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INVENTÁRIO
ACEITAÇÃO DA HERANÇA
INTERESSE DIRETO NA PARTILHA
Sumário
I - Sendo o parente sucessível, pela morte do autor da herança, chamado à sucessão deste, mas não a tendo aceitado, nem repudiado, por ter falecido depois, transmitiu-se aos seus herdeiros esse direito de aceitar e repudiar a herança do primeiro falecido (art.º 2058.º, n.º 1 do CC). II - Sendo o cônjuge do parente sucessível herdeiro deste (art.ºs 2131.º, 2132.º e 2133.º, n.ºs 1, alíneas a) e b), 2 e 3 do CC), qualquer que seja o regime de bens do respetivo casamento, transmitiu-se (pelo menos) para ele aquele direito de aceitar ou repudiar a herança do pai da pessoa com quem foi casado. III - Porque titular desse direito, é ele (o cônjuge), por conseguinte, titular de interesse direto na partilha dos bens por óbito do autor da herança e, portanto, detentor de legitimidade para requerer o correspondente inventário, cuja instauração, de resto, mais não representa do que o exercício do direito de aceitação da herança (art.ºs 2052.º, n.º 1 e 2053.º do CC).
Texto Integral
Processo n.º 600/22.8T8FLG.P1 - Recurso de apelação
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este - Juízo Local Cível de Felgueiras, Juiz 2
Recorrente: AA
Recorrido: BB
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.- Sumário
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.- Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto,
I.- Relatório
1.- AA instaurou processo de inventário para partilha dos bens deixados por óbito de CC, falecido em 06-03-2016, indicando para exercer as funções de cabeça de casal DD, cônjuge sobreviva do inventariado.
2.- Citada, a cabeça de casal juntou declaração de compromisso de honra do fiel exercício das funções; indicou os sucessores do inventariado; prestou as informações que teve por relevantes para a partilha; e juntou relação de bens.
3.- Notificado o Requerente e citados os demais interessados, veio o interessado BB, além do mais, impugnar a legitimidade do Requerente para o inventário.
Para tanto, e em síntese, alegou que este é genro do inventariado, por ter sido casado com EE no regime da comunhão de adquiridos, tendo esta já falecido. Não sendo, por conseguinte, herdeiro do inventariado, nem cônjuge meeiro, não é, também, interessado direto na partilha.
4.- Notificados os interessados da impugnação, veio o requerente do inventário AA opor-se à posição do Impugnante quanto à sua ilegitimidade para o inventário.
Assim, e em síntese, invocou que, sendo verdade que era genro do inventariado e que casou com a filha deste no regime da comunhão de adquiridos, verdade é, também, que esta faleceu após a morte do seu pai. Por isso, sendo herdeiro desta, sucedeu-lhe, por direito de transmissão, na herança do inventariado, relativamente a cuja partilha é, por conseguinte, interessado direto.
5.- Por despacho proferido em 27-07-2024, foi o incidente de impugnação referido em 3 julgado procedente e, consequentemente, julgada extinta a instância do inventário por falta de legitimidade do Requerente, com o consequente arquivamento dos autos.
6.- Inconformado com esta decisão, veio o Requerente interpor o presente recurso, batendo-se pela sua revogação e pelo reconhecimento de que é parte legítima para requerer o inventário.
Para o efeito, formulou as seguintes conclusões:
“1.- O Requerente intentou o presente inventário por morte do seu sogro de nome CC, na qualidade que detém de Cônjuge/herdeiro da entretanto falecida filha do Inventariado de nome EE, ou seja, co herdeira do Inventariado.
2.- O interessado BB veio invocar a falta de legitimidade do Requerente do Inventário, alegando que é genro do Inventariado, por ter sido casado com EE, no regime de comunhão de adquiridos, já falecida, donde resulta que não é co-herdeiro do inventariado e como tal não tem legitimidade para requerer o Inventário.
3.- O Tribunal a quo veio acolher tal fundamento, julgando o incidente de impugnação da legitimidade procedente e julgou extinta a instância, sentença que o Recorrido não pode concordar, entendendo, salvo o devido respeito em contrário, que fez uma interpretação errada e aplicação do artigo 1085º n.º1 al. a) do CPC.
4.- É certo que o Recorrido é genro do Inventariado, por ter sido casado com a filha deste, EE, entretanto falecida após a morte do Inventariado.
5.- Com a morte da co-herdeira o seu cônjuge, o ora Recorrido, integra a classe sucessória da mesma, ou seja, é seu herdeiro legitimário.
6.- Como tal o Recorrido é considerado “interessado directo na partilha”, pois integra a classe de sucessíveis por morte do seu cônjuge, sendo seu herdeiro legitimário e tendo adquirido, por sucessão, juntamente com os restantes herdeiros legitimários, o quinhão hereditário do mesmo.
7.- Salvo devido respeito por opinião contrária, quer o Interessado BB quer o Tribunal a quo, parece-nos que confundiram a posição de legitimidade do Cônjuge da herdeira no processo de inventário, mas quando esta ainda é viva, o que não é o caso dos autos.
8.- Questiona-se na doutrina e na jurisprudência se o cônjuge do herdeiro ainda vivo também é interessado direto na partilha, tendo, desse modo, legitimidade para requerer o processo de inventário. Formaram-se essencialmente duas teses da doutrina e na jurisprudência. Por um lado, temos a posição dos que entendem que o cônjuge do herdeiro tem legitimidade para requerer o inventário apenas quando tiver um interesse direto na partilha, o que depende do regime de bens que vigorar no casamento. Esse interesse direto ocorre apenas quando o casal tenha celebrado o casamento segundo o regime de comunhão geral de bens, porque neste regime se comunica a metade dos bens que adquire por via da sucessão. Discordando dessa linha de pensamento, alguma jurisprudência tem negado ao Cônjuge do herdeiro legitimidade, mesmo casado no regime da comunhão geral de bens para requerer e intervir, a título principal no processo de inventário. Seguindo esta posição, veja-se os Acórdãos da Relação de Évora de 23-03-1999, proferido no processo n.º 798/98-3, da Relação do Porto de 09-02-1999, de 19-09-2000, proferido no processo n.º 0020813 e de 14-02-2013 proferido no processo n.º 1625/09.4TBPNF-A.P1 e ainda o da Relação de Lisboa proferido no processo n.º 0079076.
9.- No caso de um filho (herdeiro) falecer após a morte dos pais, a legitimidade do seu cônjuge afere-se pela sua classe sucessória, pois os herdeiros legitimários do mesmo, através do instituto da transmissão, adquirem o seu quinhão hereditário.
10.- A qualidade de herdeiro está definida legalmente nos artigos 2132º (herdeiros legítimos, categoria mais amplas, abrangendo o cônjuge, os parentes e o Estado) e 2157º (herdeiros legitimários, categoria mais restrita, abrangendo apenas o cônjuge, os descendentes e os ascendentes).
11.- Atualmente o cônjuge sobrevivo tem sempre a qualidade de herdeiro, independentemente do regime de casamento de bens.
12.- O Recorrido, como herdeiro legitimário da co-herdeira originária do Inventariado, entretanto falecida, adquire a qualidade de herdeiro do mesmo decorrente do estatuto que o transmitente do quinhão detinha na herança e não de um direito originário do adquirente e passa a integrar a classe sucessória desta, adquirindo os mesmos direitos.
12.- Daí que, através do instituto de Transmissão, o cônjuge sobrevivo passa a ter a mesma posição sucessória na herança indivisa do sogro em caso de pós-morte da filha deste.
13.- Caso assim não fosse, existiriam comunhões hereditárias que poderiam ficar eternamente por partilhar, dando para o efeito um único e simples exemplo: um casal, com dois filhos, estes casados, mas sem descendentes. Ao falecerem ambos os pais, sucedem-lhe os dois únicos filhos, seus herdeiros legitimários. Entretanto, vêm estes também a falecer ainda antes de terem efetuado a partilha dos bens deixados por seus pais. A estes filhos (que não têm ascendentes, nem descendentes) sucedem-lhe apenas os seus respetivos cônjuges, seus herdeiros legitimários. Os cônjuges sobrevivos não se entendem, de forma amigável, na partilha dos bens deixados pelos sogros. De acordo com o entendimento do Tribunal a quo, se os Cônjuges sobrevivos não têm legitimidade para requerer o processo de inventário por morte dos sogros, esta herança ficaria eternamente indivisa, o que seria inadmissível.
14.- A partilha é pois um direito de divisão do património hereditário comum entre os herdeiros, ou seja, o ato destinado a fazer cessar a indivisão de um património.
15.- O processo de inventário destina-se a pôr termo à comunhão hereditária e qualquer uma das pessoas diretamente interessadas na partilha pode requerer o inventário facultativo ao tribunal com competência legal para o efeito.
16.- Não nos parece, assim, que existam dúvidas que o cônjuge sobrevivo, independentemente do regime de casamento que vigorava com a herdeira originária, através da sua posição sucessória de herdeiro, poderá requerer, por ter legitimidade, o processo de inventário por morte dos sogros, integrando, assim, a posição de interessado direto na partilha, conforme previsto no artigo 1085º n.º1 al. a) do CPC.
17.- A designação legal de “cônjuge meeiro” a que se refere o artigo 1085º do CPC, refere-se claramente ao viúvo do autor da sucessão, não abarcando o cônjuge do herdeiro. A partilha destina-se a colocar termo à indivisão de um património, cujos titulares podem ser os autores da sucessão (marido e mulher) ou apenas o autor da sucessão e o seu viúvo.
18.- Logo, a legitimidade para requerer a divisão desse património teria forçosamente que radicar, por um lado, nos herdeiros do de cujus, que lhe sucedem, e por outro lado, no próprio viúvo, cônjuge sobrevivo e titular da meação nesse património indiviso.
19.- Apesar do cônjuge atualmente ter também a posição de herdeiro, (com a entrada em vigor do DL 496/77 de 25/11) a herança do cônjuge falecido, casado no regime de comunhão de bens, apenas corresponde a metade do património conjugal, pelo que a lei terá forçosamente de reconhecer a faculdade de fazer cessar a indivisão não apenas aos sucessores do cônjuge falecido, mas também ao outro titular do património indiviso- o cônjuge meeiro.
19.- Salvo melhor opinião em contrário, não nos parece assim existir dúvidas de que o Recorrido é interessado direto na partilha, ao abrigo do disposto do artigo 1085º CPC e como tal tem legitimidade para requerer o processo de inventário por morte do sogro.
20.- A sentença recorrida procedeu assim a uma incorreta interpretação e aplicação do artigo 1085º n.º1 al. a), pelo que, deverá a sentença ser revogada e o Recorrido ser considerado parte legitima para requerer o processo de inventário por morte do sogro.”
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Não foi apresentada resposta ao recurso.
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O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e assim recebido nesta Relação, que o considerou corretamente admitido e com o efeito legalmente previsto.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II.- Das questões a decidir
O âmbito dos recursos, tal como resulta das disposições conjugadas dos art. ºs 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 641.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil (doravante, CPC), é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente.
Isto, com ressalva das questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado ou das que se prendem com a qualificação jurídica dos factos (cfr., a este propósito, o disposto nos art. ºs 608.º, n.º 2, 663.º, n.º 2 e 5.º, n.º 3 do CPC).
Neste pressuposto, a questão que, neste recurso, importa apreciar e decidir é a seguinte:
.- saber se o Apelante tem legitimidade para requerer o inventário.
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III.- Da Fundamentação III.I.-Da Fundamentação de facto
.- Os factos que aqui importa considerar e que, em função dos elementos constantes dos autos, se mostram provados, são os acima descritos no relatório desta decisão, que, por economia processual, aqui se reproduzem, bem como os seguintes:
1.- O inventariado CC faleceu em 06-03-2016, no estado de casado, sob o regime da comunhão geral de bens, com a cabeça de casal DD.
2.- Fruto desse casamento, nasceram doze filhos, entre os quais EE.
3.- Esta faleceu em 11-11-2018 no estado de casada, sob o regime da comunhão de adquiridos, com o requerente do inventário AA.
4.- Deste último casamento, nasceram as filhas FF e GG.
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III.II.- Do objeto do recurso .- Da legitimidade do Apelante para requerer o presente inventário
Discute-se neste recurso a questão de saber se o Apelante AA tem legitimidade para requerer o presente inventário.
Dispõe, a propósito dessa questão, o n.º 1 do art.º 1085.º do CPC que têm legitimidade para requerer que se proceda a inventário e para nele intervirem, como partes principais, em todos os atos e termos do processo:
a) Os interessados diretos na partilha e o cônjuge meeiro ou, no caso da alínea b) do art.º 1082.º [caso de interessado único, em que o inventário tem fim o relacionamento dos bens e, eventualmente, a liquidação da herança], os interessados na elaboração da relação de bens;
b) O Ministério Público, quando a herança seja deferida a menores, maiores acompanhados ou ausentes em parte incerta.
Por seu turno, estabelece o n.º 2 do preceito que podem intervir num processo de inventário pendente:
a) Quando haja herdeiros legitimários, os legatários e os donatários, nos atos, termos e diligências suscetíveis de influir no cálculo ou determinação da legítima e de implicar eventual redução das liberalidades;
b) Os credores da herança e os legatários, nas questões relativas à verificação e satisfação dos seus direitos;
c) O Ministério Público, para o exercício das competências que lhe estão atribuídas na lei.
O n.º 1 do preceito regula a legitimidade para requerer ou intervir como parte principal no inventário – a legitimidade ad causam –, ao passo que o n.º 2 contempla a legitimidade para a prática de determinados atos no inventário – a legitimidade ad actum (v. Teixeira de Sousa, Lopes do Rego, Abrantes Geraldes e Pinheiro Torres, in O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, apud Acórdão da Relação de Guimarães de 11-05-2023, proferido no processo 223/22.1T8NNC.G1, disponível na internet, no sítio com o endereço www.dgsi.pt).
No caso, interessa-nos a regulamentação prevista no n.º 1, pois que do que se trata aqui é de aferir se o Apelante tem legitimidade ad causam.
Tendo presente o que dispõe o normativo, a solução da questão passará por saber se o Apelante pode ou não ser considerado interessado direto na partilha.
Na decisão recorrida entendeu-se que não, pelo facto de o Apelante intervir nos autos como cônjuge da filha do inventariado EE e de o regime de bens do respetivo casamento ser o da comunhão de adquiridos e não o da comunhão geral de bens, pois que só neste caso é que o direito à herança faria parte do património comum, atento o disposto no art.º 1732.º do CC.
Esta posição assentou, contudo, num equívoco, que foi o de considerar que o Apelante instaurou o inventário na qualidade de cônjuge da interessada EE, como se esta ainda estivesse viva, quando, na realidade - e tal como se depreendia, quer da petição inicial, quer da sua resposta ao incidente de impugnação deduzido pelo interessado BB -, o fez por, tendo a sua esposa falecido após o inventariado e sendo herdeiro desta, ter sucedido, por direito de transmissão, na herança do inventariado.
E o certo é que, exatamente por essa razão, o Apelante não pode deixar de ser considerado interessado direto na partilha, com legitimidade para requerer o inventário.
Vejamos.
O fenómeno sucessório é um processo complexo, que se compõe por uma sequência de atos em vista de um fim último, que é o da transmissão - mortis causa - das relações jurídicas patrimoniais do falecido para uma ou mais pessoas (cfr. art.º 2024.º do CC).
Nasce com a abertura da sucessão, a qual, nos termos do art.º 2031.º do CC, ocorre no momento da morte do seu autor e no lugar do último domicílio dele. É neste momento que se fixa ou concretiza a designação ou vocação sucessórias, isto é, em que se fica a saber quem é chamado à sucessão e a quem devem ser devolvidos os bens daquele (v., neste sentido, Pereira Coelho, in Direito das Sucessões, Lições policopiadas ao curso de 1973-1974, Coimbra, 1992, p. 130).
A vocação sucessória, ou seja, o chamamento de alguém à sucessão do falecido, dá-se quanto a todos aqueles que, nos termos do n.º 1 do art.º 2031.º do CC, gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis, desde que tenham a necessária capacidade. E se, nos termos do n.º 2, os primeiros sucessíveis não quiserem ou não puderem aceitar, serão chamados os subsequentes, e assim sucessivamente.
O fenómeno sucessório consolida-se com a aceitação da herança ou legado, momento esse em que, nos termos do n.º 1 do art.º 2050.º do CC, se dá a aquisição do domínio e posse dos bens da herança, independentemente da sua apreensão material, retrotraindo tais efeitos jurídicos, nos termos do n.º 2, ao momento da abertura da sucessão. Isto é, a aceitação “reveste carácter constitutivo” e não “o papel de mera confirmação da aquisição sucessória” (v. o mesmo Autor, ibidem, p. 155).
Casos há em que o parente sucessível, pela morte do autor da herança, foi chamado à sucessão, mas, porque faleceu (em momento posterior, portanto, ao autor da herança), não a aceitou, nem repudiou. Nesses casos, é despoletado o mecanismo da transmissão do direito de aceitar. Isto é, tal como resulta do n.º 1 do art.º 2058.º do CC, falecendo o sucessível chamado à herança sem a haver aceitado ou repudiado, transmite-se aos seus herdeiros o direito de aceitar ou repudiar. Esta transmissão, de harmonia com o n.º 2, só se verifica se os herdeiros aceitarem a herança do falecido, o que não os impede de repudiar, querendo, a herança a que este fora chamado.
Com a transmissão do direito de aceitar a herança registam-se “dois fenómenos sucessórios”: por óbito do autor da herança, o seu sucessor adquire, “não propriamente as relações jurídicas de que [aquele] era titular, mas o direito de aceitar ou repudiar a herança”; “e este direito de aceitar ou repudiar”, não tendo sido exercido pelo transmitente, transmite-se para o transmissário” (v. o mesmo Autor, ibidem, p. 234).
A transmissão do direito de aceitar a herança é, assim, “derivada”, pressupondo, como refere Capelo de Sousa, que “o sucessível tenha falecido e que este falecimento se dê após a abertura da sucessão do de cujus, sem que o chamado tenha exercido o seu direito de aceitar ou repudiar a sucessão” (in Lições de Direito das Sucessões, Vol. I, p. 313).
O fenómeno da transmissão dá-se, tendo presente o que dispõe o n.º 1 do art.º 2058.º do CC, relativamente aos herdeiros do herdeiro do autor da herança, isto é, de acordo com os art.ºs 2131.º e 2132.º do CC, o cônjuge, os parentes e o Estado.
Essa transmissão dá-se, por outro lado, obedecendo à seguinte ordem, resultante do n.º 1 do art.º 2133.º do CC: (a) cônjuge e descendentes; (b) cônjuge e ascendentes; (c) irmãos e seus descendentes; (d) outros colaterais até ao quarto grau; (e) Estado, sendo que, por força do n.º 2, o cônjuge sobrevivo integra a primeira classe de sucessíveis, salvo se o autor da sucessão falecer sem descendentes e deixar ascendentes, caso em que integra a segunda classe. Sublinhe-se, ainda, que, segundo o n.º 3, o cônjuge só não sucede se à data da morte do autor da sucessão se encontrar divorciado ou separado judicialmente de pessoas e bens, por sentença que já tenha transitado ou venha a transitar em julgado, ou ainda se a sentença de divórcio ou separação ver a ser proferida posteriormente àquela data, nos termos do n.º 3 do art.º 1785.º do CC.
Ora, extraindo as devidas consequências do que acaba de ser dito para o caso que nos ocupa, temos o seguinte.
O presente inventário destina-se à partilha dos bens deixados por óbito de CC.
Com o respetivo falecimento, ocorrido em 06-03-2016, abriu-se a respetiva sucessão e foram chamados aqueles que eram, nessa data, os seus sucessores, entre os quais figurava a sua filha, então ainda viva, EE.
Esta, contudo, veio a falecer em 11-11-2028, mas sem aceitar, nem repudiar a herança do seu pai, pelo que se verificou a transmissão para os seus sucessores do direito de aceitar a dita herança.
Ora, o Apelante, aquando da morte da referida filha do inventariado, era casado com esta e, portanto, seu sucessor, aliás, independentemente de qual fosse o regime de bens do respetivo casamento, que até poderia ser o da separação (note-se que, à luz do n.º 3 do art.º 2133.º do CC, só o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens decretados por sentença definitiva ou que venha a tornar-se definitiva é que exclui o cônjuge da classe de sucessíveis).
Sendo sucessor da filha do inventariado, transmitiu-se para si o direito de aceitar a herança deste. E transmitindo-se para si o direito de aceitar a herança correspondente, forçoso é considerá-lo interessado direto na partilha e, portanto, detentor de legitimidade para instaurar o presente inventário.
De resto, a herança pode ser aceite pura e simplesmente ou a benefício de inventário (art.º 2052.º, n.º 1 do CC) e a aceitação a benefício de inventário faz-se requerendo inventário (art.º 2053.º do CC); a instauração do presente inventário pelo Apelante mais não traduz, por conseguinte, do que o exercício do direito correspondente.
Em suma, o Apelante tinha legitimidade para requerer o inventário, pelo que procede a Apelação, com a consequente revogação da decisão recorrida, que decidira em sentido oposto e o normal prosseguimento dos autos.
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Porque deu causa ao incidente e, como tal, porque único vencido na questão suscitada no recurso, suportará o interessado BB as custas da apelação (art.ºs 527.º e 529.º do CPC).
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IV.- Decisão
Termos em que se decide julgar procedente o presente recurso de apelação e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, declarando-se o Apelante como detentor de legitimidade para requerer o presente inventário, cujos autos deverão, por conseguinte, prosseguir os seus termos normais.
Custas da apelação pelo interessado BB.
Notifique.