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OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
SENTENÇA
FUNDAMENTOS
Sumário
Tendo a execução por título executivo uma sentença, a oposição à execução não pode fundar-se em razões invocáveis como defesa no processo de declaração, as quais se têm por precludidas por efeito do trânsito em julgado da sentença proferida na acção declarativa. (Sumário do Relator)
Texto Integral
1851/22.0T8SLV-A.E1
Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
I. Relatório
1. Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que (…), Unipessoal, Lda., com sede em Praceta (…), Lote 7, r/c, (…), Portimão, instaurou contra (…), Lda, com sede na Rua do (…), n.º 47, (…), veio esta deduzir oposição à execução, mediante embargos.
Alegou, em resumo que a sentença dada à execução é nula e foi proferida sem haver ponderado “diversas provas e requerimentos juntos aos autos no que concerne à situação de justo impedimento do advogado do Executado”.
Concluiu assim: “deverá (…) ordenar-se a extinção da instância executiva, com reconhecimento do não cumprimento dos requisitos exigíveis ao título executivo, da exigibilidade e liquidação da obrigação exequenda e em consequência pela inexistência de qualquer divida do executado perante o exequente”.
Contestou a Exequente argumentando, em resumo, que os factos alegados no requerimento de embargos não se reconduzem a nenhum dos fundamentos previstas na lei para a dedução de oposição à execução fundada em sentença, como é o caso.
Concluiu pela improcedência dos embargos e pediu a condenação da Executada como litigante de má-fé por dedução de pretensão cuja falta de fundamento não ignora.
2. Houve lugar a uma tentativa de conciliação e, em seguida, foi proferida sentença em cujo dispositivo, designadamente, se consignou:
“Pelo exposto, julga-se totalmente improcedentes os presentes embargos, determinando, em consequência, a prossecução da execução de que estes autos constituem um apenso para a satisfação da quantia exequenda”.
3. Recurso
A Executada recorre da sentença, motiva e recurso e conclui:
A) Aplicando o Direito à situação de facto descrita por parte do Apelante, conclui-se que estão preenchidos os requisitos necessários à decretação do procedimento solicitado.
B) Com efeito, não foi permitido ao Apelante a inquirição das testemunhas previamente indicadas e arroladas, nos termos e para os efeitos da disciplina jurídica vertida nos artigos 495.º, 500.º, 512.º e 516.º, do Código de Processo Civil.
C) A sentença padece dos vícios previstos nos artigos 615.º, n.º 1, alíneas b) e d), do Código de Processo Civil.
D) A sentença recorrida enferma de diversas ilegalidades, vícios e nulidade processual.
E) Por todo o exposto e nestes termos, é imperativo concluir que a sentença proferida não deve produzir quaisquer efeitos jurídicos, solicitando-se a reapreciação de toda a matéria de facto e de direito constante dos autos e consequentemente devendo proceder o pedido formulado pelo Apelante, seguindo-se os demais termos processuais até final.
Nestes termos, concedendo provimento ao presente recurso, fareis Vossas Excelências, Juízes Desembargadores do Venerando Tribunal da Relação de Évora, o que é de inteira JUSTIÇA.”
Não houve lugar a resposta.
Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre decidir.
II. Objeto do recurso
Considerando que o objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4, 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, doravante CPC), que nos recursos se apreciam questões e não razões ou argumentos e que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido, importa decidir i) se a sentença é nula, ii) se deve ser reapreciada a matéria de facto, iii) se estão preenchidos os requisitos necessários à decretação do procedimento solicitado.
III- Fundamentação
1. Factos
1.1. A decisão recorrida julgou provados os seguintes factos:
1. Por Sentença proferida, em 15.08.2022, no âmbito do Processo n.º 76665/21.4YIPRT, que correu termos no Tribunal Judicial de Comarca de Faro - Juízo Local Cível de Portimão - Juiz 1, foi a ora Executada condenada nos seguintes termos:
“(…) condeno a ré ‘(…), Limitada’ a pagar à autora ‘(…), Unipessoal, Limitada’ as quantias de € 25.074,70 (vinte e cinco mil e setenta e quatro euros e setenta cêntimos) e de € 40,00 (quarenta euros) acrescidas de juros de mora, à taxa devida nas transações comerciais, contabilizados, com referência a cada um dos referidos valores, desde de 13.02.2021 e de 13.09.2021, respetivamente, até efetivo e integral pagamento, absolvendo a ré do que demais foi peticionado” – tudo conforme documento junto com o Requerimento Executivo cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2. A Exequente ora Embargada propôs a presente acção executiva em 07.10.2022.
3. A Embargante interpôs recurso da supra referida sentença com efeito meramente devolutivo, tendo o Venerando Tribunal da Relação de Évora proferido acórdão em 07.11.2023, transitado em julgado em 11.12.2023, que julgou totalmente improcedente a apelação e confirmou a sentença impugnada.
4. Por decisão de 05.03.2024, o mesmo Venerando Tribunal indeferiu o recurso de revista excepcional para o Supremo Tribunal de Justiça apresentado pela ora Embargante.
1.2. Nas conclusões do recurso a Apelante pede a reapreciação da decisão de facto – “a reapreciação de toda a matéria de facto e de direito constante dos autos” [cls. E)]; na motivação do recurso usa de forma idêntica: “O (…) Tribunal recorrido, com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, incorreu em erro de julgamento, no que à apreciação e valoração da prova diz respeito, bem como em erro de julgamento na aplicação do direito in casu aplicável”.
A decisão recorrida foi proferida após a fase dos articulados, no pressuposto que o estado do processo permitia, sem necessidade de mais provas, a apreciação do mérito da causa [artigo 595.º, n.º 1, alínea b) e n.º 3, do CPC]; os factos considerados assentes, para efeitos de fundamentação da decisão, resultam de documentos juntos aos autos e de actos nele praticados, o que significa que não houve propriamente uma fase de produção e valoração da prova prévia à prolacção da decisão em recurso.
De qualquer forma, a impugnação da decisão de facto está sujeita aos ónus mencionados no artigo 640.º do C.P.C., segundo o qual e no que para o caso releva, incumbe ao impugnante da matéria de facto indicar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que impugna, os concretos meios probatórios que suportam a divergência e a concreta decisão a proferir.
A indicação genérica ou, na terminologia da lei, não concretizada, dos pontos de factos considerados incorretamente julgados, dos meios de prova que suportam a divergênciaou, enfim, da decisão que sobre os mesmos deva incidir, não cumprem as condições de exercício do direito ao duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto e determinam a rejeição da impugnação.
Como no caso se verifica.
A impugnação vem configurada de forma genérica – “a reapreciação de toda a matéria de facto (…) constante dos autos” – sem indicação dos concretos pontos de facto impugnados, dos meios de prova que fundamentam a impugnação ou da decisão que, no entender da Apelante, deve ser proferida.
Assim e no pressuposto que a Apelante visa impugnar a decisão de facto, o que não é certo pelas razões adiantadas, rejeita-se a impugnação por inobservância total dos indicados ónus.
2. Direito
2.1. Nulidade da sentença
2.1.1. Considera a Apelante que a sentença é nula por falta de fundamentação e isto porquanto nela a dado passo se afirma: “Assim e sem necessidade de maiores considerações, improcede a pretensão da Executada ora Embargante”.
A lei considera nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC).
Não constitui, no entanto, causa de nulidade da sentença toda e qualquer omissão de fundamentos; a ausência de motivação de facto e de direito que determinam a nulidade da sentença é a omissão total ou absoluta, como se infere da expressão “não especifique os fundamentos”.
“Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade”[1].
“A falta de motivação a que alude a alínea b) do nº1 é a total omissão dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito em que assenta a decisão; uma especificação dessa matéria apenas incompleta ou deficiente não afeta o valor legal da sentença”[2].
No caso, a sentença discrimina os factos que lhe servem de fundamento (cfr. ponto 1.1. supra) e explica as razões pelas quais a Apelante não pode fazer valer na execução (baseada em sentença) os meios de defesa que lhe era possível deduzir na acção declarativa onde se formou a sentença: tais meios de defesa mostram-se precludidos por efeito do trânsito em julgado da sentença dada à execução.
Fundamentação que, para além de acertada, se tem por suficiente e, decisivamente, por existente, não se mostra omitida.
A sentença recorrida mostra-se fundamentada.
O recurso improcede quanto a esta questão.
2.1.2. Considera a Apelante que a sentença é nula por violação do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC [cls. C)].
De acordo com esta previsão, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
O juiz deve, com efeito, resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras – artigo 608.º, n.º 2, do CPC.
Existirá, omissão de pronúncia quando o juiz deixe de conhecer de pedidos, de causas de pedir ou de exceções, invocadas pelas partes ou que lhe cumpra oficiosamente conhecer[3], por violação do princípio da correspondência entre a ação e a sentença[4].Tudo isto sem prejuízo do conhecimento de algumas questões ficar prejudicado pelo julgamento de outras, caso em que também não ocorrerá qualquer omissão de pronúncia.
No caso, a motivação do recurso não indica nenhuma questão cujo conhecimento haja sido omitido pela decisão recorrida; afirma-se que o “Juiz não deve em princípio, rejeitar um meio de prova que a parte repute de indispensável para a descoberta da verdade, a não ser que o requerido seja ilegal e ofensivo das normas processuais ou manifestamente infundado, impertinente ou dilatório, sob pena de cercar as partes à apreciação do mérito da pretensão deduzida com base na verdade material”.
Ora, os meios de prova são, em regra, indispensáveis para a demonstração dos factos que integram as questões a decidir na sentença, mas não são as questões a decidir.
A razão pela qual a Apelante considera nula a sentença não constitui causa de nulidade.
O recurso improcede quanto a esta questão.
2.2. Se estão preenchidos os requisitos necessários à decretação do procedimento solicitado
Depois de enumerar os fundamentos da oposição à execução nos casos em que esta tem por título uma sentença (artigo 729.º do CPC) e de explicar, com menção de doutrina autorizada, as razões pelas quais não é licito usar na oposição os meios de defesa próprios do processo declarativo no termo do qual se formou a sentença, a decisão recorrida julgou improcedentes os embargos considerando: “(…) os argumentos expendidos pela Embargante não preenchem qualquer um dos fundamentos taxativamente previstos no supra referido artigo 729.º e a sentença condenatória que serve de título executivo foi definitivamente confirmada pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora”.
O recurso não questiona os fundamentos da sentença, isto é, nele não se alega que a defesa configurada na petição de embargos se insere na previsão de uma qualquer das alíneas do artigo 729.º do CPC e que a sentença errou quanto a este juízo; elege-se um pressuposto apodítico – “Em termos rigorosos e práticos, não entendeu o Tribunal ad quo, considerar e valorar a situação de facto e diversas provas suscitadas por parte do Apelante” – e partindo dele anota-se um rol de irregularidades (não se ouviram as testemunhas violando-se direitos de defesa do Apelante, o tribunal deveria analisar e julgar do mérito da causa, das diversas realidades e matérias jurídicas e processuais suscitadas, da prova carreada para os autos) como se, ao invés do ajuizado, assistisse à Executada o direito de reabrir na execução, por via da oposição, a discussão sobre as razões ou regularidade do procedimento no termo do qual foi proferida sentença dada à execução.
Não é assim e a sentença recorrida já o justificou.
As sentenças condenatórias servem de título à execução depois de transitadas em julgado ou antes do trânsito em julgado se o recurso contra elas interposto tiver efeito meramente devolutivo [artigos 703.º, alínea a) e 704.º, n.º 1, do CPC].
A sentença que serve de título à execução mostra-se transitada em julgado [pontos 1 e 3 dos factos provados].
Segundo o artigo 619.º, n.º 1, do CPC, transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º.
Por ser assim e não haver sido objecto de recurso de revisão – artigos 696.º a 702.º – a sentença que serve de título à execução tem força obrigatória entre as partes, isto é, não se destina a ser discutida, destina-se a ser cumprida.
E é assim por razões de certeza ou segurança jurídica, independentemente, da posição das partes sobre o seu acerto ou desacerto. Tomando as autorizadas palavras de Manuel de Andrade: “Não se trata propriamente de a lei ter como verdadeiro o juízo – a operação intelectual – que a sentença pressupõe. O caso julgado material não assenta numa ficção ou presunção absoluta de verdade (…) Trata-se antes de que, por uma fundamental exigência de segurança, a lei atribui força vinculante infrangível ao acto de vontade do juiz, que definiu em dados termos certa relação jurídica, e portanto os bens (materiais ou morais) nela coenvolvidos. Este caso fica para sempre julgado. Fica assente qual seja, quanto a ele, a vontade concreta da lei (Chiovenda). O bem reconhecido ou negado pela pronumtiatio judicis torna-se incontestável.” [5]
Ora, são estes efeitos do caso julgado que permitem explicar os apertados limites da oposição à execução baseada em sentença, enumerados nas alíneas a) a i) do artigo 729.º do CPC, ou seja, tendo a execução por título executivo uma sentença, a oposição não pode ter por fundamento razões invocáveis como defesa no processo de declaração, estas razões consideram-se precludidas por efeito do transito em julgado da sentença proferida na acção declarativa.
No caso, alega-se na oposição que a sentença dada à execução não foi justa porque não considerou e valorou a situação de justo impedimento do mandatário do Apelante, vindo a ser proferida sem a presença na ausência deste e que não se levou em consideração o pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça, ou seja, a oposição tem por fundamento razões invocáveis no processo de declaração e, decisivamente, tais fundamentos não se inserem nas previsões das referidas alíneas a) a i) do artigo 729.º do CPC.
Foi o que se decidiu em 1ª instância e não se vê melhor solução.
Improcede o recurso, restando confirmar a decisão recorrida.
3. Custas
Vencida no recurso, incumbe à Apelante pagar as custas (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
(…)
IV. Dispositivo
Delibera-se, pelo exposto, na improcedência do recurso em confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.
Évora, 05/12/2024
Francisco Matos
Eduarda Branquinho
Francisco Saruga Martins
__________________________________________________
[1] Alberto dos Reis, Código Processo Civil Anotado, 1952, vol. V, pág. 140.
[2] Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, 3ª ed., vol. III, pág. 194.
[3] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, 2ª ed., vol. 2º, pág. 704.
[4] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, 1952, vol. V, pág. 52.
[5] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, págs. 306 e 307.