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CONTRATO DE COMPRA E VENDA
BEM IMÓVEL
DEFEITOS DA COISA TRANSMITIDA
CONHECIMENTO DO VÍCIO
DENÚNCIA DOS DEFEITOS
PRAZO DE CADUCIDADE
CADUCIDADE DO DIREITO À AÇÃO
Sumário
I - Numa situação em que tanto o comprador, como o vendedor, tinham conhecimento da situação/estado do imóvel, entendemos nem sequer estar perante uma situação de venda de coisa defeituosa, face ao que consta do art. 913.º, nº 1 do Código Civil. II - Resultando de documentos juntos pela própria recorrente, que a mesma tomou posse do imóvel em 28-02-2018, aí passando a habitar, logo tendo ficado a conhecer os alegados defeitos do mesmo, defeitos que nunca denunciou dentro do prazo de um ano de que dispunha para o efeito, teremos de concluir que tendo ultrapassado o prazo conferido pelo art. 916.º, nº 3 do Código Civil, o seu direito caducou, por aplicação do disposto no art. 917.º do mesmo diploma legal.
(Da responsabilidade da relatora)
Texto Integral
Apelação 2467/23.0T8VNG.P1
Acordam na 3ª secção do Tribunal da Relação do Porto
RELATÓRIO:
AA instaurou ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra BB, ambos melhor identificados nos autos, formulando o seguinte pedido: “Termos em que, deve a presente ação ser julgada procedente por provada e consequentemente ser o Réu condenado a: a) Eliminar de moto próprio os defeitos constantes dos artigos 15.º, 16.º e 17.º, e melhor concretizados no artigo 18.º, todos deste articulado, em prazo que lhe for determinado, após a sua opção por esta escolha de prestação; b) Subsidiariamente, e para o caso de não optar pelo cumprimento referido na alínea anterior, ser o Réu condenado na quantia pecuniária equivalente ao custo da reparação dos defeitos constantes do artigo 18.º deste articulado, no montante que vier a resultar da perícia que abaixo se requer; c) Ainda, subsidiariamente, vem a Autora declarar a compensação do seu contra crédito referido na alínea anterior com o crédito do Réu identificado no artigo 11.º deste articulado.
Para o efeito alegou, em síntese, que por contrato de compra e venda de 31 de outubro de 2019, adquiriu ao réu uma fração autónoma que identifica, pelo preço de € 285 000,00; que, contudo, já em 28 de fevereiro de 2022, o réu lhe havia dado a posse do imóvel, mediante o pagamento de determinada quantia, tendo sido celebrado contrato promessa de compra e venda em 30 de abril de 2018; que tal contrato não se encontra totalmente cumprido, por falta de pagamento parcial do preço, pela autora, parte do preço que retém por não terem sido eliminados os defeitos que o imóvel apresenta e cujo valor seria descontado no preço.
Uma vez citado, o réu apresentou contestação, através da qual, no que para o caso interessa, veio arguir a exceção de caducidade.
Findos os articulados, foi proferido despacho saneador, através do qual, entre outras questões, foi julgada procedente a exceção perentória de caducidade e o réu absolvido dos pedidos, com o seguinte teor, na parte relevante para a apreciação do recurso: “Exceção perentória de caducidade. Vem o réu arguir a exceção de caducidade do direito exercido pela autora, alegando que a autora não denunciou os defeitos no prazo de 1 ano após o seu conhecimento. Em audiência prévia, pronunciou-se a autora no sentido da improcedência da exceção, invocando que a denúncia dos defeitos que suporta o direito de ação aqui exercido foi efetuada na petição de embargos de executado, entrada em juízo em 07.07.2020, em ocasião em que não havia decorrido o prazo de um ano desde a data de formalização da venda – 31.10.2019 -, que exauriu os efeitos do contrato promessa que a precedeu, pelo que se encontra em tempo para instaurar a ação. Com relevância para apreciação da exceção, importa considerar que, em sede de petição inicial, a autora alega que: - em 28 de fevereiro de 2018 entrou na posse da casa objeto do contrato promessa, que passou a habitar e onde fixou a residência do respetivo agregado familiar; - os defeitos existentes no prédio adquirido pela Autora e marido foram denunciados por aquela ao Réu na oposição por embargos de executado, deduzida em 07/07/2020; segundo a própria autora, já então referia que «o exequente bem sabe, que a casa necessitava de muitas obras, pois estava inacabada e o que ficou estipulado, malogradamente apenas verbalmente, entre as partes, é que após o pedido de um orçamento por parte da executada para as ditas obras, exequente e executada “fariam as contas”»; - os defeitos do prédio vendido e então denunciados consistiam nos seguintes trabalhos: a) A remoção e aplicação de tetos em “pladur” para possibilitarem a colocação de aparelhos de ar condicionado inexistentes, com a consequente colocação dos mesmos; b) Fornecimento, instalação e aplicação da aspiração central inexistente; c) Reparação de infiltrações de humidades nos chãos e nas paredes, com as necessárias pinturas, bem como raspagem e envernizamento dos pavimentos em madeira; d) Remoção de azulejos e banheira para retificação de fugas de água e colocação de novos azulejos; - os indicados defeitos podiam e podem ser reparados pelo vendedor, ora Réu. Interpela agora a Autora o réu para que este corrija e, consequentemente, cumpra a sua obrigação de eliminar os referidos defeitos. A presente ação entrou em juízo em 20.03.2023. Importa apreciar. Dos elementos factuais expostos resulta que a autora, aludindo a uma casa adquirida ao réu que terá passado a habitar em fevereiro de 2018, em relação à qual foi negociado um preço (ou abatimento à tranche final deste) que teria em conta a situação do imóvel (ou seja, defeitos por si conhecidos), situa a denúncia em 07/07/2020, data em que deduziu embargos à execução. Na contestação deduzida aos embargos, já o aqui réu havia invocado a caducidade do direito, por apenas ter tido conhecimento da existência dos “alegados defeitos” (que, contrariamente ao que refere a autora, já naqueles autos foram impugnados) no momento da apresentação dos embargos, pelo que, já então, estaria extinto o direito da embargante, aqui autora. Em relação aos factos que aqui se discutem, o regime legal que estipula os prazos de exercício de direitos encontra-se vertido nos artigos 916º e 917º do Código Civil. De acordo com o nº3 do primeiro dos citados preceitos legais, a autora teria um prazo máximo de um ano após a entrega do imóvel para denunciar os defeitos do imóvel. Se é certo que a autora, em sede de embargos, alegou a existência de um acordo relacionado com a assunção pela própria da obrigação de reparação dos defeitos contra um abatimento no preço, parece seguro que essa versão dos factos não obteve qualquer prova, encontrando-se estabilizado, por efeito de caso julgado, o reconhecimento do crédito global que o aqui réu titula sobre a autora. Cremos, adiantando razões, que à luz da própria versão dos factos carreada para os autos pela autora, se impõe concluir que assiste razão ao réu. Se os defeitos eram conhecidos no momento em que a autora tomou posse do imóvel, ainda que esta alegue apenas ter obtido um suposto orçamento de reparação em 10.11.2019, a autora encontrava-se em condições de os denunciar nessa ocasião, como já referiu o aqui réu no contexto da contestação deduzida aos embargos, não sendo relevante para o efeito a data de outorga do documento de formalização da compra e venda. Por outro lado, a invocação da exceção não tem por referência a data de celebração do contrato promessa ou qualquer específico clausulado formal que conste do mesmo, mas sim o efeito de tradição do imóvel que, em antecipação do referido contrato promessa, permitiu à autora entrar de imediato na posse do imóvel prometido vender, que passou a habitar. Se o direito já se encontrava extinto à data de dedução dos embargos – no contexto dos quais, formalmente, a menção à existência de defeitos não foi invocada com o sentido de denunciar a sua existência, mas antes com o de indicar um valor de reparação a deduzir ao preço -, forçosamente terá que ser considerado como ferido de caducidade nesta sede. Como se refere no Acórdão da Relação do Porto de 26-06-2012 (processo nº823/09.5TBMAI.P1, disponível na base de dados da DGSI), “(…) de entre os vários direitos concedidos por lei ao comprador, na reacção contra a venda de coisa defeituosa, conta-se o direito a exigir a reparação da coisa, através da eliminação dos defeitos de que ela padece, cfr. art.º 914.º do C.Civil. Sendo que a denúncia dos defeitos tem de ser feita, no caso que releva nos autos (coisa imóvel) dentro de cinco anos após a entrega da coisa, cfr. art.º 916.º n.ºs 2 e 3 do C.Civil. Assim sendo, tal como nos autos, sendo a coisa vendida um bem imóvel, o direito do comprador de pedir a eliminação/reparação dos defeitos caduca se decorrido um ano a contar do conhecimento do defeito, não seja feita a denúncia ou se houverem decorrido cinco anos, a contar da entrega da coisa, sem haver denúncia. A questão dos autos resume-se em suma a saber quando é que se iniciou a contagem do prazo dentro do qual a autora/apelante deveria ter denunciado à ré a existência de defeitos e pedido a correcção dos mesmos. Dúvidas não existem de que o prazo se inicia quando a coisa é posta à disposição do comprador, quando este dela toma posse, por forma a que imediata e directamente a possa utilizar e retirar dela todas as utilidades que lhe são próprias e a que se destina”. No caso do aresto citado, como nos presentes autos, relevante para efeitos de contagem do prazo de denúncia de eventuais defeitos é o momento da entrega da coisa vendida e não, por ser inócuo enquanto meio passível de permitir ao comprador conhecer os defeitos da coisa, o momento da formalização da venda. Nesta medida, confessando a autora que entrou na posse do imóvel em 28.02.2018 – artigo 2º - e que denunciou os defeitos aquando da dedução de embargos em 07.07.2020 (conhecidos desde o momento em que negociou a sua aquisição, já que, segundo alegou a própria – ainda que não o tenha provado -, a circunstância de o mesmo necessitar de múltiplas reparações teria contribuído para abater ao remanescente do preço), o prazo de que dispunha para o efeito já havia caducado nessa data. Diga-se, aliás, que muito embora a autora refira – artigo 15º da petição inicial -, que efetuou no articulado de embargos a denúncia dos defeitos cuja reparação aqui reclama, a realidade é que, como a própria autora refere nos artigos 16º e 17º do articulado inicial, a menção à existência dos aludidos defeitos não corresponde a uma denúncia – no sentido de interpelação do vendedor com vista a dar conhecimento da existência de vício ou falta de qualidade da coisa vendida -, mas a uma mera alusão ao resultado de um orçamento por si obtido. O que a autora refere nos embargos de executado (artigos 12º e 13º), analisados no processo sob acompanhamento, é que “a casa vendida necessitava de muitas obras, pois estava inacabada e o que ficou estipulado, malogradamente apenas verbalmente, entre as partes, é que após o pedido de um orçamento por parte da executada para as ditas obras, exequente e executada “fariam contas”, no sentido de se entenderem quanto ao valor ainda a liquidar ao exequente (…) após ter chamado um técnico à casa, para aferir das obras que a mesma necessitava, a executada ficou a saber que as mesmas orçavam em mais de € 55.000,00 (…)”, acrescentando que perante tal orçamento, que incluía entre outras, obras como remoção e aplicação de tetos, retificação de chãos e paredes devido a humidades, remoção de azulejos e banheira, para retificação de fugas de água e colocação de novos, pintura de tetos e paredes, a executada falou com o exequente para acertarem as contas. Sem prejuízo de já nessa data o direito da autora se encontrar ferido de caducidade, o alegado em sede de embargos não poderia, nesta perspetiva, ser encarado como uma denúncia de defeitos destinada a obter do vendedor o cumprimento da obrigação de reparação. A aquisição de um bem imóvel que a autora terá percecionado que carecia de obras, não equivaleria à venda de um bem defeituoso, isto é, de um bem que não tinha as qualidades asseguradas pelo vendedor ou que não seria apto ao fim habitacional a que, não só se destinava, como efetivamente se destinou, já que a autora passou imediatamente a habitá-lo. Essa denúncia só pode ser vista como efetuada na presente ação, em que a autora, alterando a sua versão dos factos, procura subsumir o contrato à disciplina da venda de coisa defeituosa. A caducidade consiste na falta de exercício de um direito disponível num determinado lapso de tempo fixado pela lei - artigo 298º do Código Civil. A consagração deste instituto tem como fundamento a negligência do titular do direito em fazer valer esse mesmo direito durante um determinado lapso de tempo, autorizando a presunção de que o titular pretende renunciar a esse direito, ou pelo menos, considerar que o titular, após aquele período, se torna indigno de proteção jurídica. Subjacente à consagração deste instituto encontram-se também as ideias de certeza e segurança jurídica - cfr. Vaz Serra “Prescrição e caducidade”, in BMJ 105-32. Teremos, em consequência, que concluir que, no caso concreto, a autora negligenciou o exercício do direito no prazo legal que para o efeito lhe era conferido, tendo ultrapassado o prazo conferido pelo art.º 916º, nº3 do Código Civil, com consequente caducidade da ação, por aplicação do disposto no art.º 917º do Código Civil, unanimemente reconhecido como aplicável às ações destinadas ao exercício de qualquer dos direitos que assistem ao comprador decorrentes dos invocados vícios da coisa adquirida – v. por todos, na jurisprudência, Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 12.10.2023 (processo nº13330/17.3T8LSB.L2.S1, disponível na base de dados da DGSI) e, na doutrina, João Calvão da Silva (in “Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Conformidade e Segurança”, Almedina, 2.ª ed., 76/77). Dado que a exceção foi regularmente arguida pelo réu – como já o havia sido em sede de contestação aos embargos -, impõe-se considerar extinto o direito da autora. Deste modo, concluímos que assiste razão ao R., procedendo a exceção invocada, que prejudica a apreciação da globalidade dos pedidos deduzidos, a título principal e subsidiário. Nos termos e fundamentos expostos, julgo procedente a exceção perentória de caducidade arguida e, em consequência, absolvo o réu dos pedidos contra si deduzidos pela autora. Custas a cargo da autora (art.º 527º, nº1 do Código de Processo Civil). Registe e notifique.”.
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Não se conformando com tal decisão, a Autora interpôs o presente recurso que foi admitido como de apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
São as seguintes, as conclusões das alegações apresentadas pela Apelante: “A) Conjugando o princípio do exato e pontual cumprimento dos contratos com o enunciado regime legal, pode afirmar-se que na execução do contrato de compra e venda o vendedor não está apenas obrigado a entregar ao comprador a coisa vendida. Está também obrigado a entregar-lhe o bem objeto do contrato isento de vícios físicos e de defeitos intrínsecos inerentes ao seu estado material, ou seja, em conformidade com o contratualmente estabelecido e com aquilo que for legitimamente esperado pelo comprador – artigos 406.º, n.º 1, 879.º, alínea b), e 913.º, a contrario, todos do Código Civil. B) É que, a execução defeituosa da prestação contratual constitui, por si só, uma violação do contrato e, como tal, um acto ilícito, despoletador de responsabilidade contratual, pelo que, tendo em conta o critério funcional de coisa defeituosa consagrado na lei, para aferir da correcta execução da prestação do contraente vendedor, importa saber se a coisa vendida é hábil e idónea para a função a que se destina. C) Ora, “A culpa constitui questão relevante para valorar a conduta do vendedor e para a reparação do dano, mas não já para a acção de cumprimento. O direito do credor de exigir o cumprimento da obrigação, perseguindo a legítima satisfação do seu interesse pela realização possível, em espécie, da prestação devida, não depende de culpa do devedor.”, concluindo de seguida que “Imputável ou não, o atraso no cumprimento ou o cumprimento imperfeito da obrigação de entrega da coisa não impede o comprador de exercer o direito ao cumprimento, exigindo a ainda possível entrega da coisa conforme ao contrato ou a sua reparação/substituição para fazer desaparecer o vício e obter o adimplemento perfeito com satisfação in natura do seu primário e perdurante interesse.” (cf. João Calvão da Silva, ob. cit.,págs. 60/61). D) Ora, sendo a execução defeituosa da prestação um ato ilícito, tem o credor lesado, no caso presente a compradora, que alegar e demonstrar os restantes requisitos da responsabilidade civil, desde logo, presumida que está a culpa do devedor, os factos que integram esse incumprimento, ou seja, o defeito. E) Foi o que fez a Autora nos artigos 18.º e 19.º do seu articulado inicial (petição), os quais apenas tiveram lugar à mesa da matéria factual (art.º 574.º do C. P. C.), com a sua impugnação pelo Réu no artigo 39.º da douta contestação, alegando que “não corresponde à verdade e por isso expressamente e especificamente se impugna o alegado nos artigos 10.º, 11.º, 12.º parcial, 14.º a 32.º da mesma Petição Inicial”. F) A culpa do vendedor na venda de coisa defeituosa presume-se (art.º 799.º, n.º 1, do Cód. Civil) e é apreciada em abstrato (art.º 799.º, n.º 2, do Cód. Civil), cabendo ao vendedor provar que o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua. G) Assim, dúvidas não restam que a norma aplicável ao caso dos autos, é o art.º 914.º do Cód. Civil, que reconhece ao comprador de coisa defeituosa os direitos de exigir a reparação ou a substituição da coisa (cf. Calvão da Silva, “Compra e Venda de coisas defeituosas”, 2008, pág. 62), que determina na parte final do citado artigo que a obrigação de reparar a coisa ou de a substituir não existe se o vendedor desconhecia sem culpa ou vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece. H) Assim, e descendo à matéria factual descrita na douta Decisão Recorrida, convém indagar se o Réu, nos temos do citado artigo 914.º, in fine, para se eximir ao dever de reparar os defeitos, tem de provar que desconhecia, sem culpa, o vício ou a falta de qualidade da coisa. I) No entanto, e quanto á questão desta douta Decisão, que se limita a “saber quando é que se iniciou a contagem do prazo dentro do qual a autora … deveria ter denunciado [ao] réu a existência de defeitos e pedido a correção dos mesmos”, propendeu o Tribunal Recorrido para o entendimento que “relevante para efeitos de contagem do prazo de denúncia de eventuais defeitos é o momento da entrega da coisa vendida e não, por ser inócuo enquanto meio passível de permitir ao comprador conhecer os defeitos da coisa, o momento da formalização da venda”. J) Ora, entre a tomada de posse pela Autora, em 28/02/2018 e a data da outorga do contrato de compra e venda – 31/10/2019, nada fazia prever que o Réu fosse instaurar, como instaurou, a referida Ação Executiva. K) Com efeito, tendo Autora e Réu, desde o princípio, assumido que a casa necessitava de muitas obras, pois estava inacabada, e só após a verificação do custo das obras tal valor seria abatido ao preço ainda em dívida pela aquisição da mesma, e lógico que não seria necessário denunciar qualquer defeito, pois os mesmos eram do perfeito conhecimento de ambos. L) Com efeito, tendo Autora e Réu, desde o princípio, assumido que a casa necessitava de muitas obras, pois estava inacabada, e só após a verificação do custo das obras tal valor seria abatido ao preço ainda em dívida pela aquisição da mesma, e lógico que não seria necessário denunciar qualquer defeito, pois os mesmos eram do perfeito conhecimento de ambos. M) Para quê denunciar algum defeito, se ambos sabiam que a casa os tinha, iriam ser reparados, e o custo abatido ao preço em dívida? N) O que necessitava de ser comunicado/denunciado ao Réu, relativamente a defeitos, que este ignorasse? O) Por isso, não se podia considerar que o exercício do direito do Réu vir invocar a caducidade da denúncia dos defeitos, fosse legítimo. P) Tanto mais que, a Autora só teve a certeza que o Réu não assumia a responsabilidade de custear a reparação dos defeitos, quando é citada para a Ação Executiva Q) Tanto mais que, a Autora só teve a certeza que o Réu não assumia a responsabilidade de custear a reparação dos defeitos, quando é citada para a Ação Executiva R) Por isso, a invocação da caducidade, a existirem os requisitos para tal, constituiria um nítido abuso de direito por parte do Réu. S) Por outro lado, como no caso concreto, apenas está em causa o exercício do direito de denúncia até um ano depois de conhecido o defeito, haverá que indagar a quem cabe o ónus da prova da falta de cumprimento de denúncia tempestiva. T) Sem prejuízo do acima invocado nos itens 41.º a 58.º, cabe ao vendedor o ónus da prova da falta de cumprimento do ónus de denúncia tempestiva, conforme resulta dos números 2 dos artigos 342.º e 343.º, do Código Civil (cf. João Calvão da Silva, ob. cit., pág. 74). U) Ora, para que o vendedor possa ser desresponsabilizado pela reparação da coisa defeituosa, torna-se necessário que demonstre e prove que, no momento em que alienou a coisa desconhecia, sem culpa, que a coisa padecia de vício que a inviabilize para o fim a que se destina, no caso uma habitabilidade despejada de maleitas e defeitos que impedem uma normal e descomprometida fruição da coisa adquirida. V) Torna-se necessário que demonstre que a coisa que foi alienada cumpria, e viria a cumprir, durante o período de tempo estipulado na lei para a denúncia de eventuais defeitos, o fim a que se destinava (art.º 916.º do Código Civil). W) Porém, nem sequer qualquer alegação sobre este ónus que lhe competia alegar e, consequentemente provar, nos forneceu o Réu. X) Assim, toda a matéria factual acima exposta e que consta dos autos, deve ser recolhida e apreciada, conforme a repartição dos ónus que a cada parte compete Y) Com efeito, a douta Decisão Recorrida, ao dar por provados factos que, na sua interpretação consubstanciaram a exceção perentória de caducidade, desconsiderou outros factos que com os mesmos colidiam, e até cujo ónus probatório caberia ao Réu. Z) Consequentemente, não continham os autos matéria factual necessária e suficiente para o julgamento da exceção perentória de caducidade, nos termos em que julgou a Decisão Recorrida. AA) Ao fazê-lo, violou a douta Sentença Recorrida, por erro da interpretação e aplicação os artigos 406.º, n.º 1, 879.º, alínea b), e 913.º, a contrario, 914.º e 342.º, n.º 2 e 343.º, n.º 2, todos do Código Civil. BB) Pelo que, não contendo os autos todos os elementos de facto que possam fundamentar, nesta fase, uma decisão de mérito, deve a douta Decisão ser revogada, ordenando-se a baixa do processo à 1.ª Instância para prosseguirem os autos seus normais termos. Termos em que, na procedência do presente recurso, deve ser revogada a douta Decisão Recorrida e, consequentemente, ser ordenada a baixa do processo para prossecução dos normais termos do processo, como é de JUSTIÇA.”.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
A matéria fáctica a ter em conta é a que resulta do relatório que antecede.
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MOTIVAÇÃO DE DIREITO:
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
Atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, a única questão a decidir consiste em apreciar se caducou o direito da autora de exercer a pretensão que formula na ação, face à extemporânea denúncia dos alegados defeitos do imóvel que comprou.
Vejamos.
De acordo com a descrição que a autora faz da relação contratual entre a própria e o réu/recorrido, pelos mesmos foi celebrado um contrato de compra e venda de um imóvel (em 31-10-2019), contrato que foi precedido de um contrato promessa de compra e venda (em 30-04-2018) e da transmissão da posse do imóvel para a autora (em 28-02-2018), ainda antes da assinatura do contrato promessa.
Resulta também do que é alegado pela própria autora/recorrente que o imóvel que adquiriu não se encontrava terminado quando do mesmo tomou posse e aí passou a habitar.
Ou seja, tendo tanto a autora, enquanto compradora, como o réu, enquanto vendedor, conhecimento da situação/estado do imóvel, entendemos nem sequer estar perante uma situação de venda de coisa defeituosa, face ao que consta do art. 913.º, nº 1 do Código Civil.
Aliás, a decisão recorrida também assim terá entendido, uma vez que refere “A aquisição de um bem imóvel que a autora terá percecionado que carecia de obras, não equivaleria à venda de um bem defeituoso, isto é, de um bem que não tinha as qualidades asseguradas pelo vendedor ou que não seria apto ao fim habitacional a que, não só se destinava, como efetivamente se destinou, já que a autora passou imediatamente a habitá-lo”.
Posto isto, resulta também de outro documento que a própria autora juntou com a petição inicial, concretamente, a confissão de dívida que serviu de título executivo na execução mencionada nos autos, que a mesma se obrigou a pagar a quantia aí referida, respeitante ao preço em falta, até ao dia 05 de novembro de 2019.
Ora, face a estes factos objetivos, que resultam de documentos juntos pela própria recorrente, não subsistem dúvidas de que a mesma tomou posse do imóvel em 28-02-2018, aí passando a habitar, logo tendo ficado a conhecer os alegados defeitos do mesmo, defeitos que nunca denunciou até ao dia 28-02-2019, ou seja, dentro do prazo de um ano de que dispunha para a denúncia, denúncia que apenas fez com a instauração da presente ação, ou, quando muito, com a proposição dos embargos de executado, em 07-07-2020.
E assim sendo, teremos de concluir que bem andou o tribunal a quo, quando decidiu que a autora negligenciou o exercício do direito no prazo legal que para o efeito lhe era conferido, tendo ultrapassado o prazo conferido pelo art. 916.º, nº 3 do Código Civil, com a consequente caducidade da ação, por aplicação do disposto no art. 917.º do mesmo diploma legal, o que, por sua vez, na procedência da exceção perentória de caducidade arguida, levou à absolvição do réu dos pedidos contra si deduzidos pela autora.
A autora/recorrente veio ainda invocar o abuso de direito por parte do réu, ao deduzir a exceção de caducidade, por, alegadamente, terem andado em negociações quanto à reparação dos alegados defeitos do imóvel, até que o réu instaurou o processo executivo, período durante o qual nada tinha a denunciar, face às negociações em curso.
Mas sem razão.
A autora/recorrente confirma nas suas alegações de recurso que tomou posse do prédio em 28-02-2018 e que já nessa altura tomou conhecimento de que o imóvel não se encontrava acabado e apresentava os alegados defeitos. Contudo, em momento algum, consta que foi acordado que o réu teria que proceder às obras de reparação ou conclusão, apesar de terem sido outorgados, como referido, o contrato promessa, o contrato de compra e venda, e, sobretudo, a confissão de dívida, onde as partes podiam ter feito constar a alegada obrigação do réu, e não fizeram, não se afigurando verosímil, de acordo com as regras da experiência comum, que tal obrigação, a existir, não ficasse a constar, quando a autora aí se obriga a um determinado pagamento.
Não é verosímil que a autora/recorrente pagasse a maior parte do preço do imóvel, celebrasse o contrato de compra e venda, assinasse uma declaração de dívida e em parte alguma se mencionasse que havia obras a fazer pelo réu ou que havia algum valor a descontar ao preço acordado, o que, só por si, também não é verosímil, já que se assim fosse, o valor da venda seria desde logo reduzido, não se afigurando lógico de acordo com as regras da experiência comum, que a autora fosse pagar o valor acordado, ou, na falta de pagamento da totalidade do valor, assinasse a confissão de dívida, e depois o réu lhe devolvesse o valor das obras de reparação dos alegados defeitos.
Não tendo a autora/recorrente feito prova da situação que invoca, e demonstrando os factos considerados como provados, os quais, aliás, resultam de documentos juntos aos autos, que a autora não exerceu o direito de denúncia no prazo legal, nada impedia que o réu viesse arguir, quando demandado, a exceção de caducidade.
Improcede, pois, o recurso, devendo manter-se a decisão impugnada.
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DISPOSITIVO:
Face ao exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, mantendo a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas pela Recorrente.
Porto, 2024-12-05
Manuela Machado
José Manuel Monteiro Correia
Paulo Dias da Silva