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JUNÇÃO DE DOCUMENTOS NA AUDIÊNCIA
PRAZOS
FUNDAMENTOS
Sumário
Para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 423.º do CPC, não são de considerar como resultantes de ocorrência posterior factos alegados e discutidos pelas partes na fase dos articulados. (Sumário do Relator)
Texto Integral
3914/21.0T8STB-A.E1
Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
1. (…), casado, residente em Estrada Nacional (…), Casa da (…), Santiago do Cacém, instaurou contra (…), advogada, com domicílio profissional na Rua do (…), n.º 17, Santiago do Cacém e (…) Seguros Gerais, S.A., com sede na Rua Doutor (…), 9 – Edifício (…), (…), Algés, acção declarativa com processo comum.
2. Alcançada a fase do julgamento, veio o Autor requerer a junção aos autos de uma certidão extraída do processo de inventário que correu termos no Juízo de Família e Menores de Santiago do Cacém, sob o n.º 667/10.1T2SNS-A, referente a actos ocorridos em 16/02/2018, 7/3/2018 e 23/3/2018 e de cópia de um email alegadamente enviado pelo Autor à ré (…), em 30/5/2018.
3. O requerimento mereceu o seguinte despacho:
“Documentos juntos pelo A. em 02.04.2024, em relação aos quais as RR nada consignaram. O documento em causa é uma certidão de um processo de inventário, que retrata factos ocorridos em 16.02.2018, 07.03.2028 e 23.03.2018 e um email trocado entre A. e R, em 30.05.2018. Não sendo os documentos juntos com os articulados onde se alegam os factos, podem ainda ser juntos no prazo de 20 dias que antecede a data em que se realize a audiência final (n.º 2 do artigo 423.º do CPC); Na situação dos autos a audiência final iniciou-se no dia 25.03.2024 e apesar de não se ter concluído nessa data, nem à presente, foi produzida prova naquela sessão de julgamento. A propósito de situação idêntica pronunciou-se o ac. do TRL, de 22-06-2023, proc. n.º 2855/17.0T8PTM-B.L1-2, em www.dgsi.pt/, nos seguintes termos: “uma vez iniciada a audiência final, com a produção de atividade probatória, e ainda que tenham sido designadas várias sessões temporalmente escalonadas por mais de 20 dias, já não é legalmente admissível, nas sessões contínuas, a junção de prova documental nos quadros do n.º 2 do artigo 423.º”. Pelo exposto conclui-se que tais documentos não são admissíveis a coberto do n.º 2 do artigo 423.º. Requereu ainda o A. a admissibilidade dos mesmos documentos ao abrigo do n.º 3 do mesmo preceito legal, adiantando que a necessidade da respetiva junção decorre das declarações do A. e da prova que ali foi produzida e que os mesmos são essenciais para provar as datas em que a Ré foi notificada dos atos judiciais documentados e da data da reunião das partes, que foi falada em audiência, pelo A. Vejamos: Dispõe o nº 3 do preceito legal em referência, que: “3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior”. Como se evidencia da data dos factos retratados na certidão pretendida juntar, a mesma poderia ter sido junta com a p.i., que deu entrada em 16.07.2021, além de que a necessidade da respetiva junção poderia ter sido equacionada desde logo, já que o que está em causa é a responsabilidade da Ré em função de atos praticados ou omitidos no âmbito do processo a que alude a certidão apresentada. Paralelamente, refere-se no Acórdão do TRL de 06.12.2017, processo n.º 3410/12.7TCLRS-A.L1.6, disponível em www.dgsi.pt/ “O depoimento de uma testemunha, arrolada nos autos, não constitui nunca ocorrência posterior que possibilite a junção de documentos. Considerar o contrário, seria permitir que a cada testemunha, fosse possível à parte a junção de mais documentos, fora dos momentos temporais consignados na lei e ao arrepio da restrição que o legislador procurou estabelecer com esta norma”. E se é assim para o depoimento de testemunhas, também o será para as declarações da própria parte, por argumento de maioria de razão. Pelo exposto não se admitem tais documentos. Notifique e oportunamente desentranhe e devolva ao apresentante. Custas do incidente pelo A., fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal”.
4. O Autor recorre deste despacho, motiva o recurso e conclui:
“a) O douto despacho do Tribunal a quo indeferiu o requerimento apresentado pelo Apelante, para junção de documentos aos autos, concluindo que tais documentos não são admissíveis a coberto do n.º 2, nem do n.º 3 do artigo 423.º do CPC.
b) É entendimento atual e maioritário, quer da doutrina como da jurisprudência, o que considera que o prazo de 20 dias previsto no n.º 2 do artigo 423.º do CPC deve ser contado tendo como referência a realização da audiência e que o uso daquela faculdade cabe tanto quando ocorre um adiamento, uma interrupção ou a repetição de audiência.
c) No caso, estando a próxima sessão agendada para o dia 12.06.2024 e tendo os documentos sido apresentados em 02.04.2024, não restam dúvidas de que foi respeitado o prazo de 20 dias tendo por referência aquela que será a última ou, pelo menos, a próxima sessão da audiência de julgamento que foi interrompida em 22.03.2024,
d) A propósito do n.º 3 do artigo 423.º do CPC, invocado subsidiariamente pelo Apelante, é também entendimento da jurisprudência que o depoimento de uma testemunha – e, por maioria de razão, também as declarações da própria parte – pode constituir uma ocorrência posterior que torne necessária, pela sua utilidade, a apresentação de documentos, fora dos momentos previstos no artigo 423.º, n.º 1 e 2, do CPC.
e) No caso, os documentos visam demonstrar os factos complementares / concretizadores dos alegados na petição inicial, decorrentes das declarações prestadas pelo aqui Apelante, que afirmou que à data da reunião entre as Partes (ocorrida em 30.05.2018) já tinha decorrido o prazo de recurso da sentença de homologação do mapa de partilha, sem que a Ré tenha reagido contra a mesma ou sequer informado o Autor.
f) A prova documental é um dos meios que permite auxiliar o julgador a formar a sua convicção, essencial para a descoberta da verdade material e para a realização da Justiça.
g) No caso concreto e com o devido respeito, o tribunal a quo errou na interpretação da norma aplicável ao caso, rejeitando a prova documental cuja junção foi requerida em tempo, sem oposição das Rés.
h) Foram violados o n.º 2 do artigo 423.º do CPC e o n.º 3 do mesmo artigo, invocado subsidiariamente, assim como os artigos 4.º e 6.º do mesmo diploma, bem como os princípios do direito probatório geral, que impõem ao julgador a aquisição dos mais amplos elementos de prova na fixação da sua convicção.
i) Pelo que, o presente recurso deve ser julgado totalmente procedente, por provado, com a consequente revogação do despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que admita a junção aos autos dos documentos apresentados pelo Apelante, através de requerimento junto ao processo em 02.04.2024, com as legais consequências.
Nestes termos e nos melhores de Direito, requer-se a V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, se dignem a julgar o recurso interposto pelo Apelante como totalmente procedente, por provado, com as necessárias consequências legais”.
Não houve lugar a resposta.
Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre decidir.
II. Objeto do recurso
O objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo do não conhecimento de questões que hajam ficado prejudicadas pela solução dada a outras – cfr. artigos 635.º, n.º 4, 639.º, n.º 1, 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil; vistas as conclusões, importa decidir se deve ser admitida a junção aos autos dos documentos apresentados pelo Autor após o início da audiência final.
III. Fundamentação 1. Factos
Relevam para o conhecimento do recurso os factos decorrentes das ocorrências processuais relatadas, em resumo, o seguinte:
a) A audiência final teve o seu início em 22 de Março de 2024, foi interrompida nesta mesma data e veio a ser aprazado o dia 12 de Junho de 2024 para a sua continuação [acta ref.ª 99214232 e despacho ref.ª 99402671].
b) O requerimento para a junção dos documentos foi apresentado pelo Autor em 02 de Abril de 2024 [ref.ª citius 7918492].
2. Direito
As provas são apresentadas com os articulados a que respeitam e os requerimentos probatórios podem ser alterados na fase dos articulados [cfr. artigo 552.º, n.º 2, 572.º, alínea d), 588.º, n.º 5, do CPC], na audiência prévia quando a esta haja lugar [artigo 598.º, n.º 1, do CPC] e não havendo lugar a esta, no prazo de 10 dias a contar da notificação do despacho a dispensar a audiência prévia.
Regime com exceções, entre elas, as referentes ao momento de apresentação de documentos quando não instruam os articulados a que respeitam.
Prevê o artigo 423.º do Código de Processo Civil:
“1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. 2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. 3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior”.
E estabelece o artigo 425.º do CPC:
“Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.
Segundo este regime, a junção de documentos aos autos é permitida em três momentos distintos: i) com o articulado em que são alegados os factos a que os documentos servem de prova, ii) até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, com justificação procedente ou pagamento de multa, iii) até ao encerramento da discussão em 1ª instância desde que a apresentação do documento não tenha sido possível até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final ou se tornem necessários por virtude de ocorrência posterior.
2.1. Interessa-nos, por ora, aquela segunda previsão de acordo com a qual a parte tem a faculdade de juntar documentos até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, com justificação procedente ou pagamento de multa.
A doutrina e jurisprudência divergem sobre o significado da expressão “da data em que se realize a audiência final”[1],concretamente, sobre se comportando a audiência duas ou mais sessões temporalmente escalonadas por mais de 20 dias é admissível a junção de prova documental, nos 20 dias que antecedem a realização de cada uma delas. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, anotando que a teleologia do preceito “visa evitar a perturbação resultante da apresentação extemporânea de documentos”, consideram que “o limite para a sua apresentação (e também para a alteração do rol de testemunhas, ao abrigo do artigo 598.º, n.º 2, com semelhante redacção) tem como referência a data designada para a audiência final ou para a primeira sessão, independentemente de qualquer adiamento ou continuação”[2].Concordamos com este entendimento no pressuposto que a primeira sessão se realize. Interpretação mais permissiva colocaria no domínio da mera gestão processual o exercício de um direito estruturante da legislação processual civil, como é o direito à prova; basta pensar que ele seria, ou não, exercitável consoante a continuação da audiência ou o escalonamento das suas sessões ocorressem, ou não, com uma dilação de, pelo menos, 20 dias.
Estamos, pois, de acordo com o que a propósito se sumariou no Ac. Relação de Lisboa de 22-06-2023: a expressão “até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final”, deve ser entendida e interpretada como a data em que efectiva e realmente se inicie/realize a audiência final, com a prática dos actos inscritos no nº. 3, do artigo 604.º do CPC; uma vez iniciada a audiência final, com a produção de actividade probatória, e ainda que tenham sido designadas várias sessões temporalmente escalonadas por mais de 20 dias, já não é legalmente admissível, nas sessões contínuas, a junção de prova documental nos quadros do n.º 2 do artigo 423.º do CPC.”[3]
No caso, a audiência final teve o seu início em 22 de Março de 2024 e o requerimento para junção de documentos foi apresentado pelo Autor em 2 de Abril de 2024 e, assim, para além dos 20 dias que antecederam a realização da audiência final.
Com fundamento na previsão do n.º 2 do artigo 423.º do CPC, a apresentação dos documentos é extemporânea.
2.2. Argumenta o Autor que os documentos visam demonstrar factos complementares / concretizadores dos alegados na petição inicial e tornaram-se necessários por virtude das suas declarações de parte as quais, afirma, constituem uma ocorrência posterior para efeitos da previsão do n.º 3 do artigo 423.º do CPC [cls. e)].
Como antes referido, a junção de documentos é permitida até ao encerramento da discussão em 1ª instância, desde que a apresentação do documento não tenha sido possível até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final ou a apresentação do documento se torne necessária por virtude de ocorrência posterior [artigos 423.º, n.º 3 e 425.º do CPC].
Lebre de Freitas e Isabel Alexandreanotam a respeito: “A ocorrência posterior a que se refere o n.º 3 não é um facto principal, pois este só pode ser introduzido na causa mediante alegação em articulado superveniente ou em articulado dum incidente, como o da habilitação do sucessor no direito litigioso (artigos 351.º e 356.º), casos já cobertos pela norma do n.º 1; trata-se, antes, de um facto instrumental relevante para a prova dos factos principais ou de um facto que interesse à verificação dos pressupostos processuais, casos em que o documento que prova esse facto não pode deixar de se ter formado, também ele, posteriormente.”[4]
António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, explicam: “Portanto, no plano dos factos, a ocorrência posterior dirá somente respeito a factos instrumentais ou a factos relativos a pressupostos processuais.”[5]
À luz desta autorizada doutrina, releva, pois, verificar se, no caso, os factos que os documentos se destinam a demonstrar reúnem estes predicados, isto é, se a sua formação ocorreu em data posterior à fase dos articulados ou em momento em que era possível ao Autor introduzi-los na discussão da causa em articulado superveniente (artigo 588.º, n.º 5, do CPC) e, para além disto, se se destinam a demonstrar factos instrumentais, isto é, factos cuja prova se pode inferir a demonstração dos correspondentes factos principais”[6]ou factos relativos a pressupostos processuais.
Os documentos, segundo o Autor, destinam-se a corroborar as declarações por si prestadas na parte em que “afirmou que à data da reunião entre as Partes (ocorrida em 30.05.2018) já tinha decorrido o prazo de recurso da sentença de homologação do mapa de partilha, sem que a Ré tenha reagido contra a mesma ou sequer informado o Autor” [cls. e)].
Afastada se mostra, pois, a consideração de tais factos – os factos a provar pelos documentos – como relativos a pressupostos processuais ou de factos instrumentais, uma vez que é o próprio A. que os caracteriza como complementares / caracterizadores dos factos alegados na petição e, tanto bastaria, para julgar improcedente o recurso.
Acresce, que o núcleo essencial dos factos que os documentos apresentados se destinam a comprovar – a omissão da interposição de recurso do despacho que homologou a partilha e a informação, a este respeito, prestada pela Ré Advogada ao Autor – foram alegados e discutidos pelas partes nos articulados, isto é, não resultam de ocorrência posterior.
Na sequência da dissolução, por divórcio, do casamento do Autor, correu inventário para partilha dos bens comuns do casal, no qual a ré (…), advogada, representou o Autor. Este afirma-se prejudicado no inventário, por efeito da actuação culposa da referida Advogada e pretende ser indemnizado. Alegou, designadamente, que a Ré não recorreu da sentença que homologou a partilha [artigos 27º a 34º da petição inicial].
Na contestação a Ré, tomando posição sobre estes factos, alegou que explicou ao autor que não iria apresentar nenhum recurso e que lhe prestou esta informação na forma devida e atempadamente [artigos 20º a 22º da contestação].
A ausência de interposição de recurso do despacho que homologou a partilha e as informações, a este respeito, prestada pela Ré Advogada ao Autor comportam matérias discutidas pela partes nos articulados e, assim, os documentos destinados a fazer a sua prova careciam de ser apresentados com os articulados ou, no limite, até 20 dias antes da data em que se iniciou a audiência final, segundo as previsões dos n.ºs 1 e 2 do artigo 423.º do CPC.
Assim, para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 423.º do CPC, não são de considerar como resultantes de ocorrência posterior factos alegados e discutidos pelas partes na fase dos articulados.
Havendo sido este o sentido da decisão recorrida, resta confirmá-la.
Improcede o recurso.
3. Custas
Vencido no recurso, as custas correm por conta do Autor/recorrente [artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC].
Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
(…)
IV. Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto, na improcedência do recurso, em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Évora, 05/12/2024
Francisco Matos
Ana Margarida Leite
Rosa Barroso
__________________________________________________
[1] Sobre estas divergências consultar António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 541.
[2] Ibidem, pág. 541.
[3] Ac. RL de 22-06-2023 (processo n.º 2855/17.0T8PTM-B.L1-2), disponível em www.dgsi.pt
[4] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, vol. 2º, 4ª ed., pág. 241.
[5] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil anotado, vol. 1º, 3ª ed., pág. 541.
[6] Cfr. Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 72 e Lopes do Rego, Comentário ao Código de Processo Civil, 2ª ed., vol. I, pág. 252.