RESPONSABILIDADE DE ADVOGADO
MANDATO FORENSE
DANO DE PERDA DE CHANCE
Sumário

I - O mandato forense é um contrato de mandato atípico sujeito ao regime especial do Estatuto da Ordem dos Advogados, sendo-lhe ainda aplicável, a título subsidiário, o regime civilístico do mandato constante dos artigos 1157º a 1184º do Código Civil.
II - No exercício do mandato forense, o advogado não se obriga a obter ganho de causa, mas sim a utilizar, com diligência e zelo, os seus conhecimentos técnico-jurídicos de forma a defender os interesses do seu cliente, utilizando os meios ajustados ao caso, segundo as “leges artis”, com o objectivo de vencer a lide, visto tratar-se de uma obrigação de meios, e não de resultado.
III - No âmbito da responsabilidade contratual, para haver responsabilidade civil, é necessário que, para além do mais, haja um ilícito; tem que se provar a violação de uma obrigação contratual, sem o que, à partida, não haverá aquela responsabilidade.
IV - O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2022, publicado no Diário da República n.º 18/2022, Série I, de 2022-01-26, uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos: “O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade.”
V - A verificação do dano por “perda de chance” exige a demonstração da consistência e seriedade da perda da oportunidade de obter uma vantagem (ou de evitar um prejuízo) segundo um juízo de probabilidade tido por suficiente, independente do resultado final frustrado, que terá de ser aferido casuisticamente, em função dos indícios factualmente provados.
VI - Para haver dano da “perda de chance” susceptível de indemnização, não basta a prova da conduta ilícita do advogado consubstanciada no incumprimento do mandato, não basta a prova do acto/facto lesivo, uma vez que segundo o instituto jurídico invocado não há reparação sem estar também provada a existência dum dano e causado por tal acto/facto ilícito, sendo também necessário que esse incumprimento pudesse conduzir, com um elevado grau de probabilidade, à procedência da pretensão do lesado.
VII - Numa acção destinada a apurar a responsabilidade civil do advogado no âmbito de um contrato de mandato forense, deve o lesado demonstrar que existia uma probabilidade séria e real de a sua pretensão ter sido reconhecida, caso o mandante tivesse actuado com a diligência devida, o que implica fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, atentando no que poderia ser considerado como altamente provável pelo tribunal da causa.

Texto Integral

Recurso de Apelação - 3ª Secção

ECLI:PT:TRP:2024:945/21.4T8PVZ.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório

A..., Sistemas Electrónicos, Ld.ª, com sede na Zona Industrial ..., Armazém 24, ... ..., instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra AA, com domicílio profissional na Avenida ..., ... ..., onde concluiu pedindo a condenação da Ré no pagamento à Autora da quantia global de € 413.239,83, por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pela A., acrescida dos respectivos juros de mora desde a data da citação até integral pagamento.

Alega, em síntese, que a Ré, na qualidade de advogada, não recorreu da decisão da primeira instância, o que a verificar-se podia ter revertido a mesma, o que provocou danos à A.


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Citado, o Réu contestou, pugnando pela improcedência da acção.

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Tendo sido admitida a Intervenção Principal de B..., Sucursal En Espana, contestou a mesma, pugnando pela sua absolvição

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Proferiu-se despacho saneador, bem como o despacho que identifica o objecto do litígio e enuncia os temas da prova.

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Procedeu-se a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal.

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Após a audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a ré do pedido formulado.

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Não se conformando com a decisão proferida, veio a autora A..., Sistemas Electrónicos, Ld.ª interpor o presente recurso de apelação, em cujas alegações concluiu da seguinte forma:

I. A prática de acto processual fora do prazo legal fazendo soçobrar a pretensão de interposição de Recurso, constitui, indubitavelmente uma violação dos deveres específicos dos Advogados e das normas que o consagram.

II. A obrigação de meios a que um Advogado se encontra vinculado, ao não apresentar em tempo as Alegações de Recurso, o Mandatário falhou essa sua obrigação no que a Jurisprudência vem apelidando de "perda de chance".

III. Como a Apelada reconhece, até nas Alegações que entregou nos autos, a junção de correspondência entre o Dr. BB e o Dr. CC, era uma questão crucial da acção e o reconhecimento da responsabilidade daquele causídico na actuação com a ora Apelante.

IV. Se a Apelada ainda não tinha na sua posse essa correspondência, o que só academicamente se admite, era sua obrigação pedir à parte contrária a junção desses documentos e, o comportamento do Requerido seria apreciado objectivamente pelo Tribunal.

V. A ora Apelada deixou passar esse meio de prova, não obrigou a contraparte a juntar aos autos essa correspondência, pelo que não usou de todos os meios e conhecimentos que tinha ao seu alcance para fazer prova dos factos invocados e da procedência da acção.

VI. Não usou de todo o empenho e ciência que lhe era exigível, atenta a sua prática forense de mais de 30 anos.

VII. Só tendo despertado para a questão da correspondência em sede de Recurso e, como se vê, facilmente obteve o levantamento do sigilo profissional, que deveria ter solicitado durante o decurso da discussão em 1ª Instância.

VIII. No contrato de Mandato Forense, não emerge para o Advogado a obrigação de obter vencimento, mas de utilizar os meios necessários para tal, tratando com zelo e diligência a causa que lhe é confiada, podendo, a omissão de tal, resultar numa obrigação de indemnizar.

IX. No caso dos autos o facto ilícito consiste na omissão do dever de cuidado e, a culpa, tratando-se de responsabilidade contratual, presume-se – artº 799 do C.C..

X. A Apelada reconhece que os 2 pontos principais que se discutia na acção que lhe foi confiada contra o Dr. BB, eram as suas indicações à Apelante do pagamento da 1ª prestação com a entrega dos equipamentos penhorados e,

XI. A redacção da transacção celebrada no Proc. ..., estranha à Apelante, que foi causa dos prejuízos sofridos e reclamados nos autos, como tudo se pode ver da pág. 2/94 das Alegações juntas com a PI. Destes autos como doc. nº 8.

XII. Nas suas Alegações a ora Apelada faz apelo à procedência da acção, quer com a admissão dos documentos quer com a sua não junção, em ambas as situações, havia argumentos para levar à revogação da Sentença e procedência da acção.

XIII. Com a extemporaneidade das Alegações de Recurso, a ora Apelante perdeu as justas expectativas da revogação da Sentença e eventual Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

XIV. Da Sentença do M.º Juiz "a quo" resulta que os factos dados como provados nos itens 55 e 56 são conclusivos, "não iria ser admitido", "não havendo prova de superveniência", "extemporâneo", e até conceito de direito impondo-se decisão de revogação.

XV. O que tem de ser dado como provado são factos que levem a essas conclusões, pelo que os itens 55 e 56 dos factos provados, não assentando em qualquer facto provado, devem ter-se por não escritos e revogados.

XVI. No item 58, também só se pode dar como provado até "liquidou a taxa de justiça" pois se expressou ou não qualquer reparo relativamente aos emails também é matéria conclusiva e não era da competência da A. ou do seu gerente, saber se há ou não omissão da sua junção, pois não é da sua competência mas do seu Mandatário.

XVII. Mas até pelos depoimentos juntos aos autos se pode aquilatar que a resposta à matéria factual dada como provado e não provado, é deficiente.

XVIII. Com efeito ao minuto 13,32 do depoimento da Apelada se apura que ela tinha conhecimento prévio dos emails e do seu teor, pelo que deve ser alterada a resposta ao item 54 dos factos provados, no sentido que é um facto não provado.

XIX. E a questão de os documentos terem sido ou não facultados atempadamente, é uma questão de direito e não de facto.

XX. Pois todos sabemos que podem ser juntos até 20 dias de antecedência do julgamento e até pode ser entregue mais tarde nos termos do nº 3 do artº 423 do C.P.C..

XXI. Mesmo não os tendo mas sabendo da sua existência e da posse deles na contraparte, podia e devia ter usado da faculdade do artº 429 do C.P.C..

XXII. Veja-se na PI. apresentada pela Apelada e que constitui o doc. nº 3 da PI. da presente acção a redacção dos seus artigos 33, 34 e principalmente 35, a Apelada sabia da existência de tais documentos.

XXIII. Pelo que deve o item 54 ser anulado e substituído por outro que diga – a Ré teve conhecimento da existência dos documentos aquando da redacção da PI. e no decurso da acção muito antes da data do julgamento.

XXIV. Pelo depoimento da testemunha DD, ao minuto 4,13 - era o maior cliente, no depoimento da EE - 9,07 "percentagem concreta não sei dizer mas era o maior mesmo e no minuto 9,11 desta EE - era fundamental, era o principal sim e, no depoimento do FF 5,47 m era o nosso maior cliente, sim.

XXV. Se as testemunhas não disseram concretamente que a percentagem da facturação era de 70%, não pode o facto ser levado à matéria não provado, como consta da alínea c), mas sim aos factos provados com a seguinte redacção:

"A A. dependia em termos de facturação da C... Portugal, que era o seu principal cliente, mas em percentagem que não se conseguiu apurar."

XXVI. Os itens a) e b) dos factos não provados, têm de ser alterados e levado aos factos provados.

XXVII. Com efeito, o depoimento do Sr. Dr. BB está em completa contradição com os factos provados nos itens 7, 8, 11, 12, 14 e 15 da acção e, ele não apresenta um único documento para o que afirma.

XXVIII. O Acordo foi enviado pelo Dr. CC ao Dr. BB e por eles subscrito no CITIUS, sem qualquer intervenção do sócio gerente da A..

XXIX. O que diz o Dr. BB ao 27,22 m é que quando foram levantadas as máquinas havia outra execução mas, só foram levantar muito depois do vencimento da 1ª prestação e, se a Solicitadora demorou mais de 1 ano para cumprir o ordenado pelo Tribunal o que fez o Dr. BB ? Nada.

XXX. Quando se lhe pergunta aos 28,59 m se foi paga alguma prestação responde a 28,59 m - O Sr. GG é que sabe, eu não estou na Tesouraria dele.

XXXI. Destarte os itens a) e b) dos factos não provados, têm de ser revogados e levados aos factos provados com a seguinte redacção:

A A. não teve prévio conhecimento do Acordo referido em 5 e só na data referida em 11 é que a A. ficou a saber que a condição de simultaneidade de pagamento e entrega dos bens, não estava redigido no acordo.

XXXII. Quanto aos factos não provados da al. d) – do gerente GG ter pedido emprestado ao Pai 25.761,45 € tem de ser revogado e levado à factualidade provada, com base no depoimento do DD a 4,43 m – andou a pedir dinheiro, acho que foi ao pai dele, da testemunha FF aos 7,42 m – mas houve empréstimos particulares do pai dele.

XXXIII. Devendo por isso ser levado à fatualidade provada "O Sr. GG teve de pedir dinheiro emprestado ao Pai, em montante que se não conseguiu especificar."

XXXIV. Quanto à alínea e) os factos não provados também tem de ser revogado e substituído por outro que leve aos factos provados, com base nos depoimentos - veja-se o que já está provado nos itens 14 e 15, os pagamentos que teve de fazer por pressão de fornecedores, a instabilidade, bem como adiamento de encomendas, e o depoimento do empregado de escritório ao 7,06 m – deixou de cumprir com as obrigações fiscais, ordenados, e na altura foi complicado e perdeu um financiamento do Banco 1....

XXXV. Assim, propõe-se que o item e) dos factos não provados seja levado aos factos provados na seguinte redacção:

O referido em 15 causou atrasos no pagamento de obrigações fiscais, linha de crédito que tinha no Banco 1..., tudo em montante que se não conseguiu apurar.

XXXVI. Quanto aos itens f) e g) dos factos não provados, tudo emerge das próprias Alegações de Recurso que a Apelada produziu com o seu Recurso e se encontra junto como doc. nº 8 da PI..

XXXVII. Aliás, foi a Apelada que tomou a iniciativa de pedir ao Conselho Distrital do Porto a dispensa do sigilo profissional de correspondência e só ela sabia como conduzir esse processo, sendo as suas Alegações a prova da sua séria convicção que com a junção dessa correspondência entre Advogados, iria reverter a decisão da 1ª Instância.

XXXVIII. Quanto ao item h) dos factos não provados, não se tendo apurado o valor de 250.000,00 €, deve ser dada resposta restritiva e passar a ter redacção como facto provado da seguinte forma:

A A. teve danos patrimoniais de valor não concretamente apurado que deve ser fixado em execução de sentença.

XXXIX. O facto provado sob o item 59, é incompatível e está em contradição com o facto provado no item 14 - primeiro não há qualquer depoimento nos autos que as máquinas eram usadas e idosas; o valor delas era de 60.000,00 €, pelo que o item 59 tem de ser revogado e levado a factos não provados, tudo por falta de fundamentação.

XL. Também não há qualquer fundamentação e não se vê um único depoimento que dê como provado o item 57 – que o sócio gerente era um interlocutor difícil, vago nas informações e não conseguia quantificar valores.

XLI. Poder-se-á perguntar como é que a Apelada apresenta valores específicos na acção movida ao Dr. BB.

XLII. Porém, o depoimento de parte só releva quando há confissão e, não quando há depoimento sobre factos que não confessa, pois a versão dela tem de ser corroborada por testemunha ou documento.

XLIII. Pelo que o item 57 tem de ser revogado e levado aos factos não provados.

XLIV. Pois o que está provado no item 19 é que a Apelante reuniu diversas vezes com a Apelada e, competia a esta, segundo as várias soluções de facto e direito, pedir elementos pertinentes para a acção.

XLV. Ainda sobre o item a) dos factos não provados, tenha-se em consideração para alterar o mesmo que

- o Dr. BB subscreveu o Acordo com a procuração que lhe foi emitida.

- esse acordo não é subscrito pela Apelante.

- No item 7º dos factos provados já se diz que o Dr. BB referiu ao sócio gerente da Apelante que o acordo era para a 1ª prestação do pagamento só ser paga em simultâneo com a entrega dos bens penhorads e, no item 8 provado que a Apelante não pagou por expressa indicação do seu Mandatário.

XLVI. Esta a prova manifesta que o Dr. BB fez o acordo como desejou e entendeu e interpretou-o à sua maneira.

XLVII. Atente-se que está provado, também no item 28 - 2.2, "que tal acordo foi aceite por ambos dos Advogados."

Nunca se deu como provado que o Dr. BB tinha obtido o prévio conhecimento ou consentimento da Apelante.

XLVIII. Sobre a alínea c) dos factos não provados que o Dr. BB tinha dito que assumia todos os prejuízos, tal facto tem de ser levado à matéria provada.

XLIX. Perpassa do depoimento do Dr. BB que ele se sentiu enganado pelo Colega e ia agir.

L. Nos factos provados - item 11 - informou a A. que ia agir judicialmente contra a D... e, no item 12 que afirmou ter sido enganado pelo Colega.

LI. A testemunha FF, no seu depoimento aos 9,20 m – afirma que o Dr. BB disse que foi enganado pelo Colega, mas que não se preocupe porque iria assumir a responsabilidade e, aos 9,33 m "assumia a responsabilidade, que tinha seguro e que era este que ia resolver e o Sr. GG ficou convencido que esse problema seria resolvido pelo Dr. BB.

LII. Deve, pois, ser modificado, para provado, o item c) com a seguinte redacção:

"O Dr. BB disse que assumia todos os prejuízos causados à A. pois, tinha seguro profissional."

LIII. No item 28, 9.1 dos factos provados, o Dr. BB informou os AA. em 11/10/2021 que tinha comunicado ao Mandatário da D..., após a realização do acordo de 31/05/2011, que a Apelante iniciaria o pagamento das prestações tão logo recebesse as máquinas.

LIV. Neste mesmo item o Mm.º Juiz diz no ponto 2 que não ficou provado que o Dr. BB não tinha referido o que tinha ficado ajustado entre ele e o outro Mandatário, o que tudo está em contradição com o que ficara provado nos itens 7 e 8 e nº 28 9.1, pelo que tal facto tem de ser revogado.

LV. O mesmo se diga dos itens 3 e 4 e do item 28 dos factos não provados que está em completa contradição com o que fora provado nos itens 7 e 8, pelo que tal matéria tem de ser levada à matéria provada mas com a falta de Recurso não foi e é versão definitiva.

LVI. Idem, Idem, se passa com o item 7 do artigo 28 dos factos não provados, em contradição com os itens provados 7 e 8, pelo que tem de ser levado aos factos provados e é mais um facto que ficou definitivo pela perda de chance do Recurso.

LVII. Idem, Idem do facto 10 não provado que está em flagrante contradição com o item 12 dos factos provados que, é mais um facto que não foi alterado por causa da falta do Recurso.

LVIII. Destarte, não se pode dizer que o documento junto com as Alegações ia ser desentranhado e que "o destino do Recurso estava traçado ou tinha mesmo forte possibilidade, digo mesmo, total probabilidade de ser julgado improcedente, como invoca o M.º Juiz "a quo" no final da penúltima página e ao cimo da última página da Sentença.

LVIX. É que o Recurso não visava e não se apoiava somente na questão da correspondência entre os Mandatários, mas era muito mais amplo como se prova das Alegações juntas como doc. nº 8 da PI..

LX. Todos os outros factos e outros argumentos que levavam à alteração da matéria de facto, soçobraram com a não admissão do Recurso, cuja falta só à Apelada se pode imputar.

LXI. É demonstrativo que no item 30 dos factos provados nesta acção o M.º Juiz "a quo" que "com a transcrição dos depoimentos em julgamento, escalpelizou ponto por ponto, os factos que não foram dados como provados, pugnando que fossem alterados para provados.

LXII. No item 32 dos factos provados - pág. 50 das Alegações - o teor dos documentos (correspondência) apenas coloca na boca do Dr. BB, aquilo que o Tribunal ouviu das testemunhas.

LXIII. Esta, também, a prova cabal que, tal como as testemunhas, a ora Apelada já sabia o que dizia tal correspondência.

LXIV. Nesta acção está provado a correspondência nos itens 35, 36 e 37 mas o M.º Juiz "a quo" não tira qualquer ilação e consequência de tais factos, pelo que não seria necessário dá-los como provados.

LXV. Se mais prejuízos não houvessem, e há, decorrentes da actuação da Apelada e da rejeição do Recurso sempre teríamos o que foi dado como provado no item 47, pois tudo foi em vão.

LXVI. O M.º Juiz "a quo" reduz e resume o objecto da acção à questão dos documentos com a correspondência, que eram documentos não supervenientes e não iam ser admitidos no julgamento de 10/07/2018, e o julgamento estava traçado quando se vê das Alegações do Recurso da Apelada que o seu objecto era muito mais amplo e até dividiu as suas Alegações com a admissão ou não admissão dos tais documentos mas, tudo levava à revogação da Sentença.

LXVII. Por isso a não admissão do Recurso por culpa da Apelada constitui uma perda de chance séria, impediu que todo o objecto da acção fosse analisado não só na Relação como no S.T.J., bastando haver um voto de vencimento ou outro Acórdão que estivesse em contradição com o decidido, pois há alçada para Recurso de Revista.

LXVIII. Tudo precludiu de forma irremediável e definitiva com a não admissão do Recurso por extemporâneo e por erro da ora Apelada.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve ser alterada a resposta aos itens provados e não provados, com as devidas alterações propostas sobre os itens 55 e 56, 57, 58, 59, 54, alíneas a), b) c) (em duplicado), d), e), f), g) e h), 28 – ponto nº 2, 28 – 9.1, 28 – item 7, facto 10 que está em contradição com o ponto 12 dos factos provados, dando-se as redacções que foram propostas com base em contradições, documentos e depoimentos das testemunhas invocadas, tudo ao abrigo do disposto no artº 640 nºs 1 e 2 do C.P.C., e por erro de interpretação e aplicação do disposto nos artigos 798, 799 do C.C. e 423 nº 3, 429, todos do C.P.C., deve a Sentença do Mm.º Juiz "a quo" ser revogada e substituída por outra que julgue a acção totalmente procedente com o que se fará a esperada JUSTIÇA.


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AA apresentou contra-alegações, bem como requereu a ampliação do objecto do recurso, tendo concluído as alegações formulando as seguintes conclusões relativamente à ampliação do objecto do recurso:

I. Relativamente aos factos 7) 8) e 12) dos factos julgados provados, os emails em discussão não permitiram concluir pela prova destes factos e estes factos estão em contradição com as alíneas a) e b) dos factos julgados não provados cuja manutenção enquanto tal já se demonstrou.

II. A troca de comunicações junta não podia servir como meio de prova uma vez que carecia legitimidade à recorrida para obter autorização à Ordem dos Advogados para a sua junção.

III. A troca de comunicações escrita em apreço não está completa e por isso não permite a contextualização das expressões “por excesso de cortesia” sobretudo quando comparadas com outras expressões já supra reproduzidas.

IV. O depoimento do Dr. BB também não confirma o sentido que permite dar tais factos como provados.

V. O Sr. Dr. CC não prestou depoimento, pelo que não era possível extrair o cabal sentido e alcance do teor daqueles emails.

VI. É incoerente que o gerente da recorrente tivesse tido conhecimento dos termos da transacção inicialmente celebrada com a D..., por um lado e tivesse dúvidas quanto ao momento de pagamento da 1.ª prestação, arriscando todo um negócio por causa de um valor pouco significativo atentos os interesses em causa.

VII. O raciocínio exposto replica-se quanto ao facto 12) julgado provado (a que Tribunal recorrido não alude nas suas considerações) e ainda pelo teor dos factos não provados na sentença “a montante” pontos 9) e 10) que o Tribunal recorrido reproduz, dando-a por boa, a págs 9 da decisão agora em crise e na justificação dos factos julgados não provados naqueloutra sentença reproduzida a fls 11 da decisão agora em crise.

VIII. Assim, devem estes factos ser removidos dos factos julgados provados e passar a ser incluídos no rol dos factos julgados não provados ou ser, simplesmente, eliminados da relação dos factos julgados provados

IX. O facto 13) julgado provado, no segmento que se inicia em “só teve conhecimento desta decisão por terceiros (…)” até final deve ser igualmente subtraído à relação de factos julgados provados e passar ao elenco dos factos julgados não provados ou simplesmente eliminado.

X. Os factos julgados não provados descritos a págs. 9 e 10 da decisão em crise, contrariam a possibilidade de se dar como provado aquele facto nos termos assim redigidos.

XI. Sendo a penhora de créditos a C... de data posterior à da transação que pôs termo aos litígios entre a recorrente e a D... este facto 13) não podia ter sido julgado provado nos termos em que o foi.

XII. Relativamente ao facto 14) julgado provado, o que se vem de descrever é suficiente para permitir concluir que não está demonstrada a pressão que justificaria o conhecimento por terceiros de um acto de penhora.

XIII. Não há nenhuma testemunha cujo depoimento permita concluir de modo a julgar este facto (14)) como provado, concretamente no que se refere ao valor das máquinas em questão.

XIV. Não há prova documental que sustente o alegado empréstimo de Eur 25.761,45, os termos ou finalidade da sua existência ou que tenha sido feito ou solicitado pela recorrente;

XV. Não há um único documento de onde se extraia o valor das referidas máquinas.

XVI. A recorrente não adquiriu qualquer quota do capital social da D..., desconhecendo-se quanto valia a referida quota bem como os termos da sua aquisição.

XVII. As máquinas em questão estiveram imobilizadas durante 7 anos e tinham pelo menos 17 anos de idade.

XVIII. Deve, pois, este facto ser julgado não provado ou eliminado da relação de factos julgados provados.

XIX. O mesmo deve suceder com o facto 16) julgado provado

XX. A explicação dada pelo dr. BB em sede de audiência de julgamento vai no sentido de que o gerente da recorrente teve sempre conhecimento dos termos da transacção inicialmente celebrada com a D....

XXI. Por outro lado, o Tribunal recorrido considerou em págs 8 a 11 da sentença em crise os factos julgados não provados na acção instaurada contra o Dr. BB e ainda declarou na alínea c) dos factos julgados não provados que o Dr. BB tenha dito que assumiria todos os prejuízos causados à recorrente.

XXII. Consequentemente, este facto não deveria ter sido julgado provado.


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Foram apresentadas contra-alegações.

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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.

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2. Factos

2.1 Factos provados

O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:

1) A ora A. teve como seu mandatário até ao ano de 2013 o Sr. Dr. BB, Advogado com escritório na Rua ..., ..., Porto.

2) Em 2003, a A. mandatou o referido Sr. Dr. BB, para contestar uma acção que lhe fora intentada por uma empresa de nome “D..., LDA” e que corria os seus termos sob o nº ... do 3º Juízo Cível da Maia.

3) Neste processo, a A. foi condenada a pagar à referida “D..., Lda.” a quantia de 25.000,00€, mas em sede de Recurso aí intentado, o Julgamento teve de ser repetido.

4) Neste mesmo Tribunal corria termos um processo executivo sob o nº ..., onde a dita “D..., Lda” já penhorara um conjunto de máquinas da ora A. e que tinham sido removidas pela Exequente.

5) No referido processo ..., estando já marcado o dia para julgamento o A. e a dita “D..., Lda.” chegaram a um acordo, em que se reduzia a quantia a pagar, e o início do seu pagamento coincidente com a devolução dos bens penhorados e removidos, sendo o pagamento de 25.000,00€ em prestações mensais de 1.000,00€ e assim ficavam resolvidas a Acção Cível e a Executiva.

6) No acordo redigido pelo dito Dr. BB a primeira prestação vencia-se em 30/6/11 e as custas seriam suportadas em partes iguais, como se pode ver da cópia do mesmo - doc. 1.

7) O Dr. BB referiu ao sócio gerente da ora A., Sr. GG, que o acordo com o Mandatário da “D..., Lda.”, Dr. CC, era que a 1ª prestação do acordo só seria paga em simultâneo com a entrega dos bens penhorados e removidos.

8) Tendo sido por expressa indicação do seu Mandatário, a ora A. não pagou a 1ª prestação na data que consta do auto de 30/06/2011.

9) Em 7/10/2011, a A. foi às instalações da “D..., Lda” para levantar os bens e pagar a 1ª prestação, mas a Agente de Execução opôs-se dizendo que a falta de pagamento da 1ª prestação em 30/06/2011 originara o vencimento de toda a dívida e, os bens penhorados não podiam ser entregues sem o seu integral pagamento.

10) Mais mostrou à A. que havia outra execução - ... cujo título era uma transação judicial de 150.000,00€ com penhora dos mesmos bens da outra execução - doc. 2.

11) O Dr. BB informou a A. que ia agir judicialmente contra a “D..., Lda.”.

12) O Dr. BB afirmou que tinha sido enganado pelo Colega que patrocinava a “D..., Lda”.

13) Ao mesmo tempo, o Dr. BB deduziu Oposição à nova Execução tendo sido proferida decisão em 11/06/2012 a julgar procedente a mesma, reduzindo a execução para 25.000,00€ mas, esta decisão foi revogada pelo Tribunal da Relação do Porto de 22/01/2013, que determinou ser a quantia exequenda 150.000,00€ e que a execução prosseguiria os seus termos, sendo que a A. só teve conhecimento desta decisão por terceiros e não pelo seu Mandatário, que foram notificados para penhora de créditos da A. como o grande cliente "C... PORTUGAL.

14) A A., pressionada pelos seus clientes e que ameaçavam não fazer mais encomendas, acabou por fazer um acordo com a “D..., Lda” sem a intervenção do Dr. BB, em que lhe entregaram:

- A quantia de 25.761,45€.

- 104.78,00€ pela entrega à dita “D..., Ld” duma quota que o sócio gerente do A., GG, detinha na dita “D..., Lda”.

- Também a A. teve de entregar à Exequente “D..., Lda” os bens que tinham sido penhorados, forma e máquina no valor de 63.000,00€ e créditos que já tinham sido penhorados.

15) O atrás referido provocou instabilidade na empresa, bem como o adiamento de entrega de encomendas.

16) Comunicou todas estas situações ao Dr. BB, mas este acabou por não assumir a responsabilidade nos prejuízos que causou à A. por ter confiado na palavra do Colega Mandatário da “D..., Lda”.

17) De forma que a A. resolveu intentar uma acção indemnizatória contra o Sr. Dr. BB.

18) E, por isso, em 20/1/2015, foi a ora Ré nomeada pela Ordem dos Advogados para o efeito, vide doc. 5.

19) Em 9/11/2015, depois de reunir diversas vezes com o sócio gerente da A., GG, a Dra. HH intentou uma acção indemnizatória contra o Dr. BB, fazendo um pedido de 350.000,00€, sendo 250.000,00€ de dano patrimonial e 100.000,00€ de dano não patrimonial, tudo acrescido dos respectivos juros moratórios, como tudo se pode ver da cópia da PI. que ora se junta como doc. 3.

20) Acção essa que foi distribuída na Comarca do Porto, Instância Central Cível J 5, com o nº ....

21) A acção foi contestada, tendo o Dr. BB invocado a incompetência territorial, a prescrição, que o acordo celebrado com a “D..., Lda” teve o beneplácito da Autora, que era o legal representante da A. que invocava que só pagava com o recebimento das máquinas, tendo dado origem a que surgisse a execução nº ..., que a A. fez acordo sem esperar pela decisão do S.T.J. do Recurso do Tribunal da Relação do Porto de 22/01/2013 e à revelia dele e, que por isso não era responsável pelo pagamento de quaisquer danos, como tudo se pode ver da cópia da Contestação que ora se junta como doc. 4.

22) A ora Ré replicou nos termos que consta do documento que ora se junta como doc. 5.

23) Por Despacho de 26/09/2016, foi marcada audiência prévia para 25/01/2017 na qual foi determinada a junção de documentos.

24) Posteriormente, em 3/10/2017, foi proferido Despacho Saneador que julgou o Tribunal competente em razão do território, improcedente a excepção de prescrição e foram selecionados para o objecto do litígio que os temas de prova, cujo teor ora se junta e dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos como doc. 6.

25) Depois realizou-se a audiência de julgamento em 3 sessões, começando no dia 13/03/2018, continuando em 4/04/2018 e terminando m 10/07/2018.

26) Em 31/08/2018 foi a ora Ré notificada da respectiva Sentença, cuja cópia ora se junta para os devidos e legais efeitos como doc. nº 7.

27) Que julgou a acção totalmente improcedente por não provada com custas a cargo da ora A..

28) Tendo-se dado com o provado nos itens 2.1, 2º e 3º e, 2.2 que:

- 2.1 Em tal processo ... as partes celebraram transacção homologada por despacho de 03/06/2011 (fls.357) tendo o indicado acordo o seguinte teor:

- As Rés confessam os pedidos formulados pela Autora; porém, quanto à quantia pecuniária, a A., dá-se por ressarcida se as RR. pagarem a quantia de 25.000,00 € (vinte e cinco mil Euros) em 25 (vinte e cinco) prestações iguais e sucessivas de 1.000,00 € (mil Euros) cada uma, por cheque ou vale postal para a sede da autora, vencendo-se a primeira no dia 30 (trinta) do mês de Junho corrente e as demais no último dia dos meses subsequentes.

- 2º com a presente transacção, torna-se inútil a liquidação e oposição nos autos ... dos Juízos de Execução deste Tribunal.

- 3º As custas serão suportadas em partes iguais por A. e RR. prescindindo ambos de custas de parte e procuradoria na parte disponível.

- 2.2 Tal acordo foi aceite por ambos os advogados das partes incluindo o aqui Réu, na qualidade de Advogado das aqui Autores, mandato corporizado em procuração de 01/05/2013.

Mais foi provado nos itens 2.3 e 2.4 e 2.5 que:

2.3). A..D... intentou contras as aqui Autoras, aí Rés/executadas, acção executiva para pagamento da quantia certa – ... do juízo de execução da Maia – tendo por base a sentença proferida em sede de primeira instância no indicado processo nº ..., sendo que, após a anulação de tal decisão pelo Tribunal da Relação do Porto, foi proferido em 28/10/2010 despacho a julgar extinta tal execução por falta de título, tendo aí sido ordenado o levantamento de penhoras e a entrega dos bens aos titulares – fls. 447 verso.

2.4). Nessa mesma execução nº ..., em 20/01/2010, foram penhorados bens móveis da executada A... – Sistema Electrónicos, Lda, incluindo uma máquina com o valor atribuído de 20.000,00€ (...) e uma outra (forno) com o valor atribuído de 10.000,00€, tendo sido agendada a sua remoção para a exequente no dia 27/01/2010 – fls. 428 a 431.

2.5). A restituição dos bens penhorados à executada esteve marcada pela solicitadora de execução para os dias 07/01/2011 (fls. 452), 12/01/2011 (fls.454).

No item 4 e 4.1 foi dado como provado que:

4). D... intentou contra as aqui Autoras nova acção executiva, agora sob o nº ... e para pagamento de quantia certa que tinha como título executivo a sentença homologatória do acordo referido em 2.1), pelo valor de 274.833,99€ - fls. 46, 459, 462, 463.

4.1). Nesta execução as executadas deduziram oposição alegando que o valor da execução não podia ser em termos de capital o indicado, mas somente de 25.000,00 € sendo esse o valor do capital a pagar e a questão do pagamento das prestações desse mesmo capital de 5.000,00€ só não ocorreu porque a exequente não restitui as máquinas que estavam penhoradas à ordem de outro processo – fls. 50 a 55.

4.2). Por despacho proferido nos autos ... em 05/06/2012, o Tribunal julgou parcialmente procedente tal oposição e declarou que a quantia por que a execução pode prosseguir é de 25.000,00 € - fls. 57 a 62.

4.3). Dando provimento a recurso interposto pela exequente, o Tribunal da Relação do Porto, em 22/01/2013, revogou tal decisão ordenando o prosseguimento da execução pelo capital de 150.000,00€ - fls. 97 a 104.

4.4). As executadas, aqui Autoras, através do Réu, recorreram de tal decisão do Tribunal da Relação do Porto para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo que o legal representante das executadas, aqui Autoras, sem intervenção do aqui Réu, desistiram de tal recurso por requerimento de 13/03/2014, homologada a desistência em 10/04/2014 – fls. 350 e 351 verso.

4.5 Tal desistência teve por base acordo efectuado entre as executadas e exequente no processo ... junto a tais autos em 11/03/2014, conforme fls. 340 verso e 341, efectuado sem intervenção do aqui Réu.

4.6) Neste processo executivo ... foram penhorados os mesmos dois bens móveis referidos em 2.4) em 07/10/2011, na mesma data em que iriam ser restituídos à executada por força do referido em 2.4) e 2.5) – fls. 288 verso e 289 verso.

No item 6 e 7 foi dado como provado que em 7/10/2011, GG, como representante das AA. (a aqui A) deslocou-se às instalações da “D..., Lda" e aí se encontrava um Agente de execução que fez saber que os bens em questão estavam penhorados agora à ordem do processo nº ....

E no item 8 que o mesmo Agente de execução apresentou aos gerentes da A. um conjunto de documentos, dos quais resultavam que a acção em causa tinha como quantia exequenda 274.833,89 €.

No item 9, que o R. (Dr. BB) informou as AA que ia deduzir oposição a tal execução.

No item 9.1 - o R. (Dr. BB) informou as AA. em 11/10/2011 que tinha comunicado ao Mandatário da D..., após a realização do acordo de 31/05/2011 que A... iniciaria o pagamento das prestações tão logo quando recebesse as máquinas como era vontade do seu legal representante.

Porém na mesma Sentença foram dados como não provados os itens 1 a 24, que se reproduzem da seguinte forma:

1) O representante das Autoras tenha contactado o Réu para saber como actuar no pagamento da primeira prestação que se vencia no final do mês de Junho de 2011 e para ser esclarecido sobre como seriam devolvidos os equipamentos penhorados no âmbito da acção executiva que também findava - nomeadamente se era a A... que tinha que os ir buscar à D... ou o contrário.

2) O réu tenha referido que tinha ficado ajustado entre ele e o mandatário de D... que o pagamento da primeira prestação do acordo celebrado só se efectuaria simultaneamente com a entrega dos bens penhorados e que tenha ficado de contactar com o mandatário de D... para transmitir depois às Autoras os pormenores no que à devolução dos bens dizia respeito.

3) Aproximando-se o dia 30/06/2011 sem que o Réu lhes transmitisse essa informação, e por isso, sem que as Autoras soubessem como actuar, voltavam (através do seu gerente) a contactar, telefonicamente, com o Réu, o qual, ainda no dia 27/6, reafirmou ao gerente das Autoras que nada havia a pagar enquanto não fossem entregues as máquinas, tal como ajustado entre mandatários.

4) Por isso, de harmonia com as indicações do Réu, no dia 30/06/2011 as Autoras nada pagaram a D....

5) No dia 01/07/2011 o gerente das Autoras, preocupado, tenha voltado a procurar o Réu, perguntando-lhe se, para evitar problemas, não seria melhor pagar mesmo sem levantar as máquinas tendo o Réu, contrariado com tal sugestão, insistido que a única situação que aconselhava era não pagar e aguardar a resposta de um novo contacto dele com o seu colega, ao que as Autoras anuíram.

6) No dia 07/10/2011, GG tinha sido avisado pelo aqui Réu para se deslocar às instalações de D... com vista ao levantamento dos bens penhorados da 2.ª Autora e pagamento da primeira prestação do acordo.

7) Nesse dia 07/10/2011 a agente de execução, nas instalações de D... tenha referido ao legal representante das aqui Autoras que a falta de pagamento da prestação vencida em 30 de Junho tinha provocado o vencimento de toda a quantia devida (25 000 EUR) e que apenas com o pagamento no acto de tal quantia a D... é que poderiam ser entregues os bens penhorados sendo que, caso contrário, a execução prosseguiria os seus termos.

8) As Autoras tenham ficado surpreendidas com a penhora de 07/10/2011 e tenham de imediato contactado telefonicamente o Réu o qual se insurgiu contra a apresentação da nova acção executiva e tenha referido que ia apresentar queixa no órgão competente da Ordem dos Advogados contra o actuar do mandatário da empresa D..., por violação do estatuto da ordem profissional que vincula todos os advogados nas suas relações com os colegas, os clientes e as demais partes processuais com quem interagem.

9) As Autoras não tenham tido conhecimento que a condição que suspendia a sua obrigação de pagamento perante a D... no sentido de que a quantia de 25.000 EUR só seria paga aquando do recebimento dos bens penhorados não tinha ficado redigida na transacção referida em 2.1), dos factos provados.

10) O Réu tenha confessado que tinha confiado no colega advogado de D... que o enganou e que assumia a responsabilidade de todos os prejuízos, que tinha seguro e que esse dito seguro servia para isso mesmo mas que antes tudo tinha de ser feito para repor a legalidade do que era devido pagar pelas aqui Autoras.

12) A... - Sistemas Electrónicos, Lda só tenha aceite que o Réu a representasse no processo de insolvência referido em 5), dos factos provados por o Réu alegar que nisso fazia ponto de honra e a aqui Autora acreditar que o mesmo se responsabilizaria, caso o resultado das demandas lhes fosse desfavorável, coisa a que, eventualmente, se negaria caso o afastasse do processo.

13) O acordo referido em 4.5) dos factos provados se tenha materializado na compra de uma participação social no capital da sociedade D..., Lda, pretendendo, por essa via, criar-se um activo apetecível como «moeda» para o detentor do capital investido naquela sociedade.

14) O Réu, quando a compra da participação social lhe foi anunciada pelo gerente das Autoras, tenha concordado com a estratégia mas sempre como plano alternativo.

15) A manutenção das lides judiciais com D... tenha gerado perguntas por parte de banca e fornecedores.

16) As Autoras tenham invocado junto do Réu que havia alteração das condições de crédito no que à taxa de juro de que beneficiavam, o corte da linha de crédito por parte do Banco 1..., no valor de 100.000 EUR para apoio à tesouraria, elevados custos que a manutenção de tantas lides estava a causar, dificuldades que a petição de insolvência provocou nos fornecedores das Autoras.

17) O Réu tenha ignorado o referido em 16) invocando que as sociedades seriam ressarcidas de todas estas perdas.

Não se prova:

18) O efeito da penhora de crédito efectuada no âmbito de execução junto do principal cliente das Autoras – C... Portugal (fls. 489) –, a qual de imediato após a penhora, contactou a gerência das Autoras para lhe fazer saber que, ou a situação se resolvia num curto espaço de tempo ou deixava de contar com as autoras entre as suas fornecedoras.

19) A percentagem de que as Autoras dependiam de C... Portugal quanto à sua capacidade produtiva.

20) A perda de C... Portugal como cliente pelas Autoras corresponderia à imediata insolvência destas.

22) A gravidade da situação criada e o autismo do Réu tenham levado a que as Autoras actuassem por si pedindo tolerância à sua cliente C... e assumissem, com mais premência a 2ª Autora, o atraso no pagamento de alguns compromissos (mesmo de natureza fiscal) e encetassem o processo negocial com D....

23) O sócio e legal representante das Autoras teve de pedir dinheiro emprestado ao seu pai para despender do valor de 25.761,45 EUR em pagamento na horta da celebração da transacção.

24) A 2ª Autora, devido ao Réu, tenha tido encargos com o atraso no pagamento de outros compromissos com o Fisco – 11.303,3 EUR.

Na justificação dos factos não provados, o M.º Juiz fundamentou que:

Os dois primeiros factos reportam-se ao tipo de acordo que possa ter existido entre o Réu e o seu colega advogado de D... sobre o momento em que se iniciaria o Pagamento da 1ª prestação do acordo mencionado em 2.1), dos factos provados.

Tal acordo, efectuado no processo ..., homologado por despacho de 03/06/2011 estipulava que a 1ª prestação teria de ser paga em 30/06/2011.

Ora, em primeiro lugar, não se tem nos autos qualquer missiva do mandatário de D... de onde se pudesse retirar que tivesse efectivamente ficado ajustado entre ele e Réu que o pagamento de tal prestação se faria com a entrega das máquinas.

Também não prestou o advogado de D... depoimento nestes autos.

Assim, desconhece-se o que um dos interlocutores possa ter acordado ou não com o Réu.

Em segundo lugar, o que o Réu refere no indicado mail de fls. 490 verso, datado de 11/10/2011 é que tem feito transmitir ao seu colega que as Autoras fariam os pagamentos quando recebessem as máquinas o que significa que era essa a intenção das Autoras e assim o Réu o transmitiu, não que tal tivesse assim sido acordado.

Os depoimentos das testemunhas das Autoras em julgamento, apesar de nalguns casos (II, EE) reflectirem essa pretensão, foram interessados, pouco isentos, procurando demonstrar que o Réu assumia a culpa de uma falta de lisura do seu colega (mandatário da D...) a qual não está comprovada minimamente nos autos que tenha sucedido.

O que se denota ou pelo menos se pode indiciar é que as Autoras, através do seu legal representante, queriam que o pagamento das prestações do acordo só se iniciasse com a entrega das máquinas penhoradas favor de D..., algo que o Réu transmitiu mas que não está vertido no acordo nem há qualquer documento de onde tal possa ressaltar como tendo sido acordado.

E daí que as alegadas dúvidas das Autoras sobre quando podiam ir buscar as máquinas também não se apuraram pois em Agosto de 2011 o Réu já tinha enviado mail à solicitadora de execução a pedir para se marcar a data da entrega, referindo que o seu colega advogado mencionou que D... estava disposta a entregar as máquinas – fls. 412 e 413 -, referindo até o Réu que a sua cliente colocava o meio de transporte adequado ao transporte, isto em 06/09/2011, conforme mail a fls. 412.

Ou seja, não se afigura que o Réu não fosse informando as Autoras sobre o que se estava a passar, com possíveis data para restituição pois a sua oposição em relação a tais bens era a de procurar a sua restituição, como também fez judicialmente – fls. 466 verso a 468 – e fez pelos referidos mails.

As Autoras procuraram demonstrar que o Réu é que foi atrasando a data para pagamento da primeira prestação que as primeiras queriam pagar, algo que não tem sustento suficiente, na nossa opinião, no depoimento do legal representante das Autoras nem em qualquer documento nos autos.

O que se afigura é que o legal representante das Autoras só queria pagar a primeira prestação recebendo as máquinas e daí que o Réu procurasse «convencer» a parte contrária desse facto e se tenha eventualmente colocado essa hipótese mas um «caminhar desencontrado» entre Autoras e Réu nesta questão é algo que pensamos que não teve prova em julgamento nem nos autos.

Daí que não tenha havido igualmente prova de que a falta de pagamento da prestação em Junho só se deveu ao Réu já que não há elementos objectivos ou subjectivamente fortes para concluir que as Autoras queriam pagar e o Réu é que não permitiu, afigurando-se antes que o Réu procurou defender a posição das Autoras junto da parte contrária.

Outra questão relaciona-se com interpretação do acordo que as partes celebraram em Maio de 2011, algo que será apreciado em sede de fundamentação de direito.

Não houve prova sobre como o legal representante das Autoras foi avisado para comparecer na entrega, se no próprio dia, se pelo Réu ou outra pessoa, sendo insuficiente para tal o depoimento daquele.

Sobressaindo que o M.º Juiz considerou que “não tinha havido igualmente prova de que a falta de pagamento da prestação em Junho só se deveu ao Réu que já não há elementos objectivos ou subjectivamente factos para concluir que as AA. queriam pagar e o Réu é que não permitiu, afigurando-se antes que o Réu procurou defender a posição das AA. junto da parte contrária”.

Mais especificou o M.º Juiz que “o acordo em causa já produziu todos os seus efeitos sendo que na perspectiva do A. o momento de pagar era o de restituição dos bens que lhe tinham sido penhorados e não uma data fixa.

Mais uma vez, não se prova tal matéria, ou seja, que alguma vez se tenha acordado tal simultaneidade.

Também não se prova que fosse essa a vontade inicial da Autora, que assim o tenha transmitido ao Réu e que este tenha obtido o acordo da parte contrária (D...) e mandatário e que depois este tenha engando o Réu.

“Quanto ao aconselhamento errado do Réu à Autora no sentido que informara o legal representante para não pagar na data fixada no acordo por que assim tinha combinado com o Advogado da D..., tal matéria não se apura.

29) A ora Ré decidiu interpor Recurso desta decisão, com transcrição do julgamento e com o uso de documento superveniente, que considerava ser de molde a alterar a matéria de facto e ser revogada a Sentença, com a prolação de Acórdão que julgasse a acção procedente por provada.

30) Nas alegações a ora Advogada com a transcrição dos depoimentos em julgamento escalpelizou, ponto por ponto, os factos que não foram dados como provados, pugnando que fossem alterados para provados.

31) Quanto ao documento que juntou nas Alegações, era a correspondência havida entre o Dr. BB e a ora A., e como Mandatário da “D...”.

32) E refere nas alegações – pág. 50 – “o teor do documento junto apenas coloca” na boca do Apelado (Dr. BB) aquilo que o tribunal “a quo” ouviu da boca das testemunhas e da boca do representante da Apelante.

33) A Ré solicitou ao Conselho Regional da Ordem dos Advogados do Porto que fosse concedida autorização para usar a correspondência entre o Dr. BB, o ora A. e o Mandatário da D....

34) O Conselho Regional do Porto deferiu o pedido e autorizou a ora Ré a juntar aos autos, a correspondência datada de 11/10/2011 em que é remetente “BB – Advogado” e destinatário “GG – GG.........@A....., bem como os anexos, mensagens reencaminhadas, trocadas entre o Sr. Dr. BB e o Sr. Dr. CC e a agente de Execução Sra. Dra. JJ, que tudo ora se junta para os devidos e legais efeitos como doc.s 8-A e que se dá por integralmente reproduzida.

35) Nesse mail de 11/10/2011 para o sócio gente da A. diz o Sr. Dr. BB:

“Recebi toda a documentação em Tribunal e há mais de um ano, com base na Sentença (Acórdão) da Relação a execução foi anulada e foi dada ordem de levantamento da penhora das máquinas e da conta bancária.

Durante um ano andaram a brincar connosco.

Logo que efectuamos o acordo no Tribunal (31 de Maio) passei a informar o Dr. CC que a A... iniciaria pagamentos das prestações tão logo recebesse as máquinas;

As comunicações estão aí escritas.

Tudo na mesma e continuaram a adiar a entrega das máquinas.

Mais acrescenta nesse mail que:

“PROCESSO DE INDEMNIZAÇÃO: temos legitimidade para contra-atacar com processo de pedido de indemnização porque retiraram ilegalmente e ilegitimamente as máquinas mais de um ano após ter sido levantada a penhora por Sentença do Juiz. Por mim é de avançar!”

No aludido e-mail de 11/10/2011 que o dito Dr. BB envia ao Dr. CC diz expressamente:

“Ilustre Colega:

No entender da minha constituinte e meu, o acordo celebrado era para pacificar as relações entre as duas empresas D... e A...…

Nas minhas comunicações, desde a data do acordo, era indicado que a A... iniciaria pagamentos logo que recebesse as máquinas. Claro que tal não ficou escrito em Tribunal, nem na sentença do acordo homologado (por excesso de cortesia da minha parte face à pacificação aparente).

36) No e-mail do Dr. BB para o Dr. CC de 15/6/2011 diz-se:

“… o tempo está a passar, o fim do mês está a chegar e o meu cliente estranha tanta demora para marcar a devolução das máquinas…. O pagamento da primeira prestação estará dependente da devolução das máquinas em questão”.

37) No e-mail do Dr. BB de 2 de Junho de 2011 ao Solicitador de Execução diz “Informo que foi efectuada transacção, na passada 2ª feira, entre as partes, pondo termo a todos os processos pendentes, incluindo acima mencionado…”.

38) Com a dilação dos 3 dias e com mais os 10 dias por causa da impugnação da matéria de facto, com uso da gravação da audiência e invocação dos depoimentos em que se baseava o Recurso para alterar as respostas à factualidade, as Alegações tinham de ser enviadas para o Tribunal até ao dia 15/10/2018.

39) Porém, as Alegações apresentadas pela R apenas entraram em Juízo em 23/10/2018 às 00,01,264 horas – doc. 8 – pág. 1.

40) Em 25/10/2018, a ora Ré é notificada pelo Tribunal para se pronunciar sobre a alegada extemporaneidade das Alegações – doc. 9.

41) Em 29/10/2018, a ora Ré responde e invoca justo impedimento com os argumentos que constam do requerimento junto como doc. 10.

42) Porém, por Despacho de 12/11/2018, o M.º Juiz indeferiu o justo impedimento, bem como o requerimento de interposição de Recurso – doc. 11.

43) A ora Ré ainda interpôs Recurso da Sentença que indeferiu o justo impedimento em 17/12/2018 - doc. 12.

44) Entretanto, o Dr. BB em 10/12/2018 apresentou a Nota Justificativa das Custas de Parte no valor de 5.125,80 € - doc. 13 - e que o ora A. pagou por transferência para a conta da ora Ré - doc. 13-A.

45) Até que em 7/1/2019, a ora Ré acaba por desistir do Recurso sobre o justo impedimento - doc. 14.

46) Por Despacho de 14/01/2019 o Mº Juiz da Instância Central Civil do Porto – J5, Proc. ..., manda arquivar os autos - doc. 15.

47) Em 5/12/20128, a ora Ré é notificada para pagar as custas do processo no valor de 1.740,00 € + 51,00 € - doc. 16 - que veio a liquidar em 7/1/2019 - docs. 17 e 18.

48) A A. teve:

- Custas da Acção movida ao Dr. BB:

2.550,00 € + 1.740,00 € + 51,00 € = 4.341,00 € - docs. 17 e 18.

- Custas de Parte pagas à parte contrária:

5.215,80 € (ut doc. 13) e 13-A

- Transcrição da gravação do julgamento... 683.03 €

- Honorários pagos à ora Ré... 3.000,00€

49) O litígio com a D... Lda. envolvia as sociedades, A A... – Assistência Técnica de Alarmes, Lda., e a A... – Sistemas Electrónicos, Lda, que tinham uma estrutura societária comum e objectos sociais e negócios complementares.

50) E a quem aquela sociedade D... imputava à A... – Sistemas Electrónicos (a quem recorrera para prestação de serviços no domínio de sistemas de alarme auto da marca ...”):

a) 1 - a violação de um dever contratual de confidencialidade sobre obrigações transmitidas pelo fabricante, registos, estatísticas, esquemas e documentos técnicos;

a) 2 - a violação do dever contratual de não usar conhecimentos adquiridos ao longo da sua vigência e a manter aquela confidencialidade;

a) 3 - a violação de um dever contratual de não prestação de serviços de assistência técnica a produtos de marcas concorrentes

e,

b) - A ambas estas sociedades (à A... Assistência Técnica e à aqui autora), em actuação conjunta e em conjugação de esforços:

b)1 - a produção e comercialização de alarmes em contraven-ção ao dever sigilo, dever de não concorrência e ainda em vio-lação das garantias decorrentes do registo de marcas e patentes, reproduzindo os modelos pertencentes à D...;

b)2 – A constituição (posterior) da ora ré como modo afastar os limites contratuais impostos àqueloutra A... e

b) 3 – Num quadro em que ambas as “A...” tinham sócios e gerência comuns, funcionavam em instalações contíguas, comungavam de trabalhadores, clientes e fornecedores, a conjugação de esforços para produzir os modelos de alarme pertencentes à D..., com a intenção de a prejudicar;

bem como e ainda, por último,

b) 4 - A ocorrência de perdas patrimoniais em resultado da actuação da A... que então quantificava em Eur 150.000,00, formulando também pedido de condenação das A... a absterem-se da continuação da prática dos ilícitos que lhe vinham imputados, Cfr DOC 4.

51) Quer a A... - Assistência Técnica de Alarmes, Lda., quer a aqui autora, confessaram aqueles pedidos na acção que lhes moveu a sociedade D..., Lda., reconhecendo a sua actuação ilícita, Cfr Doc 1 junto pela autora na sua PI

52) Estes pedidos confessados articulam-se e complementam a tramitação de uma providência cautelar previamente requerida pela D... contra as mesmas A..., em que se requeria que cautelarmente fossem estas condenadas a absterem-se de fabricar e comercializar os equipamentos em litígio.

53) A acção judicial instaurada contra o Dr. BB foi distribuída com o n.º ..., ao Juízo Central Cível do Porto - Juiz 5, discutia-se uma eventual responsabilidade civil profissional de advogado do advogado ali réu, pelos factos e nos termos melhor descritos na petição inicial cuja cópia está junta aos autos pela autora.

Os pedidos formulados nesta acção foram os seguintes:

a) Ser o réu condenado a pagar às autoras a quantia de Eur 250.000,00, a título de dano patrimonial;

b) Ser o réu condenado a pagar às autoras a quantia de Eur 100.000, a título de dano não patrimonial.

c) Ser o réu condenado a pagar às autoras juros vencidos desde a citação até integral pagamento, calculados à taxa legal, sobre o valor de Eur 350.000,00.

54) Os e-mails trocados entre o Sr. Dr. BB e o Sr. Dr. CC vieram ao conhecimento da ré apenas nos dias imediatamente antecedentes ao depoimento de parte do gerente das ali autoras, tendo sido omitidos à ré, não lhos tendo a autora facultado, atempadamente.

55) A junção desses e-mails com a interposição de recurso da decisão proferida em primeira instância, não iria ser admitida (apesar de ter sido levantado o sigilo profissional a que tais mensagens estavam sujeitas).

56) Pois não havia prova da superveniência na obtenção de tal documento, cuja apresentação era, pois, extemporânea, impondo-se decisão do desentranhamento desse documento.

57) O gerente das A... foi sempre um interlocutor difícil, era vago das informações que dava, não conseguia quantificar valores.

Não dispunha de comprovativos dos valores que reclamava como prejuízo,

Não facultava documentos referentes a tais valores,

Em cada momento trazia novas informações, dispersas, avulsas,

E por isso a petição inicial subscrita pela ré contém alegações ambíguas,

Sem uma concreta demonstração documental dos factos alegados,

Alegando-se ali danos na esfera jurídica de ambas as autoras,

Formulando-se um pedido único de condenação a favor de ambas as autoras,

Por não se saber em quanto e a que título, na verdade, cada uma das A... foi alegadamente lesada.

A dificuldade da ré aceder a toda a informação pertinente decorre também dos sucessivos requerimentos apresentados no processo a juntar certidões judiciais,

Tendo sido a ré até surpreendida, já na fase final do processo, com a notícia da dissolução e liquidação da A... - Assistência Técnica de Alarmes, Lda, ocorrida na sequência da assembleia geral respectiva de 28 de Dezembro de 2015, em que se declara que a sociedade naquela data não tem activo nem passivo, Cfr. DOC 5

58) A ré comunicou à autora o teor da sentença, o seu gerente acordou com a ré na interposição de recurso, liquidou taxa de justiça e não expressou qualquer reparo relativamente aos e-mails em apreço, nomeadamente quanto a qualquer omissão na sua junção, mesmo sabendo que na fase de julgamento esse documento não estava no processo.

59) As máquinas dadas em pagamento eram usadas e idosas.

60) A Ordem dos Advogados, na qualidade de tomador do seguro, contratou com a 3.ª Ré B... um seguro de grupo de responsabilidade civil profissional dos Advogados – titulado pela apólice n.º ...1... - no qual são entidades seguradas, entre outras, os Advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados que exerçam a atividade em prática individual ou societária, com responsabilidade assegurada até ao montante de €150.000,00 por sinistro, com uma franquia no montante de €5.000,00,com início em 01/01/2018, tendo sido renovada para os anos civis de 2019, 2020, 2021, conforme doc. 8 da contestação.

61) A R. subscreveu apólice de reforço do aludido seguro, em 19/12/2019, pela apólice ...16, reforçando o capital de risco em €600.000,00, para um capital total de €750.000,00, conforme doc. 9.

62) As duas sociedades “A...” conferiram mandato para a instauração de uma acção contra o Sr. Dr. BB, nos termos constantes do doc. 3 da contestação, na sequência da qual foi paga a provisão por honorários cujo reembolso a autora pretende.


*

2.2. Factos Não Provados

O Tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos:

a) A A. não tenha tido previamente conhecimento dos termos do acordo referido em 5).

b) Só na data referida em 11) é que a A. ficou a saber que a condição de simultaneidade de pagamento e entrega dos bens, não estava redigida no acordo.

c) Aquando do referido em 13) o Dr. BB tenha dito que assumiria todos os prejuízos que causasse à ora A. pois tinha seguro profissional, mas que iria participar dele à Ordem dos Advogados.

d) A A. dependia em termos de facturação em 70% da C... Portugal.

e) O GG tenha pedido emprestado ao pai € 25.761,45.

f) O referido em 15) tenha causado um atraso no pagamento de obrigações fiscais de 11.303,13€, corte de linha de crédito do Banco 1... de 100.000,00€, agravamento das taxas de juro.

g) Quando a Ré conseguiu obter do Conselho Distrital do Porto a autorização para a junção da correspondência do Dr. BB, contactou a A. afirmando que era tudo o que necessitava para revogar a Sentença da 1ª instância e revertê-la a favor da A..

h) E que essa correspondência era a pedra que faltava para alicerçar a responsabilidade do Dr. BB e, que a A. ia ser indemnizada de todos os danos que as faltas profissionais do Dr. BB lhe causara.

i) A A. tenha tido danos patrimoniais no valor de 250.000,00€.


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3. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar e decidir:

Das conclusões formuladas as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que as questões a resolver no âmbito do recurso principal interposto pela Autora, não se podendo falar de falta de conclusões, ao invés do sustentado pela Ré/Apelada, são as seguintes:

- Da impugnação da matéria de facto;

- Da verificação dos pressupostos de responsabilidade civil e da perda de chance.

Por sua vez, as questões a resolver na ampliação do objecto do recurso requerida pela Ré, a apreciar, apenas, a título subsidiário, em caso de procedência do recurso da autora, são as seguintes:

- Da impugnação da matéria de facto.


*

4. Conhecendo do mérito do recurso:

4.1. Da impugnação da Matéria de facto

A Autora/apelante em sede recursiva manifesta-se discordante da decisão que apreciou a matéria de facto, relativamente aos factos provados sob os pontos 54, 55, 56, 57, 58 e 59, bem como aos factos não provados constantes das alíneas a) a i) dos factos não provados.

Vejamos, então.

No caso vertente, mostram-se minimamente cumpridos os requisitos da impugnação da decisão sobre a matéria de facto previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, ao invés do sustentado pela Apelada, nada obstando, por isso, a que se conheça da mesma.

Entende-se actualmente, de uma forma que se vinha já generalizando nos tribunais superiores, hoje largamente acolhida no artigo 662.º do Código de Processo Civil, que no seu julgamento, a Relação, enquanto tribunal de instância, usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (artigo 655.º do anterior Código de Processo Civil e artigo 607.º, n.º 5, do actual Código de Processo Civil), em ordem ao controlo efectivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efectiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece.

Como refere A. Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 224 e 225, “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”.

Importa, pois, por regra, reexaminar as provas indicadas pela recorrente e, se necessário, outras provas, máxime as referenciadas na fundamentação da decisão em matéria de facto e que, deste modo, serviram para formar a convicção do Julgador, em ordem a manter ou a alterar a referida materialidade, exercendo-se um controlo efectivo dessa decisão e evitando, na medida do possível, a anulação do julgamento, antes corrigindo, por substituição, a decisão em matéria de facto.

Reportando-nos ao caso vertente constata-se que a Senhora Juiz a quo, após a audiência e em sede de sentença, motivou a sua decisão sobre os factos nos seguintes meios de prova:

“Considerou-se toda a prova documental junta aos autos, designadamente a indicada nas várias alíneas da matéria de facto provada.


***

Ponderou-se a prova testemunhal.

DD.

Técnico electrónica na A. desde há 18 anos.

Foi com o GG (patrão da testemunha) à D... levantar as máquinas, por ter sido feito o acordo.

O GG ligou ao Dr. BB, o qual disse que tinha feito um acordo com o outro advogado e que não era necessário pagar.

As máquinas eram fundamentais para a produção, estiveram em vias de perder o melhor cliente (C...).

O GG tinha uma quota na D... e que teve que dar a quota.

Foi testemunha na acção intentada pela aqui R. Drª HH.

Chegaram a ter os salários atrasados por as máquinas terem estado penhoradas mais de 1 ano.

O Sr. GG teve conhecimento do e-mail no julgamento.

Foi também testemunha no processo de insolvência da A, o qual foi improcedente.

As duas máquinas não voltaram mais para a empresa, tendo comprado, posteriormente, outras máquinas.

As instalações da D... são hoje propriedade da A., dado aquela ter ficado insolvente.

EE.

Trabalhou como operadora na A. de 2006 a 2022, tendo estado algum tempo no escritório.

Quando entrou para a A. foi para trabalhar na Maia e depois foi para ....

A A. fez um acordo com a D... para pagamento em prestações, tendo contratado uma transportadora para transportar as máquinas, mas quando chegaram lá não as deixaram levantar.

Nunca mais viu as máquinas, as quais saíram das instalações da A. quando ainda estavam em ....

Uma das máquinas tinha uma produção muito grande.

A melhor cliente (C...) disse que se não resolvesse o problema tinha de arranjar outro fornecedor.

Chegaram a ter salários em atraso e perderam linhas de crédito de 90 dias, passando os fornecedores a exigir o pagamento a pronto.

Houve uma acção de insolvência contra a A. que foi julgada improcedente, a qual ocorreu após a penhora das máquinas.

Foi testemunha na acção intentada pela R., tendo sido no decurso do processo que o GG (patrão) mostrou os documentos à R. HH.

A C... continua como cliente da A.

A D... faliu e as instalações que eram desta são actualmente da A.

Nunca mais viu as máquinas penhoradas.

A A. depois comprou outras máquinas em substituição das penhoradas.

O Dr. BB dizia que apenas pagavam a 1ª prestação contra a entrega das máquinas.

O GG pediu dinheiro ao pai para ajudar a pagar à D....

Quando as máquinas foram penhoradas ainda ficaram com outras que possuíam menos capacidade de produção.

FF.

Escriturário da A. desde 2005.

A A. mudou-se da Maia para ... e depois voltou para a Maia, para as instalações que eram pertença da D....

O Dr. BB interveio como representante da A. num processo intentado pela D....

O GG deslocou-se para levantar as máquinas, pelo que a testemunha DD lhe transmitiu, o que não conseguiu, tendo o Dr. BB dito que o GG não devia pagar, porque estava acordado o pagamento contra a entrega das máquinas e que tinha sido engando pelo Dr. CC.

A falta das máquinas criou grandes problemas à A., tendo ficado com créditos penhorados, ordenados em atraso, problemas com Bancos.

O pai do GG emprestou-lhe dinheiro, o qual teve dar a quota que possuía na D... para pagar a dívida

Foi testemunha no processo intentado pela aqui R. Dr.ª HH.

Quando foi entregar os documentos ao escritório da Dr.ª AA já tinha havido julgamento e tinham perdido a acção, encontrando-se no prazo de recurso.

A A. perdeu as máquinas, tendo os fornecedores deixado de dar crédito, a produção baixou, perderam uma linha de crédito no Banco 1..., tendo ficado com créditos penhorados.

A testemunha chegou a trocar e-mails com a Dr.ª HH.

O GG comprou a quota na D... a outro sócio.

A A. hoje labora nas instalações que eram da D....

O valor em dívida era de €25.000,00.

KK

Advogado, tendo partilhado gabinete como vogais da Ordem com a R. de ....

Organizou um colóquio em ... em que a R. era moderadora, tendo se deslocado, cerca de 2 semanas antes, ao escritório da R. que não estava no escritório.

Posteriormente ao colóquio a R. ligou-lhe a perguntar se não tinha trazido algum documento com ele, o que verificou ter sucedido por erro, dado ter posto os documentos que levava em cima dos que lá estavam, o qual tinha a ver com o requerimento de recurso e prorrogação de prazo.

LL.

Advogada, tendo dividido o gabinete com a R. na sociedade de advogados.

Os clientes diziam que tinham sido lesados em milhares de euros mas não quantificavam os valores.

A R. pediu os e-mails sobre o lapso da transacção e o e-mail nunca apareceu.

Depois apareceu uma pasta de documentos no escritório já entre sessões de julgamento.

O recurso não teria qualquer viabilidade porque o documento não iria alterar a decisão.

Instada sob o doc. 3 da contestação diz que é a procuração tipo da sociedade.

Tudo que sabe foi o que a R. contou e na procura dos e-mails.

BB

Advogado aposentado.

Foi advogado da A. entre 2003 e 2014.

O acordo era para acabar com os processos (11) que corriam contra a A., porque o sócio-gerente desta tinha sido funcionário da D....

O pagamento dos €25.000,00 era em prestações e visava entregar as máquinas.

O GG sabia de tudo, tendo-lhe enviado o documento do acordo para ele analisar.

Após a análise do documento pelo GG é que a testemunha subscreveu o documento no Citius.

No acordo não ficou consagrado a entrega das máquinas, porque já havia um despacho a dizer para entregar as máquinas, tendo D... estado sempre a enganar o agente de execução.

O doc. 1 da p.i corresponde ao termo de transacção com o Dr. CC subscrito posteriormente pela testemunha.

Não transmitiu ao GG que não devia pagar a 1ª prestação.

O Dr. CC intentou nova execução e penhoraram novamente as máquinas quando já havia uma decisão do Tribunal da Relação há cerca de 1 ano a dizer para entregar as máquinas.,

Ponderaram-se ainda o depoimento de parte da R., nos termos constantes da assentada.

Ponderaram-se as declarações de parte da R. e do sócio-gerente da A. GG.

Algumas considerações cabem ser feitas sobre a prova e os factos provados e não provados.

Relativamente aos pontos 7) e 8) dos factos provados, o Tribunal assentou a sua convicção no teor do e-mail de 11/10/2011 (facto provado sob 35), do qual se extrai que o Dr. BB acordou com o Dr. CC o pagamento das prestações sem ter exarado na transacção a cláusula de salvaguarda de que o pagamento das prestações estavam dependentes da entrega das máquinas.

A propósito atente-se “Logo que efectuamos o acordo no Tribunal (31 de Maio) passei a informar o Dr. CC que a A... iniciaria pagamentos das prestações tão logo recebesse as máquinas.”

No aludido e-mail de 11/10/2011 que o dito Dr. BB envia ao Dr. CC diz expressamente:

“Ilustre Colega:

No entender da minha constituinte e meu, o acordo celebrado era para pacificar as relações entre as duas empresas D... e A...…

Nas minhas comunicações, desde a data do acordo, era indicado que a A... iniciaria pagamentos logo que recebesse as máquinas. Claro que tal não ficou escrito em Tribunal, nem na sentença do acordo homologado (por excesso de cortesia da minha parte face à pacificação aparente).”

Esta versão do texto expressa no e-mail vai ao encontro do afirmado pelo representante da A. GG.

Claro que não houve dúvidas também para o Tribunal que o GG sabia dos termos da transacção, a qual foi transmitida à A., e só após é que foi feita a adesão no Citius pelo Dr. BB, veja-se o depoimento deste, mas as questões são distintas.

Como tal o Tribunal considerou ser de dar por assente tal factualidade.

Relativamente ao momento em que a R. teve conhecimento dos aludidos e-mails, facto provado sob 54), foi evidente para o Tribunal que a R. apenas teve conhecimento dos documentos nos dias imediatamente anteriores ao depoimento de parte do GG, sócio-gerente da aqui A., veja-se as declarações de parte da R., que o tribunal considerou credível, os depoimentos das testemunhas DD, EE e FF.

Em suma, nenhuma dúvida ficou ao tribunal de que a R. apenas teve conhecimento dos documentos em causa já em julgamento, aliás, tal está dentro do comportamento/conduta expressa nos factos provados sob 57.

Relativamente aos factos não provados sob as alíneas a) e b), como já acima foi expendido o Dr. BB comunicava à A. o que se passava nos autos, tendo-lhe enviado os termos da transacção, a qual só foi objecto de adesão após o conhecimento do GG.

Relativamente às alíneas c) a e) h) nenhuma prova credível, designadamente documental foi feita sobre a mesma, pelo que tais factos tinham de ser dados por não provados.

Quanto à alínea f) nenhuma prova existe de que tal factualidade.”.

Tendo presentes estes elementos probatórios e demais motivação, vejamos então se, na parte colocada em crise, a referida análise crítica corresponde à realidade dos factos ou se a matéria em questão merece, e em que medida, a alteração pretendida pela apelante.

Insurge-se a Autora/Recorrente contra tal decisão por entender que o Tribunal a quo valorou erradamente a prova oferecida nos segmentos fácticos atrás referidos.

Vejamos, então, ponto por ponto.

- Do facto dado como provado sob o ponto 54

Consta do referido facto:

“54) Os e-mails trocados entre o Sr. Dr. BB e o Sr. Dr. CC vieram ao conhecimento da ré apenas nos dias imediatamente antecedentes ao depoimento de parte do gerente das ali autoras, tendo sido omitidos à ré, não lhos tendo a autora facultado, atempadamente.”

Pugna a Apelante que o referido facto não deveria ter sido julgado provado.

Está em causa uma troca de emails entre mandatários que, na tese da Apelante são demonstrativos da responsabilidade do advogado visado na acção que precedeu a presente acção (Dr. BB) por deles se extrair a confissão de não ter sido vertido no acordo celebrado no processo ..., 3.º Juízo de Competência Cível da Maia, uma condição de entrega simultânea de bens penhorados com o pagamento da primeira prestação ali acordada.

Segundo a Apelante a junção desses e-mails seria fundamental para o desfecho da acção e até para a procedência do recurso julgado extemporâneo, afirmando que a ré (recorrida) sempre esteve na posse de todos os documentos e correspondência do Dr. BB com o Dr. CC e que falhou quando não pediu autorização em face da contestação para os juntar e quando, depois de ter obtido essa autorização, a junta em sede de alegações de forma extemporânea.

Por sua vez, na pág. 6 do seu recurso, a Apelante dá agora um aprimoramento àquela sua afirmação (de que a recorrida sempre esteve na posse de tais emails) afirmando que o gerente da autora/recorrente sempre lhe deu conhecimento da existência desses emails e do seu teor, imputando à aqui recorrida a omissão do recurso ao regime do art.º 429.º do CPC.

O Tribunal recorrido, porém, no segmento em crise, concluiu em sentido contrário do alegado pela recorrente na petição inicial, nos termos que julgou provados nos factos 54), 55) e 56).

E na análise crítica da prova, o Tribunal declarou, relativamente ao facto 54) que “foi evidente para o Tribunal que a R. apenas teve conhecimento dos documentos nos dias imediatamente anteriores ao depoimento de parte do GG, sócio-gerente da autora”, sublinhando-se, ainda, que as passagens transcritas na motivação do recurso apresentado pela autora não estão completas e que em alguns casos são obliterados pedidos de esclarecimento pelos restantes mandatários cujas respostas seriam relevantes para esclarecimento dos temas em discussão.

Mas vejamos então.

Na alegação que constrói quando se insurge contra a prova dos factos em apreço, a Apelante convoca os seguintes meios de prova: o depoimento de parte da ré AA, o depoimento da testemunha DD, o depoimento da testemunha EE, o depoimento da testemunha FF e o depoimento da testemunha BB.

Sucede, porém, que, da análise crítica do depoimento de parte, das declarações de parte e dos depoimentos prestados pelas referidas testemunhas não se conclui no sentido pretendido pela recorrente.

Assim, relativamente às declarações da ré AA, é necessário sublinhar, conforme resulta da acta da sessão da audiência de discussão e julgamento de 29-01-2024, que foi requerido e deferido que, em tudo quanto não lhe fosse desfavorável, fosse o seu depoimento valorado em sede de declarações de parte, pelo que o Tribunal ficou habilitado a valorar este depoimento não apenas no tocante a matéria confessória, mas também no que respeita aos factos em discussão nos autos.

Ora, relativamente aos emails em discussão a referida ré diz que quando instaurou a acção estava convencida de que tinha todos os dados na mão[1], que enviou cópia de petição ao cliente a qual foi validada e foi-lhe indicado rol de testemunhas[2], que trocou emails com a testemunha FF[3], que os documentos de que dispôs foram os que acompanharam a petição inicial[4], que desde o 1.º dia que o gerente da autora lhe tinha dito que tinha havido o reencaminhamento de um email do Dr. BB referente a uma correspondência trocada com o Dr. CC e que nesse email havia uma expressa confissão do Dr. BB de que tinha a consciência de que tinha falhado - que a transacção estava mal construída[5].

Refere, ainda, que desde o primeiro dia insistiu com o cliente para lhe disponibilizar o email, mais do que tudo para o ler, porque a convicção do cliente sobre a importância do teor desse email poderia não ser a que o cliente lhe atribuía[6], que o Sr. GG nunca lhe disponibilizou o email[7], a não ser posteriormente, uns dias antes da última sessão do julgamento[8].

Além disso, é na circunstância do depoimento de parte do gerente da autora que se coloca a questão de uma junção de documentos, a propósito da qual a ré pede ao cliente que por qualquer meio localize os documentos[9].

Nessa altura, pela primeira vez, o gerente da autora refere que tinha trocado os servidores da empresa e que havia muita correspondência electrónica que tinha ficado perdida[10].

Acrescenta que, dias antes da retoma do julgamento, o gerente da autora levou ao escritório da ré uma/duas pastas com documentos de natureza vária que obrigaram a uma selecção dos mesmos[11] e que vinha nessas pastas um email relativamente ao qual pediu o levantamento de sigilo[12].

Referiu, ainda, que por falta de tempo inerente à tramitação do pedido de levantamento de sigilo, o cliente, em declarações de parte, invocou a existência dos emails, sendo, contudo, impossível requerer-se a junção do mesmo por estar sujeito a sigilo profissional, podendo, assim, redundar a sua junção em nulidade do meio de prova[13].

De resto, essa invocação não foi permitida porque o documento não estava nos autos[14].

Além disso, o depoimento da testemunha LL, corrobora as declarações de parte da ré recorrida[15], quando refere:

“Tenho, e digo “famosos emails” precisamente por isso, porque assisti a vários telefonemas da dra. AA a dizer “Se então existem esses emails, mandem-me esses emails.”. Porque o cliente, ou o gerente, dizia que tinha um email do dr. BB com o colega que patrocinava a outra parte, onde seria visível esse equívoco, ou esse lapso, que não ficou na transação. E a dra. AA pediu-lhe várias vezes, e esse email nunca apareceu até à entrada da ação e primeiras sessões, e ele insistia nisso. Insistia que havia um determinado email, mas nunca veio ao conhecimento. Veio não esse email, mas veio uma pasta de emails (um dossier A4 daquelas argolas) que tinha emails de tudo e um par de botas. Lembro-me disto, porque o julgamento já iria em segunda ou terceira sessão, e veio essa pasta de emails, onde haveria o alegado email que o cliente justificou à época. Eu disse “Ó dra. AA, isso só veio agora?”, e ela disse “O cliente diz que houve um erro informático.”. Não sei se houve ou não. Não juntou, que eu saiba, nenhuma prova disso. E nessa altura, quando essa pasta veio, havia uma sessão de julgamento próxima. E ela, na altura, como também fazia parte do conselho… eu acho que é mesmo do conselho, porque ela, na altura do julgamento, tinha a pasta do apoio jurídico da Ordem, e tinha sempre muitos despachos. E por causa disso, pediu-me “Ó LL, vê se me consegues ajudar a procurar o famoso email nessa pasta.”.

Então, eu estive a ajudá-la a dividir os emails. Naquela pasta tinha emails de assuntos pessoais, divórcio do gerente, emails de outras ações que não tinha nada a ver, tinha emails sobre estas execuções, e lá no meio apareceu um email, que era uma sequência de emails.

Estamos a falar de respostas e contrarrespostas entre colegas, nem sei como é que o cliente teve acesso a essa informação. Estamos a falar de coisas como um advogado dizer “Ó sr. dr.”…

Por sua vez, a testemunha DD, no seu depoimento, foi clara em referir que só ouviu falar “do email” quando o julgamento estava a decorrer[16].

Além disso, a testemunha EE, relativamente aos referidos emails, é clara a referir que os mesmos só foram facultados à ré durante a audiência de julgamento “lembrou-se que tinha isso e trouxe à doutora”, “no decurso do processo vínhamos para o Tribunal e ele trouxe-lhe isso para ela ver”[17].

Ademais, a transcrição do depoimento da testemunha FF não reproduz um aspecto crucial na discussão destes factos: esta testemunha - segundo declara - entregou os emails à Dr.ª AA para esta preparar o recurso[18].

Além disso, a própria autora recorrente junta sob documento 8, contida nas alegações do recurso julgado intempestivo, a reprodução das declarações do gerente da autora no processo que está a montante da presente acção, (que este confirma) onde se lê “há muitos anos e havia emails que eu já não tinha que pedi um, chamei uma pessoa informática e disse-lhe tem que recuperar todos os emails que troquei com o Dr. BB e todos nesses processos e eu tenho aqui vários emails que se me deixarem ler eu posso ler”.

E mais adiante prossegue “Eu não tenho as coisas escritas, mas sabia que nalgum lado, porque eu não sonho, tinha que estar escrito”

Assim, resulta da análise crítica global da prova produzida que os emails em discussão só vieram ao conhecimento da ré recorrida nos dias imediatamente antecedentes ao depoimento de parte do gerente da autora.

De resto, a afirmação deste facto é consentânea com a versão constante do documento 8 junto com a petição inicial (parte inicial do recurso rejeitado) na parte em que vem relatada a questão inerente ao sigilo profissional a que estavam sujeitos os emails em discussão.

Além disso, resulta, também, da prova produzida que os emails em questão podiam afinal ter sido obtidos através do recurso a um informático e se apenas o foram na parte final do julgamento, podia e devia o gerente da Apelante ter diligenciado pela sua obtenção em tempo.

De resto, quer o gerente da recorrente, quer o seu funcionário administrativo, FF corresponderam-se por email com a ré/recorrida e foi pela A... liquidada taxa de justiça para interpor recurso, o que significa que a Apelante teve conhecimento da decisão proferida em 1.ª instância, sem que tivesse mas se insurgido contra a actuação da recorrida no que se refere à questão da junção dos documentos.

Assim, resulta da análise crítica da prova oferecida e produzida que a ré/recorrida sabia apenas que o gerente da autora dizia que existiam emails e dizia que conteriam uma confissão de responsabilidade, mas não acedeu antes do início do julgamento aos mesmos, de modo a poder conhecer o seu teor e apreciar a sua relevância, ficando, por isso, impossibilitada de juntar os referidos emails com os articulados, depois da contestação e após o saneador e até 20 dias antes do julgamento.

Invoca, porém, a Apelante que a Apelada deveria ter-se socorrido do disposto no artigo 429.º do Código de Processo Civil.

Dispõe o preceito em questão que: “Quando se pretenda fazer uso de documento em poder da parte contrária, o interessado requer que ela seja notificada para apresentar o documento dentro do prazo que for designado; no requerimento, a parte identifica quanto possível o documento e especifica os factos que com ele quer provar.”.

Resulta, porém, da análise da prova que os documentos em questão estavam afinal já na posse do gerente da autora antes da instauração da acção contra o Dr. BB e que se não os disponibilizou antes, foi por facto, apenas, a si imputável.

Além disso, a ré recorrida não tinha, até às declarações de parte do gerente da autora, como requerer o que fosse, pois não sabia qual era o conteúdo dos documentos, nem podia aferir da sua relevância para o caso concreto.

De resto, os documentos em causa estavam sujeitos a sigilo profissional, tendo sido necessária autorização para a sua utilização, competindo ao, então, réu BB o dever de escusar-se a juntá-los com esse fundamento.

Assim, nas referidas circunstâncias, não poderia a recorrida, com sucesso, percorrer os trâmites em obediência ao regime previsto no citado preceito legal.

Invoca também a recorrente que a recorrida deveria ter-se socorrido do disposto no artigo 423.º do Código de Processo Civil

Ora, do apurado na prova testemunhal e por declarações emerge que foi requerida autorização para serem usados os referidos emails logo que os documentos chegaram à posse da ré/recorrida, todavia, essa autorização resulta após terminada a audiência de discussão e julgamento no processo ....

Além disso, sendo documentos sujeitos a sigilo, a sua junção nunca poderia ocorrer antes de tal autorização ser concedida, sendo, ainda, certo que os documentos em apreço não são supervenientes (só não foram obtidos ou disponibilizados antes do julgamento por facto imputável à recorrente) e não se demonstra sequer que tenha havido ocorrência que justificasse a sua junção depois de transcorridos os limites temporais previstos no artigo 423.º do Código de Processo Civil.

Assim, resulta do exposto que não estavam verificados os requisitos previstos no artigo 423.º do Código de Processo Civil de modo a habilitar a ré recorrida a requerer a junção dos referidos emails depois dos limites temporais previstos no citado preceito legal.

Destarte, ao contrário do que vem alegado pela Apelante, conforme já referimos, o que se extrai dos autos é que os emails trocados entre o Dr. BB e o Dr. CC vieram ao conhecimento da ré nos dias imediatamente antecedentes ao depoimento de parte dos gerentes das ali autoras, que podiam ter sido obtidos e disponibilizados antes à Ré/Apelada e apenas por negligência do gerente da recorrente não o foram.

Destarte, podendo obtê-los antes e não o tendo feito, omitiu-os à Apelada, que não pôde dispor, analisar e deles extrair a relevância processual respectiva, pelo que não foram facultados em tempo útil, tornando praticamente impossível que a sua junção viesse a ser admitida.

Assim, resulta da prova que a Ré AA, não estava na posse de qualquer e-mail que pudesse ter junto aos autos até à realização do Julgamento. Ademais, não poderia a aqui Ré juntar o referido e-mail sem que o advogado em causa no mesmo (Dr. BB) pedisse - ele próprio - o levantamento do sigilo profissional.

De todo o modo e, por fim, falamos de um e-mail que sequer continha a conversa inteira sobre o tema em causa (o acordo celebrado), mas apenas um único e-mail retirado de uma sequência de tantos outros.

Assim sendo e face ao exposto, julga-se improcedente a impugnação da matéria de facto quanto ao facto provado 54.

- Dos factos dados como provados sob os pontos 55 e 56.

Constam dos referidos factos que:

“55) A junção desses e-mails com a interposição de recurso da decisão proferida em primeira instância, não iria ser admitida (apesar de ter sido levantado o sigilo profissional a que tais mensagens estavam sujeitas).

56) Pois não havia prova da superveniência na obtenção de tal documento, cuja apresentação era, pois, extemporânea, impondo-se decisão de desentranhamento desse documento.”

Insurge-se a Apelante contra a fixação como provados dos referidos factos, invocando tratar-se de factos conclusivos, não assentarem em qualquer facto julgado provado, afirmando, ainda, que a junção de documentos pode ser necessária em função do julgamento proferido na 1.ª instância.

Ora, relativamente ao regime do n.º 1, do artigo 651.º, do Código de Processo Civil a jurisprudência tem entendido de modo uniforme que não é admissível a junção, com a alegação de recurso, de um documento potencialmente útil à causa, mas relacionado com factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova.

Com efeito, tem-se entendido que a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão de 1.ª instância criar pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento, quer quando a decisão se funde em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam[19].

Assim, a Apelada só podia ter procedido à junção dos referidos documentos:

- com a petição inicial, se nessa altura os tivesse na sua posse, o que não foi o caso;

- em requerimento de alteração dos meios de prova, no prazo de dez dias depois de notificada da contestação (nº 6 do artigo 552.º do Código de Processo Civil), se nessa altura a recorrente lhos tivesse facultado, o que não foi o caso;

- até 20 dias antes da do início da audiência de discussão e julgamento, se nessa altura a recorrente os tivesse facultado à requerida, o que também não foi o caso;

- depois disso, se se tratasse de documentos cuja apresentação não tivesse sido possível antes ou se a sua junção se tornasse necessária em virtude de ocorrência posterior - o que não é o caso;

- no recurso, se se tratasse de documento cuja apresentação não tivesse sido possível até àquele momento, o que não é o caso pois não há demonstração de que a autora estivesse impossibilitada antes de recorrer a um informático e de obter os referidos documentos;

- se a junção se tornasse necessária em virtude da decisão em 1.ª Instância, o que também não é o caso.

Além disso, a Apelante teve conhecimento do teor da petição inicial antes da sua apresentação em juízo e nada disse.

De facto, não há qualquer registo escrito que demonstre que a recorrente estivesse a desenvolver esforços para obter os referidos emails, de modo a habilitar a recorrida a protestar pela sua junção e não existe uma única menção precisa das testemunhas, que se demonstram conhecedoras dos factos, sobre mudanças de servidores e tentativas de obtenção dos referidos emails.

Além disso, não existe um único relatório emitido que certifique as circunstâncias e a data e o meio pelo qual que os referidos documentos foram obtidos e de onde se extraia que houve impossibilidade objectiva e subjectiva de os obter antes da data em que o gerente da autora prestou declarações de parte.

De tudo o exposto, teremos que concluir que não estavam reunidos os requisitos para junção de documentos depois de ultrapassados os limites previstos nos artigos 423.º, 425.º e 651.º do Código de Processo Civil.

Significa, pois, que a possibilidade de junção dos referidos emails em sede de interposição de recurso constitui uma especulação de plausibilidade inversamente proporcional ao que ficou exarado como provado nos referidos factos julgados provados.

Refere, ainda, a Apelante, adiantamos, desde já, sem razão que os factos julgados provados 55) e 56) são factos conclusivos, devendo, por isso, ser expurgados dos factos dados como provados.

Como é consabido não é linear traçar uma linha divisória entre facto e direito, impondo-se agir, nesta matéria, com cautela e circunspeção.

Como nos ensina o Prof. Anselmo de Castro,[20] “(…) a linha divisória entre facto e direito não tem carácter fixo, dependendo em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa: o que é facto ou juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são, assim, flutuantes.”

Salienta-se, a este propósito, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13.11.2007,[21] “torna-se patente que o julgamento da matéria de facto implica quase sempre que o julgador formule juízos conclusivos, obrigando-o a sintetizar ou a separar os materiais que lhe são apresentados através das provas. Insiste-se: o que a lei veda ao julgador da matéria de facto é a formulação de juízos sobre questões de direito, sancionando a infração desta proibição com o considerar tal tipo de juízos como não escritos.

Aliás, não pode perder-se de vista que é praticamente impossível formular questões rigorosamente simples, que não tragam em si implicados, o mais das vezes, juízos conclusivos sobre outros elementos de facto; e assim, desde que se trate de realidades apreensíveis e compreensíveis pelos sentidos e pelo intelecto dos homens, não deve aceitar-se que uma pretensa ortodoxia na organização da base instrutória impeça a sua quesitação, sob pena de a resolução judicial dos litígios ir perdendo progressivamente o contacto com a realidade da vida e assentar cada vez mais em abstrações (e subtilezas jurídicas) distantes dos interesses legítimos que o direito e os tribunais têm o dever de proteger. E quem diz quesitação diz também, logicamente, estabelecimento da resposta, isto é, incorporação do correspondente facto no processo através da exteriorização da convicção do julgador, formada sobre a livre apreciação das provas produzidas”.

De resto, além das ocorrências ou eventos reais, a prova também poderá ter por objecto ocorrências virtuais ou factos hipotéticos que são, em bom rigor, não factos mas juízos de facto.

No caso vertente, trata-se de ilações tiradas a partir de factos que correspondem a um resultado previsto por lei[22].

Ora, a redacção dos factos julgados provados em 55) e 56), no caso vertente, consiste numa articulação factos provados-resultado previsto por lei, sendo, pois, admitido ao julgador redigi-los nos termos em que o fez, assentando no facto 54) dado como provado.

Por outro lado, se atentarmos nos termos da sua redacção, da mesma é possível extrair, pelo menos uma realidade que constitui materialmente um facto e que enquadra os demais juízos de facto que com plausibilidade podem ser havidos como factos julgados provados: “não havia prova da superveniência na obtenção de tal (ou tais) documento(s)”

Assim sendo, julga-se, também, improcedente a impugnação da matéria de facto relativamente aos factos 55 e 56.

- Do facto dado como provado sob o ponto 57

Consta do referido facto:

“57) O gerente das A... foi sempre um interlocutor difícil, era vago das informações que dava, não conseguia quantificar valores.

Não dispunha de comprovativos dos valores que reclamava como prejuízo,

Não facultava documentos referentes a tais valores,

Em cada momento trazia novas informações, dispersas, avulsas,

E por isso a petição inicial subscrita pela ré contém alegações ambíguas,

Sem uma concreta demonstração documental dos factos alegados,

Alegando-se ali danos na esfera jurídica de ambas as autoras,

Formulando-se um pedido único de condenação a favor de ambas as autoras,

Por não se saber em quanto e a que título, na verdade, cada uma das A... foi alegadamente lesada.

A dificuldade da ré aceder a toda a informação pertinente decorre também dos sucessivos requerimentos apresentados no processo a juntar certidões judiciais,

Tendo sido a ré até surpreendida, já na fase final do processo, com a notícia da dissolução e liquidação da A... - Assistência Técnica de Alarmes, Lda., ocorrida na sequência da assembleia geral respectiva de 28 de Dezembro de 2015, em que se declara que a sociedade naquela data não tem activo nem passivo, Cfr. DOC 5”

Sustenta a Apelante que não foi produzida prova capaz de habilitar o Tribunal a julgar provado o referido facto.

Crê-se, todavia, que a referida resposta ao referido ponto da matéria de facto também não nos merece reparo.

Com efeito, no seu depoimento de parte, o gerente da Apelante foi contraditório. Na realidade, fez declarações convictas quanto ao momento em que entregou os emails em discussão à recorrida, para depois afirmar como correcto o teor das suas declarações reproduzidas no introito do recurso interposto da decisão que absolveu o Dr. BB.

De resto, o relato quanto ao modo como os referidos emails chegaram à posse da requerida levam-nos a extrair idêntica conclusão.

Além disso, o depoimento da testemunha LL é elucidativo quanto ao esforço necessário para “compor o puzzle” relativamente à versão dos factos necessários para instaurar a acção contra o Dr. BB, e na obtenção dos documentos e certidões necessários para esse efeito.

Assim, resulta do referido depoimento[23] que:

“O cliente veio por nomeação, era uma ação intentada contra um colega nosso, o dr. BB, se não estou em erro, porque terá havido um lapso ou uma transação mal redigida, ou que não foram acautelados os interesses destas empresas, porque o patrocínio visava mais do que uma entidade. E, na opinião dos senhores, haveria aqui um erro do nosso colega e, portanto, queriam exigir responsabilidade ao mesmo, por causa disso. Eu sei que era um assunto que a dra. AA tinha sempre muito presente, e nós partilhávamos secretária com secretária, acabava inevitavelmente por ouvi-la a falar ao telefone ou assim, não que eu tivesse uma intervenção direta na redação da ação. Sei que isto implicou várias reuniões com os clientes.

Essencialmente, eles iam por força desse erro de transação, pois tinham tido muitos prejuízos, que as empresas tinham ficado lesadas. A determinada altura, quando a dra. AA estava a concluir as minutas da DPI, debatemos uma questão de ideias, porque os clientes transmitiam que tinham sido lesados em milhares de euros, mas não conseguiam quantificá-los. Ou seja, sempre que ela pedia elementos para isso, eles não conseguiam substanciar a pretensão. Não havia elementos, diziam que tinham feito a tal transação que envolvia uma entrega de umas máquinas, e que, por causa dessa falha de entrega, ou disso não ter sido previsto, tinham perdido milhares de euros, e não conseguiam provar. A dra. AA tinha muita dificuldade em perceber a lógica disto, porque eles transmitiam que, com a empresa com quem tinham feito a transação, já não era a primeira transação, que isso já vinha de mais do que uma execução, e que tinha havido vários acordos pelo meio em execuções e em processos diferentes. Ou seja, queria quantificar, e tinha muita dificuldade em transmitir isto, porque quando metemos elementos muito vastos, é difícil…”.

De resto, mais à frente[24] refere:

“Pergunto-lhe se a ideia com que ficou era de que as informações que eram dadas não eram informações rigorosas?

Não eram substanciadas, não permitiam um raciocínio lógico, um encadeamento. E essencialmente esta questão dos prejuízos. A dra. AA não conseguia substanciar. Eu até tinha a minha opinião muito direta acerca do assunto, é que não era viável com os dados que eles deram. Eu nunca tinha metido a ação, mas o patrocínio era dela, a nomeação era dela, e ela achou que teria, ainda assim, elementos que lhe permitiam.”

Além disso, leva-nos a extrair idêntica conclusão a omissão da informação de que uma das autoras tinha sido liquidada.

Assim, decorre do depoimento da testemunha LL[25] que:

“Eu até me recordava de outro elemento. O cliente era tão vago na forma como transmitia, que eu até me lembro perfeitamente de ter começado o julgamento - e eu não intervim em nenhuma sessão de julgamento - e a dra. AA, numa dessas sessões, chegar esbaforida, a dizer “Eu não acredito que eles não me disseram isto.”. Eu perguntei “Então, como correu o julgamento?”, pergunta normal e habitual que fazemos uns aos outros, e ela disse “Então não é que eles dissolveram e liquidaram uma sociedade, e não me disseram nada?”. Eu até brinquei e disse “Então matam a pessoa e não lhe dizem?”, e ela “É verdade, é que eu assim nem posso habilitar os sócios, não me disseram nada.”. Portanto, era um cliente que tinha esta dificuldade. Não estou a dizer que seja deliberada, mas que tinha esta dificuldade de transmitir tudo quando se passava, ou achava que os advogados tinham que, por inerência, saber as coisas. Isto ficou-me, porque ela ficou mesmo chateada de não saber dessa liquidação da sociedade”.

Resulta, ainda, dos autos a falta de elementos documentais que permitam confirmar os valores correspondentes aos prejuízos alegados.

Afigura-se-nos, por isso, não merecer reparo a resposta dada ao referido ponto da matéria de facto.

Assim sendo, julga-se, também, neste segmento improcedente a impugnação da matéria de facto.

- Do facto dado como provado sob o ponto 58

Consta do referido facto:

“58) A ré comunicou à autora o teor da sentença, o seu gerente acordou com a ré na interposição de recurso, liquidou taxa de justiça e não expressou qualquer reparo relativamente aos e-mails em apreço, nomeadamente quanto a qualquer omissão na sua junção, mesmo sabendo que na fase de julgamento esse documento não estava no processo.”

Insurge-se a Apelante contra o segmento do referido facto julgado provado relativamente à ausência de protesto.

Assim, não impugna a Apelante que a ré deu conhecimento ao seu gerente da recorrente da sentença proferida na acção contra o Dr. BB e que o gerente acordou na interposição de recurso e até liquidou a taxa de justiça respectiva.

Ora, à luz das regras da lógica, tendo tido conhecimento da sentença ficou naturalmente sabedor de que a decisão não levou em conta o teor dos emails em discussão.

Além disso, da prova produzida não resulta qualquer alusão a protesto que a Apelante tenha feito na sequência da referida decisão relativamente à putativa omissão da ré na junção dos documentos.

E o facto de não ter expressado qualquer reparo relativamente à falta de junção dos referidos emails, constitui matéria alegada pela ré na sua contestação que, em concreto, não foi rebatida pela recorrente na sua resposta.

Afigura-se-nos, por isso, também não merecer reparo o referido facto.

Assim sendo e face ao exposto, julga-se improcedente a impugnação do referido ponto da matéria de facto.

- Do ponto 59 dos factos provados

Consta do referido ponto:

“As máquinas dadas em pagamento eram usadas e idosas.”

Invoca a Apelante que o referido facto dado como provado está em contradição com o facto julgado provado em 14) e que não pode dizer-se que as máquinas eram usadas e idosas.

Ora, consta do ponto 14 que:

“14) A A., pressionada pelos seus clientes e que ameaçavam não fazer mais encomendas, acabou por fazer um acordo com a “D..., Lda” sem a intervenção do Dr. BB, em que lhe entregaram:

- A quantia de 25.761,45€.

- 104.78,00€ pela entrega à dita “D..., Ld” duma quota que o sócio gerente do A., GG, detinha na dita “D..., Lda”.

- Também a A. teve de entregar à Exequente “D..., Lda” os bens que tinham sido penhorados, forma e máquina no valor de 63.000,00€ e créditos que já tinham sido penhorados.”

Afigura-se-nos, assim, que o facto 58 não se encontra em verdadeira contradição com o facto 14, que se limita a traduzir um acordo, sendo as partes livres de estipular os termos do mesmo, mesmo que em valores discordantes a realidade objectiva.

De resto, resulta dos autos que as máquinas tinham bastantes anos e eram usadas, asserção que se extrai quer dos documentos juntos aos autos, quer das próprias declarações da recorrente na sua petição inicial, pelo que não nos merece reparo a resposta dada ao referido ponto da matéria de facto.

Assim sendo e face ao exposto, julga-se improcedente a impugnação apresentada quanto ao referido ponto da matéria de facto.

- Dos factos dados como não provados sob as alíneas a) e b)

Consta das referidas alíneas que:

“a) A A. não tenha tido previamente conhecimento dos termos do acordo referido em 5).

b) Só na data referida em 11) é que a A. ficou a saber que a condição de simultaneidade de pagamento e entrega dos bens, não estava redigida no acordo.”

Pugna a Apelante que os referidos factos sejam dados como provados.

Ora, conforme sustentou o Tribunal a quo, a prova testemunhal produzida pela recorrente não é suficiente para se concluir pela veracidade dos referidos factos.

Além disso, o depoimento da testemunha BB foi elucidativo no que respeita a esta factualidade, decorrendo da própria análise crítica da prova produzida que o Dr. BB comunicava à Ré o que se passava nos autos, tendo-lhe enviado os termos de transacção, que só foi objecto de transacção após conhecimento do gerente da recorrente GG.

De resto, o Dr. BB é testemunha, e não parte, pelo que não estava constituído no dever de juntar documentos como vem sugerido pela recorrente.

Assim sendo, deve manter-se como não provadas as alíneas a) e b) dos factos julgados não provados.

- Do facto não provado sob a alínea c)

Consta do referido facto que:

“Aquando do referido em 13) o Dr. BB tenha dito que assumiria todos os prejuízos que causasse à ora A. pois tinha seguro profissional, mas que iria participar dele à Ordem dos Advogados.”.

A Apelante defende que o referido facto deveria ter sido dado como provado, sustentando tal conclusão na asserção de que dos factos provados resulta a percepção de que o Dr. BB se sentiu enganado pelo colega, bem como do depoimento prestado pela testemunha FF.

Porém, a questão sobre este facto circunscreve-se em saber se foi produzida prova que permita demonstrar que a referida a alínea agora em crise não deveria figurar dos factos não provados. E analisada a prova não podemos deixar de concluir pela negatividade da resposta.

Com efeito, não se compagina com as regras da experiência comum que o Dr. BB tivesse feito declarações de tal género na presença de funcionários da recorrente.

Além disso, a instauração de vários processos com vista a proteger os interesses da recorrente, cuja tramitação resulta dos documentos juntos aos autos, incluindo na sentença de que recorria a ora recorrente, indiciam o convencimento de plausibilidade de ganho de causa, incompatível com uma situação de responsabilização do Dr. BB, que se perde dado que a recorrente não quis esperar pelo resultado de um recurso pendente e, à revelia do seu mandatário, fez um acordo numa execução.

Assim sendo e face ao exposto, julga-se improcedente a impugnação da matéria de facto relativamente à alínea c) dos factos julgados não provados.

- Do facto não provado sob a alínea d)

Consta da referida alínea:

“d) A A. dependia em termos de facturação em 70% da C... Portugal.”

Pugna a Apelante que o referido facto seja dado como provado.

Afigura-se-nos, no entanto, inexistir prova documental que suporte a referida conclusão, sendo a prova testemunhal produzida insuficiente.

De resto, no que se refere ao cliente C..., designadamente ao seu grau de importância, a verdade é que os factos passíveis apurar de forma objectiva, contrariam a tese da recorrente.

Além disso, a corresponder à realidade o que a recorrente defende, certamente poderia ter junto documentos comerciais e/ou tributários que comprovassem a afirmação de uma dependência de 70% da sua facturação, o que não o fez.

Ademais, também poderia ter indicado o depoimento de uma testemunha exterior à empresa que corroborasse a referida versão, o que também não sucedeu.

Assim sendo e facto ao exposto, julga-se improcedente a impugnação do referido facto.

- Do facto não provado sob a alínea e)

Consta da referida alínea que:

“e) O GG tenha pedido emprestado ao pai € 25.761,45.”

Pugna a Apelante que o referido facto seja dado como provado.

Ora, o raciocínio que vimos defendendo também é aplicável a esta alínea, quer no tocante à credibilidade ou firmeza da prova testemunhal produzida a respeito deste facto e da inexistência de prova documental.

Com efeito, não se sabe se o gerente pediu ou não a título particular dinheiro a terceiros, nem para que efeito e também não há prova de que tal quantia tenha entrado nos cofres da empresa ou se se tratou de facto que tivesse que ver com a compra a título pessoal de uma quota na D..., o que nada tem que ver com esta, por se tratar de pessoa jurídica distinta do sócio.

Além disso, não se mostra junta uma cópia de um cheque, um comprovativo de um endosso ou qualquer demonstração de transferência bancária.

Assim sendo e face ao exposto, julga-se improcedente a impugnação referente ao referido facto.

- Da alínea f) dos factos não provados

Consta da referida alínea f) que:

“f) O referido em 15) tenha causado um atraso no pagamento de obrigações fiscais de 11.303,13€, corte de linha de crédito do Banco 1... de 100.000,00€, agravamento das taxas de juro.”

Pugna a Apelante que o referido facto seja dado como provado.

Reiteramos, a este propósito, que o raciocínio que vimos defendendo também é aplicável a esta alínea, quer no tocante à credibilidade ou firmeza da prova testemunhal produzida a respeito deste facto e da inexistência de prova documental.

De facto, não consta dos autos qualquer notificação da Autoridade Tributária, uma simples guia de pagamento, nem qualquer troca de comunicações com o Banco.

Além disso, não se compreende que não tenha sido junto um documento bancário que demonstre o alegado corte em linha de crédito ou agravamento de juros pelo Banco 1..., que seguramente, a acontecer, seria possível demonstrar por comparação de extractos de conta.

Assim sendo e face ao exposto, julga-se improcedente a impugnação do referido ponto da matéria de facto.

- Das alíneas g) e h) dadas como não provadas

Consta das referidas alíneas:

“g) Quando a Ré conseguiu obter do Conselho Distrital do Porto a autorização para a junção da correspondência do Dr. BB, contactou a A. afirmando que era tudo o que necessitava para revogar a Sentença da 1ª instância e revertê-la a favor da A.

h) E que essa correspondência era a pedra que faltava para alicerçar a responsabilidade do Dr. BB e, que a A. ia ser indemnizada de todos os danos que as faltas profissionais do Dr. BB lhe causara.”.

Defende a Apelante que da alegação dos próprios termos do recurso subscrito pela aqui ré resulta a prova das alíneas julgadas não provadas em apreço.

Porém, uma coisa é o modo como se alega, outra coisa é o que pode resultar da apreciação da prova. E além do que resulta da alegação não foi feita prova de que as afirmações constantes das alíneas em apreço tenham sido feitas pela aqui ré.

E os emails em discussão nos presentes autos não traduzem verdadeiramente o que a recorrente pretende fazer crer. De resto, o depoimento do Dr. BB também não o confirma.

Além disso, a troca de comunicações escrita em apreço não está completa e por isso não permite a contextualização das expressões “por excesso de cortesia” sobretudo quando comparadas com as expressões “o pagamento da primeira prestação estará dependente da devolução das máquinas em questão” [comunicação de 15 de Junho 2021] – sendo uso do condicional é incompatível com uma situação de certeza e “ O meu cliente está há meses a perguntar-me quando é que a solicitadora de execução vai fazer a entrega das máquinas porque é uma necessidade para minha cliente, uma vez que lhe está a ocupar espaço e guarda. Tente falar com a SE (…) a minha cliente (…) está pronta, colaborante e interessada nisso” [comunicação do Dr., CC de 28 de junho de 2011]

Crê-se, pois, que também relativamente a esta questão, não assiste razão à recorrente, pelo que devem estas alíneas ser mantidas nos factos não provados.

- Da alínea h) dos factos não provados

Consta da referida alínea h) que:

“A A. tenha tido danos patrimoniais no valor de 250.000,00€.”

Pretende a recorrente que que faça consignar nos factos dados como provados que a recorrente teve danos em valor não concretamente apurado que deve ser fixado em execução de sentença.

Afigura-se-nos, no entanto, que também nesta matéria não tem razão.

Com efeito, não há prova da existência desses danos e os termos da transacção que entendeu celebrar com a D... foram da sua lavra e o resultado dessa actuação não pode ser imputado quer ao Dr. BB, seu mandatário na altura e que sobre tal transacção não foi, sequer, ouvido.

Além disso, não foi feita prova de que se o recurso tivesse sido admitido, a sentença proferida teria sido revogada.

Assim sendo, julga-se também improcedente a impugnação do referido facto.

Afigura-se-nos, por isso, não existirem motivos que justifiquem a alteração, devendo manter-se as respostas dadas aos referidos pontos da matéria de facto provada.

Na realidade as observações feitas aos depoimentos prestados e à prova documental oferecida são pertinentes e acutilantes e em sintonia com as regras da lógica e da experiência comum.

Em face do que vem de ser exposto, improcede o recurso sobre a decisão da matéria de facto da autora/Apelante.

Improcedendo a impugnação, que acarretará o não provimento do recurso de apelação e não nos merecendo reparo a demais factualidade, considera-se prejudicada a apreciação da impugnação da matéria de facto da ré.


*

4.2. Da verificação dos pressupostos de responsabilidade civil e da perda de chance.

A Autora/apelante visa com a presente acção que a Ré, advogada de profissão, a indemnize por danos decorrentes da perda de chance/oportunidade processual resultante do incumprimento de deveres decorrentes do mandato forense; mais exacta e concretamente, resultantes de não ter junto os emails à acção e ter interposto recurso fora de prazo.

Como é sabido, entre um advogado e o seu cliente e tendo por objecto a prestação dos serviços de mandatário forense daquele no interesse e por conta deste, estabelece-se uma relação contratual que se reconduz à figura do contrato de mandato, que o artigo 1157.º do Código Civil define em termos comuns como aquele pelo qual uma das partes, o mandatário, se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos, e não meros actos materiais, por conta da outra, o mandante.

Este contrato de mandato entre o advogado e o cliente não é um contrato comum, pois possui especificidades ao nível da prestação do mandatário impostas pelo interesse público subjacente ao patrocínio judiciário e à intervenção dos advogados nos pleitos.

O Estatuto da Ordem dos Advogados[26] estabelece, com efeito, no artigo 81.º, n.º 1, que “o advogado exercita a defesa dos direitos e interesses que lhe sejam confiados sempre com plena autonomia técnica e de forma isenta, independente e responsável” e no n.º 5 que “são nulas (…) quaisquer orientações ou instruções da entidade contratadora que restrinjam a isenção e a independência do advogado ou que, de algum modo, violem os princípios deontológicos da profissão”.

O mesmo Estatuto impõe ao advogado, nas relações com os clientes, “o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas” - artigo 98.º, n.º 2 -, veda-lhe “aceitar o patrocínio de uma questão se souber, ou dever saber, que não tem competência ou disponibilidade para dela se ocupar prontamente, a menos que actue conjuntamente com outro advogado com competência e disponibilidade para o efeito” - artigo 100.º, n.º 1 -, e vincula-o a “prestar, sempre que lhe for solicitado, informação sobre o andamento das questões que lhe forem confiadas, (...) estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade, (..) não cessar, sem motivo justificado, o patrocínio das questões que lhe estão cometidas e ainda que exista motivo justificado para a cessação do patrocínio, o advogado não deve fazê-lo por forma a impossibilitar o cliente de obter, em tempo útil, a assistência de outro advogado” – n.ºs. 1 e 2 do artigo 100.º.

Pode, pois, afirmar-se que ao contrato de mandato forense se aplicam as regras do contrato de mandato regulado no Código Civil, as normas do Código de Processo Civil relativas ao exercício do patrocínio judiciário e as normas do Estatuto da Ordem dos Advogados que se referem aos deveres profissionais e deontológicos do advogado.

Pelo contrato de mandato, o advogado fica vinculado a desenvolver com zelo e adequada diligência e perícia uma determinada actividade jurídica. Por isso, na relação contratual com o cliente, ele deve executar a actividade para a qual os seus serviços foram contratados de forma interessada, diligente e proficiente, tendo por objectivo a defesa dos legítimos interesses do cliente.

Não se pode esquecer que a boa fé desempenha um papel absolutamente decisivo na preparação e na formação também deste contrato (artigo 227.º do Código Civil) bem como no cumprimento das obrigações e no exercício do direito correspondente (artigo 762.º do mesmo Código). O advogado deve não só actuar com lisura, zelo e diligência, como deve, na relação com o cliente e na forma como se vai ocupar dos assuntos e interesses deste, nortear a sua acção pelo escrupuloso acatamento das regras da boa fé.

Acresce que ao advogado é exigido que adopte a diligência própria de um bom pai de família, ou seja, do homem médio, considerando as especificidades do mandato. Não a diligência de que o próprio se mostra capaz, em função dos seus conhecimentos, aptidões e experiência, mas a diligência que o bom pai de família adoptaria.

É comum assinalar-se neste ponto que a obrigação do advogado é uma obrigação de meios, não uma obrigação de resultado. O objecto da prestação a que se obriga não é o de ganhar a causa, de obter sucesso efectivo no acto jurídico que foi incumbido de realizar, mas apenas o de tudo fazer, de acordo com as regras legais e deontológicas e actuando como um profissional jurídico diligente, interessado, probo e capaz, para tentar alcançar esse desiderato, razão pela qual se deve entender que cumpre a sua obrigação ainda que aquele sucesso não seja obtido desde que este dever de actuação haja sido concretizado em termos razoáveis em função das circunstâncias do caso, do conhecimento jurídico existente e do domínio das leges artes que é suposto um profissional possuir.

Tal não obsta, porém, que em determinada perspectiva e circunstâncias a obrigação do mandatário possa ser mesmo uma obrigação de resultado. O advogado pode com efeito ser contratado para tratar de determinado assunto, para representar o cliente num processo judicial, ou ser contratado de forma mais específica para um determinado acto jurídico concreto. Se o advogado é incumbido especificamente de redigir um contrato que documente a vontade negocial já estabelecida entre os declarantes ou de instaurar uma acção para uma determinada finalidade específica, o advogado obriga-se a concretizar o resultado pretendido: a redacção do contrato; a instauração da acção.

O advogado pode, é certo, recusar o mandato para esse fim específico designadamente por entender que o contrato é ilegal ou viola os bons costumes, que a acção não é viável ou que o autor não tem o direito que através dela pretende exercer. Mas se aceitar o mandato para praticar esses actos e não os praticar incorre em incumprimento do mandato, por ter falhado na execução do resultado a que se obrigou perante o cliente.

O Estatuto permite ao advogado desonerar-se do mandato - denunciar unilateralmente o contrato -, invocando a sua autonomia e independência técnica, caso conclua, uma vez estudado o assunto com cuidado e zelo, que não deve instaurar a acção ou celebrar o contrato. Todavia, o Estatuto também lhe impõe que no caso de pretender abandonar o mandato que antes aceitou, designadamente por ter chegado à referida conclusão, o faça de forma a possibilitar ao cliente que obtenha, em tempo útil, a assistência de outro advogado. Daí resulta que, sob pena de incumprimento da sua prestação, deve comunicar ao cliente a decisão de não instaurar a acção de modo a que este ainda esteja em tempo de contratar outro advogado que o faça sem risco de prescrição do direito ou caducidade da acção. Se não o faz em tempo ou se não o faz sequer, deixando esgotar-se o prazo de prescrição do direito do cliente, o advogado incorre em incumprimento da sua prestação.

Muito embora seja discutida a natureza contratual ou extracontratual da responsabilidade do advogado para com o seu cliente, no caso em apreço estamos perante uma situação de responsabilidade contratual. Com efeito, não vem imputada ao réu advogado, aqui apelante, a prática de qualquer acto ilícito violador de direitos subjectivos do autor, aqui apelado, ou de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios e sem isso fica arredada a possibilidade de integrar a responsabilidade em causa no domínio do artigo 483.º do Código Civil onde se encontra consagrado o instituto da responsabilidade civil.

Convém ter presente que entre a responsabilidade contratual e a responsabilidade extra-contratual não existem diferenças ao nível dos pressupostos da obrigação de indemnização. Em qualquer dos casos é necessário que estejamos perante um facto (uma acção ou uma omissão quando havia um dever de actuação), que o facto seja ilícito, que a actuação do agente seja censurável a título de dolo ou mera culpa, que sobrevenham danos, que entre os danos e aquela actuação se possa estabelecer um nexo de causalidade adequada.

Aqui chegados, revertendo ao caso dos autos/recurso: a 1.ª questão (que tem a ver com a ilicitude e a culpa) está em saber se a Ré, aqui apelada, ao não ter interposto tempestivamente o recurso para que foi mandatado (acarretando a sua não admissão) e ao juntar os emails apenas com as alegações de recurso, praticou uma conduta omissiva que consubstancia uma inexecução ilícita e culposa da obrigação da assistência técnica da mesma para com a A./apelante.

Entendemos que sim, mas apenas no respeitante à intempestividade da interposição recurso.

Com efeito, no respeitante à não junção mais atempada dos emails, quer em sede de acção e de recurso a mesma não lhe é imputável pelas razões já atrás amplamente desenvolvidas.

Na realidade, a ré/recorrida sabia apenas que o gerente da autora dizia que existiam emails e dizia que conteriam uma confissão de responsabilidade, mas não acedeu antes do início do julgamento aos mesmos por facto que assim não é imputável, de modo a poder conhecer o seu teor e apreciar a sua relevância, ficando, por isso, impossibilitada de juntar os referidos emails com os articulados, depois da contestação e após o saneador e até 20 dias antes do julgamento.

Assim, a Ré AA, não estava na posse de qualquer e-mail que pudesse ter junto aos autos até à realização do Julgamento. Além disso, não poderia proceder à junção do referido e-mail sem o levantamento do sigilo profissional, o que, apenas, sucedeu posteriormente.

Já quanto à interposição intempestiva do recurso a questão tem que ser olhada por outro prisma.

Com efeito, o advogado que interpõe fora de prazo o recurso da sentença final, tem uma atitude equiparada ao abandono de patrocínio, com o consequente incumprimento de um dever contratual resultante do mandato forense.

Na realidade, a intempestiva apresentação de recurso, com o consequente trânsito em julgado da sentença desfavorável à autora, não pode deixar de ser considerada uma actuação que fica aquém do padrão de cuidado legalmente exigível e, consequentemente, um não cumprimento, ilícito e culposo, do contrato. Porém, a falta de junção dos emails atempadamente não lhe é imputável, pelas razões amplamente atrás referida pelo que nesta parte não se vislumbra qualquer incumprimento contratual.

Fê-lo, no segmento respeitante à interposição extemporânea do recurso, culposamente, já que não ilidiu a presunção do nº 1 do artigo 799º do Código Civil, incorrendo em responsabilidade se presentes os outros pressupostos: dano e nexo causal, já que, como vimos se perfilam o ilícito contratual e a culpa.

Impõe-se, assim, concluir que a Ré Advogada/Apelada incumpriu os deveres contratuais que assumiu designadamente o fixado no nº 2 do artigo 100º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 15/2015, de 26 de Janeiro, incumprimento que se presume culposo nos termos do nº 1 do artigo 799º do Código Civil.

Ou seja, a ré Advogada/Apelada, ao não ter interposto tempestivamente o recurso para que havia sido mandatado, cometeu com culpa (que se presume nos termos do artigo 799.º, n.º 1 do Código Civil) um erro de ofício, uma falta/ilicitude/evento lesivo passível de eventualmente gerar um dano de perda de chance/oportunidade.

Somos, pois, chegados ao cerne dos autos/recurso; ao incidental “julgamento dentro do julgamento”, tendo em vista determinar se a chance processual da A., aqui Apelante, era real, séria e consistente, se a pretensão da mesma tinha um elevado grau de probabilidade e verosimilhança; tendo em vista reconstituir a situação que existiria caso não se tivesse verificado a falta/ilicitude/evento lesivo.

Sobre esta temática foi proferido recentemente o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2022, de uniformização de jurisprudência, publicado no Diário da República n.º 18/2022, Série I de 2022-01-26, páginas 20 - 42, de cujo sumário consta: “O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade.”.

Consta de alguns segmentos do referido acórdão, que aqui reproduzimos pela sua relevância para o caso vertente, designadamente, que:

(…)

“Situa-se a contradição jurisprudencial sob uniformização, como resulta de tudo o que já foi referido, no âmbito da problemática do chamado dano da perda de chance processual.

(…)

Mas, com todo o respeito, não pode ser: à luz das regras e princípios vigentes de responsabilidade civil, só uma “chance” com um mínimo de consistência pode aspirar a exprimir a certeza (“relativa”) do resultado comprometido (pelo ato lesivo) ser considerado provável.

Não há indemnização civil sem dano e este tem que ser certo, sendo que a certeza do dano de chance (que, por isso, merece a tutela do direito e ser indemnizado) está exatamente na probabilidade suficiente, em função da consistência da chance, do resultado favorável da ação comprometida.

Uma “chance” puramente abstrata e especulativa - isto é, independente da prova de qualquer concreta probabilidade - não é, de modo algum, um dano certo; assim como não atingirão a certeza exigível, não sendo indemnizáveis, as “perdas de chance” que correspondam a uma pequena probabilidade de sucesso da ação comprometida.

Concretizando um pouco mais, para estarmos perante uma chance com probabilidade de sucesso suficiente terá, em princípio e no mínimo, o sucesso da chance (o sucesso da provável ação comprometida) que ser considerado como superior ao seu insucesso, uma vez que só a partir de tal limiar mínimo se poderá dizer que a não ocorrência do dano, sem o ato lesivo, seria mais provável que a sua ocorrência.

(…)

Significa e impõe o que vem de dizer-se que, colocando-se num processo (como acontece no caso do processo do Acórdão fundamento e no caso deste processo) a questão da indemnização pelo dano da perda de chance, tal probabilidade - o mesmo é dizer, a consistência concreta da oportunidade ou “chance” processual que foi comprometida – tem sempre que ficar apurada/provada, uma vez que, sem a mesma estar apurada/provada, não se poderá falar em “dano certo” e sem este não pode haver indemnização.

Apuramento este que terá assim que ser feito na apreciação incidental - o já chamado “julgamento dentro do julgamento” - a realizar no processo onde é pedida a indemnização pelo dano de perda de chance, em que se indagará qual seria a decisão hipotética do processo em que foi cometido o ato lesivo (a falta do mandatário), indagação que no fundo irá permitir estabelecer, caso se apure que a ação comprometida tinha uma suficiente probabilidade de sucesso (ou seja, no mínimo, uma probabilidade de sucesso superior à probabilidade de insucesso), que há dano certo (a tal chance “consistente e séria”) e ao mesmo tempo o nexo causal entre o facto ilícito do mandatário e tal dano certo.

Apreciação/decisão hipotética em que, sendo assim, se procurará, num juízo de prognose póstuma, reconstituir, para efeitos da possível indemnização do dano da perda de chance, o desenrolar e a decisão que o processo (onde foi cometida a falta do mandatário) teria tido – na perspetiva do tribunal que o teria que decidir – sem tal falta do mandatário, com o que, concluindo-se que o processo teria tido uma suficiente (no referido limiar mínimo) probabilidade de sucesso, se estará também a concluir ter sido o evento lesivo conditio sine qua non (requisito mínimo da causalidade jurídica) do dano.

Apreciação/decisão hipotética que acabará também por relevar para o quantum indemnizatório, uma vez que a indemnização deve corresponder ao valor da chance perdida e este valor será o reflexo do grau de probabilidade da perda de chance em relação à vantagem que se procurava e se perdeu em definitivo.

Assim, visando-se com tal apuramento estabelecer o preenchimento de requisitos da responsabilidade civil (dano e nexo causal), estão em causa (no subsequente processo, em que se pede a indemnização pelo dano da perda de chance) elementos/factos constitutivos do direito indemnizatório invocado pelo lesado/mandante, sendo este - face ao encargo que o ónus da prova, quando aos requisitos da responsabilidade civil, lhe coloca (cfr. 342.º/1 do C. Civil) - que terá que fornecer os elementos que irão permitir apurar qual seria a decisão hipotética do processo em que foi cometida a falta do advogado (ou seja, os factos que irão permitir apurar que o processo comprometido tinha uma suficiente, no referido limiar mínimo, probabilidade de sucesso ou, dito por outras palavras, que a chance perdida era consistente e séria).

(…)

Tanto mais que, repete-se, no incidental “julgamento dentro do julgamento”, como juízo de prognose póstuma que é, o que se pretende alcançar é a prova da decisão hipotética que o processo teria tido sem a falta do mandatário (tendo em vista reconstruir a situação hipotética que, sem tal falta, existiria), ou seja, o tribunal da ação de indemnização deve adotar a perspetiva do tribunal que teria que decidir o processo e não exatamente o seu prisma de decisão, uma vez que, insiste-se, o que está verdadeiramente em causa, em termos de configuração jurídica, é a reconstituição do curso hipotético dos acontecimentos sem o evento/facto lesivo (reconstituição de que a decisão hipotética do processo, na perspetiva do tribunal que teria decidido o processo, é instrumental).

Não sendo isto iludível (a dificuldade em averiguar, em certos casos, a decisão hipotética), o certo é que o respeito pelas regras e princípios que regem a responsabilidade civil - a certeza do dano, a doutrina da causalidade adequada, a função essencialmente reparatória/ressarcitória da responsabilidade civil e a proibição do enriquecimento sem causa do lesado - não podem ser afastados, ainda que tal obste a uma responsabilidade generalizada das perdas de chance processual.

A violação de deveres específicos - voluntária e contratualmente assumidos - dos mandatários forenses, com o argumento da intrínseca incerteza relativa do desfecho dum processo judicial, não pode passar sempre incólume, mas a sua responsabilização tem que respeitar, sem voluntarismos, a segurança jurídica e ser rodeada dos necessários cuidados, não podendo prescindir, como se referiu, da imposição ao lesado do ónus de provar - seja fácil ou difícil - a verificação do dano (a consistência e seriedade da concreta chance processual comprometida), a suficiente probabilidade (no referido limiar mínimo) de obtenção de ganho de causa no processo em que foi cometida a falta pelo mandatário forense. (…)”.

Conforme já referimos, o fundamento da responsabilidade assacada ao Réu Advogado/Apelante pelo Tribunal a quo jaz no instituto da responsabilidade civil contratual, previsto no artigo 798.º do Código Civil.

Ocorre que, o referido preceito não prescinde, antes pelo contrário, para a sua aplicação, dos requisitos previstos no artigo 483.º do mesmo Código.

Ora, no caso vertente, para que qualquer responsabilidade pudesse recair sobre a Ré Advogada, aqui apelada, por alegados danos resultantes da provada omissão, para além da prova de um dano efectivo, essencial seria, ainda, que a Autora, aqui apelante, alegasse e provasse a existência de o nexo de causalidade entre a alegada conduta omissiva e os invocados danos.

Para o efeito, cabia à Autora, aqui apelante, alegar e provar, a factualidade que, na acção onde, alegadamente, a omissão da mandatária teria ocorrido, lhe conferiria o seu direito.

Ora, a Autora, aqui apelante, não alegou devidamente e, sobretudo, não provou nos autos que, face aos actos e omissões da Ré AA, perdeu a probabilidade séria de procedência dos seus alegados direitos, que existiria caso o recurso fosse apresentado tempestivamente em juízo, com inerentes danos.

A este propósito, o artigo 5.º, n.ºs. 1 e 2 do Código de Processo Civil estatui que:

“ 1. Às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.

2. Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:

a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;

b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;

c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.”.

Por seu turno, o artigo 5º, n.º 3 do Código de Processo Civil estabelece que “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.”

Alega a A. Recorrente que a Ré AA, na qualidade de sua mandatária no âmbito do processo n.º ..., que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Instância Central Cível - J5 - não recorreu da decisão da 1.ª instância em tempo, ou seja, interpôs recurso de forma extemporânea, com a consequente perda de oportunidade de reverter a decisão, o que terá provocado danos na esfera jurídica da Recorrente.

Mais alega a A. Recorrente que, em causa, está a junção tardia (e, desse modo, não admitida) de documentos correspondentes a uma troca de e-mails entre mandatários, que aquela entende que seriam decisivos para a apreciação do mérito da causa, com consequente reversão da decisão (agora favorável à aqui A. Recorrente), o que não terá sido apreciado pelo Tribunal de recurso, atenta a entrada extemporânea do mesmo.

De resto, a A. Recorrente alega que os documentos em causa - troca de e-mails - eram bastantes para fazer prova da negligência profissional por parte do seu advogado à data dos factos que se estavam a discutir naqueles autos, designadamente, a confissão do causídico quanto ao facto de não ter sido vertido no acordo celebrado no âmbito do processo n.º ..., a condição de entrega simultânea de bens penhorados com o início do pagamento das prestações constantes e previstas no referido acordo.

Porém, no caso vertente, a Autora, aqui Apelante, nem sequer alegou, devidamente, que, não fora a alegada interposição intempestiva do recurso, o recurso seria julgado, com elevada probabilidade, provido (no sentido de sério, real e muito provável desfecho favorável da acção para a Autora).

Além disso, da prova produzida em sede de julgamento não se consegue extrair a conclusão crucial de que, se tivesse sido apresentando em tempo o recurso da decisão proferida em 1.ª instância na acção que deu causa à presente acção[27], a decisão em primeira instância seria revogada e aqueloutra acção seria julgada procedente.

E sobre esta questão é necessário distinguir a prova produzida nos presentes autos, daqueloutra que foi produzida no processo ... - Juízo Central Cível do Porto - J5 e saber se se pode concluir que, à luz da prova neste produzida, haveria razões para admitir que o Tribunal da Relação daria razão ao recurso ali interposto.

Assim, há que distinguir entre a prova produzida no processo ... – Juízo Central Cível do Porto – J5 e a que foi produzida nos primeiros autos.

Ora, nos presentes autos não ficou demonstrado que se o recurso rejeitado tivesse sido admitido, tendo em conta a prova produzida no processo ... – Juízo Central Cível do Porto – J5, a decisão proferida em primeira instância teria sido revogada e a acção teria sido julgada procedente.

Com efeito, a Apelante detém-se e debruça-se, apenas, sobre a questão do teor do e-mail em causa, do (alegado) momento tardio da sua junção e da não admissão do mesmo (face à interposição extemporânea do recurso).

Em momento algum a A. alega, devidamente, aqueles que seriam os fundamentos do recurso que não foi admitido, desenvolvendo os mesmos e provando, “por A + B”, que tais fundamentos - caso fossem à apreciação do Tribunal ad quem - resultariam, com consistente probabilidade, na revogação da decisão da 1.ª instância e, bem assim, na procedência da acção.

Ou seja, cabia ser feito o “julgamento dentro do julgamento”, o que não sucedeu, sendo certo que a necessidade deste juízo sobre o juízo, num plano formal, exige que toda a matéria pertinente para o efeito e que era objecto do processo em que ocorreu a “perda de chance”, seja alegada nos articulados destes autos.

Além disso, à luz da factualidade alegada e provada resulta insofismável que não existe factualidade provada que nos leve a concluir pela procedência da pretensão da Apelante.

Conforme atrás referimos, a jurisprudência tem entendido de modo uniforme que não é admissível a junção, com a alegação de recurso, de um documento potencialmente útil à causa, mas relacionado com factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova.

Tem-se entendido que a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão de 1.ª instância criar pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento, quer quando a decisão se funde em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam”

Conforme já atrás referimos, a recorrida só podia ter procedido à junção dos referidos documentos:

- Com a petição inicial, se nessa altura os tivesse na sua posse, o que não foi o caso;

- Em requerimento de alteração dos meios de prova, no prazo de dez dias depois de notificada da contestação (nº 6 do art.º 552.º CPC), se nessa altura a recorrente lhos tivesse facultado, o que não foi o caso;

- Até 20 dias antes da do início da audiência de discussão e julgamento, se nessa altura a recorrente os tivesse facultado à requerida, o que não foi o caso;

- Depois disso se se tratasse de documentos cuja apresentação não tivesse sido possível antes ou se a sua junção se tornasse necessária em virtude de ocorrência posterior – o que não é o caso;

- No recurso, se se tratasse de documento cuja apresentação não tivesse sido possível até àquele momento, o que não é o caso pois não há demonstração de que a autora estivesse impossibilitada antes de recorrer a um informático e de obter os referidos documentos;

- Se a junção se tornasse necessária em virtude da decisão em 1.ª Instância, o que não é o caso.

Ou seja, não estavam verificados os requisitos para junção de documentos depois de ultrapassados os limites previstos nos artigos 423.º, 425.º e 651.º do Código de Processo Civil, o que significa que por facto unicamente imputável à recorrente, a recorrida não tinha campo legal para juntar os referidos documentos nem em 1.ª instância, nem em sede de recurso.

Ora, conforme dimana do acórdão de uniformização de jurisprudência, a avaliação do dano, traduzido na perda de chance, tem de ser feita em concreto, não em abstracto, a oportunidade perdida deve ser avaliada o mais possível com referência ao caso concreto e, neste caso em particular, apesar da extinção daquela acção, efectivamente, o Autor, aqui Apelado, nenhuma prova produziu de que obteria parte ou a totalidade dos créditos salariais que reclamava da sua entidade empregadora, não sendo os mesmos devidos de forma automática por mero efeito do despedimento.

E o ónus de prova de tal probabilidade impendia, conforme já exposto, sobre o Autor, como facto constitutivo que é da obrigação de indemnizar (art. 342.º, n.º 1, do Código Civil), o que não sucedeu, o que implica a improcedência do pedido formulado contra a Ré.

Da factualidade alegada pela A. e julgada provada pelo Tribunal a quo não resulta verificada a perda de uma oportunidade séria, real e consistente da A., de obter uma vantagem, caso o recurso interposto pela Ré tivesse sido admitido, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância.

Impõe-se, por isso, o não provimento da apelação interposta pela Autora.

Em defluência do exposto considera-se prejudicada a apreciação da ampliação do objecto de recurso requerida pela ré/AA.


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Sumariando, em jeito de síntese conclusiva:

…………………………………………………….

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5. Decisão

Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em não dar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.


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Custas a cargo da apelante.

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Notifique.

Porto, 5 de Dezembro de 2024

Relator: Paulo Dias da Silva

1.º Adjunto: Ana Luísa Loureiro

2.º Adjunto: Aristides Rodrigues de Almeida

(a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas e por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)

_______________________________
[1]Cfr. depoimento de 29-01-2024 - 00:07:52 a 00:08:05.
[2]Cfr. depoimento de 29-01-2024 - 00:08:04 a 00:08:30.
[3]Cfr. depoimento de 29-01-2024 - 00:09:05 a 00:09:21.
[4]Cfr. depoimento de 29-01-2024 - 00:10:34 a 00:10:36.
[5]Cfr. depoimento de 29-01-2024 - 00:11:56 a 00:12:27.
[6]Cfr. depoimento de 29-01-2024 – 00:12:27 a 00:12:43.
[7]Cfr. depoimento de 29-01-2024 – 00:12:43 a 00:12:49.
[8]Cfr. depoimento de 29-01-2024 – 00:12:50 a 00:13:30.
[9]Cfr. depoimento de 29-01-2024 – 00:13:30 a 00:16:15.
[10]Cfr. depoimento de 29-01-2024 – 00:16:20 a 00:16:50.
[11]Cfr. depoimento de 29-01-2024 - 00:17:04 a 00:17:50.
[12]Cfr. depoimento de 29-01-2024 - 00:17:52 a 00:18:00.
[13]Cfr. depoimento de 29-01-2024 - 00:18:18 a 00:19:20.
[14]Cfr. depoimento de 29-01-2024 - 00:19:30 a 00:16:36.
[15]Cfr. depoimento de 08-04-2024-01-2024 – 00:11:25 a 00:14:13.[16]Cfr. depoimento 26-02-2024 - 00:10:05 a 00:10:20.
[17]Cfr. depoimento de 26-02-2024 - 00:10:18 a 00:10:50.
[18]Cfr. depoimento de 26-02-2024 - 00:15:34 a 00:16:59.
[19]Cfr. António Santos Abranches Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 2.ª Edição, Almedina, pág. 813 em anotação ao art.º 651 do Código de Processo Civil e jurisprudência ali citada.
[20]Cfr. Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, Almedina, 1982, página 270.
[21] in www.dgsi.pt.
[22]Cfr. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 3.ª Ed. Almedina, pp. 384-385.
[23]Cfr. depoimento de 08-04-2024 - 00:03:47 – 00:06:45.
[24]Cfr. depoimento de 08-04-2024 - 00:08:32 - 00:09:07.
[25]Cfr. depoimento da testemunha LL de 08-04-2024: 00:09:53 - 00:10:55.
[26] Cfr. redacção da Lei n.º 145/2015, de 26 de Janeiro.
[27] Cfr.  ... – Juízo Central Cível do Porto – J5.