificaria a compressão dos princípios do contraditório pleno, da “igualdade de armas” dos sujeitos do processo, e da imediação.
Por outro lado, a regra da audição na audiência evita que o instituto (que implica sempre alguma compressão de outros interesses centrais ao processo penal) possa vir a transformar-se, para mera conveniência das investigações (mas sob pretexto da protecção da pessoa ouvida), no padrão probatório do processo penal. Havendo efectivo risco para a saúde da pessoa ouvida, a lei processual hierarquiza, legitimamente, os interesses em causa; não havendo tal risco, nenhuma justificação ( Assinale-se ainda que, apesar da regra ser distinta na Lei 130/2015, o princípio que dela dimana é muito próximo: sendo indispensável para realização da justiça a nova prestação de declarações em audiência, então a mesma deve ter lugar (ressalvado risco para a saúde da pessoa ouvida, caso em que o non liquet subjacente à indispensabilidade de prestação de declarações na audiência deve ser resolvido em favor da pessoa acusada) existe para comprimir aqueles outros interesses do processo penal contrários à produção de prova pessoal fora da audiência e antes da acusação.
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Feitas as considerações que antecedem, voltemos ao caso.
A pessoa a quem o Ministério Público pretende sejam tomadas declarações é vítima do crime objecto dos autos, sendo violência doméstica o crime investigado, e no caso a pré-constituição da prova pessoal deve ter lugar, no entendimento do Ministério Público,
Tanto porque a diligência pode acautelar a fiabilidade do depoimento,
Como porque a sua inquirição em sede de audiência de julgamento pode causar-lhe prejuízo psicológico (a ofendida já foi ouvida pelos serviços do Ministério Público, cfr. fls. 66), atendendo à relação familiar que tem com o denunciado, e à natureza do crime em investigação,
Como ainda porque realizando-se a diligência provavelmente não terá de repetir-se a sua inquirição na audiência, caso o processo venha a transitar para a fase de julgamento.
Em face do estado presente dos autos, não acompanhamos o entendimento do Ministério Público.
No que concerne à perda de fiabilidade do depoimento por causa do passar do tempo, é patente que o decurso do tempo pode efectivamente prejudicar a memória das pessoas (o normal é efectivamente haver pelo menos algum prejuízo) e, em certas situações particulares, justificar a diligência requerida (assim sucederá por regra, por exemplo, em casos de crianças em idades em que pode interceder a amnésia infantil). Porém, do processado não vemos nenhum indício de que esse risco será no caso dos autos superior a toda e qualquer investigação criminal. Não há o mais ténue indício de que a ofendida (uma mulher adulta) perderá mais facilmente a memória do que toda e qualquer pessoa normal da sua idade. Ora, assim sendo, e sabendo que a regra do processo penal é as provas serem produzidas, contraditadas, e discutidas na audiência, não resultando dos autos que no caso seja elevado o risco de perda da prova, não concluímos que, por essa via, deva haver algum desvio a tal regra.
A mesma conclusão extraímos para o invocado risco de prejuízo psicológico adveniente da relação de união de facto que a ofendida teve com o denunciado. A relação, tanto quanto dimana dos autos, já não existe (fls. 66 verso) pelo que não se vislumbra algum prejuízo psicológico assinalável que possa surgir por essa via, e a relação (já extinta, ao que se sabe) não aparenta ter demovido a ofendida, de qualquer forma ou em qualquer medida, de relatar o sucedido livremente.
A nosso ver não colhe também o argumento respeitante à natureza do crime investigado. A singela natureza do crime não é a nosso ver fundamento material suficiente para o requerido, uma vez que o legislador previu expressamente que, nos crimes com a natureza daquele que se investiga no caso, a tomada de declarações para memória futura não é de realização obrigatória (a obrigatoriedade de realização da diligência por reporte à natureza do crime investigado sucede somente nos casos do art. 271º nº 2 do CPP). Tal natureza dá abrigo formal à realização da diligência, mas não mais que isso. E no que toca à matéria de facto investigada até ao momento (no essencial, as agressões relatadas na inquirição de fls. 66/69), os factos não são tão graves que, por si só, apontem no sentido de que a prestação de testemunho em audiência, por oposição à diligência requerida ( Também na audiência poderá a ofendida ser ouvida com afastamento do arguido quando da prestação de declarações (art. 352º do Código de Processo Penal, CPP), também na audiência pode excluir-se a publicidade do acto (art. 87º do CPP), e também na audiência poderá a ofendida ser ouvida em ambiente informal e reservado (art. 22º nº 1 da Lei nº 112/2009, Regime Jurídico aplicável à Prevenção da Violência Doméstica), poderá causar-lhe trauma psíquico assinalável.
Por fim, no quadro legal e investigativo do caso concreto (art. 33º da Lei nº 112/2009), tanto quanto extraímos do processado inexiste motivo para crer que a chamada da ofendida à audiência (se arrolada como testemunha pelo arguido, por exemplo) será provavelmente evitável com a realização da diligência requerida.
Por um lado, nenhum sinal dos autos indicia que a prestação posterior de depoimento na audiência de julgamento será impossível ou colocará em causa a saúde física ou psíquica da ofendida (art. 33º nº 7 da Lei 112/2009).
Além disso, das diligências investigativas feitas até ao momento resulta mesmo ser séria a probabilidade de a ofendida ser chamada a depor na audiência, por tal depoimento ser necessário para descoberta da verdade. Com efeito, o contraponto entre o relato da ofendida de fls. 66/69 e as declarações do arguido de fls. 95/97 é absolutamente evidente, sendo diametralmente distintas as versões sobre os factos ilícitos. E esta oposição entre versões estende-se também a quase todos os detalhes e circunstancialismos dos acontecimentos. A título de mero exemplo atente-se na inquirição de fls. 66 onde se reporta (fls. 67) que o arguido, sem qualquer motivo aparente, tentou parar, com agressividade, a ofendida de cantar na rua. Já a fls. 96 relata-se que a cantiga (que o arguido afirma ter pedido, sem agressividade, que parasse) seria afinal uma “provocação” ao arguido, e estaria relacionada com uma sua relação amorosa anterior. Vários outros exemplos, de índole semelhante (versões diametralmente opostas quanto a factos principais, quanto a circunstâncias, quanto a detalhes, quanto a motivações, etc.), se respigam nos dois actos processuais. Neste quadro de versões em que tudo é tão díspar (e novas disparidades podem surgir na diligência ora requerida, sem aviso prévio à Defesa) pergunte-se: é pelo menos provável que seja a ofendida chamada a testemunhar na audiência, por esse depoimento ser necessário para descoberta da verdade? A nossa resposta é – neste momento da investigação— afirmativa. Do que resulta que a pré-constituição de prova, com probabilidade, não alcançaria sequer o desiderato de poupar a ofendida a repetidas inquirições, com contra-interrogatório, sobre a matéria da causa. Pelo contrário, a requerida tomada de declarações para memória futura seria, nesse cenário (cuja probabilidade, no momento presente, e face ao processado actual, temos como perfeitamente razoável) uma inquirição contraditória adicional.
A conclusão final. Tanto quanto extraímos do processado a prestação de declarações para memória futura requerida tem abrigo formal na norma do art. 33º da Lei nº 112/2009, mas inexiste fundamento para crer que a diligência alcançaria qualquer dos interesses materiais substantivos visados pela norma habilitante.
Por um lado, inexiste a nosso ver qualquer substrato material que dê abrigo ao requerido (reserva da intimidade, perecimento da prova, particular fragilidade da pessoa a ouvir, etc.).
Por outro, é provável que a realização da diligência acabe por desaguar em mais inquirições judiciais da ofendida (em vez de menos), o que é contrário ao propósito de salvaguarda da pessoa a ouvir que pode dar abrigo formal à diligência.
Assim sendo, apenas a mera conveniência da investigação parece aconselhar a realização da diligência requerida.
Pelos motivos que ficam expostos, indefiro o requerido.”
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Esta decisão reporta-se à seguinte promoção do Ministério Público, datada de 21/10/2024:
“Declarações para memória futura
Apresente de imediato os presentes autos ao Mmo. Juiz de Instrução a quem se requer que sejam tomadas declarações para memória futura à vítima AA.
Os presentes autos tiveram inicio com base no auto de notícia de fls. 4-6, através do qual se denunciam factos suscetíveis de configurar a prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2.
A prática dos factos foi imputada BB, já constituído arguido.
A vítima foi inquirida perante OPC (fls. 122-126). Prestou declarações, descrevendo os episódios de violência física e psíquica dos quais foi alvo.
Analisando o seu depoimento, consideramos que importa proceder, novamente, à sua inquirição, com vista a delimitar, com maior detalhe, os momentos em que ocorreram as agressões físicas e psíquicas. A título de exemplo, do depoimento da vítima resulta que o denunciado atentava contra a integridade física e psíquica da vítima após realizar convívios/festejos na sua residência, o que aconteceu por diversas vezes. Consideramos que importa delimitar o momento em que o arguido iniciou este tipo de comportamento, quando cessou e quantas vezes ou com que frequência foi agredida/injuriada/ameaçada pelo arguido, bem como qual o comportamento assumido pelo arguido em cada um dos episódios.
Às vítimas especialmente vulneráveis, bem como aos seus familiares elencados no n.º 1 do artigo 67.º-A do Código de Processo Penal, são aplicáveis, além das normas processuais penais, as medidas de protecção previstas na Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro, que aprova o Estatuto de Vítima, de entre as quais se mostra prevista a tomada de declarações para memória futura, em ambiente informal e reservado, com vista a garantir, nomeadamente, a espontaneidade das respostas – cfr. artigos 15.º, n.º 1 e 21.º, n.º 2, al. d) e 24.º, ambos do mencionado diploma legal.
In casu, atenta a natureza do crime em investigação, a relação familiar (o arguido até pelo menos ao dia 04/08/2024, foi companheiro da vítima), e a necessidade de salvaguardar a integridade física e psíquica da vítima, afigura-se-nos que se deva proceder à inquirição da vítima durante a fase de inquérito, de modo a que as declarações prestadas pela mesma possa ser tomada em conta no julgamento (na eventualidade do processo prosseguir para essa fase processual), não sendo esta vítima sujeita a semelhante diligência, com as consequências negativas que, ao nível psicológico e estabilidade emocional para a mesma possam advir.
Afigura-se, pois, ser essencial, a fim de minorar os efeitos da vitimização secundária, decorrentes da exposição ao contacto com o sistema judicial, que a vítima seja, então, inquirida em sede de declarações para memória futura, em ambiente informal e reservado, de modo a garantir a espontaneidade e a sinceridade das respostas e a salvaguardar a estabilidade emocional da vítima, não as sujeitando a semelhante diligência numa ulterior fase do processo.
Estão em causa factos bastante graves, existindo o sério risco de colocar em causa a saúde psíquica da vítima caso a mesma venha a prestar sucessivos depoimentos, nomeadamente na fase de inquérito e na fase de julgamento. Esse risco poderá ser afastado, ou pelo menos mitigado, com a tomada de declarações para memória futura.
Segundo o disposto no artigo 33.º, nº 1, da Lei 112/2009, “o juiz, a requerimento da vítima ou do Ministério Público, pode proceder à inquirição da vítima no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento”.
E segundo o disposto no artigo 24.º, n.º 1, da Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro (Estatuto da Vítima) “o juiz, a requerimento da vítima especialmente vulnerável ou do Ministério Público, pode proceder à inquirição daquela no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 271.º do Código de Processo Penal.”.
Pese embora não resulte da leitura dos preceitos legais supra referidos a obrigatoriedade da audição de todas as vítimas especialmente vulneráveis, o certo é que no caso em apreço, considerando o contexto familiar em causa, tendo em conta a factualidade vertida nos autos e o seu enquadramento, no contexto legal exposto e atendendo à razão de ser dos regimes legais aplicáveis ao caso, justifica que, atendendo à sua especial fragilidade, seja a vítima ouvida para tomada de declarações para memória futura nos termos do artigo 271.º do Código de Processo Penal, em conjugação com as normas e diplomas legais atrás citados. Do depoimento prestado pela vítima resulta que o arguido praticou factos bastante graves (do depoimento da vítima, além do relato das agressões que sofreu, destacamos o seguinte: “A depoente tentava sempre evitar o escalar das discussões, pedindo ao denunciado para ter calma. A depoente cedia a todos os caprichos do denunciado, no sentido de evitar discussões. Tornou-se uma pessoa submissa durante a relação e não se impunha por sentir receio de vir a sofrer represálias”. Daqui se extrai que a própria vítima teve de moldar a sua personalidade e subjugar-se à vontade do arguido, de forma a evitar sofrer ainda mais agressões), existindo o sério risco de colocar em causa a saúde psíquica da vítima caso a mesma venha a prestar sucessivos depoimentos, nomeadamente na fase de inquérito e na fase de julgamento. Esse risco poderá ser afastado, ou pelo menos mitigado, com a tomada de declarações para memória futura.
Importa ainda ter em consideração a existência de sérias consequências no adiamento da recolha e consolidação do depoimento da vítima, consequências essas que podem surgir com o tempo decorrido entre os episódios de violência e a prestação do depoimento, quer pela questão da interferência temporal, quer pelo sugestionamento acidental (por exemplo, cada depoimento no processo ou mesmo um relato perante terceiros, mesmo que informal, constitui um processo de aprendizagem em que cada questão feita pelo interlocutor pode ser assimilada na memória da vítima, influenciando as evocações posteriores).
Face ao exposto, o Ministério Público requer que seja designada data para a tomada de declarações para memória futura à vítima acima mencionada.
Mais se requer que:
- seja determinado que a tomada de declarações para memória futura seja realizada com afastamento do arguido da sala de audiências, de forma a assegurar, no decurso da sua inquirição, a obtenção de respostas livres, espontâneas e sinceras;
- seja determinada a presença de técnico de serviço social ou outra pessoa especialmente habilitada para o acompanhamento da testemunha, se for caso disso, e proporcionar à testemunha o apoio psicológico necessário por técnico especializado – artigo 27.º, da Lei n.º 93/99, de 14 de Julho (Protecção de Testemunhas) e 33.º, n.º 3 da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, facultando-se os necessários contactos com a antecedência necessária a esse acompanhamento.”
*
3.2.- Mérito do recurso
Nos presentes autos está em causa o deferimento ou o indeferimento de um requerimento feito pelo Ministério Público para tomada de declarações para memória futura, durante o inquérito, a uma vítima de um crime de violência doméstica, em investigação.
No que concerne à tomada de declarações para memória futura, dispõe o art.º 271º do Cód. Proc. Penal que:
“1 - Em caso de doença grave ou de deslocação para o estrangeiro de uma testemunha, que previsivelmente a impeça de ser ouvida em julgamento, bem como nos casos de vítima de crime de tráfico de órgãos humanos, tráfico de pessoas ou contra a liberdade e autodeterminação sexual, o juiz de instrução, a requerimento do Ministério Público, do arguido, do assistente ou das partes civis, pode proceder à sua inquirição no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento.
2 - No caso de processo por crime contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor, procede-se sempre à inquirição do ofendido no decurso do inquérito, desde que a vítima não seja ainda maior.
3 - Ao Ministério Público, ao arguido, ao defensor e aos advogados do assistente e das partes civis são comunicados o dia, a hora e o local da prestação do depoimento para que possam estar presentes, sendo obrigatória a comparência do Ministério Público e do defensor.
4 - Nos casos previstos no n.º 2, a tomada de declarações é realizada em ambiente informal e reservado, com vista a garantir, nomeadamente, a espontaneidade e a sinceridade das respostas, devendo o menor ser assistido no decurso do acto processual por um técnico especialmente habilitado para o seu acompanhamento, previamente designado para o efeito.
5 - A inquirição é feita pelo juiz, podendo em seguida o Ministério Público, os advogados do assistente e das partes civis e o defensor, por esta ordem, formular perguntas adicionais.
6 - É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 352.º, 356.º, 363.º e 364.º
7 - O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável a declarações do assistente e das partes civis, de peritos e de consultores técnicos e a acareações.
8 - A tomada de declarações nos termos dos números anteriores não prejudica a prestação de depoimento em audiência de julgamento, sempre que ela for possível e não puser em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que o deva prestar.”
As declarações para memória futura constituem, assim, um meio de produção antecipada de prova, com vista a assegurar a obtenção e conservação de determinada prova pessoal, prevenindo o perigo da impossibilidade da sua produção em sede de julgamento.
Quanto ao que se deve entender por vítima, prevê-se no art.º 67º-A do mesmo diploma que:
“1 - Considera-se:
a) 'Vítima':
i) A pessoa singular que sofreu um dano, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou psíquica, um dano emocional ou moral, ou um dano patrimonial, diretamente causado por ação ou omissão, no âmbito da prática de um crime;
ii) Os familiares de uma pessoa cuja morte tenha sido diretamente causada por um crime e que tenham sofrido um dano em consequência dessa morte;
iii) A criança ou jovem até aos 18 anos que sofreu um dano causado por ação ou omissão no âmbito da prática de um crime, incluindo os que sofreram maus tratos relacionados com a exposição a contextos de violência doméstica;
b) 'Vítima especialmente vulnerável', a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social;
c) 'Familiares', o cônjuge da vítima ou a pessoa que convivesse com a vítima em condições análogas às dos cônjuges, os seus parentes em linha reta, os irmãos e as pessoas economicamente dependentes da vítima;
d) 'Criança ou jovem', uma pessoa singular com idade inferior a 18 anos.(…)
3 - As vítimas de criminalidade violenta, de criminalidade especialmente violenta e de terrorismo são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1.
4 - Assistem à vítima os direitos de informação, de assistência, de proteção e de participação ativa no processo penal, previstos neste Código e no Estatuto da Vítima.
5 - A vítima tem direito a colaborar com as autoridades policiais ou judiciárias competentes, prestando informações e facultando provas que se revelem necessárias à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.”(sublinhados nossos)
A este respeito, no art.º 1º, alínea j) também do Cód. Proc. Penal, considera-se:
“j) «Criminalidade violenta» as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos.” (sublinhados nossos)
A definição de criminalidade violenta engloba, assim, o crime de violência doméstica, o qual, nos termos do art.º 152º, nº 1 do Cód. Penal, é punível com pena de prisão de 1 a 5 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
Por seu turno, a Lei nº 130/2015, de 4/09, que aprovou o Estatuto da Vítima, transpondo a Diretiva 2012/29/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, estabelece as seguintes normas relativas aos direitos, ao apoio e à proteção das vítimas da criminalidade:
“Artigo 17.º
Condições de prevenção da vitimização secundária
1 - A vítima tem direito a ser ouvida em ambiente informal e reservado, devendo ser criadas as adequadas condições para prevenir a vitimização secundária e para evitar que sofra pressões.
2 - A inquirição da vítima e a sua eventual submissão a exame médico devem ter lugar, sem atrasos injustificados, após a aquisição da notícia do crime, apenas quando sejam estritamente necessárias às finalidades do inquérito e do processo penal e deve ser evitada a sua repetição.”
“Artigo 20.º
Atribuição do estatuto de vítima especialmente vulnerável
1 - Apresentada a denúncia de um crime, não existindo fortes indícios de que a mesma é infundada, as autoridades judiciárias ou os órgãos de polícia criminal competentes podem, após avaliação individual da vítima, atribuir-lhe o estatuto de vítima especialmente vulnerável.
2 - No mesmo ato é entregue à vítima documento comprovativo do referido estatuto, compreendendo os seus direitos e deveres.”
” Artigo 21.º
Direitos das vítimas especialmente vulneráveis
1 - Deve ser feita uma avaliação individual das vítimas especialmente vulneráveis, a fim de determinar se devem beneficiar de medidas especiais de proteção.
2 - As medidas especiais de proteção referidas no número anterior são as seguintes:
a) As inquirições da vítima devem ser realizadas pela mesma pessoa, se a vítima assim o desejar, e desde que a tramitação do processo penal não seja prejudicada;
b) A inquirição das vítimas de violência sexual, violência baseada no género ou violência em relações de intimidade, salvo se for efetuada por magistrado do Ministério Público ou por juiz, deve ser realizada por uma pessoa do mesmo sexo que a vítima, se esta assim o desejar e desde que a tramitação do processo penal não seja prejudicada;
c) Medidas para evitar o contacto visual entre as vítimas e os arguidos, nomeadamente durante a prestação de depoimento, através do recurso a meios tecnológicos adequados;
d) Prestação de declarações para memória futura, nos termos previstos no artigo 24.º;
e) Exclusão da publicidade das audiências, nos termos do artigo 87.º do Código de Processo Penal.”
“Artigo 24.º
Declarações para memória futura
1 - O juiz, a requerimento da vítima especialmente vulnerável ou do Ministério Público, pode proceder à inquirição daquela no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 271.º do Código de Processo Penal.
2 - O Ministério Público, o arguido, o defensor e os advogados constituídos no processo são notificados da hora e do local da prestação do depoimento para que possam estar presentes, sendo obrigatória a comparência do Ministério Público e do defensor.
3 - A tomada de declarações é realizada em ambiente informal e reservado, com vista a garantir, nomeadamente, a espontaneidade e a sinceridade das respostas.
4 - A tomada de declarações é efetuada, em regra, através de registo áudio ou audiovisual, só podendo ser utilizados outros meios, designadamente estenográficos ou estenotípicos, ou qualquer outro meio técnico idóneo a assegurar a reprodução integral daquelas, ou a documentação através de auto, quando aqueles meios não estiverem disponíveis, o que deverá ficar a constar do auto.
5 - A inquirição é feita pelo juiz, podendo em seguida o Ministério Público, os advogados constituídos e o defensor, por esta ordem, formular perguntas adicionais, devendo a vítima ser assistida no decurso do ato processual por um técnico especialmente habilitado para o seu acompanhamento, previamente designado pelo tribunal.
6 - Nos casos previstos neste artigo só deverá ser prestado depoimento em audiência de julgamento se tal for indispensável à descoberta da verdade e não puser em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que o deva prestar.” (sublinhados nossos)
Estando em causa a investigação de um crime de violência doméstica, como é o caso dos autos, importa ainda ter em conta o previsto na Lei n.º 112/2009, de 16/09, que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas, nomeadamente nas seguintes disposições legais:
“Artigo 16.º
Direito à audição e à apresentação de provas
1 - A vítima que se constitua assistente colabora com o Ministério Público de acordo com o estatuto do assistente em processo penal.
2 - As autoridades apenas devem inquirir a vítima na medida do necessário para os fins do processo penal.”
“Artigo 33.º
Declarações para memória futura
1 - O juiz, a requerimento da vítima ou do Ministério Público, pode proceder à inquirição daquela no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento.
2 - O Ministério Público, o arguido, o defensor e os advogados constituídos no processo são notificados da hora e do local da prestação do depoimento para que possam estar presentes, sendo obrigatória a comparência do Ministério Público e do defensor.
3 - A tomada de declarações é realizada em ambiente informal e reservado, com vista a garantir, nomeadamente, a espontaneidade e a sinceridade das respostas, devendo a vítima ser assistida no decurso do ato processual pelo técnico de apoio à vítima ou por outro profissional que lhe tenha vindo a prestar apoio psicológico ou psiquiátrico, previamente autorizados pelo tribunal.
4 - A inquirição é feita pelo juiz, podendo em seguida o Ministério Público, os advogados constituídos e o defensor, por esta ordem, formular perguntas adicionais.
5 - É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 352.º, 356.º, 363.º e 364.º do Código de Processo Penal.
6 - O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável a declarações do assistente e das partes civis, de peritos e de consultores técnicos e acareações.
7 - A tomada de declarações nos termos dos números anteriores não prejudica a prestação de depoimento em audiência de julgamento, sempre que ela for possível e não puser em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que o deva prestar.” (sublinhados nossos)
Nestes casos, a produção antecipada de prova não se deve tanto ao perigo adveniente da impossibilidade da sua produção na audiência de julgamento, mas antes tem por finalidade a protecção da própria vítima, a fim de minimizar a vitimização secundária e repetida, prevenir quaisquer formas de intimidação e de retaliação e evitar também que as repercussões decorrentes do trauma se reflictam negativamente na aquisição da prova.
Na verdade, das situações de violência continuada podem resultar uma diversidade de consequências e danos físicos, psicológicos, emocionais, relacionais, etc, que, nos casos mais graves, poderão conduzir à incapacitação, temporária ou permanente, da vítima ou até mesmo à sua morte.
Há que ter em conta que determinadas circunstâncias, como o lapso de tempo decorrido entre a formalização das denúncias e a tomada de declarações, a fragilização emocional e a ambivalência das vítimas, muito presentes nestas situações, a sua dependência económica do agressor e a dificuldade em gerir com autonomia todo o quadro familiar podem influenciar negativamente os depoimentos, os quais devem ser recolhidos tão cedo quanto possível.
No entanto, pese embora o citado art.º 33º da Lei nº 112/2009 permita que a vítima de violência doméstica possa prestar declarações para memória futura, o mesmo não estabelece a obrigatoriedade da prática desse acto, pelo que é necessário definir um critério que permita determinar os casos em que tal situação deva ocorrer.
Esse critério deve resultar da ponderação entre o interesse da vítima de não ser inquirida senão na medida do estritamente indispensável às finalidades do processo e o interesse da comunidade na descoberta da verdade e na realização da justiça.
A inquirição da vítima, do ponto de vista de quem investiga o crime, não passa obrigatoriamente pela tomada de declarações para memória futura, pois que se há casos em que isso se justifica, nomeadamente pela proximidade física entre a vítima e o denunciado, pela relação de parentesco, pelas idades dos intervenientes, por questões de saúde, pela dependência psicológica, económica ou outra, situações haverá em que não existe essa necessidade premente de evitar a exposição da vítima no julgamento.
Entendemos, assim, que a melhor interpretação deste art.º 33º, nº 1 da Lei nº 112/2009, é a de que devem existir razões especiais para que se proceda à tomada de declarações para memória futura de vítimas de violência doméstica, as quais deverão ser analisadas no caso concreto, de acordo com os elementos constantes do processo.
Não desconhecemos alguma jurisprudência que considera que a tomada de declarações para memória futura de vítimas de violência doméstica deve ser a regra, atenta a superior relevância dos interesses em causa, só assim não se decidindo quando, objectiva e manifestamente, for desnecessária a recolha antecipada de prova ( cf. neste sentido, o acórdão do TRL de 5/03/2020, proferido no proc. n° 779/19.6PARGR-A.LI-9, em que foi relator Almeida Cabral, e o acórdão do TRL de 30/04/2020, proferido no processo n° 14/20.4PBRGR-A. L1, em que foi relatora Maria do Carmo Ferreira, in www.dgsi.pt).
No entanto, não é esta a interpretação que resulta da letra da lei, nem da ponderação e conjugação de todos os interesses e direitos dos vários sujeitos processuais, nomeadamente os direitos de defesa das vítimas, o interesse da realização da justiça e os direitos de defesa dos arguidos.
Nos presentes autos investiga-se um crime de violência doméstica e foi atribuído a AA o estatuto de vítima especialmente vulnerável.
Da interpretação conjugada das normas supra citadas resulta que:
- AA é uma vítima especialmente vulnerável, estatuto este que lhe foi atribuído e que decorre da lei, atenta a natureza do crime em investigação;
- as vítimas têm direito a ser ouvidas em ambiente informal e reservado, devendo ser criadas as adequadas condições para prevenir a vitimização secundária e para evitar que sofram pressões;
- a inquirição da vítima deve ter lugar, sem atrasos injustificados, após a aquisição da notícia do crime, apenas quando seja estritamente necessária às finalidades do inquérito e do processo penal e deve ser evitada a sua repetição;
- a vítima especialmente vulnerável e a vítima de violência doméstica têm direito a solicitar a prestação de declarações para memória futura;
- a tomada de declarações deve ser realizada em ambiente informal e reservado, com vista a garantir a espontaneidade e a sinceridade das respostas;
- a tomada de declarações para memória futura não prejudica a prestação de depoimento em audiência de julgamento, sempre que ela for possível e não puser em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que o deva prestar.
Em face dos factos indiciados nos autos, e não se discutindo o estatuto de vítima especialmente vulnerável já atribuído a AA, verifica-se que se justifica relativamente à mesma a tomada de declarações para memória futura.
Relativamente a AA resulta indiciado dos autos que é uma pessoa psicologicamente fragilizada pelo tratamento que recebeu do arguido ao longo dos anos de vida em comum, em termos de agressões físicas e psicológicas, agravadas pelos consumos de álcool e de cocaína do arguido, algumas das quais ocorreram na presença dos filhos da vítima.
O arguido ameaçou a vítima de que a matava e aos filhos dela, o que levou à aplicação de protecção por teleassistência a AA pelo período de três meses.
Não obstante a saída de casa do arguido, AA declarou junto dos OPC que tem medo dele, sobretudo porque foi sua fiadora na compra de um veículo automóvel e outros bens e porque o arguido é praticante de artes marciais, tendo-lhe aplicado numa ocasião a técnica de “mata leão”, o que a levou a desmaiar.
Das declarações já prestadas perante OPC pela vítima, pelo arguido e por algumas testemunhas resulta efectivamente existirem versões dispares dos factos apresentadas pela vítima e pelo arguido.
No entanto, é normal que tal aconteça, excepto nos casos em que há confissão plena dos factos pelos arguidos, para além do que no caso dos autos as testemunhas já inquiridas corroboram a versão apresentada pela vítima, pelo que este não é um elemento válido para indeferir a diligência de tomada de declarações para memória futura requerida pelo Ministério Público como o fez o Juiz a quo.
Encontrando-se a vítima psicologicamente fragilizada, a tomada de declarações para memória futura é um mecanismo que a pode proteger do perigo de revitimização, evitando, à partida, a repetição da sua audição, e podendo ainda acautelar a genuinidade dos seus depoimentos em tempo útil.
Nestes casos, quanto mais cedo for colhido o depoimento das vítimas, mais completo e fidedigno o mesmo é e menos condicionado por eventuais ameaças e pressões psicológicas por parte do suspeito, tendo em conta a demora previsível e habitual da investigação deste tipo de crimes e a necessidade de precisão e rigor na condução da mesma, com vista à descoberta da verdade.
É também sabido que quanto mais tardiamente forem tomadas declarações às vítimas, mais se intensificam as perturbações de memória advenientes do trauma.
A tomada de declarações para memória futura permite ainda aliviar as vítimas da pressão psicológica de terem que prestar declarações em julgamento, mesmo que tal não ocorra na presença do arguido, porquanto a ida a julgamento é sempre intimidatória, sendo as declarações prestadas num ambiente formal e solene, desconforto que se pretende evitar relativamente a este tipo de vítimas, minimizando a vitimização secundária.
A tomada de declarações para memória futura o mais cedo possível permite à vítima depor com maior pormenor, prestar um depoimento mais completo e fidedigno e tem também como escopo evitar a repetição da tomada de declarações durante o inquérito e também nas fases de instrução e julgamento.
Por outro lado, atento o previsto nos arts.º 48º, 53º, nº 2, al. b), 262º e 263º, nº 1 do Cód. Proc. Penal, cabe ao Ministério Público e não ao Juiz de Instrução Criminal a direcção da acção penal, devendo ser aquele a decidir da tempestividade e adequação das diligências probatórias na fase de inquérito.
É o que resulta da natureza essencialmente acusatória do nosso processo penal, por força do art.º 32º, nº 5 da CRP, que determina uma separação dos poderes processuais de investigação e de julgamento, decorrente do princípio da independência das magistraturas.
Durante o inquérito, o Ministério Público é livre, salvaguardados os actos da competência reservada ao Juiz e as exigências decorrentes do princípio da legalidade, de levar a cabo ou promover as diligências que entender necessárias com vista a fundamentar uma decisão de acusar ou de arquivar o inquérito, nomeadamente a tomada de declarações para memória futura.
Não cabe ao Juiz de Instrução Criminal imiscuir-se no processo de investigação em curso pelo Ministério Público, apenas lhe competindo realizar ou autorizar a realização de determinados actos de investigação nos termos estritamente previstos na lei.
Em face do exposto, entende-se conceder provimento ao recurso e revogar o despacho recorrido.
*
4. DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram esta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar procedente o presente recurso e, em consequência, revogam a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que designe data para a tomada de declarações para memória futura de AA, nos termos requeridos pelo Ministério Público.
Sem custas.
Évora, 3 de Dezembro de 2024
(texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto pela relatora)
Carla Francisco
(Relatora)
Laura Goulart Maurício
Manuel Soares
(Adjuntos)