1 – O autor amplia o pedido primitivo quando, sem o retirar, pede mais, seja aumentando-o, seja cumulando um novo pedido. O autor altera o pedido quando substitui o pedido primitivo por um pedido diverso.
2 – Se, na petição inicial, o autor, intitulando-se beneficiário de um contrato de seguro de vida, pedir a condenação do réu a pagar-lhe o capital seguro, e, em articulado posterior, reconhecendo que aquele beneficiário é um terceiro, passar a pedir a condenação do réu e desse terceiro a pagarem-lhe as quantias que por si pagas a este último em cumprimento de um contrato de mútuo, estamos perante uma alteração do pedido.
(Sumário do Relator)
Autora/recorrente: (…).
Intervenientes principais, como associadas da autora: (…); (…).
Ré/recorrida: (…) – Companhia Portuguesa de Seguros de (…), S.A..
Pedido inicial:
Reconhecimento, como válido, do contrato de seguro de vida e apólice (…), subscrito por (…); garantir e proceder ao pagamento integral do capital seguro à autora na qualidade de beneficiária do seguro, no valor de € 25.301,15; juros à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Pedido subsequente:
Condenação da ré e do Banco (…), cuja intervenção principal a autora e as intervenientes requereram, a pagarem-lhes todas as quantias que elas alegadamente pagaram ao segundo, em cumprimento de um contrato de mútuo, desde 03.11.2019, data da morte do marido da recorrente.
Saneador-sentença recorrido:
Indeferiu a ampliação/alteração do pedido requerida pela autora e pelos intervenientes principais;
Declarou prejudicada a apreciação do incidente de intervenção principal provocada do Banco (…);
Julgou a acção improcedente.
Síntese das conclusões do recurso:
1 – A ampliação/alteração do pedido é legalmente admissível, não constituindo um novo pedido, mas sim uma consequência evidente do pedido primitivo, constante da petição inicial.
2 – A questão fulcral é a de saber se a recorrente tinha a obrigação de continuar a pagar as mensalidades do contrato de crédito pessoal celebrado pelo seu falecido marido. Questão esta que merece resposta negativa.
3 – No âmbito do contrato de crédito celebrado entre o falecido (…) e o Banco (…) e do contrato de seguro celebrado entre o mesmo (…) e a seguradora (…) Seguros, S.A., em caso de morte, o beneficiário principal seria o Banco (…), facto que a recorrente desconhecia.
4 – Por isso, a recorrente, não sendo a beneficiária principal e directa do seguro de vida, não tem a obrigação de efectuar os pagamentos mensais relativos ao crédito assumido.
5 – Não obstante, à cautela e como pessoa de boa fé, a recorrente tem liquidado as prestações mensais desde 03.11.2019.
6 – O Banco (…) tem recebido tais pagamentos, sem invocar o seu direito de crédito contra a recorrida.
7 – Daí que o pedido de ampliação/alteração do pedido faça todo o sentido, ainda que sem a concordância da recorrida.
8 – Daí, igualmente, que seja perfeitamente plausível o pedido de intervenção principal provocada do Banco (…).
9 – Foi em sede de contestação que a recorrida invocou que o beneficiário do contrato de seguro era o Banco (…), o que foi aceite pela recorrente. Consequentemente, encontram-se preenchidos os requisitos constantes do n.º 1 do artigo 265.º do CPC, segundo o qual, na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceite pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de dez dias a contar da aceitação.
10 – Estando provado que o valor do capital seguro era igual ao do crédito concedido, mais não restava, ao tribunal a quo, senão condenar «a eventual ré, cuja intervenção se requereu no cumprimento da sua obrigação contratual», o que não fez.
11 – Caso o pedido houvesse tido provimento, deveriam a recorrida e o Banco (…) ser obrigados a restituir, à recorrente, as quantias correspondentes à totalidade dos montantes que desta recebeu para amortização do mútuo.
12 – Assim, o pedido de ampliação/alteração e a intervenção provocada do Banco (…) deveria ter procedido, mesmo sem o acordo da recorrida, uma vez que todos os requisitos legalmente exigidos estão preenchidos, nos termos do n.º 1 do artigo 265.º do CPC.
13 – Pelo que deverá a sentença proferida pelo tribunal a quo ser substituída por outra, que dê provimento ao pedido de ampliação/alteração e admita a intervenção provocada do Banco (…), ordenando o prosseguimento da acção.
Questões a decidir:
Admissibilidade da ampliação/alteração do pedido;
Admissibilidade da intervenção principal provocada do Banco (…).
Além daqueles que anteriormente referimos, são relevantes para a decisão do recurso os seguintes factos:
1 – Na petição inicial, a recorrente alegou ser ela a beneficiária do contrato de seguro de vida celebrado pelo seu falecido marido e, em conformidade, formulou o pedido de condenação da recorrida a pagar-lhe o valor correspondente ao capital seguro.
2 – Na contestação, a recorrida contrapôs que o beneficiário do contrato de seguro é o Banco (…), pelo que não tem o dever de pagar o valor correspondente ao capital seguro à recorrente.
3 – Na audiência prévia, a recorrente e as intervenientes principais foram notificadas para se pronunciarem sobre a questão referida em 2.
4 – Nessa sequência, a recorrente e as intervenientes principais disseram, em síntese, o seguinte:
- Ainda que seja ele o beneficiário do seguro de vida, o Banco (…) deveria tê-lo accionado após a morte do marido da recorrente;
- Porém, o Banco (…) não o fez, tendo a recorrente e as intervenientes principais continuado a pagar as prestações relativas ao mútuo;
- A recorrente e as intervenientes principais têm interesse em demandar a recorrida e o Banco (…), o que assegura a sua legitimidade processual activa;
- Por isso, requerem a intervenção principal provocada do Banco (…) para, juntamente com a recorrida, «accionarem o seguro de vida nos termos subscritos e constantes no contrato com vista a obter o pagamento da quantia objecto da garantia que o seguro de vida do mutuário/segurado»;
- Atenta a natureza da relação jurídica, a intervenção do Banco (…) é necessária para que a decisão produza o seu efeito útil normal;
- Tendo a recorrente e as intervenientes principais vindo a pagar as prestações relativas ao mútuo desde a data da morte do marido da primeira e não sendo elas as beneficiárias do seguro de vida, estão a pagar um crédito que não é da sua responsabilidade;
- Consequentemente, a recorrente e as intervenientes principais têm o direito a serem compensadas pelos valores que indevidamente pagaram desde aquela data;
- A recorrente e as intervenientes principais vão-se sub-rogando no direito do Banco (…) sobre a recorrida ao pagamento do capital seguro, pelo que podem pedir a condenação da segunda a restituir-lhes os valores pagos ao primeiro;
- Estamos perante uma situação de enriquecimento sem causa;
- Nos termos do n.º 2 do artigo 265.º do CPC, o autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo;
- Termos em que a recorrida e o Banco (…) devem ser condenados a pagar, à recorrente e às intervenientes, todas as quantias por elas pagas, em cumprimento do contrato de mútuo, desde 03.11.2019, acrescidas de juros de mora, à taxa legal de 4%, até integral pagamento.
5 – A recorrida opôs-se à «ampliação» do pedido.
6 – Em seguida, o tribunal a quo proferiu o saneador-sentença recorrido, não admitindo a «ampliação/alteração» do pedido e declarando prejudicada a apreciação do incidente de intervenção principal provocada do Banco (…), com fundamentação cuja parte mais relevante se transcreve:
«Ora, no caso em apreço, as autoras alegam factos novos para fundamentar esse novo pedido, sendo certo que tais factos não resultam de confissão feita pela ré nem são supervenientes à entrada da ação em juízo.
Efetivamente, tais factos, pese embora tenham a sua génese na relação contratual alegada na petição inicial, não constituem qualquer desenvolvimento da causa de pedir, mas sim uma situação que já existia, concorrente com a alegada na petição inicial, constituindo uma nova causa de pedir que fundamenta um novo pedido contra um novo – eventual – réu, contra o qual se deduz um incidente de intervenção principal provocada – isto é, requer ainda uma alteração subjetiva da instância para proceder, sendo certo que tal alteração apenas é necessária caso tenha acolhimento a pretendida ampliação do pedido.
Desta forma, não estão verificados os requisitos para se proceder à ampliação/alteração (na verdade, não resultou totalmente claro do articulado apresentado se se pretendia uma ampliação ou uma alteração/substituição do pedido) do pedido nestes autos.»
Ora, tal confusão entre os planos processual e substantivo tem de ser evitada. A análise da questão processual da admissibilidade do pedido formulado após a audiência prévia tem de ser feita com abstracção da razão que a recorrente possa ter no plano substantivo. Ainda que a tenha, a sua actuação processual tem de se subordinar à lei processual, concretamente aos artigos 260.º, 264.º e 265.º do CPC (diploma ao qual pertencem as normas doravante referenciadas sem menção da sua origem).
Neste processo, tendo por referência o pedido formulado na petição inicial, interessa, antes de mais, apurar se o pedido formulado no articulado apresentado após a audiência prévia é admissível. A eventual análise do fundamento substantivo da pretensão da recorrente e das intervenientes principais apenas poderá ter lugar uma vez resolvida, em sentido afirmativo, aquela questão processual.
Concentremo-nos, então, na análise da questão processual.
Na petição inicial, a recorrente formulou o pedido de condenação da recorrida a pagar-lhe o capital seguro. O «pedido» de reconhecimento da validade do contrato de seguro constitui um mero pressuposto da procedência da verdadeira pretensão da recorrente, que é a referida condenação.
No articulado que apresentaram após a audiência prévia, a recorrente e as intervenientes principais formularam o pedido de condenação da recorrida e do Banco (…), cuja intervenção principal requereram, a pagarem-lhes todas as quantias que elas alegadamente pagaram ao segundo, em cumprimento do contrato de mútuo, desde 03.11.2019, data da morte do marido da recorrente. A recorrente sustenta que se trata de «uma consequência evidente do pedido primitivo» e não de um novo pedido.
A recorrente não tem razão.
Tenhamos como referência o disposto no artigo 264.º, que distingue a alteração do pedido da sua mera ampliação. O autor amplia o pedido primitivo quando, sem o retirar, pede mais, seja aumentando-o, seja cumulando um novo pedido. O autor altera o pedido quando substitui o pedido primitivo por um pedido diverso. É neste sentido que os termos «alteração» e «ampliação» do pedido são utilizados no CPC.
Aquilo que a recorrente pretende não é uma mera ampliação do pedido primitivo, mas sim a substituição deste por um pedido diverso. A recorrente deixou de pedir a condenação da recorrida a pagar-lhe o capital seguro. Em vez disso, passou a pedir a condenação da recorrida, em conjunto com o chamado Banco (…), a pagar-lhe todas as quantias que ela e as intervenientes principais alegadamente pagaram ao segundo, em cumprimento do contrato de mútuo, desde 03.11.2019. Estamos perante uma evidente alteração do pedido. O que, por si só, afasta a aplicabilidade do disposto na segunda parte do n.º 2 do artigo 265.º, como a recorrente pretende.
Ainda que qualificássemos, erradamente, a alteração do pedido levada a cabo pela recorrente como uma mera ampliação, constituiria um novo erro entender que, como esta pretende, o novo pedido constituísse «uma consequência evidente do pedido primitivo».
Neste ponto, socorremo-nos da lição de José Alberto dos Reis: um pedido constitui desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, para o efeito previsto no n.º 2 do artigo 265.º, quando a ampliação esteja virtualmente contida no pedido inicial. «Exemplo característico: pediu-se, em acção de reivindicação, a entrega do prédio; pode mais tarde fazer-se a ampliação, pedindo-se também a entrega dos rendimentos produzidos pelo prédio durante a ocupação ilegal. Outro exemplo: pediu-se a restituição da posse de um prédio; pode depois, em ampliação, pedir-se a indemnização das perdas e danos causados pelo esbulho. Num e noutro caso a ampliação é uma consequência do pedido primitivo. Em vez de ser uma consequência, pode ser um desenvolvimento. Pediu-se o pagamento de uma dívida; pode depois alegar-se que a dívida vencia juros e pedir-se o pagamento destes.»[1]
De forma alguma pode considerar-se que o pedido de condenação da recorrida e do chamado Banco (…) na restituição das quantias a este último alegadamente pagas em cumprimento do contrato de mútuo, desde a data da morte do marido da recorrente, esteja virtualmente contido no pedido de condenação da recorrida no pagamento do capital seguro. Trata-se de pedidos diversos, fundados em causas de pedir também diversas.
Concluindo, estamos perante uma alteração do pedido e não uma mera ampliação deste. Ainda que de uma ampliação se tratasse, não seria admissível ao abrigo da segunda parte do n.º 2 do artigo 265.º.
A aplicabilidade do artigo 264.º está liminarmente afastada, dada a ausência de acordo das partes.
O n.º 1 do artigo 265.º, invocado pela recorrente, diz respeito à alteração e à ampliação da causa de pedir, pelo que não releva para a questão da admissibilidade da alteração do pedido. Independentemente disso, não aproveitaria à recorrente, porquanto a recorrida não efectuou a confissão que aquela invoca.
Vejamos.
Na parte que nos interessa, o n.º 1 do artigo 265.º estabelece que, na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceite pelo autor.
A recorrente sustenta que esta permissão legal de alteração ou ampliação da causa de pedir é aplicável ao caso dos autos. Argumenta que «foi a ré quem trouxe à colação que a beneficiária do seguro de vida era a entidade bancária (…), facto invocado em sede de contestação, por isso, sempre se dirá que os requisitos constantes do n.º 1 do artigo 265.º do CPC, a causa de pedir pode ser alterada ou ampliada na sequência de uma confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, encontram-se preenchidos.»
Esta argumentação não faz sentido. Desde logo, a recorrente demonstra desconhecimento do que seja a confissão de factos, a que o n.º 1 do artigo 265.º se refere.
O artigo 352.º do CC define a confissão como o reconhecimento, que a parte faz, da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.
Na petição inicial, a recorrente alegou ser ela a beneficiária do seguro de vida, pedindo, em conformidade com tal alegação, a condenação da recorrida a pagar-lhe o capital seguro. Na contestação, a recorrida impugnou tal alegação, contrapondo que o beneficiário do seguro de vida é o Banco (…). É, pois, evidente que a recorrida não confessou um facto que lhe seja desfavorável e favoreça a recorrente. Ao contrário, impugnou um facto alegado pela recorrente, alegando um facto com ele incompatível.
Concluindo, não é admissível a alteração do pedido efectuada pela recorrente, subsistindo, consequentemente, o pedido primitivo. Em consequência, tal como o tribunal a quo decidiu, nem a ponderação da admissibilidade da intervenção principal do Banco (…) tem cabimento, pois pressupõe a admissibilidade da alteração do pedido, nem, em face da subsistência do pedido primitivo, a acção poderá proceder.
Deverá, pois, o recurso ser julgado improcedente, confirmando-se o saneador-sentença recorrido.
Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se o saneador-sentença recorrido.
Custas a cargo da recorrente.
Notifique.
Évora, 05.12.2024
Vítor Sequinho dos Santos (relator)
Isabel de Matos Peixoto Imaginário (1.ª adjunta)
Francisco Matos (2.º adjunto)
[1] Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3.º, páginas 93 a 95.