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RECLAMAÇÃO
INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
TAXA DE JUSTIÇA
DEVER DE GESTÃO PROCESSUAL
Sumário
1 – A gestão processual consiste na direcção activa e dinâmica do processo, tendo em vista a rápida e justa resolução do litígio e a melhor organização do trabalho do Tribunal. 2 – Este dever não se reporta apenas aos casos previstos em disposições legais específicas, mas abrange todos os pressupostos cuja falta possa, por natureza, ser sanada, a fim de que sejam removidos todos os impedimentos da decisão de mérito 3 – Se a taxa de justiça devida pela interposição de recurso se encontra paga, mas o respectivo comprovativo não foi junto aos autos, ao ter conhecimento dessa falha procedimental, o Juiz titular do processo deve, ao abrigo dos poderes de gestão, promover oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da causa, determinado a anulação do acto da secretaria em que esta notificou o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 642.º do Código de Processo Civil. (Sumário do Relator)
Texto Integral
Processo n.º 2428/19.3T8STB-E.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo de Execução de Setúbal – J2
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I – Relatório:
Na presente acção executiva que corre termos contra (…), notificada que foi da não admissão do recurso por si interposto, a executada veio reclamar dessa decisão, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 643.º do Código de Processo Civil.
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A executada apresentou embargos de executado fundados em matéria superveniente.
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A pretensão foi indeferida liminarmente por ter sido apresentada fora do prazo.
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Notificada dessa decisão, a executada veio apresentar recurso.
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Relativamente ao recurso interposto, foi proferida decisão com o seguinte conteúdo:
«O requerente juntou depois da interposição do recurso DUC de liquidação da taxa de justiça. Sucede que tal não foi feito no momento da apresentação do requerimento, nem do requerimento de 01-03-2024 consta a referência à DUC. E por isso, a Secretaria, no nosso entender, corretamente, procedeu à aplicação do artigo 642.º/1, do Código Processo Civil. Considerando que o requerente, depois de notificado nos termos e para os efeitos do dito artigo, não pagou a multa devida, determino o desentranhamento do seu requerimento de interposição de recurso. Notifique».
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Desta decisão foi apresentada reclamação e foi dado cumprimento ao disposto nos números 3 e 4 do artigo 643.º do Código de Processo Civil.
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Com a interposição do recurso no dia 01/03/2024 não foi junto o DUC relativo à taxa de justiça devida.
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Em 12/03/2024, a Secretaria emitiu a guia para pagamento da taxa de justiça omitida e dos legais acréscimos ao abrigo do disposto do n.º 1 do artigo 642.º do Código de Processo Civil.
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A taxa de justiça devida foi paga em 29/02/2024 e não foi comunicado tal pagamento aos autos por alegadamente se ter verificado um problema informático relacionado com a gravação da aludida menção.
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Em 12/03/2024, após a emissão das guias para pagamento por parte da secretaria judicial, a parte comunicou o pagamento previamente efectuado, juntando o correspondente comprovativo. * III – Enquadramento jurídico:
Do despacho que não admita o recurso pode o recorrente reclamar para o Tribunal que seria competente para dele conhecer no prazo de 10 dias contados da notificação da decisão (n.º 1 do artigo 643.º do Código de Processo Civil).
Miguel Dinis Pestana Serra sublinha que ao Juiz é atribuído o dever/poder de direcção, agilização, adequação e gestão processual, sempre respeitando os princípios estruturantes do processo civil[1].
A gestão processual consiste na direcção activa e dinâmica do processo, tendo em vista a rápida e justa resolução do litígio e a melhor organização do trabalho do tribunal[2].
O juiz tem o dever de dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, recusando o que for impertinente ou dilatório e adoptando, depois de ouvir as partes, mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.
Neste campo, o juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de acto que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.
Este dever substancial tem acolhimento no artigo 6.º[3] do Código de Processo Civil e o aspecto instrumental revela-se na adequação formal[4]. Na actualidade, em sede de gestão processual, não estamos perante um poder discricionário, mas antes face à um poder-dever vinculado.
Não sendo um poder absoluto e insindicável, Miguel Teixeira de Sousa e Castro Mendes indicam como limites legais, no plano externo, o assegurar de um processo equitativo, indicando que, em qualquer tramitação tem que estar assegurada a possibilidade de as partes alegarem, de facto e de direito, de realizarem a prova de factos controvertidos e a oportunidade de o tribunal se pronunciar sobre a matéria de facto e de direito[5].
No plano interno o n.º 2 do artigo 630.º do Código de Processo Civil estabelece um catálogo de princípios que, no âmbito da gestão processual, não podem deixar de ser respeitados e que são a igualdade das partes, o contraditório, a aquisição processual ou a admissibilidade de meios de prova e, bem assim, o princípio do dispositivo e o da autorresponsabilidade das partes[6].
Este dever não se reporta apenas aos casos previstos em disposições legais específicas, mas abrange todos os pressupostos cuja falta possa, por natureza, ser sanada, a fim de que sejam removidos todos os impedimentos da decisão de mérito[7], aqui se incluindo, acrescentando nós, os casos em que existe deficiência na comunicação da satisfação das obrigações de pagamento de taxa de justiça devida pela interposição de recurso.
Quando, no termo do prazo de 10 dias não tiver sido comprovado o pagamento da taxa de justiça devida e da multa, ao ser advertido ou a adquirir essa informação por via oficiosa de que foi liquidada a obrigação tributária, o Tribunal não deve determinar o desentranhamento da alegação.
Antes, se a taxa de justiça devida pela interposição de recurso se encontra paga, mas o respectivo comprovativo não foi junto aos autos, ao ter conhecimento dessa falha procedimental, o Juiz titular do processo deve, ao abrigo dos poderes de gestão, promover oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da causa, determinado a anulação do acto da secretaria em que esta notificou o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 642.º do Código de Processo Civil.
A nosso ver, esta é a única solução que temperada pelo princípio da proporcionalidade, na vertente da proibição de excesso e da justa medida, permite compatibilizar o direito a aplicar com as garantias de acesso à tutela jurisdicional efectiva[8], valorizando tendencialmente o duplo grau de jurisdicional.
* III – Sumário: (…)
* IV – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção as considerações expendidas e o quadro legal aplicável, concede-se provimento à reclamação, admitindo-se o recurso interposto.
Sem tributação.
Notifique.
Processei e revi.
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Évora, 05/12/2024
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
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[1] Miguel Dinis Pestana Serra, O dever de Gestão Processual no Código de Processo Civil de 2013, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade Lusófona do Porto, Porto, v.5, n.5 (2014), págs. 101-103, disponível no endereço: http://revistas.ulusofona.pt/index.php/rfdulp/article/view/4980/3294.
[2] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro em Primeiras Notas ao CPC, Vol. I, 2013, pág. 30.
[3] Artigo 6.º (Dever de gestão processual):
1 - Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.
2 - O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.
[4] Artigo 547.º (Adequação formal):
O juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo.
[5] Miguel Teixeira de Sousa e Castro Mendes em Manual de Processo Civil, vol. I, AAFDL Editora, Lisboa, 2022, pág. 94.
[6] Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/10/2018, 13/01/2022 e 21/06/2022, disponibilizados em www.dgsi.pt.
[7] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/07/2021, disponível em www.dgsi.pt.
[8] Artigo 20.º (Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva)
1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.
3. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça.
4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.