SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
REVOGAÇÃO
PRESTAÇÕES JÁ REALIZADAS
DEVOLUÇÃO
Sumário

Em caso de revogação da suspensão provisória do processo por incumprimento pelo arguido das injunções e das regras de conduta que condicionaram a suspensão, não há lugar à devolução das prestações já realizadas, as quais também não devem ser descontadas nos valores das penas que vierem a ser aplicadas na fase de julgamento dos autos.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
1– RELATÓRIO

No processo abreviado nº 184/22.7GCABF do Tribunal Judicial da Comarca de ---, Juízo Local Criminal de … - Juiz …, foi proferida sentença, datada de 24/06/2024, de cuja parte decisória consta:

“ Pelo exposto e tudo ponderado, este Tribunal julga a acusação deduzida contra AA procedente, por provada, e, em consequência:

a) Condena o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 8,50 (oito euros e cinquenta cêntimos);

b) Procede ao desconto de 01 (um) dia à pena aplicada, nos termos do artigo 80.º n.º2 do Código Penal, em virtude da detenção sofrida pelo arguido à ordem destes autos, pelo que o arguido deverá cumprir 79 (setenta e nove) dias de multa, à taxa diária de € 8,50 (oito euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz o quantitativo global de € 671,50 (seiscentos e setenta e um cêntimos);

c) Condena-se o arguido AA, nos termos do disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por 4 (quatro) meses e 15 dias;(…)”

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Inconformado com esta decisão, veio o arguido recorrer, por discordar da pena de multa e da pena acessória que lhe foram aplicadas, formulando, para tanto, as seguintes conclusões:

“1. O presente Recurso vem interposto da Sentença que condenou o Recorrente pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez: (i) na pena de 80 (oitenta) dias de multa; e (ii) na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias.

2. O Recorrente não se conforma com a Sentença Recorrida no que tange à medida das sanções (principal e acessória) aplicadas, que reputa de injustas, excessivas e inadequadas.

Antecedentes processuais,

3. O Ministério Público, confrontado com o auto de notícia que deu origem aos presentes autos, logo determinou que se procedesse ao interrogatório do Recorrente e, bem assim, que o Recorrente fosse confrontado com a possibilidade de aplicação do instituto da suspensão provisória do processo.

4. O Recorrente, tendo confirmado o auto de notícia e mostrado o seu arrependimento, manifestou a sua concordância às seguintes injunções: - ficar impedido de conduzir veículos a motor pelo período de 5 meses devendo fazer a entrega da carta de condução nestes serviços, no prazo de 10 dias após a notificação para o efeito, e comprometer-se a não solicitar segunda via da sua carta de condução em entidade habilitada para o efeito no período da inibição de conduzir. - entregar a quantia de 500,00 € ao Estado por meio de DUC, comprovando-o nos autos.

5. A suspensão provisória do processo iniciou-se a 15.11.2022, com término agendado para 15.05.2023, sendo que o Recorrente estaria inibido de conduzir veículos a motor entre 24.11.2022 e 24.04.2023.

6. Cumprindo as injunções impostas, o Recorrente procedeu à entrega da sua carta de condução a 24.11.2022 e, na mesma data, à entrega de comprovativo de pagamento ao Estado.

7. Sempre foi íntima vontade do Recorrente cumprir escrupulosamente as injunções que lhe foram impostas e às quais deu a sua concordância. Sendo sua firme convicção, até à data de hoje, que o seu comportamento foi coerente com tal vontade.

8. Em outubro de 2023, o Recorrente foi surpreendido por notificação que determinava a sua comparência nos serviços do Ministério Público a fim de ser novamente interrogado. Em tal interrogatório, o Recorrente foi confrontado com a circunstância de ter procedido à revalidação da sua carta de condução.

9. É que o Recorrente, apercebendo-se que a sua carta de condução caducaria a 26.12.2022, decidiu proceder à sua revalidação a 06.12.2022, o que se lhe impunha – não só porque o processo de revalidação demora o seu tempo, mas também porque, findo o período de suspensão, necessitaria de um título válido para conduzir.

10. A nova carta de condução foi impressa, tendo sido levantada pelo Recorrente a 06.03.2023, tendo já decorrido quase 4 (quatro) meses desde o início do cumprimento da injunção que consistia na inibição de conduzir.

11. O Recorrente não estava impedido de proceder à revalidação – por se aproximar o fim do prazo de validade – mas apenas de solicitar a emissão de 2.ª via.

12. São diferentes as ratios que subjazem ao ato de revalidação e ao ato de solicitar 2.ª via. Se, no primeiro caso, o ato vai imposto por lei, sendo obrigatório quando se aproxima o fim do prazo de validade da carta de condução, no segundo caso, estamos perante situações em que, por algum motivo, deixou de estar disponível ao condutor o título que, contudo, ainda permanecia válido.

13. Impende sobre todos os condutores o dever de manterem válidos os títulos que os habilitam à condução de veículos a motor, de sentido nenhum se revestindo que uma injunção proibisse um concreto condutor de proceder à renovação do seu título – o que, de resto, também não sucedeu no caso dos autos.

14. O princípio da legalidade, consagrado no artigo 29.º, n.º 1 da CRP, impõe, mutatis mutandis, que as injunções aplicáveis em sede de suspensão provisória do processo sejam prévias, escritas, estritas e certas.

15. Para que o arguido possa conformar a sua conduta, garantindo que a mesma é de molde a cumprir, escrupulosamente, as injunções que lhe são impostas, deve ver-se expressamente escrito tudo o que se vê proibido em razão de tais injunções.

16. O comum cidadão não tem o dom de adivinhar sentidos interpretativos que apenas pertencem ao domínio do Ministério Público e que não encontram, na letra das injunções, qualquer correspondência.

17. Ao Recorrente não cabia antecipar que, para o Ministério Público, a proibição de solicitar a 2.ª via também envolvia a proibição de revalidar o título, por se aproximar o término do seu prazo de validade.

18. Impunha-se que tal proibição expressamente constasse da proposta do Ministério Público – também porque, impondo-se a concordância do Mmo. Juiz de Instrução Criminal e do Recorrente, tal concordância deve ser manifestada por referência ao que verdadeiramente se procura vedar (e ainda porque só assim se pode concluir se uma concreta injunção viola ou não a dignidade do arguido).

19. Impor sobre os arguidos a tarefa de interpretar, no mais amplo sentido possível, as injunções que lhes são aplicadas, antecipando-lhes sentidos que não encontram qualquer respaldo no texto do despacho do Ministério Público, não tem qualquer cabimento legal ou constitucional, revelando-se absolutamente incomportável e inadmissível – tanto mais em matéria penal.

20. O Recorrente absteve-se de conduzir veículos a motor pelo período de 5 (cinco) meses, como lhe foi determinado – não tendo tal abstinência sido impactada pelo levantamento da nova carta de condução.

21. O Recorrente sempre assumiu a sua conduta, mostrando arrependimento, entendendo que o estado de coisas descrito deveria ter sido tido em conta na determinação das sanções que vieram de se lhe aplicar.

22. Bem vistas as coisas, o Recorrente não só já pagou o montante de € 500,00 (quinhentos euros), como já esteve 5 (cinco) meses sem conduzir veículos a motor.

Medida da pena de multa,

23. Pese embora o Tribunal a quo tenha concluído que as concretas circunstâncias do Recorrente deporiam a seu favor, veio de decidir que, numa moldura de 10 (dez) a 120 (cento e vinte) dias de pena de multa, a concreta pena a aplicar ao Recorrente se havia de fixar em 80 (oitenta) dias de multa – no quadrante mais próximo do limite máximo.

24. Tal decisão não encontra qualquer razão de ser, revelando-se manifestamente desajustada e injusta, sendo de recordar que o Recorrente (i) é primário, (ii) assumiu os factos, tendo mostrado arrependimento e (iii) se mostra socialmente inserido.

25. De resto, impunha-se considerar, na tarefa de determinação da pena concreta, que os autos estiveram provisoriamente suspensos, tendo o Recorrente cumprido as injunções que lhe foram impostas na estrita medida de tal imposição.

26. Tal circunstancialismo foi grosseiramente ignorado pela Decisão Recorrida, em violação do disposto nos artigos 40.º, n.os 1 e 2, 71.º, n.os 1 e 2 e 72.º, n.º 1 e n.º 2, alínea c) do CP.

27. Verificando-se que o Recorrente adotou atos demonstrativos do seu arrependimento, tendo assumido a sua conduta e procurado, na medida do que lhe foi possível, reparar o dano, impunha-se a atenuação especial da pena aplicável.

28. Pese embora a circunstância de se tratar de crime de perigo abstrato impeça a determinação rigorosa do dano causado, o Ministério Público, com a concordância do Mmo. Juiz de Instrução Criminal, não deixou de lhe atribuir um valor patrimonial em sede de suspensão provisória do processo, o qual o Recorrente aceitou e suportou.

29. Bem assim, procedeu à entrega do seu título de condução – como lhe foi determinado pelo Ministério Público, com a concordância do Mmo. Juiz de Instrução Criminal –, permanecendo inibido de conduzir por um período de 5 (cinco) meses.

30. Tais circunstâncias deviam ter determinado a aplicação do disposto no artigo 72.º, n.º 1 e n.º 2, alínea c) do CP, impondo-se a atenuação especial da pena aplicada ao Recorrente, nos termos do disposto no artigo 73.º, n.º 1, alínea c) do mesmo diploma legal.

31. Em qualquer caso, é evidente que se está na presença de circunstâncias posteriores à prática dos factos e às quais a Lei mandava atender para efeitos de determinação da sanção aplicável.

32. Ao ignorar tais circunstâncias posteriores ao facto, a Decisão Recorrida padece de omissão de pronúncia, o que expressamente se deixa invocado, para todos os devidos efeitos legais, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 71.º, n.º 2, alínea e) e 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP.

33. Impõe-se sanar a nulidade da Decisão Recorrida, atendendo-se às circunstâncias posteriores ao facto, as quais determinam a redução da pena aplicada ao Recorrente, que se mostra desadequada, desproporcional e desnecessária.

34. Ao ignorar a circunstâncias posteriores ao facto, a Decisão Recorrida viola o disposto nos artigos 40.º, n.os 1 e 2, 71.º, n.os 1 e 2 e 72.º, n.º 1 e n.º 2, alínea c) do CP.

35. Impõe-se a revogação e substituição da Sentença Recorrida por outra que, tendo em conta as circunstâncias posteriores ao facto, aproxime a pena de multa do limite mínimo da moldura abstrata, afigurando-se que uma pena de multa não superior a 20 (vinte) dias é de molde a satisfazer as necessidades de prevenção geral e especial que se fazem sentir.

Medida da sanção acessória,

36. Em face de moldura abstrata prevista no artigo 69.º, n.º 1, alínea a) do CP, decidiu o Tribunal a quo aplicar ao Recorrente uma sanção acessória de proibição de conduzir veículos a motor por um período de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias. Fê-lo, porém, ignorando as circunstâncias posteriores ao facto.

37. O Tribunal a quo não podia ignorar que, pese embora tenha ocorrido a revogação da suspensão provisória, inexistem indícios de que o Recorrente tenha conduzido veículos a motor durante o período de suspensão. O que se impõe valorar em favor do Recorrente.

38. É que, em bom rigor, no atual estado de coisas, o Recorrente vai sujeito a uma inibição de conduzir que perdurará por um total global de 9 (nove) meses e 15 (quinze) dias. O que se afigura desadequado, desnecessário e desproporcional.

39. Também neste segmento a Decisão Recorrida padece de omissão de pronúncia, que expressamente se deixa invocada, para todos os devidos efeitos legais, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 69.º, n.º 1, alínea a) e 71.º, n.os 1 e 2, do CP e artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP.

40. Ao ignorar as circunstâncias posteriores ao facto, a Decisão Recorrida viola o disposto nos artigos 69.º, n.º 1, alínea a) e 71.º, n.os 1 e 2, ambos do CP.

41. Impõe-se a revogação da Decisão Recorrida e a sua substituição por outra que, tendo em conta tais circunstâncias, aproxime a pena acessória de proibição de condução de veículos a motor do limite mínimo da moldura abstrata, afigurando-se que uma duração nunca superior a 3 (três) meses é de molde a satisfazer as necessidades de prevenção geral e especial que se fazem sentir.”

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O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

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O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, pugnando pela confirmação da decisão recorrida e formulando as seguintes conclusões:

“1. Inconformado com a sentença que lhe aplicou a pena de 80 dias de multa, bem como a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por 4 meses e 15 dias, dela veio o arguido AA interpor recurso, relativamente à medida concreta das penas aplicadas – sufragando que a pena de multa devia remontar a 20 dias de multa e pena acessória a um período de duração de três meses - , por entender que o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 40.º, n.ºs, 1 e 2, 71.º, n.ºs 1 e 2 e 72.º, n.ºs 1 e 2, al. c), todos do Código Penal, e que a sentença padece de omissão de pronúncia, nos termos do disposto nos artigos 71.º, n.º 2, al. e) e 379.º, n.º 1, al. c), ambos do Código de Processo Penal.

2. O arguido incumpriu culposamente as injunções que tinham sido aplicadas em sede de suspensão provisória do processo e, apenas se poderia concluir em sentido diverso se, quando obteve o seu novo título de condução válido, tivesse informado os autos e o tivesse entregue, para cumprimento do remanescente da injunção de proibição de conduzir veículos a motor, e ainda se tivesse pedido autorização para pedir a revalidação da sua carta enquanto ainda decorria a injunção de não requerer 2.ª via de tal título.

3. Tendo a questão sobre o incumprimento das injunções aplicadas em sede de suspensão provisória do processo sido decidida por despacho fundamentado do Ministério Público, não se compreende a necessidade de o Tribunal a quo se pronunciar sobre tal matéria em sede de factos provados e não provados, daí não decorrendo qualquer omissão de pronúncia, conforme alegado pelo recorrente.

4. A argumentação expendida pelo recorrente e as penas sufragadas levam a crer que pretende um verdadeiro desconto das injunções aplicadas em sede de suspensão do processo, o que não é possível.

5. Nos termos do disposto no 282.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, se o processo houver de prosseguir, porque o arguido não cumpriu as injunções e as regras de conduta impostas, as "prestações" já feitas não podem ser repetidas (cfr. ainda Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2017, de 16 de Junho).

6. A pena a aplicar ao arguido resulta da concretização dos critérios constantes dos artigos 40.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal.

7. As exigências de prevenção geral que no caso se fazem sentir são elevadas, o arguido agiu com dolo directo e com elevado grau de ilicitude, patente na concreta taxa de álcool no sangue apresentada (1,85 g/l), já muito superior ao limite mínimo a partir do qual a prática dos factos em discussão constitui ilícito criminal, pelo que a pena de 80 dias de multa à adequada.

8. A taxa de álcool no sangue no caso em concreto situa-se já perto do dobro do limite que criminaliza a conduta, o que também terá necessariamente reflexos na determinação da pena acessória.

9. Não se afigura claramente justo aplicar ao arguido, que conduzia com uma taxa de 1,85 g/l, a mesma pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor que se aplicaria a um individuo que conduzisse com uma taxa de 1,2 g/l.

10. A pena acessória aplicada, por um período de 4 meses e 15 dias ainda se situa perto do limite mínimo, não havendo fundamento para uma benevolência ainda maior.

11. Conclui-se que a decisão recorrida não pecou por excesso, visto que o grau de culpa e a taxa de álcool no sangue registada não são de molde a justificar uma censura penal ainda mais moderada, porquanto as necessidades de prevenção são prementes.”

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Nesta Relação, o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso e da manutenção da sentença recorrida, acompanhando a posição assumida na 1ª instância.

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Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417º, nº 2 do Cód. Proc. Penal, nada tendo o arguido vindo dizer.

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Proferido despacho liminar, teve lugar a conferência.

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2 – OBJECTO DO RECURSO

Conforme o previsto no art.º 412º do Cód. Proc. Penal, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso, as quais delimitam as questões a apreciar pelo tribunal ad quem, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cf. neste sentido, Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 1994, pág. 320, Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos Penais”, 9ª ed., 2020, pág. 89 e 113-114, e, entre muitos outros, o acórdão do STJ de 5.12.2007, no Processo nº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt).

À luz destes considerandos, as questões a decidir neste recurso consistem em saber se:

- há nulidade da sentença por omissão de pronúncia;

- as penas de multa e de proibição de conduzir aplicadas ao arguido devem ser diminuídas ou não.

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3- FUNDAMENTAÇÃO:

3.1. – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos e com a seguinte motivação:

“(…) A) FACTOS PROVADOS

Com relevo para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:

1. No dia 30 de outubro de 2022, cerca das 00 horas e 56 minutos, o arguido AA conduziu um automóvel ligeiro de passageiros de matrícula …, na Avenida …, em …, depois de ter ingerido bebidas alcoólicas.

2. Conduziu com uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 1,85 gramas por litro.

3. Sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas e que podia vir a apresentar uma taxa de álcool igual ou superior a 1,20 gramas por litro.

4. Não obstante, quis conduzir após ingerir bebidas com álcool.

5. Agiu livre, consciente e deliberadamente bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Mais se provou que:

6. O arguido é empregado de mesa em part-time e aufere mensalmente € 650,00;

7. O arguido aufere ainda mensalmente reforma no valor de € 1.166,00;

8. O arguido vive sozinho e não tem ninguém a seu cargo;

9. O arguido despende mensalmente a quantia de € 400,00 a título de renda e tem dois créditos pessoais, no valor de € 191,00 e € 165,00, por mês.

10. O arguido não tem antecedentes criminais.

B) FACTOS NÃO PROVADOS

Não resultaram factos não provados com interesse para a decisão da causa.

C) MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

A convicção do Tribunal relativamente à factualidade descrita formou-se tendo por referência a análise critica e conjugada de todos os elementos probatórios sujeitos ao contraditório em sede de audiência de julgamento.

Em especial, a sua convicção resulta do confronto das declarações do arguido e da prova documental junta aos autos que, em conjunto, demonstraram pertinência para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, de acordo com as regras da experiência comum e a livre convicção do tribunal, nos termos do artigo 127.º do CPP.

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Os pontos n.ºs 1, 2, 1.ª parte do ponto n.º3 e 4 dos factos provados resultam do teor do auto de notícia de fls. 6, da ficha de controlo de alcoolemia de fls. 8, cujo talão indica o resultado exacto do teste de álcool realizado ao arguido naquele dia e hora, certificado de verificação de fls. 10, bem como das declarações do arguido em sede de audiência de julgamento.

No que se refere às circunstâncias de tempo, lugar e modo, para além do auto de notícia, o arguido, em sede declarações, confirmou de forma sincera que, naquele dia e hora, conduziu o veículo para casa, após ter ingerido bebidas alcoólicas ao jantar no restaurante onde trabalha.

Após ter sido sujeito a exame de álcool, o arguido apresentou o valor registado de 1,85 g/l TAS (taxa de álcool no sangue), correspondente a TAS de 2,02 g/l, deduzido o valor de erro máximo admissível.

Ora, a referida taxa resulta de teste realizado em aparelho próprio, devidamente aprovado, certificado e revisto, em conformidade com o teor do certificado de verificação emitido pelo Instituto Português da Qualidade, junto em fls. 10, pelo que, por se encontrar cabalmente provada, não restam quaisquer dúvidas que a TAS indicada no referido talão (fls. 8) corresponde à TAS que o arguido efectivamente apresentava naquele momento.

Não obstante o arguido, nas suas declarações, tenha admitido a condução do referido veículo nas circunstâncias de tempo e lugar, bem como admitido que tinha ingerido bebidas alcoólicas, referiu que “sentiu-se bem”, “capaz de conduzir” e que não pensou que “acusasse aquele valor”, referindo não ter consciência de ter aquela taxa de álcool no sangue.

Ora, as suas declarações reportam-se ao elemento subjectivo da prática do crime, que pertence à vida interior de cada um, sendo, portanto, de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão. Contudo, as mesmas, não se mostram suficientemente credíveis para não preencher o elemento subjectivo e assim afastar a convicção do tribunal quanto à verificação do elemento subjectivo.

Assim, a prova dos factos descritos na 2.ª parte do ponto n.º3, no pontos 4 e 5 dos factos provados, resulta do que se dirá em seguida.

O arguido nas suas declarações admitiu que “bebeu algum vinho”, não sabendo precisar o número de copos, mas que, como “o jantar não foi forte”, “pode ter sido o álcool no estomago vazio”.

Ora, diz-nos as regras da experiência comum e da normalidade social que, para que o condutor apresente uma TAS tão elevada como a dos autos, tem de ingerir uma grande quantidade ou qualidade de bebidas alcoólicas com elevado teor de álcool.

Ora, ingerindo tal quantidade/qualidade de bebidas alcoólicas, o condutor tinha de ter consciência que poderia apresentar uma TAS igual ou superior a 1,20 g/l, ou seja, superior ao limite legal para que a conduta seja considerada crime.

Compreende-se que poderá não ter efectivamente consciência aquele condutor que apresenta uma TAS bastante perto do limite legal de 1,20 g/l. Porém, dificilmente se poderá acreditar, atendendo ao valor registado pela TAS (2,02 g/l), que é quase o dobro do limite legal, que o arguido não tinha consciência que poderia apresentar uma TAS tão elevada que pudesse integrar a conduta criminal tipificada.

Não só qualquer pessoa, homem médio, colocado no lugar do arguido saberia e teria essa consciência, como o próprio, atendendo à sua idade, tem experiência adquirida para ter conhecimento e consciência que a quantidade ou a qualidade das bebidas alcoólicas que ingeriu são susceptíveis de gerar a TAS registada nos autos.

Assim, por tudo o exposto e atendendo que a taxa registada se situa em 2,02 g/l, taxa quase correspondente ao dobro do limite legal para ser considerado crime (1,2 g/l), não poderá ter-se em consideração o alegado pelo arguido, sendo indiscutível que o mesmo tinha consciência e sabia que a quantidade de bebidas alcoólicas que ingeriu era idónea a determinar um teor de álcool no sangue igual ou superior a 1,20g/l.

Quanto aos factos descritos nos pontos n.ºs 6 a 9 dos factos provados, referente às condições sócio-económicas, os mesmos resultaram das declarações prestadas pelo arguido em sede de audiência de julgamento, que, nesta parte, se mostraram sérias e coerentes, merecendo a total credibilidade deste Tribunal.

A prova referente à ausência de antecedentes criminais (ponto n.º 10 dos factos provados) resulta do teor do Certificado de Registo Criminal do arguido junto aos autos a fls. 88. (…).”

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3.2.- MÉRITO DO RECURSO

O arguido AA foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos art.º 292º, nº 1 e 69º, nº 1, alínea a), ambos do Cód. Penal, numa pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 8,50, a que foi descontado um dia de multa, perfazendo o montante global de multa de € 671,50, e numa pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 4 meses e quinze dias.

O arguido não questiona os factos apurados, a sua qualificação jurídica, a escolha das penas feita pelo Tribunal a quo, nem o quantitativo diário da pena de multa, limitando-se a alegar que a sentença é nula porque não se pronunciou sobre o seu comportamento posterior ao facto, patente nos autos, e que as penas concretas que lhe foram aplicadas são elevadas, peticionando a aplicação de penas inferiores.

Vejamos se lhe assiste razão.

Relativamente aos requisitos da sentença, dispõe o art.º 374º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Penal o seguinte: “1 - A sentença começa por um relatório, que contém: a) As indicações tendentes à identificação do arguido; b) As indicações tendentes à identificação do assistente e das partes civis; c) A indicação do crime ou dos crimes imputados ao arguido, segundo a acusação, ou pronúncia, se a tiver havido; d) A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada. 2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. (…)” A fundamentação da sentença penal é, assim, composta por dois grandes segmentos: - Um, que consiste na enumeração dos factos provados e não provados;

- Outro, que consiste na exposição, concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal. Segundo o art.º 379º, nº 1, alíneas a) e c) do mesmo diploma, é nula a sentença penal quando não contenha as menções previstas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do art.º 374º ou quando o Tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, sendo esta nulidade de conhecimento oficioso, atento o disposto no nº 2 do art.º 379º. Quanto à nulidade da decisão por omissão de pronúncia, prevista no art.º 379º, nº 1, alínea c) do Cód. Proc. Penal, entendemos que a sentença só tem que se pronunciar sobre matéria relevante para a decisão da causa, ou seja sobre as questões, de facto ou de direito, com incidência ou impacto directo, positivo ou negativo, na decisão. Tais questões só podem ser as que são colocadas expressamente pelos intervenientes e as de conhecimento oficioso, nisto consistindo o thema decidendum (cf. neste sentido, Fernando Gama Lobo, in “Código de Processo Penal Anotado”, 4ª edição, Almedina, pág. 860). Neste sentido, vejam-se, entre muitos outros, os seguintes Acórdãos do STJ, disponíveis in www.dgsi.pt: - Ac. de 10/12/09, proferido no processo nº 22/07.0GACUB. E1.S1, em que foi relator Santos Cabral: “A omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa. Tais questões que o juiz deve apreciar são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetem à apreciação do tribunal (art. 660.º, n.º 2, do CPC), e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deva conhecer, independentemente da alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual. A “pronúncia”, cuja “omissão” determina a consequência prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP – a nulidade da sentença – deve, pois, incidir sobre problemas e não sobre motivos ou argumentos; é referida ao concreto objecto que é submetido à cognição do tribunal e não aos motivos ou as razões alegadas. (…) - Ac. de 5/05/21, proferido no processo nº 64/19.3T9EVR.S1.E1.S1, em que foi relator Nuno Gonçalves: I - A sentença ou acórdão devem ser esgotantes e autossuficientes, no sentido de conhecer da totalidade das pretensões e de conter todos os elementos indispensáveis à compreensão do juízo decisório. II - Omissão de pronúncia significa ausência de conhecimento ou de decisão do tribunal sobre matérias que a lei impõe que o juiz resolva. III - Ocorre quando o tribunal deixa de apreciar e julgar questões de facto e/ou de direito que lhe foram submetidas pelos sujeitos processuais ou que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos e não argumentos mais ou menos hipotéticos, opinativos ou doutrinários.(…)”

No caso dos autos, analisada a decisão recorrida, vemos que o Tribunal a quo apreciou os factos alegados na acusação, que julgou provados, bem como os factos atinentes às condições pessoais do arguido e aos seus antecedentes criminais, motivou de facto e de direito a decisão e procedeu à determinação das penas aplicáveis. O facto de o Tribunal recorrido não ter tido em conta o comportamento do arguido posterior aos factos em apreço, nos moldes em que este o defende, pode ter algum impacto na alteração das penas concretas que lhe foram aplicadas, mas não torna nula a decisão por omissão de pronúncia. Na verdade, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre todos os segmentos da decisão de que era suposto pronunciar-se, sem omitir nenhum passo da mesma, esgotando o thema decidendum tal como o Ministério Público lho apresentou, que o arguido não contestou, ao que acrescentou a apreciação dos factos relativos às condições pessoais do arguido e aos seus antecedentes criminais, não tendo deixado de se pronunciar sobre nada do que lhe foi apresentado. Por outro lado, estabelece-se no art.º 282º, nº 4 do Cód. Proc. Penal, que a suspensão provisória do processo é revogada e o mesmo prossegue se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta, não podem ser repetidas as prestações já feitas pelo arguido durante o período da suspensão. Daqui decorre que foi opção do legislador estabelecer uma cisão entre as duas fases processuais. Durante o período da suspensão provisória do processo é dada ao arguido a possibilidade de cumprimento voluntário das injunções e regras de conduta que condicionaram a suspensão e, caso o mesmo as cumpra, o processo é arquivado no fim do período da suspensão. Tratamento diferente têm as situações em que o arguido não cumpre as injunções e as regras de conduta que condicionaram a suspensão do processo, o que leva à revogação da suspensão e ao prosseguimento dos autos, não havendo lugar à devolução das prestações já realizadas, as quais também não devem ser “descontadas” nos valores das penas de multa que vierem a ser aplicadas. É também este o entendimento do STJ, bem parente no seu Acórdão nº 4/2017, de 16/06, publicado no D.R. nº 115/2017, Série I de 2017/06/16, págs. 3037 a 3051, que fixou a seguinte jurisprudência: «Tendo sido acordada a suspensão provisória do processo, nos termos do art. 281.º do Código de Processo Penal, com a injunção da proibição da condução de veículo automóvel, prevista no n.º 3 do preceito, caso aquela suspensão termine, prosseguindo o processo, ao abrigo do n.º 4, do art. 282.º, do mesmo Código, o tempo em que o arguido esteve privado da carta de condução não deve ser descontado, no tempo da pena acessória de inibição da faculdade de conduzir, aplicada na sentença condenatória que venha a ter lugar.» (sublinhado nosso).

Assim sendo, a falta de menção nos factos provados do que se passou durante o período da suspensão provisória do processo não torna a decisão recorrida nula por omissão de pronúncia, pelo que se impõe julgar improcedente o recurso neste tocante, sem necessidade de mais considerandos.

Vejamos agora se pode proceder a pretensão do arguido quanto à aplicação de penas mais baixas.

O crime de condução de veículo em estado de embriaguez vem previsto no art.º 292º, nº 1 do Cód. Penal, nos seguintes termos:

“Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal. (sublinhado nosso)

Por seu turno a sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor, vem prevista no art.º 69º do mesmo diploma, pela seguinte forma:

“ 1 - É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido:

a) Por crimes de homicídio ou de ofensa à integridade física cometidos no exercício da condução de veículo motorizado com violação das regras de trânsito rodoviário e por crimes previstos nos artigos 291.º e 292.º; (…).”(sublinhado nosso)

Quanto à determinação da medida da pena, esta deve ser apurada de acordo com os seguintes critérios enunciados no art.º 71º do Cód. Penal: “ Artigo 71.º - Determinação da medida da pena

1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência;

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

3 - Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.”

Estes critérios devem ser relacionados com os fins das penas previstos no art.º 40º do mesmo diploma, onde se estabelece no seu nº 1 que: “A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, e no seu nº 2 que: “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

Quanto à determinação concreta da pena de multa, estabelece o art.º 47º, nºs 1 e 2 do Cód. Penal que:

“1 - A pena de multa é fixada em dias, de acordo com os critérios estabelecidos no n.º 1 do artigo 71.º, sendo, em regra, o limite mínimo de 10 dias e o máximo de 360.

2 - Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.”

Como se refere no Acórdão do STJ de 28/09/2005, in CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 173, as finalidades da punição e a determinação em concreto da pena, nas circunstâncias e segundo os critérios previstos no art.º 71º do Cód. Penal, têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena. Tais elementos e critérios contribuem não só para determinar a medida da pena adequada à finalidade de prevenção geral, consoante a natureza e o grau de ilicitude do facto tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação de valores, como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial, em função das circunstâncias pessoais do agente, idade, confissão e arrependimento e permitem também apreciar e avaliar a culpa do agente. Em síntese, pode dizer-se que toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa (cf. Figueiredo Dias, in “ Direito Penal, Parte Geral “, Tomo I, 3ª Edição, 2019, Gestlegal, pág. 96). Refere Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, edição de 1993, págs. 196/7, § 255, que: «Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito, ou de «determinação concreta da pena»). As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

Assim, pois, primordial e essencialmente, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicação, protecção que assume um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida. Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração que vimos decorrer precipuamente do princípio político-criminal básico da necessidade da pena».

Na mesma linha, Anabela Miranda Rodrigues, no seu texto “ O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, nº 2, Abril-Junho de 2002, págs. 181 e 182), apresenta as seguintes proposições que devem ser observadas na escolha da pena: «Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas.»

No entanto, do que se trata agora é de sindicar as operações feitas pelo Tribunal a quo com essa finalidade. Ainda segundo Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, edição de 1993, págs. 196/7, § 255, é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação da medida concreta da pena, bem como o desconhecimento ou a errónea aplicação pelo tribunal a quo dos princípios gerais de determinação da pena, a falta de indicação de factores relevantes para aquela ou a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Defende ainda que está plenamente sujeita a revista a questão do limite ou da moldura da culpa, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção e a determinação do quantum exacto de pena, o qual será controlável no caso de violação das regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.

Importa, assim, ter em conta que só em caso de desproporcionalidade manifesta na fixação da pena ou de necessidade de correcção dos critérios da sua determinação, atenta a culpa e as circunstâncias do caso concreto, é que o Tribunal de 2ª Instância deve alterar a espécie e o quantum da pena, pois, mostrando-se respeitados todos os princípios e normas legais aplicáveis e respeitado o limite da culpa, não há que corrigir o que não padece de qualquer vício.

Neste sentido decidiu o Acórdão do TRL de 11/12/19, proferido no processo nº 4695/15.2T9PRT.L1-9, em que foi relator Abrunhosa de Carvalho, in www.dgsi.pt, onde se pode ler que: “ A intervenção dos tribunais de 2ª instância na apreciação das penas fixadas, ou mantidas, pela 1ª instância deve ser parcimoniosa e cingir-se à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, à questão do limite da moldura da culpa, bem como a situação económica do agente, mas já não deve sindicar a determinação, dentro daqueles parâmetros da medida concreta da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, a desproporção da quantificação efectuada, ou o afastamento relevante das medidas das penas que vêm sendo fixadas pelos tribunais de recurso para casos similares.”

Também no mesmo sentido se pronunciou José Souto de Moura, in “ A Jurisprudência do S.T.J. sobre Fundamentação e Critérios da Escolha e Medida da Pena, 26 de Abril de 2010, consultável em www.dgsi.pt, onde defende que: “ Sempre que o procedimento adoptado se tenha mostrado correcto, se tenham eleito os factores que se deviam ter em conta para quantificar a pena, a ponderação do grau de culpa que o arguido pode suportar tenha sido feita, e a apreciação das necessidades de prevenção reclamadas pelo caso não mereçam reparos, sempre que nada disto seja objecto de crítica, então o “quantum” concreto de pena já escolhido deve manter-se intocado.”

Voltando ao caso dos autos, a sentença recorrida fundamentou a aplicação ao arguido da pena concreta de multa em apreço pela seguinte forma:

“(…) Feita a escolha da pena por uma pena não privativa da liberdade, nomeadamente pena de multa, cabe determinar a sua exacta medida, nos termos do 71.º do CP.

Ora, nos termos do n.º do artigo 292.º do CP, o crime de condução de veículo em estado de embriaguez é punido com pena de multa até 120 dias. Atendendo ao disposto no n.º do artigo 47.º, o limite mínimo da pena de multa é de 10 dias.

Para a determinação concreta da medida rege o artigo 71.º CP, nos termos do qual a determinação da medida da pena será feita em função da culpa do agente, à luz das exigências de prevenção geral e especial, bem como deverá atender “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, depuserem a favor ou contra ele”, considerando todas as alíneas previstas no n.º2 daquele artigo, de onde se possa evidenciar as concretas exigências da culpa e da prevenção.

No caso sub judice, em desfavor do arguido, deverá atender-se às exigências de prevenção geral que o Tribunal considera, no presente caso, serem elevadas devido ao tipo de crime que foi praticado e a forma como o mesmo afecta a comunidade, ao trazer sentimentos de insegurança e intranquilidade no âmbito da circulação rodoviária e da sua consequente sinistralidade que, muitas vezes, resulta em ofensas a bens jurídicos valiosos como a integridade física e a vida de quem circula na estrada.

Quanto ao grau de ilicitude do facto, deverá atender-se à elevada taxa de álcool no sangue apresentada pelo arguido. A taxa de 1,85g/l, já deduzido o erro máximo admissível, encontra-se bastante acima do limite legal a partir da qual se considera crime (1,2 g/l), pelo que a gravidade dos factos e a perigosidade dos mesmos mostra-se bastante elevada, sendo tal desfavorável ao arguido.

Quanto ao grau da culpa, o mesmo situa-se no dolo, em virtude de o arguido ter agido de forma livre, deliberada e consciente na prática do crime.

Quanto às exigências de prevenção especial, as mesmas são favoráveis ao arguido uma vez que o mesmo não tem antecedentes criminais e mostra-se plenamente integrado a nível familiar, social e profissional.

Fazendo um juízo de ponderação global dos factos e do que supra se referiu, entende-se ser adequado aplicar a pena de 80 (oitenta) dias de multa, nos termos do 47.º n.º1 CP, pela prática de um crime condução de veículo em estado de embriaguez.(…)” Analisada a decisão, verifica-se que o Tribunal recorrido teve sobretudo em conta razões de prevenção geral, a TAS que o arguido acusou, reveladora da ilicitude do seu comportamento, o dolo directo, a sua ausência de antecedentes criminais e a sua inserção familiar, social e profissional. Sucede, porém, que também deve ser tido em conta o comportamento do arguido posterior ao facto, desde que assuma relevância em termos de sanção a aplicar. Neste sentido, compulsados os autos, verificamos que, consta do auto do primeiro interrogatório judicial do arguido, ocorrido a 31/10/2022, que o mesmo: - confessou integralmente os factos constantes do auto de notícia; - mostrou-se arrependido; - aceitou a suspensão provisória do processo pelo período de seis meses e as injunções que lhe foram impostas: “ - ficar impedido de conduzir veículos a motor pelo período de 5 meses devendo fazer a entrega da carta de condução nestes serviços, no prazo de 10 dias após a notificação para o efeito, e comprometer-se a não solicitar segunda via da sua carta de condução em entidade habilitada para o efeito no período da inibição de conduzir.- - entregar a quantia de 500,00 € ao Estado por meio de DUC, comprovando-o nos autos.” Por despacho, datado de 7/11/22, o Ministério Público decidiu:

“(…) Face à concordância manifestada pelo Mmo. Juiz de Instrução Criminal, determina-se a suspensão provisória dos autos, pelo prazo de 6 meses, mediante o cumprimento das seguintes injunções: 1- Entregar € 500,00 ao Estado (IGFEJ) comprovando no processo tal entrega até ao final do período da suspensão. 2- Abster-se do exercício da condução de veículos pelo prazo de 5 meses, 3- Entregar a carta de condução neste processo até 10 dias depois da notificação de que foi determinada a suspensão. 4- Abster-se de requerer segunda via da carta de condução. Notifique o arguido, o qual deverá fazer a entrega da sua carta de condução nos presentes autos no prazo de 10 dias.(...)”

Segundo liquidação datada de 16/11/22, a suspensão provisória do processo teve início a 15/11/2022 e termo a 15/05/2023, tendo o arguido ficado proibido de conduzir veículos a motor de 24/11/2022 a 24/04/2023. Segundo o Termo de Recebimento de Documento, datado de 24/11/22, pelo arguido foi entregue a Carta de condução nº … e um documento comprovativo do pagamento do valor de 500,00 €. Segundo o Termo de Entrega, datado de 26/04/23, foi entregue ao arguido AA a carta de condução com o nº … A 3/08/23 veio o Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP informar o Tribunal que o arguido solicitou a revalidação da sua carta de condução a 6/12/22 e que a mesma foi emitida e lhe foi enviada a 6/03/23. Em declarações exaradas em auto, datado de 15/11/23, o arguido referiu que: “O motivo de ter renovado a sua carta de condução no período da suspensão, foi por motivos de saúde. Que sofreu de uma depressão anos antes e, que devido a isso, só conseguia renovar a carta de condução com a autorização do Delegado de Saúde (não se recorda do nome), através de um atestado médico. As sucessivas renovações da carta de condução, eram obrigatórias e efetuadas bi-anualmente (coincidiu no ano passado, mais uma renovação da mesma). Que o Delegado de Saúde lhe pedia um relatório médico passado pelo psicólogo que o acompanhava à data dos factos (Dr.ª BB, do Hospital … em …) e, só depois, lhe passava um atestado para poder renovar a carta de condução. Que por causa de sofrer de depressão, reformou-se em 2013. Que a intenção ao renová-la foi porque era um processo moroso e tentou desde logo efetuar a renovação. Que quando recebeu a mesma, a razão de não a ter entregue nestes autos, foi porque pensou que não era necessário, por não ser uma 2.ª via, antes por ser uma renovação da carta de condução, por motivos de saúde. Considera por isso, que cumpriu a injunção fixada.” Na sequência destes factos, o Ministério Público revogou a suspensão provisória do processo e deduziu acusação contra o arguido, ao abrigo do disposto no art.º 282º, nº 4 do Cód. Proc. Penal, por ter considerado que o mesmo incumpriu as injunções a que se comprometeu, porquanto, logo após ter entregue a sua carta de condução para cumprimento da injunção nestes autos, requereu junto do IMT a sua revalidação, manteve o documento válido de substituição da carta na sua posse e recebeu a nova carta a 6/03/2023, que o habilitava à condução e que nunca veio entregar nos autos. Em sua defesa alega o arguido que pedir a revalidação da carta de condução não é a mesma coisa do que pedir uma segunda via, pelo que entende que não incumpriu as injunções que condicionavam a suspensão provisória do processo, pois das mesmas não constava expresso o impedimento de pedir a revalidação da sua carta de condução. Mais alega que são diferentes as ratios que subjazem ao acto de revalidação e ao acto de solicitar 2.ª via, pois se a revalidação é imposta por lei, sendo obrigatória quando se aproxima o fim do prazo de validade da carta de condução, no segundo caso, estamos perante situações em que, por algum motivo, deixou de estar disponível ao condutor o título que ainda permanecia válido, sendo que impende sobre todos os condutores o dever de manterem válidos os títulos que os habilitam à condução de veículos a motor. Na verdade, de acordo com o disposto no art.º 130º, nº1, alínea a) do Cód. Estrada, aprovado pelo D.L. nº 114/94, de 3/05, o título de condução caduca se não for revalidado, impendendo sobre os condutores o ónus de proceder à sua atempada revalidação. Porém, este arguido sabia e aceitou que estava impedido de conduzir veículos pelo período de 5 meses, entre 24/11/2022 e 24/04/2023, tendo procedido à entrega em Tribunal da sua carta de condução. No dia 6/12/22, passados 12 dias do início do prazo do seu impedimento para a condução, o arguido solicitou a revalidação da sua carta de condução, a qual lhe foi entregue a 6/03/23, ou seja 49 dias antes do fim do período da proibição de condução. Alega o arguido que durante este período de tempo não conduziu, mas a verdade é que também não se dirigiu ao Tribunal ou a um posto policial para proceder à entrega da nova carta de condução. Verificamos, assim, que durante o período de tempo em que era suposto durar o seu impedimento de conduzir, o arguido tratou de renovar o seu título de condução. Efectivamente, pedir uma segunda via da carta de condução é um acto diferente de pedir a renovação do título. Porém, o que a injunção se destinava a impedir era a condução de veículos por parte do arguido durante o período estipulado, circunstância que está claramente expressa nas injunções que o mesmo aceitou como condição da suspensão do processo. Para operacionalizar tal abstenção de condução teve o arguido que entregar no Tribunal a sua carta de condução, tal como deveria ter entregue a carta revalidada, uma vez que esta tornou inválida a anterior. Ao não o fazer, o Tribunal apenas tinha em seu poder um título de condução do arguido inválido e ficou sem meios de poder controlar a abstenção do exercício da condução por parte do arguido durante o período de tempo estipulado. Verifica-se, assim, que o comportamento do arguido posterior aos factos de que é acusado em vez de o beneficiar, como o mesmo pretende, ainda mais o prejudica, pois revela uma tentativa de ludibriar o Tribunal, sintomática de uma ausência de consciencialização do desvalor do acto de condução sob o efeito do álcool e da não aceitação das sanções advenientes da prática do mesmo. Como vimos, nos termos do art.º 292º, nº 1 do Cód. Penal, o crime de condução de veículo em estado de embriaguez é punido com pena de multa até 120 dias, sendo o limite mínimo da pena de 10 dias, segundo o previsto no art.º 47º, nº 1 do mesmo diploma. No caso dos autos pondera a favor do arguido a confissão dos factos ( embora esta não seja muito relevante, dada a sua detenção em situação de flagrante delito e a prova pericial recolhida nos autos ), a ausência de antecedentes criminais e a sua inserção social, familiar e profissional. Pondera em seu desfavor a ilicitude elevada, demonstrada pela TAS que acusou, o dolo directo e o seu comportamento posterior aos factos, indiciador de uma desvalorização da sua conduta. Importa referir que a TAS acusada pelo arguido é de molde a provocar um elevado estado de euforia, a diminuição da acuidade visual e da percepção das distâncias às bermas e aos outros veículos e o retardamento do tempo de reacção aos obstáculos normais da circulação rodoviária. Esta alteração da capacidade neuromotora do condutor afecta o seu nível de concentração e aumenta exponencialmente os riscos próprios da condução de veículos automóveis. A isto acrescem as elevadíssimas exigências de prevenção geral, atenta a ligeireza com que se conduz no nosso país após a ingestão de bebidas alcoólicas, que faz com que a sinistralidade rodoviária esteja entre as principais causas de morte em Portugal. Ora, sendo o limite mínimo da pena de multa de 10 dias e o limite máximo de 120 dias para o crime em apreço, verifica-se que uma pena de 80 dias de multa ainda assim nos parece excessiva, atenta a falta de antecedentes criminais do arguido e a sua inserção socio-familiar e económica. Não obstante não possa ser tida em conta a quantia de 500,00 euros já paga pelo arguido durante o período de suspensão provisória do processo, entendemos ser adequado e proporcional aplicar ao arguido uma pena de 60 dias de multa, à taxa diária já fixada de 8,50 euros, o que perfaz a multa global de 510,00 euros, considerando que uma pena de 80 dias, mais próxima do limite máximo, se justificará para situações, ainda assim, mais graves, até ao nível das consequências do comportamento dos arguidos, que no caso em apreço não ocorreram.

Quanto à sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor, esta é uma pena acessória que, embora pressupondo a condenação do agente numa pena principal de prisão ou multa, relativamente à qual assume carácter assessório, constitui uma verdadeira pena, que limita ou restringe o direito do arguido a conduzir, devendo ser apreciada, quanto aos seus pressupostos e dosimetria, segundo as regras aplicáveis às penas principais (cf., neste sentido, por exemplo, Paulo Pinto de Albuquerque, in “ Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos ”, 5ª edição atualizada, UCP, pág. 389, e Acórdão do TRC datado de 16/02/22, proferido no processo nº 263/18.5GCACB-B.C1, em que foi relator Luís Teixeira, in www.dgsi.pt).

Quanto à determinação da medida desta pena, a mesma deve ser apurada também de acordo com os critérios enunciados no art.º 71º do Cód. Penal, relacionados com os fins das penas previstos no art.º 40º do mesmo diploma.

Relativamente à escolha da pena acessória aplicada ao arguido, consta da decisão recorrida que:

“ (…) Em primeiro lugar, importa referir que, no caso dos autos, verificam-se os pressupostos de que depende a aplicação da pena acessória ao arguido, atendendo que está em causa a prática de um crime previsto no artigo 292.º n.º1 do CP.

Em segundo lugar, no que se refere à determinação concreta da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, a mesma deverá ser fixada entre os três meses e três anos, de acordo com os critérios utilizados para a determinação da pena principal, nos termos do artigo 40.º e 71.º do CP, supra referenciados [Nesse sentido, Ac. TRC de 14-01-2015].

Contudo, deverá igualmente ter-se em conta as finalidades próprias da pena acessória por forma a que a mesma se mostre em concreto ajustada às suas finalidades.

A pena acessória é encarada como um importante instrumento para restabelecer a confiança da comunidade na validade da norma infringida com o cometimento do crime de condução em estado de embriaguez. Como defende Figueiredo Dias (In Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, §§ 88 e 232), “a pena acessória tem uma função preventiva adjuvante da pena principal, cuja finalidade não se esgota na intimidação da generalidade, mas dirige-se também, ao menos em alguma medida, à perigosidade do agente, reforçando e diversificando o conteúdo penal sancionatório da condenação”.

Ainda, aquele Autor defende que “a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados tem como pressuposto material a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável (…) pelo que deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano” [também nesse sentido, Ac. TRC de 14-01-2015]

Considerando o elevado grau de ilicitude emergente dos factos em resultado da taxa de álcool no sangue apresentada pelo arguido (1,85 g/l), o elevado grau de culpa ao nível do dolo, as elevadas necessidades de prevenção geral e, por outro lado, as necessidades de prevenção especial que, in casu, não se afiguram particularmente relevantes em virtude de o arguido não ter antecedentes criminais e encontrar-se inserido familiar, social e profissionalmente, entende-se ser justo e proporcional aplicar ao arguido uma pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor por um período de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias. (…)” Analisada a decisão recorrida, verifica-se que, face à factualidade apurada, se considera justa e proporcional a pena acessória de quatro meses e quinze dias que foi aplicada ao recorrente.

A ilicitude do comportamento do arguido é efectivamente elevada, atenta a TAS que acusou, o que necessariamente afectou as suas faculdades de discernimento necessárias à actividade de condução de um veículo automóvel, a qual, dada o elevado potencial da sua perigosidade, exige que o condutor a desempenhe no exercício pleno das suas faculdades mentais. Como já se referiu, são também muito elevadas as exigências de prevenção geral relativamente a este tipo de crimes, atenta a frequência e a ligeireza com que se conduz no nosso país após a ingestão de bebidas alcoólicas, o que revela um enorme desrespeito pelo cumprimento das normas de trânsito e pela vida, saúde e bens patrimoniais dos demais utentes da via pública, assim postos em perigo. Por outro lado, esta pena deve importar também para o arguido um sacrifício, porquanto é de uma verdadeira pena que se trata, perdendo a mesma a sua finalidade e função punitiva e preventiva se for fixada num número de meses diminuto, face à culpa do agente. Em face da matéria de facto apurada, entendemos que a quantificação da pena acessória se mostra ajustada, porque muito próxima do limite mínimo dos três meses, justificando-se a sua manutenção. Também aqui não colhe o argumento do arguido de que já esteve durante cinco meses inibido do exercício da condução, porquanto, por sua culpa exclusiva, o comportamento supra descrito levou à revogação da suspensão provisória do processo e à impossibilidade de o Tribunal a quo controlar o tempo em que o mesmo esteve efectivamente impedido de conduzir. No entanto, nunca o período de cinco meses de proibição de condução fixado como injunção na fase da suspensão provisória do processo poderia ser descontado na pena acessória aplicada pela decisão recorrida, conforme jurisprudência uniformizadora, fixada pelo STJ no seu acórdão nº 4/2017, de 16/06, publicado no D.R. nº 115/2017, Série I de 2017/06/16, págs. 3037 a 3051, supra citada.

Em face do exposto, julga-se, assim, o recurso parcialmente procedente e altera-se a decisão recorrida em conformidade.

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4. DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os Juízes que integram esta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedente o recurso apresentado por AA e, em consequência:

- alteram a decisão recorrida, condenando o arguido AA pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos arts.º 292º, nº 1 e 69º, nº 1, alínea a) do Cód. Penal, numa pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 8,50 euros, o que perfaz a multa global de 510,00 euros (quinhentos e dez euros);

- no mais mantêm a decisão recorrida.

Sem custas.

Évora, 3 de Dezembro de 2024

(texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto pela relatora)

Carla Francisco

(Relatora)

Edgar Valente

Carla Oliveira

(Adjuntos)