Para que a conduta do agente integre o crime de violência doméstica , previsto no art.152º do Cód. Penal, necessário é a existência de “maus tratos”, os quais podem ser reiterados ou consistir apenas num ato isolado.
Embora não exista uma noção exata e totalmente abrangente do conceito de “maus tratos”, podemos descrevê-los, em termos genéricos, como todos os atos de abuso, de poder, de violência, crueldade ou de intimidação que gerem, no seu destinatário, lesões, dor, medo, constrangimento, humilhação, vergonha, sofrimento físico ou psicológico ou uma incapacidade de satisfazer as necessidades entendidas como essenciais de qualquer ser humano.
O bem jurídico protegido com a incriminação é, como se pode ver, a pessoa individualmente considerada, a sua dignidade enquanto pessoa humana e a sua saúde física, psicológica e mental.
Desta forma, os “maus tratos” previstos no preceito em causa pressupõem a prática de atos/ato que, independentemente da sua natureza, se mostrem aptos a atingir e colocar em causa a dignidade humana.
O crime de ofensa à integridade física, previsto no art. 143º, do Cód. Penal, por seu turno, tem em vista a proteção dessa mesma integridade física. A violência doméstica encontra-se, deste modo, numa relação de concurso aparente, especialidade, com este último crime.
Assim, para verificar se a conduta concreta do agente integra o crime de violência doméstica ou o de ofensa à integridade física, cumprirá, antes de mais, avaliar os atos concretos, os bens jurídicos violados e a intensidade dessa violação. E essa avaliação será feita tendo em conta, quer a reiteração (se existir), quer a gravidade e características especificas das ofensas físicas praticadas. Importa saber se se verificou uma especial violação dos direitos da vítima, de tal forma grave, que extravase o desvalor próprio e o âmbito de aplicação da norma penal típica, tornando esta inadequada e insuficiente para a proteção do bem jurídico afetado.
Em termos práticos, para que a ofensa física se transforme em violência doméstica, o ato único ou os atos reiterados, têm que assumir uma relevância e gravidade tal que não atinjam apenas a integridade física da vítima, mas também a sua dignidade enquanto pessoa humana. O ato/atos tem que constituir “maus tratos”, revelar desprezo, crueldade, domínio ou mesmo total insensibilidade relativamente à vítima e evidente intenção de a inferiorizar, humilhar e retirar-lhe dignidade.
Acórdão deliberado em Conferência
1. Relatório
1.1 Decisão recorrida
Por sentença de 15 de março de 2024, o arguido AA foi absolvido da prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152°, n° 1, alínea b) do Código Penal e condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143°, n° 1, do Código Penal, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de 5,00€.
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1.2 Recurso/Parecer
Inconformado com a decisão, o MP apresentou recurso do qual extraiu, em síntese, as seguintes conclusões (resumo nosso):
- Os factos que resultaram provados integram a prática, pelo arguido, do crime de violência doméstica pelo qual se mostrava acusado.
Provado que está o episódio de ofensas corporais, cometido pelo arguido contra a sua namorada, tal é suficiente para integrar o conceito de “maus tratos”. Pese embora se prove uma única agressão, a conduta apurada do arguido é reveladora da prática de atos suscetíveis de ofender os bens jurídicos protegidos pelo crime de violência doméstica, já que o mesmo manifestou uma especial desconsideração pela pessoa da sua namorada, revelando crueldade, desprezo e especial desejo de a molestar fisicamente e de a humilhar, tendo afetado a saúde física e psíquica e/ou emocional da ofendida e comprometido a continuação da relação amorosa.
- Atento o tipo de ilícito e as circunstâncias concretas em que o mesmo foi praticado, a espécie de pena adequada é a de prisão.
Tendo em conta que o arguido não conta com antecedentes criminais pela prática de factos de idêntica natureza, a pena deve ser fixada em 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 (dois) anos, acompanhada de regime de prova assente num plano de reinserção social, elaborado e executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, pela Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, focado numa maior interiorização do desvalor jurídico de comportamentos agressivos por parte do arguido e no âmbito do qual se deverá impor ao arguido as seguintes obrigações: sujeita-se a um acompanhamento psicológico (proporcionado pelo Gabinete de Apoio Psicossocial – GAP, …), conforme proposto no relatório social junto aos autos; responder a convocatórias do Tribunal e do técnico de reinserção social; receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência; e informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência, bem como sobre qualquer deslocação superior a 8 dias e sobre a data previsível do regresso.
Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer de concordância com o recurso apresentado, pronunciando-se pelo seu provimento.
1.3 Resposta
Não foram apresentadas respostas.
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2. Questões a decidir no recurso
Assim, as questões a apreciar e a decidir – e delimitadas pelas conclusões apresentadas – são as seguintes:
- Do enquadramento jurídico dos factos provados: crime de ofensa à integridade física ou de violência doméstica;
- Da espécie de pena, da sua medida concreta, em caso de opção pela prisão e, também neste último caso, forma da sua execução.
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3. Fundamentação
3.1. Factualidade provada na sentença
Factos provados (transcrição)
1. O arguido e a vitima BB mantiveram uma relação de namoro após este ter saído do estabelecimento prisional e até cerca de Dezembro de 2021, ainda que com algumas interrupções.
2. por cerca de 8 (oito) meses, entre Fevereiro de 2021 e Setembro de 2021.
3. No dia 12-12-2021, pelas 13h00, o arguido deslocou-se ao Restaurante “…”, Estrada Nacional …, …, …, local de trabalho da vítima e onde a mesma se encontrava em exercício de funções.
4. Ali, o arguido ingeriu bebidas alcoólicas durante o período da tarde, e cerca das 18h45m, deslocou-se para a casa de banho para vomitar.
5. Nesta sequência, a vítima dirigiu-se à casa de banho
6. Ato contínuo, e de forma não concretamente apurada o arguido e a ofendida envolveram- se em agressões mútuas, tendo o arguido desferido vários socos na região da face da vítima e tendo a vitima apertado o pénis do arguido.
7. Após pessoas que se encontravam no restaurante terem conseguido abrir a porta da casa de banho, a vítima fugiu para a cozinha, e o arguido seguiu-a.
8. Estando já ambos na cozinha, o arguido empurrou a vítima, fazendo-a bater com a cabeça na extremidade de uma mesa, e após, no seguimento do empurrão, cair desamparada no chão.
9. Quando a vítima BB estava já caída no chão, o arguido continuou a deferir um número indeterminado de socos e pontapés por toda a sua superfície corporal, desde a região da cabeça até aos membros inferiores, ao mesmo tempo que dirigiu à vítima a seguinte expressão:
10. Como consequência direta e necessária da conduta do arguido, descrita em 6. a 9, a vítima BB sofreu as seguintes lesões:
11. - na face: equimose peri-orbitária bilateral; hemorragia das conjuntivas; edema malar direito; edema e equimose dos lábios superiores.
12 Tais lesões determinaram 21 (vinte e um) dias para cura, com afetação da capacidade de trabalho geral (5 dias) e profissional (15 dias).
13 O arguido agiu com o propósito concretizado de molestar a vítima e de a ofender no seu corpo e saúde.
14.O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que toda a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
A.2) Da Determinação da sanção
a) O arguido foi condenado no processo 19/17.2…, do Juiz … do Juizo Local Criminal de …, pela prática em 2017 de um crime de tráfico de estupefaciente, tendo sido restituído à liberdade em 09/07/2021.
b) O arguido trabalha na construção civil auferindo cerca de 800,00€ mensalmente.
c) O arguido não tem filhos e reside com o seu pai, contribuindo com cerca de 200,00€ para as despesas do agregado familiar.
A.3) Do pedido de Indemnização Civil.
- como consequência dos factos perpetrados pelo arguido a ofendida dirigiu-se ao Centro Hospitalar … o qual lhe prestou cuidados no valor de 122.07€.
B) Factos não provados
1. O arguido passou a ter um comportamento agressivo quando a vítima decidiu terminar a relação de namoro que mantinham, por não ter aceitado o fim da relação.
2. Assim, em data imprecisa, mas situada após o mês de setembro de 2021, o arguido, sem que nada o fizesse prever, agarrou a vítima pela região do pescoço, apertando-o, e após, fingiu que tal se tratou de uma brincadeira.
3. Como consequência direta e necessária da conduta do arguido, a vítima sofreu dores na região do pescoço, e não recebeu tratamento hospitalar.
4. Na cozinha do estabelecimento o arguido enquanto dava pontapés à ofendida proferiu a expressão: “- Cachorra de merda, pensas que eu não sei o que tu és!”
5. O arguido continuou a não aceitar o fim do namoro com a vítima.
6. Em data posterior, o arguido pediu desculpa à vítima.
7. O arguido estava ciente de que manteve uma relação de namoro com a vítima, e que, por esse motivo, lhe devia particular respeito e consideração, atendendo ao vínculo que os uniu, e que lhe estava vedado actuar do modo supra descrito.
8. Com a conduta descrita, agiu o arguido com o propósito, concretizado, de maltratar psicologicamente a vítima, bem sabendo que a sua conduta era apta a causar-lhe sofrimento e sobressalto.”
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3.2 - Do enquadramento jurídico dos factos provados: crime de ofensa à integridade física ou violência doméstica
O arguido encontrava-se acusado da prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nº1, al.b), nºs 4 e 5, do Cód. Proc. Penal. Porém, face à factualidade que resultou provada, o tribunal recorrido entendeu que a sua conduta integra antes um crime de ofensa à integridade física.
Apreciando.
Dispõe o art. 152º, nº1, do Cód. Penal, que pratica o crime de violência doméstica quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações de liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos próprios ou comuns a (no que agora nos interessa) pessoa com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação.
Deste preceito resulta desde logo que, para que a conduta integre a sua previsão, necessário é a existência de “maus tratos”, os quais podem ser reiterados ou consistir apenas num ato isolado.
Embora não exista uma noção exata e totalmente abrangente do conceito de “maus tratos”, podemos descrevê-los, em termos genéricos, como todos os atos de abuso, de poder, de violência, crueldade ou de intimidação que gerem, no seu destinatário, lesões, dor, medo, constrangimento, humilhação, vergonha, sofrimento físico ou psicológico ou uma incapacidade de satisfazer as necessidades entendidas como essenciais de qualquer ser humano.
O bem jurídico protegido com a incriminação é, como se pode ver, a pessoa individualmente considerada, a sua dignidade enquanto pessoa humana e a sua saúde física, psicológica e mental.
Desta forma, os “maus tratos” previstos no preceito em causa pressupõem a prática de atos/ato que, independentemente da sua natureza, se mostrem aptos a atingir e colocar em causa a dignidade humana.
O crime de ofensa à integridade física, previsto no art. 143º, do Cód. Penal, por seu turno, tem em vista a proteção dessa mesma integridade física. A violência doméstica encontra-se, deste modo, numa relação de concurso aparente, especialidade, com este último crime.
Assim, para verificar se a conduta concreta do agente integra o crime de violência doméstica ou o de ofensa à integridade física, cumprirá, antes de mais, avaliar os atos concretos, os bens jurídicos violados e a intensidade dessa violação. E essa avaliação será feita tendo em conta, quer a reiteração (se existir), quer a gravidade e características especificas das ofensas físicas praticadas. Importa saber se se verificou uma especial violação dos direitos da vítima, de tal forma grave, que extravase o desvalor próprio e o âmbito de aplicação da norma penal típica, tornando esta inadequada e insuficiente para a proteção do bem jurídico afetado.
Em termos práticos, para que a ofensa física se transforme em violência doméstica, o ato único ou os atos reiterados, têm que assumir uma relevância e gravidade tal que não atinjam apenas a integridade física da vítima, mas também a sua dignidade enquanto pessoa humana. O ato/atos tem que constituir “maus tratos”, revelar desprezo, crueldade, domínio ou mesmo total insensibilidade relativamente à vítima e evidente intenção de a inferiorizar, humilhar e retirar-lhe dignidade.
No caso concreto, o arguido e a vítima mantiveram uma relação de namoro durante cerca de 8 meses, embora com algumas interrupções. Durante esse período, numa ocasião, arguido dirigiu-se ao restaurante onde trabalha a ofendida e aí ingeriu bebidas alcoólicas. A certo momento deslocou-se à casa de banho para vomitar, sendo seguido pela ofendida. No interior da casa de banho envolveram-se em agressões mútuas, no decurso das quais o arguido desferiu vários socos na face da vítima e esta lhe apertou o pénis. Depois de terceiros que se encontravam no local terem aberto a porta da casa de banho, a ofendida fugiu para a cozinha, sendo perseguida por este que, já nesse local, a empurrou, fazendo-a bater com a cabeça na extremidade duma mesa e cair no chão. Quando ela se encontrava caída no chão o arguido desferiu-lhe socos e pontapés por todo o corpo. Nessa sequência, a ofendida sofreu lesões corporais que determinaram 21 dias para a cura, sendo 5 com a afetação de capacidade de trabalho geral e 15, com afetação de capacidade profissional.
Estamos, pois, perante um ato isolado, no qual o arguido agrediu a ofendida, com socos murros e pontapés. Os factos iniciaram-se com uma desavença entre ambos – por motivos não apurados – que levou, numa fase inicial a agressões mútuas. A situação é grave, sendo de salientar que a ofendida foi agredida, embora numa única situação e no mesmo espaço temporal, por diversas vezes. Também o período de cura das lesões é demonstrativo que estas não foram irrelevantes.
No entanto, entende-se que o ato, considerado na sua globalidade, não excede a violação própria do bem jurídico próprio do crime de ofensa à integridade física. Com efeito, os atos concretos não são aptos a atingir de modo forte e intenso a dignidade da pessoa humana, não são reveladores de uma vontade de dominar, humilhar, desconsiderar a vítima ou diminui-la enquanto pessoa (isto para além das “normais” consequências de ser vítima de um qualquer crime de ofensa à integridade física). Por outro lado, não resulta da matéria provada, que os factos em causa estivessem de algum modo relacionados com a relação de namoro existente entre ambos ou sequer que se verificasse – nesta última – qualquer ascendente ou relação de dominação de qualquer espécie.
Por tudo isto, e sem deixar de salientar a gravidade dos factos praticados, entende-se que estes integram a prática do crime de ofensa à integridade física simples, tal como foi considerado pelo Tribunal recorrido.
Assim, nesta parte, improcede a pretensão do recorrente.
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3.3 - Da espécie de pena, da sua medida concreta, em caso de opção pela prisão e, também neste último caso, forma de execução
Sustenta o recorrente que a pena de multa não se mostra suficiente e adequada ao caso concreto, devendo antes ser de aplicar pena de prisão.
Cumpre apreciar.
Dispõe o art. 70º, do Cód. Penal, que se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. E, de acordo com o nº1, do art. 40º, a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Assim, sempre que se coloca a questão da opção pela espécie de pena importa aferir destas circunstâncias em concreto.
Na sentença recorrida pode-se ler-se o seguinte, a este propósito:
“ Assim, no caso concreto importa considerar:
- o grau de ilicitude — é mediano/elevado considerando a gravidade das lesões perpetradas, o tempo para a sua cura, mas sem desconsiderar as circunstâncias concretas em que foram praticadas e referidas em sede de motivação.
- o dolo foi directo;
- o arguido não tem antecedentes criminais, por crimes semelhantes mas unicamente por um crime de tráfico.
As necessidades de prevenção geral são medianas, considerando que arguido e ofendida não mantém qualquer tipo de relacionamento.
Resulta do disposto no art.° 70° do Código Penal que “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.” pelo que, o tribunal determina a condenação do arguido numa pena de multa, porquanto se lhe afigura que esta pena realizará de forma suficiente as finalidades da punição, quer na vertente de prevenção geral, quer na vertente de prevenção especial”.
Entende que o Ministério Público que, dadas as circunstâncias concretas do caso, designadamente os atos praticados, as suas consequências e bem assim as necessidades de prevenção geral e especial que se fazem sentir, a pena de multa se mostra insuficiente.
Concorda-se.
Conforme decorre do seu certificado de registo criminal, o arguido sofreu já uma condenação, pela prática do crime de tráfico de produtos estupefacientes, na pena de 6 anos de prisão. Cumpriu parte dessa pena e foi-lhe concedida liberdade condicional, a partir de 9 de julho de 2021 e até 12 de setembro de 2023. Os factos aqui em causa ocorreram em 12 de dezembro de 2021, ou seja, cerca de 5 meses após a sua restituição à liberdade e em pleno período de liberdade condicional. Face a tal factualidade forçoso é concluir que uma pena de multa não realizará de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Com efeito, se a pena de prisão – ainda longa – não cumpriu as suas finalidades, como se pode considerar que, neste circunstancialismo concreto, a pena de multa se mostra adequada? Não pode. Antes pelo contrário, a aplicação da pena de multa, pela prática de um crime (grave) tão pouco tempo depois da libertação do arguido, geraria uma sensação de impunidade, não só junto da comunidade como também no próprio arguido. E, para o efeito, é totalmente irrelevante que o crime aqui em causa seja de diferente natureza daquele em que o arguido foi anteriormente condenado. Além de se tratarem ambos de crimes graves (em diferente medida, de acordo com as respetivas naturezas), o que está aqui em causa é a tendência criminosa e a vida desconforme ao direito manifestadas pelo arguido e que são, por si só, factos geradores de fortes necessidades de prevenção especial.
Merece assim provimento o recurso, na parte em que pugna pela opção pela pena de prisão.
O recorrente entende que a pena deve ser fixada em 1 ano e 6 meses de prisão.
O crime em causa é punível com prisão até 3 anos, do que resulta que o seu limite mínimo é 1 mês – art. 41º, nº1, do Cód. Penal.
A determinação da medida concreta da pena deve ser efetuada com recurso aos critérios gerais estabelecidos no art. 71º, do Cód. Penal, ou seja, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele. E, tal como estipula o art. 40º, nº2, do mesmo diploma, “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”, sendo esta o patamar máximo da pena a aplicar.
No caso concreto o arguido agiu com dolo direto, sendo o grau de ilicitude médio, apesar das consequências dos seus atos não se mostrarem pouco relevantes, mas antes de alguma gravidade, como decorre das lesões sofridas pela ofendida e do período necessário à sua cura (20 dias). Acresce que ocorreram contra pessoa com quem mantinha uma relação de namoro e, consequentemente, para com quem se exigia que tivesse um especial dever de cuidado e respeito (circunstância essa que não consistindo, neste crime, um elemento do tipo, pode e deve ser valorada).
Encontra-se integrado em termos familiares e tem ocupação profissional. Porém, não se pode ignorar que já sofreu condenação anterior, pela prática de crime grave, em pena de prisão que cumpriu em parte. E, à data dos factos encontrava-se, há muito pouco tempo em regime de liberdade condicional.
Face a todos estes elementos afigura-se como justa e adequada a pena de 14 meses de prisão, a qual já se mostra situada no 2/3 da penalidade, mas ainda a alguma distância do meio da pena – considerando-se que esta medida, a pedida pelo Ministério Público em sede de recurso, se mostra algo excessiva face à culpa e às necessidades de prevenção exigidas.
No caso, entende-se que as razões que impuseram a opção pela pena de prisão, em detrimento da aplicação de pena de multa, se justificam inteiramente também para afastar a substituição de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade – art. 58º, do Cód. Penal. Com efeito, as necessidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, bem como os antecedentes criminais do arguido e a sua situação jurídica à data da prática dos factos, tornam inadequada qualquer outra pena que não a de prisão.
Resta assim apurar se se mostram reunidos os pressupostos de que depende a aplicação do regime de suspensão da execução da pena de prisão, previstos no art. 50º, do Cód. Penal.
Pese embora todas as considerações que se teceram sobre as necessidades de prevenção que se fazem sentir no caso concreto, entende-se que, nesta fase da vida do arguido, ainda se mostra possível formular um juízo de prognose positivo, no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizarão de forma suficiente e adequada as finalidades da punição. Com efeito, o arguido já cumpriu pena de prisão, pelo que tem exata noção do seu significado efetivo. Ao ser-lhe aplicada uma pena de prisão suspensa na sua execução terá igualmente bem presente quais as inevitáveis consequências do seu incumprimento. Acresce que tem trabalho e dispõe de apoio familiar pelo que, embora tais circunstâncias até ao momento não o tenham inibido da adoção de condutas criminosas, dependerá dele a gestão equilibrada e adequada desses benefícios.
Assim, entende-se que se mostram reunidos os pressupostos de que depende a suspensão da execução da pena de prisão, a qual, porém, e tendo em conta as exigências que no caso se fazem sentir, será sujeita a regime de prova, o que se mostra adequado a promover a integração do condenado na sociedade. Tal regime deverá assentar em plano de reinserção social a elaborar pelos serviços competentes e que deverá ter em consideração as necessidades específicas da situação concreta – arts. 50º e 53º, do Cód. Penal.
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4 - DECISÃO
Pelo exposto, acordam as Juízas que compõem este Tribunal, em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, em:
- manter a condenação do arguido pela prática do crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art. 143º, do Cód. Penal;
- revogar a pena de multa aplicada e substitui-la pela pena de 14 (catorze) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita a regime de prova, assente em PRS, a elaborar pelos serviços competentes.
Sem custas.
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Évora, 3 de dezembro de 2024
Carla Oliveira (Relatora)
Anabela Cardoso (1ª Adjunta)
Carla Francisco (2ª Adjunta)