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RECTIFICAÇÃO DE ERROS MATERIAIS
FUNDAMENTOS
Sumário
I – A rectificação de erros materiais mostra-se limitado aos fundamentos que a lei especial e taxativamente prevê, deles se excluindo os erros de julgamento. II – O recurso do despacho que indeferiu a rectificação não é o meio processual adequado para a parte fazer valer razões que determinariam a revogação do despacho a rectificar e do qual oportunamente não recorreu. (Sumário do Relator)
Texto Integral
20/19.1T8LGA-M.E1
Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
1. No processo especial de insolvência, em que são insolventes (…) e (…), junta aos autos a proposta de rateio final pelaSra. Administradora da insolvência, foi proferido o seguinte despacho em 11/9/2024:
“Informe a AI que deve considerar o crédito da sociedade (…) – Sociedade Agrícola Unipessoal, Lda. como garantido, tal como consta da sentença proferida no apenso de verificação e graduação de créditos, sentença essa transitada em julgado. Notifique. Valido o mapa de rateio apresentado, autorizando a AI a efectuar os pagamentos, os quais deve comprovar os nos autos”.
2. A credora (…) Finance AG, veio requerer a retificação deste despacho, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 614.º do CPC, por forma a que o crédito da sociedade (…) – Sociedade Agrícola Unipessoal, Lda. não seja considerado como garantido para efeitos de pagamentos, argumentando que tal crédito nunca foi reconhecido como tendo garantia sobre o prédiorústico, com a área de 118.500 m2, inscrito na matriz sob o n.º (…), secção (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Mértola sob o n.º (…) – verba n.º 5 do auto de apreensão.
3. O requerimento mereceu o seguinte despacho em 23/9/2024:
“Informe o credor que o nosso despacho não padece de qualquer lapso, decorrendo da sentença de verificação ulterior de créditos (apenso I), proferida a 15/2/20222 e transitada em julgado que “Pelo exposto, adere-se aos fundamentos alegados pela autora na petição e considera-se reconhecido o crédito da autora (…) – Sociedade Agrícola, Unipessoal, Lda., no montante de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), o qual deve ser graduado como crédito garantido (artigo 686.º do Código Civil)”. No despacho proferido em 11/9/2024 limitou-se o Tribunal a dar conta ao AI do teor de tal decisão (ainda que tal despacho seja materialmente redundante pois que a sentença está nos autos e é do conhecimento do AI), estando o poder jurisdicional absolutamente esgotado quanto a tal matéria. Nesta esteira, nada mais existe a determinar. Custas do incidente pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal”.
4. A credora (…) Finance AG, recorre deste despacho, motiva o recurso e conclui:
“I. Entende a Recorrente que, face à sentença de verificação e graduação de créditos proferida a 29.07.2022, já transitada em julgado, o despacho recorrido tem de ser alterado e, por consequência, o mapa de rateio apresentado pela Ilustre Administradora e respetivo termo de apreciação da secretaria.
II. Resulta dos Autos que após o reconhecimento do crédito da Recorrente, à data comum, a Ilustre Administradora de Insolvência veio, em virtude da resolução de um negócio jurídico em benefício da massa insolvente, apreender o prédio rústico, com 118.500 m2, localizado em (…), inscrito na matriz sob o n.º (…), secção (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Mértola sob o n.º (…) – registado pela Ap. (…), de (…).
III. Por via da resolução do negócio jurídico referido, a hipoteca registada sobre o imóvel ressurgiu novamente, ficando, por isso, o crédito da aqui Recorrente novamente garantido pela referida hipoteca.
IV. Consequentemente, o crédito da aqui Recorrente foi reconhecido e graduado como garantido por hipoteca por sentença de verificação e graduação de créditos proferida no respetivo apenso de Reclamação de Créditos (Apenso B) no dia 29.07.2022, após decisão do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferida no dia 10.03.2022.
V. A referida sentença ditou, além do mais, que com o produto obtido com a venda do bem imóvel identificado, do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito hipotecário da titularidade do credor “(…) Finance, AG”, com observância do disposto nos artigos 686.º e 693.º, ambos do Código Civil; portanto, o crédito da Recorrente, ficou graduado em 3.º lugar – vide alínea d), ponto 3, da douta sentença.
VI. Incompreensivelmente, a Senhora Administradora de Insolvência requereu esclarecimentos ao Tribunal a quo, nomeadamente se, para efeitos de rateio, devia considerar a sociedade (…), Sociedade Agrícola Unipessoal, Lda.”, cujo crédito apenas foi reconhecido como garantido por sentença de verificação ulterior de créditos, no apenso I, no dia 15.02.2022 ou se devia considerar o crédito da aqui Recorrente, o qual foi reconhecido e devidamente graduado como garantido por hipoteca por sentença de verificação e graduação de créditos, proferida no apenso de Reclamação de Créditos (apenso B), no dia 29.07.2022.
VII. Em resposta a este requerimento, o Tribunal a quo profere o despacho aqui recorrido, que dita o seguinte:
«Informe a AI que deve considerar o crédito da sociedade (…) – Sociedade Agrícola Unipessoal, Lda. como garantido, tal como consta da sentença proferida no apenso de verificação e graduação de créditos, sentença essa transitada em julgado.»
VIII. Porém, o crédito da Sociedade “(…), Sociedade Agrícola Unipessoal, Lda.” nunca foi reconhecido, nem graduado, como tendo garantia sobre o prédio supra identificado, por nenhuma sentença proferida no apenso B de Reclamação de Créditos e, muito menos, transitada em julgado.
IX. Perante tal facto, a aqui Recorrente requereu a retificação do despacho recorrido nos termos do artigo 614.º do CPC, no entanto, o Tribunal a quo reiterou o anteriormente decido, conforme resulta do mesmo.
X. Ora, o despacho recorrido refere que “deve considerar o crédito da sociedade (…) – Sociedade Agrícola Unipessoal, Lda. como garantido, tal como consta da sentença proferida no apenso de verificação e graduação de créditos, sentença essa transitada em julgado”, o que como supra referido não corresponde à verdade.
XI. Pelo contrário, no despacho que recaiu sobre o requerimento de retificação, o Tribunal a quo, apesar de não reconhecer a existência de qualquer lapso, refere que “decorrendo da sentença de verificação ulterior de créditos (apenso I), proferida a 15/2/20222 e transitada em julgado”.
XII. Salvo o devido respeito, não pode o Tribunal a quo confundir uma sentença de verificação ulterior de créditos com a sentença de verificação e graduação de créditos proferida no apenso de Reclamação de Créditos.
XIII. Acontece que, a Sra. Administradora elaborou o mapa de rateio, no qual contemplou que o produto da venda do “prédio rústico, com 118.500 m2, localizado e (…), inscrito na matriz sob o n.º (…), secção (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Mértola sob o n.º (…) – verba n.º 5 do auto de apreensão.” devia ser entregue à sociedade (…) – Sociedade Agrícola, Unipessoal, Lda, em clara violação com o determinado na Sentença de Verificação e Graduação de Créditos, que prevê, em primeiro lugar, o pagamento das dívidas da massa insolvente; em segundo lugar, os créditos garantidos de IMI que beneficiam de privilégio imobiliário especial; em terceiro lugar, o crédito hipotecário da titularidade do credor “(…) Finance, AG” (aqui Recorrente); e, por último, os demais créditos reclamados e qualificados como comuns.
XIV. Em igual lapso cai também a secretaria, no Termo de Apreciação da proposta de Rateio, determinando a correcta elaboração dos cálculos, estando de acordo com o determinado na sentença de graduação de créditos, pois, como vimos, não está.
XV. Porquanto, quer na elaboração do mapa de rateio pela Sr.ª Administradora de Insolvência, quer no Termo de Apreciação da proposta de Rateio efetuado pela Secretaria, há uma violação grosseira e inequívoca do determinado na Sentença de Verificação e Graduação de Créditos transitada em julgado.
XVI. A decisão do despacho aqui recorrido constitui efectiva e decididamente a violação do caso julgado da douta sentença proferida e um enriquecimento sem causa dos restantes credores.
XVII. Assim, deve o despacho de que se recorre ser revogado, na parte em que determina “que deve considerar o crédito da sociedade (…) – Sociedade Agrícola Unipessoal, Lda. como garantido, tal como consta da sentença proferida no apenso de verificação e graduação de créditos, sentença essa transitada em julgado” ser substituído por outro que reconheça o crédito da aqui Recorrente como garantido e, por consequência, determinar a elaboração de novo mapa de rateio em conformidade com a sentença proferida no apenso de Reclamação de Créditos.
XVIII. Pois, ao não reconhecer e aplicar o efetivamente proferido na Sentença de Verificação e Graduação de Créditos, o despacho recorrido fez uma errada aplicação dos comandos legais consagrados nos artigos 129.º, 130.º, 174.º e 182.º do CIRE e, reitera-se, viola do caso julgado firmado.
(…)
Nestes termos, e nos mais de direito, sempre do douto suprimento de V. Exas., deverá ser concedido provimento ao presente Recurso e ser revogado o Despacho Recorrido, e substituído por outro que reconheça o crédito da aqui Recorrente como garantido e, por consequência, determinar a elaboração de novo mapa de rateio de acordo com a sentença de verificação e graduação de créditos proferida no apenso de Reclamação de Créditos, em conformidade com o exposto, como é de inteira JUSTIÇA!”
Respondeu o Ministério Público por forma a defender a improcedência do recurso.
Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. Objeto do recurso
Considerando que o objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4 e 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), que nos recursos se apreciam questões e não razões ou argumentos e que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido, importa apreciar se o despacho proferido em 11/9/2024 carece de rectificação.
III. Fundamentação
1. Factos
Relevam os elementos de facto resultantes do relatório supra e o seguinte:
a) Em 29/7/2022 foi proferida sentença no apenso da reclamação de créditos – apenso B – a consignar designadamente:
“(…) Para a massa insolvente foram aprendidos os seguintes bens móveis e imóveis: a) prédio urbano, sito na Urbanização (…), Lote 28, (…), União das Freguesias de (…), concelho de Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º (…), da referida freguesia; b) prédio urbano, sito em (…), freguesia de (…), concelho de Mértola, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mértola sob o n.º (…), da referida freguesia. c) veículo motorizado de marca Yamaha, de 2009, de matrícula (…). d) em resultado da resolução incondicional efectuada, igualmente se encontra apreendido para a massa insolvente o prédio rústico, com 118.500 m2, localizado e (…), inscrito na matriz sob o n.º (…), secção (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Mértola sob o n.º (…) – verba n.º 5 do auto de apreensão. (…) Os créditos reconhecidos serão, então, pagos da seguinte forma: D) com o produto obtido com a venda do bem imóvel identificado em d) supra. 1) em primeiro lugar, pagam-se as dívidas da massa insolvente, as quais saem precípuas, na devida proporção, do produto da venda do saldo aprendido, nos termos do artigo 172.º, n.º 1 e 2, do C.I.R.E.; 2) do remanescente, dá-se pagamento aos créditos garantidos de IMI que beneficiam de privilégio imobiliário especial (artigos 744.º, n.º 1 e 751.º, ambos do CC); 3) do remanescente, dá-se pagamento ao crédito hipotecário da titularidade do credor “(…) Finance, AG”, com observância do disposto nos artigos 686.º e 693.º, ambos do Código Civil; 4) do remanescente, dá-se pagamento aos demais créditos reclamados e que foram qualificados como créditos comuns (cfr. artigo 47.º, n.º 4, alínea a), do CIRE), havendo rateio entre tais créditos em caso de insuficiência do produto obtido artigo 176.º do CIRE”.
b) Findo o prazo da reclamação de créditos, a sociedade (…) – Sociedade Agrícola Unipessoal, Lda. veio reclamar o crédito de € 250.000,00 proveniente de uma confissão de dívida e garantido por hipoteca sobre o prédio sito em (…), inscrito na matriz predial sob o artigo (…), da seção (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Mértola sob o n.º (…) [apenso I];
c) Por sentença de 15/2/2022, o crédito supra referido foi reconhecido e determinada a sua graduação “como crédito garantido”, consignando-se o seguinte: “Pelo exposto, adere-se aos fundamentos alegados pela autora na petição e considera-se reconhecido o crédito da autora (…) – Sociedade Agrícola, Unipessoal, Lda., no montante de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), o qual deve ser graduado como crédito garantido (artigo 686.º do Código Civil)”.
d) A sentença foi notificada aos intervenientes processuais em 16/2/2022, designadamente, à ora Recorrente (refª 123271448) e dela não foi interposto recurso [apenso I].
2. Direito
A extinção do poder jurisdicional, quanto à matéria da causa, subsequente à prolação da sentença têm limitações e, entre elas, a faculdade do juiz que proferiu a sentença retificar erros materiais e suprir nulidades. Disciplina aplicável aos despachos com as necessárias adaptações (artigo 613.º, n.ºs 1 a 3, do CPC).
A rectificação de erros materiais, elementar será dizê-lo, não se confunde com a revogação ou alteração da decisão, destina-se a suprir erros de construção da decisão judicial e não a corrigir erros de julgamento, como é próprio dos recursos (artigo 627.º, n.º 1, do CPC) ou da reforma da decisão quando dela não caiba recurso (artigo 616.º do CPC); o seu campo de aplicação é, pois, limitado aos fundamentos que a lei especial e taxativamente prevê e situando-se o erro fora do âmbito destas previsões obsta ao seu conhecimento o princípio geral da extinção do poder jurisdicional de que a retificação de erros materiais e a supressão das nulidades constituem exceções.
Esta aceção tem uma consequência; suscitando a parte a nulidade da sentença ou erros materiais inerentes à sua elaboração impõe-se, como ato prévio ao seu conhecimento, verificar se as alegações são suscetíveis de tal qualificação antes de se entrar no seu conhecimento propriamente dito e isto independentemente do bem ou mal fundado das razões aduzidas, pois que, emitir este juízo de valor já significa conhecer de mérito, o que supõe a montante resolvida a admissibilidade legal do conhecimento.
Seguindo este método, importa, quanto aos erros materiais, recordar o disposto no artigo 614.º, n.º 1, do CPC:
“Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento das partes ou por iniciativa do juiz”.
Interessa-nos o segmento das inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pois é para ele que aponta o fundamento da retificação indeferida, ora em recurso, e, assim, precisar que estas inexatidões – devidas a omissões ou lapsos manifestos – suscetíveis de retificação, surgem associadas aos erros de escrita ou de cálculo, ou seja, a erros evidenciados pela própria decisão a qual, em si, se deve bastar quanto à sua demonstração; se o apontado lapso da decisão não decorre da desconformidade entre os pressupostos nela consignados e o resultado expresso e decorre, v. g. de uma errada valoração dos pressupostos em que assentou, o erro é de julgamento, não é um erro material.
Nas sempre claras palavras de A. Reis: “Importa distinguir cuidadosamente o erro material do erro de julgamento. O erro material dá-se quando o juiz escreveu coisa diversa do que queria escrever, quando o teor da sentença ou despacho não coincide com o que o juiz tinha em mente exarar, quando, em suma, a vontade declarada diverge da vontade real. O juiz queria escrever «absolvo» e por lapso, inconsideração, distração, escreveu precisamente o contrário: condeno. O erro de julgamento é espécie completamente diferente. O juiz disse o que queria dizer; mas decidiu mal, decidiu contra lei expressa ou contra os factos apurados. Está errado o julgamento”[1] [Código de Processo Civil, anotado, 1952, vol. 5º, pág. 130].
A jurisprudência de forma uniforme tem seguido este caminho, como anota Rodrigues Bastos, “os erros ou inexatidões a que se refere o preceito são apenas aqueles que respeitam à expressão material da vontade do julgador, e não os erros que possam ter influído na formação daquela vontade[2] [Neste sentido: acórdãos S.T.J. de 20/1/77, no BMJ 263.º, pág. 210; de 19/3/81, no BMJ 305.º, pág. 230; de 3/4/91, na A.J., ano 18.º, pág. 11; de 2/3/94, no BMJ 435, pág. 710].”
Assentamos, pois, que os erros da decisão suscetíveis de retificação são os que respeitam à expressão material da vontade do julgador e não os erros que possam ter influído na formação desta vontade [v. g. uma errada valoração dos pressupostos, de facto ou de direito, que justificam a decisão].
No caso, a Recorrente requereu a rectificação do despacho de 11/9/2024 - “Informe a AI que deve considerar o crédito da sociedade (…) – Sociedade Agrícola Unipessoal, Lda. como garantido, tal como consta da sentença proferida no apenso de verificação e graduação de créditos, sentença essa transitada em julgado” – argumentando que a sociedade (…) – Sociedade Agrícola Unipessoal, Lda. não foi reconhecida como credora garantida e, assim, o pagamento do seu crédito não beneficia de prioridade em relação aos credores comuns.
Vista a sua pretensão à luz do despacho a rectificar evidencia-se que o vício apontado não se reporta a qualquer inexatidão devida a omissão ou lapso manifesto evidenciado pelo próprio despacho, comporta uma discordância directa com juízo que o despacho encerra: o despacho afirma que o crédito da sociedade (…) – Sociedade Agrícola Unipessoal, Lda. é um crédito garantido e, como tal, deve ser considerado para efeitos de pagamento e a Recorrente considera que o mesmo crédito não pode ser havido como garantido, por não haver sido reconhecido como tal.
Ante as razões invocadas pela ora Recorrente, o despacho proferido em 11/9/2024, não carecia de rectificação, carecia de revogação e esta só era alcançável por via de recurso [artigo 627.º, n.º 1, do CPC], esgotado que se mostrava o poder jurisdicional do juiz para – decidindo a matéria da causa – qualificar como comum um crédito que antes qualificara como garantido.
O despacho proferido em 11/9/2024 – “Informe a AI que deve considerar o crédito da sociedade (…) – Sociedade Agrícola Unipessoal, Lda. como garantido, tal como consta da sentença proferida no apenso de verificação e graduação de créditos, sentença essa transitada em julgado” – não evidencia o lapso que a Recorrente lhe aponta – não haver sido reconhecido como garantido o crédito reclamado pela sociedade (…) – Sociedade Agrícola Unipessoal, Lda. – como se decidiu em 1ª instância.
As demais conclusões do recurso comportam razões de divergência com o despacho de 11/9/2024 o qual, por ausência de impugnação, transitou em julgado (artigo 628.º e 638.º, n.º 1, 2ª parte, do CPC), assim passando a ter força obrigatória dentro do processo [artigo 620.º, n.º 1, do CPC], o que torna inútil e, assim, ilícito [artigo 130.º do CPC], o conhecimento de razões contraditórias ou incompatíveis com aquela que ficou definida na decisão transitada.
Dir-se-á, não obstante, que o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) prevê e permite o reconhecimento de outros créditos findo o prazo das reclamações, em procedimento de verificação ulterior de créditos [artigo 146.º], não estabelecendo quaisquer limitações quanto a natureza ou garantias dos créditos.
Como no caso veio a ocorrer.
Findo o prazo da reclamação de créditos, a sociedade (…) – Sociedade Agrícola, Unipessoal, Lda. veio reclamar o crédito de € 250.000,00 proveniente de uma confissão de dívida, garantido por hipoteca sobre o prédio sito em (…), inscrito na matriz predial sob o artigo (…), da seção (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Mértola sob o n.º (…).
Este crédito veio a ser reconhecido e graduado “como crédito garantido” por sentença de 15/2/2022, decisão que lida em função dos seus pressupostos – “adere-se aos fundamentos alegados pela autora na petição” – significa o pagamento do crédito pelo produto da liquidação do referido prédio n.º (…) segundo a prioridade que lhe resulta da hipoteca [alíneas b) e c) supra].
Sentença oportunamente notificada à ora Recorrente [al. d) supra]; assim, ao invés do afirmado pela Recorrente, a sociedade (…) – Sociedade Agrícola Unipessoal, Lda. foi reconhecida como credora garantida para ser paga, com a prioridade que lhe resultava da hipoteca, sobre o produto da liquidação do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Mértola sob o n.º (…).
Certo é ainda a sentença de graduação de créditos proferida em 29/7/2022 (na sequência do Acórdão desta Relação de 10/3/2023 que revogou a sentença de graduação de créditos de 2/6/2020), veio a determinar que o crédito da Recorrente, também ele garantido por hipoteca, seja pago pelo produto do mesmo prédio logo a seguir aos créditos provenientes de IMI [alínea a) supra], assim estabelecendo a mesma causa legítima de preferência – hipoteca – que havia determinado para o crédito sociedade (…) – Sociedade Agrícola Unipessoal, Lda., sem fazer menção da prioridade que lhes resulta do registo [artigo 686.º, n.º 1, do Código Civil e artigo 6.º, n.º 1, do Código de Registo Predial].
Mas esta questão – a prioridade de pagamento que resulta do registo das hipotecas – não foi suscitada pela Recorrente, em 1ª instância ou no recurso, nem foi objecto da decisão recorrida, razão pela qual não constitui objecto do recurso e, assim, não pode conhecer-se dela.
Improcede, pois, o recurso, restando manter a decisão recorrida.
3. Custas
Vencido no recurso, incumbe à Recorrente o pagamento das custas (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
(…)
IV. Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto, na improcedência do recurso, em confirmar a decisão recorrida.
Custas, pela Recorrente.
Évora, 05/12/2024
Francisco Matos
Emília dos Ramos Costa
Eduarda Branquinho
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[1] O artigo 614.º do CPC vigente corresponde, com alterações irrelevantes para o caso, ao artigo 667.º do CPC de 1939.
[2] Notas ao Código de Processo Civil, 2001, vol. 3º, pág. 193.