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ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
PEDIDO DE REEMBOLSO
PRAZO PARA INTENTAR A AÇÃO
PRAZO PRESCRICIONAL DO DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
PEDIDO DE APOIO JUDICIÁRIO
NOMEAÇÃO DE PATRONO
DATA
Sumário
I - O direito à restituição por enriquecimento sem causa prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do enriquecimento (art.º 482.º do CC). II - Discutindo-se na ação a restituição do equivalente pecuniário do que, no âmbito de uma união de facto, foi pago pelo titular do direito, em vista do projeto de vida em comum estabelecido pelas partes entre si, esse projeto de vida constituiu a causa da deslocação daqueles valores pecuniários. III - Tendo a união de facto evoluído para o casamento, o projeto de vida em comum assim concebido manteve-se ao longo de todo o período de convivência recíproca, só cessando com o divórcio do casal. IV - O momento em que o divórcio se tornou definitivo marca, assim, o momento em que despareceu a causa das transferências de valores efetuadas pelo empobrecido e, por conseguinte, o momento a partir do qual este ficou ciente do direito que lhe competia, iniciando-se, a partir de então, o prazo de prescrição de três anos previsto no referido preceito. V - Tendo a ação de restituição sido instaurada por patrono nomeado no âmbito do regime do acesso ao direito e aos tribunais, a data da formulação desse pedido de nomeação corresponde à data da instauração da ação (art.º 33.º, n.º 4 do D.L. 34/2004, de 29/07). VI - Presumindo o legislador que a ação se considera instaurada na data do pedido de nomeação de patrono, deve considerar-se, também, que tal pedido coenvolve o pedido de citação do réu, pelo que esta, enquanto fator interruptivo da prescrição, opera logo que decorridos os cinco dias previstos no n.º 2 do art.º 323.º do CC.
Texto Integral
Processo n.º 161/23.0T8BAO-A.P1 - Recurso de apelação
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Cível de Matosinhos, Juiz 1
Recorrente: AA
Recorrida: BB
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Sumário
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.- Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto,
I.- Relatório
.- BB instaurou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra AA, pedindo que, pela sua procedência, seja o Réu condenado a pagar-lhe a quantia de € 32.655,6, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, desde a citação até integral pagamento.
Para tanto, e em síntese, alegou o seguinte.
Em fevereiro de 2001, começou a viver com o Réu em condições análogas às dos cônjuges, sendo que, em 18-09-2008, ambos casaram entre si.
Durante a união de facto, exerceu atividade remunerada e, com o Réu, contribuiu para o sustento e demais despesas do agregado familiar.
A 2 de outubro de 2007, o Réu contraiu junto do Banco 1..., S.A. um empréstimo destinado a obras em prédio urbano da sua propriedade, no valor de € 52.453,50, entretanto transferido, a 31 de julho de 2009, para a Banco 2..., numa altura em que o valor em dívida era o de € 49.442,98. As despesas de escritura e registo, no montante de € 272,00, e a amortização do empréstimo pelo referido valor, foram suportadas por ambos, pelo que detém sobre o Réu um crédito de € 1.641,30, correspondente a 50% dos pagamentos que efetuou.
A 25 de março de 2007, compraram um relógio no valor de € 1.300,00 e a 31 de agosto de 2008 compraram mais relógios, no valor de € 4.890,00, detendo, assim, um crédito sobre o Réu no montante de € 3.095,00.
A 30 de agosto de 2005, o Réu e a ex-mulher celebraram escritura de partilha, sendo pagas a esta, pela Autora e pelo Réu, tornas no valor de € 7.500,00, bem como IMT no valor de € 487,50, detendo sobre o Réu, assim, um crédito de € 3.493,80.
A 23 de março de 2007, o Réu, a mãe e as irmãs outorgaram escritura pública de renúncia ao usufruto e permuta, tendo Autora e Réu pago à irmã deste, a título de tornas, a quantia de € 15.170,52; detém sobre este, por isso, um crédito de € 7.585,30. Ainda quanto a esta escritura, ambos suportaram outras despesas, no valor total de € 827,00, detendo sobre o Réu, por isso, um crédito de € 413,50.
De 2001 a maio de 2008, Autora e Réu pagaram à mãe deste, mensalmente, a quantia de € 250,00, referente à renda do apartamento onde residiam, no montante global de € 19.250,00, detendo sobre o Réu, assim, um crédito de € 9.625,00.
Autora e Réu, de 2001 a 2008, pagaram ambos o IMI do apartamento onde residiam, no valor global de € 2.866,22, detendo sobre o Réu, por isso, um crédito de € 1.433,10.
Em 2001, pagaram ambos obras no mesmo apartamento, cujo custo ascendeu a € 1.774,12, detendo sobre o Réu, por isso, um crédito de € 887,10.
Também pagaram, a título de despesas de condomínio: de 2001 a 2003, € 750,00; de 2004 a 2008, a quantia de € 2.000,00; tem, assim, um crédito sobre o Réu de € 1.375,00.
Em 2003, foram feitas obras no prédio mãe onde se integra a fração do Réu, tendo ambos pago a quantia de € 6.213,00; tem, assim, um crédito sobre o Réu de € 3.106,50.
Em 6 de junho de 2019, divorciaram-se e, para partilha do património comum, recorreram a inventário; este não abrange, todavia, o período temporal da união de facto, justificando-se o recurso a esta ação para obter do Réu o pagamento das quantias por este devidas, com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, previsto no art.º 473.º do
Código Civil.
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Citado, contestou o Réu, defendendo-se, além do mais, por exceção, invocando a exceção perentória de prescrição do direito da Autora, por ter já decorrido o prazo prescricional de 3 anos previsto no art.º 482.º do CC.
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No exercício do contraditório, respondeu a Autora à exceção deduzida pelo Réu, batendo-se pela sua improcedência.
Para tanto, e em suma, sustentou que se divorciaram em 06-06-2019.
Em 15 de março de 2022, apresentou na Segurança Social pedido de proteção jurídica, na modalidade, além do mais, de nomeação de patrono.
Assim, tendo presente o disposto no n.º 4 do art.º 33.º da Lei 34/2004, de 29/07, a presente ação considera-se proposta naquela data, pelo que não está prescrito o seu direito.
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Dispensada, depois de ouvidas as partes, a audiência prévia, foi proferido, além de despacho a fixar em € 32.665,60 o valor da causa, saneador-sentença a conhecer da exceção perentória de prescrição deduzida pelo Réu, julgando-a improcedente.
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Inconformado com esta decisão, dela interpôs o Réu o presente recurso, batendo-se pela sua revogação e pela consequente declaração de que o direito da Autora está prescrito, formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:
“I.- O presente recurso vem interposto do despacho saneador proferido em 17-06-2024, com a ref.ª 461058243, que julgou improcedente a exceção de prescrição deduzida pelo Réu, sendo tal decisão suscetível de impugnação mediante a interposição de recurso de apelação, nos termos do artigo 644.º, n.º 1, al. b), do CPC.
II.- No caso sub judice, vindo alegado pela Autora que começou a viver com o Réu em condições análogas às dos cônjuges desde Fevereiro de 2001 até 18-09-2008, altura em que contraíram matrimónio, procedeu alegadamente a diversos pagamentos relacionados quer com bens próprios do Réu, quer com bens adquiridos por ambos, e dos quais pretende ser ressarcida ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa, por se terem divorciado em 2019, a contagem do prazo de prescrição far-se-á nos termos do disposto do artigo 482.º do Cód. Civil que estabelece que “o direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do enriquecimento”.
III.- O conhecimento do direito que lhe compete a que alude o art.º 482.º do C. Civil, refere-se à consciência adquirida pelo credor da possibilidade da restituição através do instituto do enriquecimento sem causa, quando da constatação de um enriquecimento sem causa de terceiro, obtido à sua custa e na verificação de que o seu ressarcimento não poderá ser feito por outra via.
IV.- Conforme dispõe o n.º 1 do artigo 1789.º do Cód. Civil, os efeitos do divórcio produzem-se a partir do trânsito em julgado da respetiva sentença, mas retrotraem-se à data de proposição da ação quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges.
V.- Tratando-se a presente ação de matéria que se prende claramente com as relações patrimoniais, o momento “em que a Autora tomou conhecimento dos pressupostos do direito à restituição por enriquecimento sem causa” é o da instauração da ação de divórcio em 03-04-2018.
VI.- Pelo que, mesmo que se considere que a ação foi proposta na data em que foi apresentado o pedido de nomeação de patrono (15-03-2022) e prevalecendo-se a Autora da citação ficcionada no n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil, as eventuais obrigações do Réu já se encontravam prescritas em 03-04-2021, ainda antes do requerimento de proteção jurídica formulado pela Autora.
VII.- Por conseguinte, deverá aquele despacho proferido em 17-06-2024, com a ref.ª 461058243, que julgou improcedente a exceção de prescrição deduzida pelo Réu, ser alterado por outro que determine que o exercício do direito por parte da Autora já se encontra prescrito.”
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Não foi apresentada resposta ao recurso.
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O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo e assim recebido nesta Relação, que o considerou corretamente admitido e com o efeito legalmente previsto.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II.- Das questões a decidir
O âmbito dos recursos, tal como resulta das disposições conjugadas dos art. ºs 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 641.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil (doravante, CPC), é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente.
Isto, com ressalva das questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado ou das que se prendem com a qualificação jurídica dos factos (cfr., a este propósito, o disposto nos art. ºs 608.º, n.º 2, 663.º, n.º 2 e 5.º, n.º 3 do CPC).
Neste pressuposto, a questão que, neste recurso, importa apreciar e decidir é a seguinte:
.- saber se decorreu o prazo prescricional previsto no art.º 482.º do CC e, consequentemente, se está prescrito o direito que a Autora pretende fazer valer nesta ação, fundado no instituto jurídico do enriquecimento sem causa.
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III.- Da Fundamentação
III.I.- Na presente decisão, cumpre ter presentes os seguintes factos, que já se mostram provados em virtude do acordo das partes, da prova documental com força probatória plena junta aos autos e dos demais elementos do conhecimento oficioso desta Relação (art.º 607.º, n.º 4, ex vi art.º 663.º, n.º 2, do CPC):
1.- A Autora começou a viver com o Réu em fevereiro de 2001.
2.- Partilhando a mesma mesa e habitação.
3.- Passeando, saindo juntos e auxiliando-se, reciprocamente, no seu dia-a-dia.
4.- Relacionando-se afetiva e sexualmente.
5.- Vivendo como se fossem marido e mulher e assim sendo reconhecidos e tratados por todas as pessoas.
6.- Principalmente, por aquelas com quem mais se relacionavam.
7.- Tudo isto, publicamente e com a intenção mútua de virem a contrair matrimónio.
8.- O que aconteceu em 18-09-2008.
9.- Por sentença transitada em julgado em 11-06-2019, foi dissolvido, por divórcio, o casamento de ambos.
10.- Para partilha do património comum adquirido durante o casamento, recorreram a inventário.
11.- A Autora, em vista da instauração desta ação, requereu junto do Instituto da Segurança Social - IP, em 15-03-2022, proteção jurídica na modalidade, entre outras, de nomeação e pagamento faseado de patrono.
12.- O Réu foi citado para a ação em 3 de julho de 2023.
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III.II.- Do objeto do recurso
.- Da prescrição do direito da Autora, fundado no instituto jurídico do enriquecimento sem causa
.- Nesta ação invoca a Autora/Apelada que viveu em união de facto com o Réu/Apelante e que, mercê dessa coabitação e em vista do futuro casamento de ambos, suportou, com dinheiro seu, despesas comuns ou do interesse do Apelante.
A união de facto evoluiu para o casamento de ambos entre si, mas o matrimónio dissolveu-se por divórcio por sentença tornada definitiva em 11-06-2019, cessando então, por esse motivo, a causa do pagamento das referidas despesas.
De tal circunstância adveio, relativamente àquilo que, aquando da união de facto, pagou e na medida do pagamento que efetuou, o enriquecimento do Apelante e, por contraponto, o seu próprio empobrecimento.
Pugna, assim, pela condenação do Apelante a pagar-lhe o valor em causa, com fundamento no instituto jurídico do enriquecimento sem causa.
O Apelante, na contestação, opôs-se a tal pretensão, invocando, além do mais, a exceção perentória de prescrição daquele direito, por, na sua ótica, já ter decorrido o prazo prescricional de 3 anos previsto no art.º 482.º do CC, mas esta pretensão foi desatendida na decisão recorrida, que, por esse motivo, determinou o normal prosseguimento da causa.
Inconformado com essa decisão, dela interpôs o Apelante o presente recurso, insurgindo-se contra a posição da 1.ª instância de que não há prescrição atendível e pugnando, pelo contrário, pela declaração da prescrição com a consequente extinção do direito da Apelada.
É essa, pois, a prescrição do direito da Apelada, a questão que aqui cumpre apreciar.
.- Está aqui em causa, como se viu, a prescrição do direito da Apelada fundado em enriquecimento sem causa.
A propósito deste instituto jurídico, dispõe o art.º 473.º, n.º 1 do CC que aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.
Da leitura de tal preceito, resulta que são três os requisitos necessários à sua verificação: (i) que haja um enriquecimento; (ii) que o enriquecimento ocorra à custa de outrem; (iii) que o enriquecimento não tenha causa que o justifique.
O enriquecimento, segundo Almeida Costa (in “Direito das Obrigações”, Coimbra, 1991, p. 393) será o “enriquecimento da pessoa obrigada à restituição” e “há-de traduzir-se numa melhoria da sua situação patrimonial, que se apura segundo as circunstâncias”, podendo, nomeadamente, “derivar da aquisição de um novo direito, como do acréscimo do valor de um direito que já lhe pertencia”, ou então por “diminuição do passivo”.
Tal enriquecimento ocorrerá à custa de outrem, segundo o mesmo Autor (ibidem, p. 395), quando o enriquecimento seja feito à custa de um “empobrecimento”, o que pode emergir de variadas situações, como seja “uma despesa que se efetua, um trabalho prestado sem remuneração, uma renda que não se cobra, etc.”.
E ocorrerá sem causa justificativa, ainda segundo o mesmo (ibidem, p. 399 a 401), quando o enriquecimento não tenha subjacente “uma causa jurídica justificativa dessa deslocação patrimonial – ou porque nunca a houve ou porque, entretanto, desapareceu” (sublinhado nosso).
A inexistência de causa justificativa constitui um pressuposto essencial à afirmação do direito do empobrecido, sendo, por isso, um facto constitutivo desse direito, cujo ónus da prova recai sobre este, em função do que dispõe o art.º 342.º, n.º 1 do CC.
.- A propósito da prescrição, dispõe o art.º 298.º, n.º 1 do CC que estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.
A prescrição é, como refere Carlos Alberto Mota Pinto, uma forma de “extinção de direitos”, consubstanciada no seu não exercício “durante certo tempo fixado na lei”. Deste modo, quem dela beneficia, pode, uma vez decorrido o respetivo prazo, “recusar o cumprimento da prestação ou opor-se ao exercício do direito prescrito” (in Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, 1991, p. 374).
Assenta, segundo Manuel de Andrade, na “negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei. Negligência que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (o titular), indigno de protecção jurídica (dormientibus non sucurrit ius) (in Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, Coimbra, 1987, p. 445).
Tal como decorre do n.º 1 do art.º 304.º do CC, a prescrição, uma vez completada, tem como efeito o de garantir ao beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação a que está adstrito ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.
No estrito campo do enriquecimento sem causa, dispõe o art.º 482.º do CC que o direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do enriquecimento.
Resulta de tal preceito legal que, em matéria de prescrição, há como que dois prazos atendíveis, isto é, novamente segundo Almeida Costa (ibidem, p. 414): “por um lado, a prescrição ordinária só é relevante quando o direito à restituição não houver prescrito antes pela prescrição de três anos; mas, por outro lado, ela opera sempre, mesmo que o empobrecido não chegue a ter conhecimento do seu direito e da pessoa responsável pela restituição”.
No nosso caso, releva o prazo de três anos, cuja contagem, como decorre do preceito em consideração, tem início a partir do momento em que a pessoa que reclama a restituição fica a saber que está em condições de exercer o direito e contra quem deverá fazê-lo.
Ora, subjacente a esta ação, está um suposto enriquecimento do Apelante e um empobrecimento da Apelada no âmbito da união de facto estabelecida entre ambos.
Ou seja, como bem se referiu na sentença recorrida, a Apelada “alegou que, no âmbito do projeto de vida que teve em comum com o Réu, com quem começou a viver, em condições análogas às dos cônjuges, em Fevereiro de 2001, com a intenção mútua de virem a contrair matrimónio, o que aconteceu em 18/9/2008, procedeu, antes do casamento, a diversos pagamentos relacionados quer com bens próprios do Réu, quer com bens adquiridos por ambos, dos quais pretende ser ressarcida ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa (…).”
Por esta via, “[e]stá (…) configurada na petição inicial a existência de uma deslocação de valores do património da Autora (empobrecida) para o património do Réu (enriquecido), através de diversos actos materiais que se estenderam pelo período em que durou o projecto de vida em comum, mas em momentos anteriores ao casamento”, pelo que “(…) a causa da deslocação dos valores patrimoniais da Autora para o Réu, de acordo com o alegado pela própria, foi o projecto de vida em comum que conceberam (…)” (sublinhado nosso).
Ora, o projeto de vida em comum concebido por Apelante e Apelada desenvolveu-se, num primeiro momento, enquanto união de facto e evoluiu, num segundo momento, para o casamento, pelo que, ao longo de todo o período de duração da convivência recíproca, manteve-se a razão de ser - a causa - das aludidas transferências de valores pecuniários com origem no património da Apelada.
Essa razão de ser ou essa causa cessou, contudo, a partir do momento em que o projeto de vida se rompeu definitivamente e tal ocorreu necessariamente no momento em que o divórcio de ambos entre si se tornou definitivo.
Como, mais uma vez, se referiu na sentença recorrida, “com o divórcio de ambos, extinguiu-se a causa, deixando de haver justificação para o alegado enriquecimento do Réu. O termo da relação conjugal, com a decretação do divórcio, funcionou, no caso, como evento gerador da perda da causa do enriquecimento do Réu à custa da deslocação de valores patrimoniais da Autora, fazendo deflagrar o direito de esta pedir a restituição dos valores alegadamente pagos em momento anterior ao casamento, mas que ocorreram no âmbito do projecto de vida em comum que iniciaram em Fevereiro de 2001 e que mantiveram ininterruptamente até ao divórcio.”
Ou seja, o trânsito em julgado da sentença de divórcio, verificado, como resulta dos factos provados, em 11-06-2019, marca o momento em que desapareceu a causa das transferências de valores efetuadas pela Apelada e, por conseguinte, o momento a partir do qual esta ficou ciente da existência do direito que lhe competia.
O mesmo é dizer que teve início naquela data, tal como se concluiu na sentença recorrida, a contagem do prazo de prescrição de três anos atendível no caso; e tendo início naquela data, ter-se-á completado em 11-06-2022, a menos que tenha ocorrido alguma causa de interrupção do mesmo.
Ora, a este respeito, a interrupção da prescrição verifica-se, como decorre do n.º 1 do art.º 323.º do CC, pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
Todavia, nos termos do n.º 2, se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
Sem prejuízo, de harmonia com o n.º 4 do art.º 323.º do CC, é equiparado à citação ou notificação para os efeitos supra expostos qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do ato àquele contra quem o direito pode ser exercido.
A prescrição é, ainda, nos termos do art.º 325.º, n.º 1 do CC, interrompida pelo reconhecimento do direito, efetuado perante o respetivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido, reconhecimento esse que tem de ser expresso, a menos, de acordo com o n.º 2, resulte de factos que inequivocamente o exprimem, caso em que, porque tácito, também relevará.
Verificada a interrupção, fica inutilizado para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr, tal como prescreve o n.º 1 do art.º 326.º do CC, novo prazo a partir do ato interruptivo; mas se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo, tal como resulta das disposições conjugadas dos art.ºs 327.º, n.º 1 e 326.º, n.º 1 do CC).
Ora, in casu, o Réu foi citado para os termos da causa em 3 de julho de 2023, muito além do prazo, por conseguinte, em que, num quadro de normalidade, se teria completado a prescrição de três anos, contada do trânsito em julgado da decisão que decretou o divórcio da Apelada e do Apelante entre si.
Importa, contudo, ter presente o seguinte, de resto, muito bem salientado na decisão recorrida.
A Apelada instaurou a ação patrocinada por patrono oficioso, nomeado no âmbito do regime do acesso ao direito e aos tribunais, requerido por aquela em 15 de março de 2022.
Preceitua o art.º 33.º, n.º 4 da Lei n.º 34/2004, de 29/07, que, tratando-se da nomeação de patrono, a ação considera-se proposta na data em que for apresentado aquele pedido de nomeação de patrono.
Temos, pois, que, tendo tal pedido sido formulado em 15 de março de 2022, é esta a data que, de acordo com a presunção do legislador, a ação se tem por instaurada.
Ora, viu-se atrás que a interrupção da prescrição ocorre, além doutras hipóteses que aqui não têm aplicação, com a citação, mas também que se esta não for efetuada dentro de cinco dias depois de requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram esses cinco dias.
Neste pressuposto, presumindo o legislador que, caso o autor requeira a nomeação de patrono, a ação se considera instaurada na data desse requerimento, impõe-se, então, e tal como referido no Acórdão da Relação de Guimarães de 12-07-2016, “que se ficion[e] (…) que o pedido de citação inerente à ação se considera efetuado” com a instauração da ação, tendo-se a prescrição por interrompida logo que decorridos esses cinco dias, por força do n.º 2 do art.º 327.º do CC (Acórdão proferido no processo n.º 1708/15.4T8VRL, disponível na internet, no sítio com o endereço www.dgsi.pt, citado na sentença recorrida).
Sublinhe-se que se trata aqui de posição largamente sufragada pela jurisprudência, servindo de exemplo nesse sentido os Acórdãos do STJ de 17-04-2013, citado naquele aresto da Relação de Guimarães, bem como da Relação do Porto de 27-10-2003 e de 01-07-2013, da Relação de Lisboa de 27-05-2020 e da Relação de Évora de 24-11-2022, todos disponíveis na internet, no sítio acima referenciado.
No presente caso, o requerimento de nomeação de patrono efetuado pela Apelada foi efetuado junto da Segurança Social, como se disse, em 15 de março de 2022, pelo que é nessa data que se considera instaurada a ação e requerida a citação do Apelante.
A prescrição tem-se, pois, por interrompida nos cinco dias subsequentes a tal data.
Ora, esse ato interruptivo ocorreu muito antes de perfeito o prazo de prescrição de três anos atendível e só retomará o seu curso normal depois de passada em julgado a sentença que vier a ser proferida nestes autos (v. o citado art.º 327.º, n.º 1 do CC).
Não há, pois, como bem se concluiu na sentença recorrida, prescrição atendível.
O Apelante, na sua peça recursória, bate-se por que seja considerado prescrito o direito que a Apelada pretende exercer nesta ação fundado no seguinte raciocínio: o direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, contado da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete.
O conhecimento do direito que lhe compete ‘refere-se à consciência adquirida pelo credor da possibilidade da restituição do instituto do enriquecimento sem causa, quando da constatação de um enriquecimento sem causa de terceiro, obtido à sua custa e na verificação de que o seu ressarcimento não poderá ser feito por outra via’.
Os efeitos do divórcio produzem-se, de acordo com o n.º 1 do art.º 1789.º do CC, a partir do trânsito em julgado da respetiva sentença, mas retrotraem-se à data da proposição da ação quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges.
Estando em causa na ação matéria que se prende com as relações patrimoniais, o momento em que a Autora tomou conhecimento dos pressupostos do seu direito é o da instauração da ação de divórcio em 03-04-2018, pelo que, mesmo que se considere que a ação foi proposta com o pedido de nomeação de patrono, em 15-03-3022, a prescrição do direito da Apelada já se completara em 03-04-2021.
Tal posição não pode, contudo, ser acolhida.
Na verdade, o instituto jurídico do enriquecimento sem causa é fonte autónoma de direitos e de obrigações, que obedece a requisitos específicos de verificação, não se confundindo, por conseguinte, com qualquer outro instituto jurídico, nomeadamente, o do divórcio.
Reveste-se, aliás, como resulta do disposto no art.º 474.º do CC, de natureza subsidiária, não havendo lugar à restituição por enriquecimento quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento.
Ou seja, o enriquecimento sem causa vale por si mesmo e não em função de quaisquer outros meios de tutela legal, cuja inexistência pressupõe.
Ora, o direito de restituição da Apelada, de acordo com o modo como esta o estruturou na ação, ter-se-ia consolidado, como se viu, com o desaparecimento da causa das transferências de valores que efetuou, pois que só então é que o seu suposto enriquecimento ficou sem causa.
E tal momento não é outro que não aquele em que o divórcio se tornou definitivo.
A instauração da ação de divórcio é o prenúncio da rutura do projeto de vida em comum, mas essa rutura só se concretiza efetivamente a partir do momento em que o divórcio opera todos os seus efeitos no ordenamento jurídico, pois que é nessa data que marca a extinção da causa que justificou tudo o que a Apelada terá disposto do seu património.
É certo que, como diz o Apelante, os efeitos patrimoniais do divórcio retrotraem-se à data da propositura da ação, mas essa retroação de efeitos é irrelevante no caso.
Desde logo, porque do que se trata aqui não é de efeitos do divórcio, mas da verificação dos requisitos do enriquecimento sem causa, os quais, no caso, pressupõem, como se viu, face ao desenho da ação feito pela Apelada, a rutura do projeto de vida comum de ambas as partes.
Ao dizer-se que o momento em que o divórcio das partes se tornou definitivo marca o momento da rutura da projeto de vida de ambos não se está, assim, a converter o divórcio em requisito do direito da Apelada à restituição por enriquecimento, mas apenas a utilizá-lo como mera referência temporal daquele que é o verdadeiro requisito daquele direito, isto é, a rutura do projeto de vida de ambos.
Acresce que, subjacente ao direito reclamado pela Apelada, está, não o casamento e, consequentemente, o divórcio de ambos entre si, mas a união de facto que precedeu a sociedade conjugal.
Ora, ainda que a união de facto, no que respeita aos efeitos patrimoniais decorrentes da vida em comum, seja suscetível de produzir efeitos que, em última linha, o aproximam dos efeitos do divórcio, o certo é que união de facto, por um lado, e casamento e o divórcio, por outro lado, constituem institutos jurídicos diversos e independentes entre si.
Não é, pois, e como se referiu no Acórdão da Relação de Guimarães de 09-06-2016 acima referido, “de aplicar à união de facto o regime do casamento quanto aos efeitos patrimoniais”.
Atribuir-se relevo, tal como propugnado pelo Apelante, à retroação dos efeitos patrimoniais do divórcio ao momento da instauração da ação correspondente, seria, contudo, considerar para efeitos de uma união de facto, o regime vigente para o divórcio, o que, pelas razões supra expostas, não é admissível.
Em suma, carece de fundamento a argumentação expendida pelo Apelante.
E carecendo, nenhuma censura merece a decisão recorrida ao julgar improcedente a prescrição do direito que a Apelada se propõe fazer reconhecer na ação, decisão essa que, como tal, deve ser mantida.
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Porque vencido no recurso, suportará o Apelante as custas da apelação (art.ºs 527.º e 529.º do CPC).
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IV.- Decisão
Termos em que se decide negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.
Custas da apelação pelo Apelante.
Notifique.
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Porto, 5-12-2024.
José Manuel Correia
Isabel Rebelo Ferreira
Manuela Machado