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CONTRATO DE SEGURO DE DANOS PRÓPRIOS
REGISTO DE PROPRIEDADE DE VEÍCULO AUTOMÓVEL
ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO
Sumário
I - É de aplicar ao registo automóvel o disposto no artº 7º do CRP, segundo o qual o registo constitui uma presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, presunção essa que, face à natureza não constitutiva do registo, é ilidível, nos termos do artº 350º, nº 2, do C. Civil. II - A alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância. III - Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si ou dada a fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova.
Texto Integral
Proc. nº 1353/21.2T8AMT.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este
Juízo Local Cível de Paredes - Juiz 1
Relator: Juiz Desembargador Álvaro Monteiro
1º Adjunto: Juíza Desembargadora Ana Luísa Gomes Loureiro
2º Adjunto: Juiz Desembargador Paulo Dias da Silva
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Sumário:
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I - Relatório:
AA, NIF ......, veio propor a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra A... - Companhia de Seguros, S.A., sociedade comercial com o NIPC ....
Peticiona o pagamento da quantia total de €20.810,19 (vinte mil, oitocentos e dez euros e dezanove cêntimos), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, desde a data do sinistro até efectivo e integral pagamento.
Para tanto, alegou em síntese que, é proprietário do veículo automóvel com a matrícula ..-VM-.., de marca NISSAN, modelo ..., versão ... (não tendo junto qualquer documento comprovativo de tal facto);
Que celebrou com a Ré um contrato de seguro para cobertura de danos próprios, incluindo os riscos de choque, colisão e capotamento, relativo ao veículo automóvel de com a matrícula ..-VM-.., de marca NISSAN, modelo ..., contrato esse titulado pela apólice n.º ...;
Em 22.07.2021 o referido veículo automóvel, com a matrícula ..-VM-.., foi interveniente num sinistro rodoviário, do qual resultaram danos consideráveis no mesmo e que impediam a circulação do mencionado veículo em condições de segurança.
Alega que o veículo automóvel com a matrícula ..-VM-.. circulava na ..., no sentido ... – ..., e dirigindo-se para a saída da autoestrada em direcção a Marco de Canaveses, embateu no rail de proteção do lado esquerdo e, em consequência do embate, subiu a berma que ladeava o lado direito da faixa de rodagem.
Face ao sucedido, o Autor diligenciou por participar à Ré o sinistro ocorrido, ao abrigo da cobertura de choque, colisão e capotamento, subscrita na apólice supra identificada, com vista à regularização dos danos ocorridos no veículo seguro.
A Ré efectuou peritagem, a título condicional, ao veículo seguro, tendo concluído que o veículo em crise se encontrava numa situação de perda total, por considerar que o custo de reparação orçamentado pela oficina reparadora excedia a diferença entre o valor venal do veículo seguro e o valor do mesmo após o sinistro rodoviário.
Através de comunicação electrónica datada de 06.09.2021, a aqui Ré comunicou ao Autor a não assunção da responsabilidade pelo sinistro em crise nos presentes autos, por, alegadamente, terem sido “apuradas incongruências que colocam em causa a sustentabilidade das declarações prestadas sobre esta ocorrência.”
Alega, por fim, que em conformidade com as Condições Gerais e Especiais da apólice de seguro contratada, a responsabilidade pelo ressarcimento dos danos provocados pelo sinistro em que interveio o veículo automóvel de matrícula ..-VM-.. foi transferida para a aqui Ré, pelo que, nessa medida, incumbe à Ré o ressarcimento dos danos provenientes do sinistro em crise, porquanto a Ré assumiu perante o Autor a responsabilidade pelo ressarcimento dos danos causados pelo sinistro, o que importa a responsabilidade contratual da mesma, e, sintomático, o dever de indemnizar o Autor pelos danos provenientes do sinistro em crise.
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Citada a Ré, veio a mesma apresentar contestação, referindo que o sinistro não ocorreu de forma aleatória e fortuita, explicando os motivos para formular tal conclusão;
Afirmando que a viatura não pertencia ao Autor, encontrando-se com um último registo em nome de uma empresa de nome “B... Unipessoal, Lda.”, não existindo mais nenhum registo posterior do veículo; que o veículo esteve sete meses sem seguro, tendo sido celebrado o contrato titulado pela apólice dos autos 15 dias antes do sinistro.
O Autor veio responder a este aspecto em concreto, alegando não ser verdade que apenas celebrou o contrato de seguro 15 dias antes do sinistro, vindo a Ré apresentar requerimento em que requer a rectificação do alegado, no sentido de que efectivamente a primeira apólice do ..-VM-.. na ré, com o autor como tomador do seguro, teve início a 07.07.2020, tendo sido renovada a 07.07.2021.
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Procedeu-se à realização de audiência prévia, tendo sido elaborado despacho saneador e fixados os termos do litígio e temas da prova.
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Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, tendo a mesma decorrido sob a observância de todo o formalismo legal, como da respectiva acta consta.
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Na sequência foi proferida a seguinte decisão:
Assim, pelo exposto e nos termos das disposições legais supra citadas, julgo o Autor parte ilegítima na presente ação e, como tal, absolvo a Ré da instância.
Custas pelo Autor.
Registe e notifique.
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É desta decisão que, inconformado, o Autor interpôs recurso, terminando as suas alegações com as seguintes
CONCLUSÕES:
I. Vem o presente Recurso de Apelação interposto da douta Sentença de fls., que julgou o Autor parte ilegítima na ação e, em consequência, absolveu a Ré da instância.
II. Cumpria nos presentes autos apurar se o Autora era o titular do direito de propriedade do veículo automóvel com a matrícula ..-VM-.., da marca NISSAN, modelo ..., e, ainda, apurar a obrigação da Ré em indemnizar o Autor pelos danos sofridos em consequência do sinistro, nos termos do contrato de seguro celebrado.
III. O Tribunal a quo considerou não provado que:
“O aqui Autor é proprietário do veículo automóvel com a matrícula ..-VM-.., de marca NISSAN, modelo ..., versão ...”, tal como considerou não provado “Que no dia 22.07.2021 o veículo automóvel com a matrícula ..-VM-.. circulava na ..., no sentido ... – ..., e dirigindo-se para a saída da autoestrada em direção a Marco de Canaveses, embateu no rail de proteção do lado esquerdo e, em consequência do embate, subiu a berma que ladeava o lado direito da faixa de rodagem”.
IV. Entende o Recorrente que a convicção criada resulta de evidente contradição entre os pressupostos de facto e a conclusão decisória alcançada pelo Tribunal a quo, revelando-se o raciocínio dedutivo, ainda que por recurso às regras da experiência e critérios de normalidade, antinómico na sua coerência, validade e compatibilidade discursiva e fáctico-material, pelo que, nessa medida, se impugna a decisão recorrida e se impõe o presente recurso.
V. Nos termos do n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil a motivação não pode, nem deve ser meramente formal, tabelar ou formatada, antes devendo expressar as verdadeiras razões que conduziram à decisão no culminar da audiência de discussão e julgamento.
VI. Por seu turno, sancionando o incumprimento do preceituado no n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil, prescreve o artigo 615.º, n.º 1, al. b), do mesmo Código que é nula a sentença que “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
VII. É indispensável, do ponto de vista do convencimento das partes, do exercício fundado do seu direito ao recurso sobre a mesma decisão (de facto e de direito) e do ponto de vista do Tribunal Superior a quem compete a reapreciação da decisão proferida e do seu mérito, conhecerem-se das razões de facto e de direito que apoiam o veredicto do Juiz, pelo que a fundamentação da decisão deve ser expressa, clara, suficiente e congruente, permitindo, por um lado, que o destinatário perceba as razões de facto e de direito que lhe subjazem, em função de critérios lógicos, objetivos e racionais, proscrevendo, pois, a resolução arbitrária ou caprichosa, e por outro, que seja possível o seu controlo pelos Tribunais que a têm de apreciar, em função do recurso interposto.
VIII. No caso sub judice, o Tribunal a quo proferiu Sentença, cuja fundamentação de facto se consubstancia numa mera síntese de um dos depoimentos prestados, ao que acresce que não foi feita a valoração da consistência probatória, nem dos demais depoimentos, nem dos documentos juntos aos autos e também não foi estabelecida a correlação entre cada um dos factos que foram julgados provados e não provados e os meios de prova produzidos, não tendo, por isso, cumprido o dever de fundamentação, pois que a motivação da decisão de facto na Sentença em crise, nos termos em que se encontra exposta, não permite perceber quais os elementos probatórios e o peso destes na formação e convicção do Tribunal a quo.
IX. Salvo melhor opinião, ocorre manifesta violação do dever de fundamentação da matéria de facto, pois quer relativamente aos factos dados como provados, quer quanto aos factos dados por não provados, o Tribunal deve justificar os motivos da sua decisão, declarando por que razão deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos ou achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos – contido no n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil, determinando, assim, a nulidade da Sentença em crise, o que expressamente se invoca, para todos os devidos e legais efeitos.
X. Sem conceder, por dever de patrocínio, no que respeita aos factos que integram a relação material controvertida em crise, os mesmos encontram-se parcialmente explanados no acervo factual dado como provado na sentença proferida pelo Tribunal a quo e que aqui se dá por reproduzido.
XI. Porém, tal acervo integra factualidade que deveria ter sido dada como não provada, pelo que, concretamente, se impugna a decisão relativa à matéria de facto constante da Sentença objeto do presente recurso.
XII. Compulsado o acervo factual dado como provado pelo Tribunal a quo, verifica o aqui Recorrente que resultaram provados os factos que ora se impugnam, especificadamente o constante na alínea 2) do elenco de factos provados, porquanto, no entender do Recorrente, tal facto não corresponde à verdade, e está em contradição com a prova produzida nos presentes autos, pelo que, nessa medida, tal factualidade não poderia ter sido dada como provada.
XIII. Resulta como provado na Sentença em crise que: “2. Não existindo nenhum registo posterior do veículo em nome do aqui Autor.”; porém, à laia do vício de falta de fundamentação, desconhece o aqui Requerente quais os concretos meios de prova que o Tribunal a quo valorou e que lhe permitiram julgar provado que inexistiu registo posterior da propriedade do veículo em crise nos autos em nome do aqui Recorrente, porquanto a Sentença em crise é totalmente omissa neste aspeto.
XIV. E, sem quebra do respeito sempre devido, o certo é que o Tribunal a quo julga provada tal factualidade em manifesta contradição com o teor do documento junto aos autos em 26.04.2023, com a referência Citius 91893734, na sequência do Despacho proferido em audiência de discussão e julgamento que teve lugar no dia 26.04.2023.
XV. O ora Recorrente não se pode conformar com tal entendimento, pois, sem quebra do respeito sempre devido por entendimento contrário, afigura-se que o documento junto aos autos em 26.04.2023 e com a referência Citius 91893734, o qual se consubstancia em consulta/pesquisa do histórico de proprietários por matrícula, cuja obtenção e junção aos autos foi determinada por Despacho proferido pelo Tribunal a quo no decurso da audiência de discussão e julgamento, quando analisado no seu todo, permite, com suficiente segurança e no respeito pelas regras probatórias, demonstrar que o Autor efetivamente registou a seu favor a propriedade do veículo automóvel em crise nos presentes autos.
XVI. O teor do referido documento é corroborado pelas declarações prestadas em audiência de discussão e julgamento nos presentes autos pela testemunha BB, o qual esclareceu que a propriedade do veículo automóvel em crise a favor do Autor, aqui Recorrente, foi registada posteriormente à ocorrência do sinistro. - Cfr. Declarações da testemunha BB, prestadas no dia 26 de abril de 2023, com início pelas 14:39 e com termo no mesmo dia pelas 15:14 horas, transcrevendo-se as concretas passagens desde o minuto 32:19 ao minuto 33:11.
XVII. Face o exposto, o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que o Autor registou a propriedade do veículo automóvel com a matrícula ..-VM-.., da marca NISSAN, modelo ..., a favor do Autor, conforme a apresentação n.º ..., datada de 21.02.2023.
XVIII. Por outro lado, resulta como não provado na Sentença em crise: “1. O aqui Autor é proprietário do veículo automóvel com a matrícula ..-VM-.., de marca NISSAN, modelo ..., versão ...”; porém, por corresponder integralmente à verdade, tal facto deveria ter sido dado como provado.
XIX. Sem quebra do respeito sempre devido, o Tribunal a quo não valora devidamente o teor das declarações prestadas pela testemunha BB que, em consonância com os demais elementos probatórios juntos aos autos (incluindo documento e prova testemunhal), permitem concluir que o veículo automóvel com a matrícula ..-VM-.. adveio à propriedade do Autor.
XX. Na verdade, a referida testemunha BB esclareceu os aspetos do negócio em crise, contextualizando o modo pelo qual o veículo adveio à sua propriedade e, posteriormente, à propriedade do seu pai, o aqui Autor. - Cfr. Declarações da testemunha BB, prestadas no dia 26 de abril de 2023, com início pelas 14:39 e com termo no mesmo dia pelas 15:14 horas, transcrevendo-se as concretas passagens desde o minuto 02:13 ao minuto 05:09, desde o minuto 14:20 ao minuto 19:42, e, ainda, desde o minuto 22:59 ao minuto 27:51.
XXI. Salvo melhor entendimento, as suas declarações revelaram-se espontâneas, concretas e coerentes com a versão carreada para os presentes autos, sendo corroboradas pelo depoimento da testemunha CC e, bem assim, pelos documentos juntos aos autos e demais prova produzida.
XXII. Na verdade, todo o circunstancialismo relativo à aquisição do veículo em crise é descrito, de idêntica forma, pela testemunha CC, o qual depôs de forma espontânea, concreta e coerente. - Cfr. Depoimento da testemunha CC, prestado no dia 26 de abril de 2023, com início pelas 15:15 e com termo no mesmo dia pelas 15:37 horas, o qual se transcreve integralmente.
XXIII. Apesar de a Sentença em crise ser totalmente omissa quanto à valoração do depoimento da referida testemunha CC, o certo é que as suas declarações, conjugadas com o depoimento da testemunha BB, permitem aferir, com mediana clareza, as circunstâncias do primitivo negócio entre ambos e o que, posteriormente, originou o negócio de compra e venda do veículo em crise nos autos a favor do Autor.
XXIV. Não compreende, por isso, o aqui Recorrente o sentido e o alcance da motivação avançada pelo Tribunal a quo, ao referir na Sentença em crise que o referido veículo “não está nem nunca esteve registado em nome do Autor, nem foi junta qualquer documentação relativa ao veículo” - o que é, aliás, manifestamente contraditório com os elementos probatórios carreados para os autos!
XXV. Destarte, andou mal o Tribunal a quo ao não valorar a prova testemunhal e documental supra identificada, pois que a mesma é idónea a demonstrar que o Autor é proprietário do veículo automóvel com a matrícula ..-VM-.., de marca NISSAN, modelo ..., versão ..., pelo que se impõe julgar provada a factualidade constante do ponto 2. da matéria de facto não provada.
XXVI. Resulta como não provado na Sentença em crise: “2. Que no dia 22.07.2021 o veículo automóvel com a matrícula ..-VM-.. circulava na ..., no sentido ... – ..., e dirigindo-se para a saída da autoestrada em direção a Marco de Canaveses, embateu no rail de proteção do lado esquerdo e, em consequência do embate, subiu a berma que ladeava o lado direito da faixa de rodagem” – o que, por corresponder integralmente à verdade, deveria ter sido dado como provado.
XXVII. Entendo o aqui Recorrente que o Tribunal a quo não valora devidamente o teor das declarações prestadas pelo condutor do veículo que, em consonância com os demais elementos probatórios juntos aos autos, permitem concluir que o sinistro efectivamente sucedeu, nos termos alegados pelo Autor no seu articulado de petição inicial.
XXVIII. Com efeito, no que à prova documental produzida nos presentes autos diz respeito, sempre se impõe relevar o teor do documento n.º 1 junto com o articulado de contestação da Ré, i.e., o relatório de averiguação de sinistro efetuado pela C..., do qual resulta que os danos verificados no veículo, conjugados com os diversos vestígios detetados no local em que ocorreu o sinistro, enquadram-se na dinâmica e ajustam-se em termos de tipicidade, pela derrapagem realizada do veículo na plataforma da estrada em alcatrão.
XXIX. S.m.o., o que, só por si, permite extrair a conclusão de que o veículo embateu no rail de proteção do lado esquerdo e que, em consequência do embate, subiu a berma que ladeava o lado direito da faixa de rodagem.
XXX. Tal factualidade resulta ainda evidente da análise do documento n.º 2A junto com o articulado de petição inicial, i.e., a fotografia obtida pelo condutor do veículo, o Sr. BB, após o sinistro, da qual se evidencia o local onde o veículo ficou imobilizado e a sua respetiva posição, o que se mostra consentâneos com a dinâmica do sinistro tal qual foi descrita pelo Autor.
XXXI. Na verdade, o condutor do veículo sinistrado, não obstante a natural falta de memória sobre alguns aspetos do sinistro em crise, revelou-se espontânea, concreta e coerentes com a versão apresentada nos autos e corroborada pelos documentos juntos e que acima se mencionaram. - Cfr. Declarações da testemunha BB, prestadas no dia 26 de abril de 2023, com início pelas 14:39 e com termo no mesmo dia pelas 15:14 horas, transcrevendo-se as concretas passagens desde o minuto 06:50 ao minuto 13:00, desde o minuto 19:42 ao minuto 22:59, e, ainda, desde o minuto 27:51 ao minuto 32:18.
XXXII. Ora, salvo o devido respeito por entendimento contrário, não se vislumbra em que medida o depoimento da testemunha BB, enquanto condutor do veículo sinistro, seja insuficiente para demonstrar a factualidade em crise, pois, no caso dos autos, a dinâmica do sinistro é totalmente coincidente com a posição final de imobilização do veículo e danos apresentados, não tendo sido julgados provados outros factos que apontem para uma eventual simulação do sinistro em crise.
XXXIII. Sopesa que inexistem elementos nos presentes autos que afastem o teor das declarações prestadas pela testemunha BB, as quais, reitera-se, são corroboradas por prova documental não impugnada.
XXXIV. Destarte, andou mal o Tribunal a quo ao não valorar o depoimento prestado pela testemunha BB, em estrita observância do princípio da oralidade e da imediação, e, bem assim, o teor do referido documento n.º 1 junto com a contestação e do documento n.º 2A junto com a petição inicial, os quais, devidamente conjugados entre si, a qual impunham, indubitavelmente, diferente entendimento ao pugnado na Sentença em crise, motivo pelo qual, naturalmente, sempre se impunha julgar provada a factualidade vertida no ponto 2 dos factos não provados.
XXXV. Destarte, o acervo factual dado como provado e, bem assim, a factualidade supra descrita, impunham decisão diversa da proferida e ora recorrida.
XXXVI. Ora, sendo o Autor titular do direito de propriedade do veículo automóvel com a matrícula ..-VM-.., tem, na qualidade de proprietário do veículo, legitimidade processual ativa, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 26.º do Código de Processo Civil, por ter interesse direto em demandar.
XXXVII. Com efeito, sendo o contrato de seguro a convenção pela qual uma seguradora se obriga, mediante retribuição paga pelo segurado, vulgo prémio, a assumir determinado risco e, caso ele se verifique, a satisfazer ao segurado ou a um terceiro uma indemnização pelo prejuízo ou um montante previamente estipulado, e estando demonstrado nos autos que Autor e Ré celebraram um contrato de seguro, nos termos do qual encontrava-se transferida para a Ré a responsabilidade civil, por danos provocados a terceiros, emergente da circulação rodoviária do veículo com a matrícula ..-VM-.., incluindo ainda a cobertura de “choque, colisão e/ou capotamento”, vulgo seguro de danos próprios, com o capital seguro de €23.910,40 e franquia de €478,21, tendo em consideração a alteração à matéria de facto nos termos supra expostos, sempre se impõe considerar que se mostra verificado o evento danoso, i.e., a ocorrência do sinistro.
XXXVIII. Pelo que dúvidas não podem restar acerca do direito à indemnização que assiste ao aqui Autor, relativamente aos danos provenientes do sinistro automóvel, e, nessa medida, sempre se impunha a condenação da Ré ser condenada no pagamento ao Autor da indemnização nos termos contratualmente definidos e aceites por ambas as partes, pelo que se impõe a revogação in totum da Sentença objeto do presente recurso, devendo a presente ação ser julgada totalmente procedente e, em consequência, ser a Ré condenada no pedido.
Conclui, assim, pela procedência do recurso, nos termos acima peticionados e, consequentemente, ser revogada a sentença recorrida.
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O R. apresentou contra-alegações com as seguintes
Conclusões:
- A douta sentença não padece de nulidade nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b) como também não existe qualquer irregularidade na fundamentação da matéria de facto.
O Tribunal a quo decidiu bem no que respeita à fundamentação de facto da douta sentença, que foi devidamente fundada na prova efetivamente produzida.
Dentro do poder que tem de livre apreciação da prova – cfr. art. 607.º, n.ºs 4 e 5 do CPC –, a meritíssima Juíza a quo soube fazer a devida leitura dos depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de julgamento, confrontando-os com os demais meios de prova.
Face à prova produzida, a meritíssima Juíza deu como não provada a propriedade do veículo e a existência do acidente conforme relatado pelo autor.
Ora, tendo em conta a factualidade que resultou provada e não provada em que se estriba a douta sentença, afigura-se que o Tribunal a quo soube fazer a correcta integração dos factos na Lei, interpretando e aplicando-a de forma correta e decidindo pela absolvição da instância da ré, face à não prova da propriedade a que o autor se arrogava.
Por outro lado, mesmo que o autor lograsse demonstrar tal direito, sempre a acção teria que improceder, absolvendo-se a ré do pedido, face à não prova do alegado acidente de viação.
Conclui, pedindo a improcedência do recurso.
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O recurso foi admitido como de apelação por despacho proferido a 24.09.2024 [referência nº 9800156], a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
No exame preliminar considerou-se nada obstar ao conhecimento do objecto do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, não podendo este tribunal conhecer de questões nelas não incluídas, salvo se forem de conhecimento oficioso (cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (C. P. Civil).
Assim, partindo das conclusões apresentadas pelo Apelante, as questões a decidir no presente recurso, são as seguintes:
a) Se a sentença padece de nulidade nos termos do artº 615º, nº 1, b), do CPC, por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
b) Se existem razões válidas para modificar a decisão da matéria de facto, por erro de julgamento;
c) Se se justifica a alteração da solução jurídica dada ao caso pela 1.ª instância
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III - FUNDAMENTAÇÃO
1. OS FACTOS
1.1. Factos provados
O tribunal de que vem o recurso julgou provados os seguintes factos:
1. Na data do sinistro participado e desde 12.11.2018, o veículo ..-VM-.. encontrava-se registado no nome da empresa “B... Unipessoal Lda.”, cujo gerente é CC.
2. Não existindo nenhum registo posterior do veículo em nome do aqui Autor.
3. Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º ..., encontrava-se transferida para a ré a responsabilidade civil, por danos provocados a terceiros, emergente da circulação rodoviária do veículo com a matrícula ..-VM-...
4. O contrato de seguro, para além de incluir a responsabilidade civil contra terceiros, continha ainda a cobertura de “choque, colisão e/ou capotamento” (vulgo “seguro de danos próprios”), com o capital seguro de €23.910,40 e a franquia de €478,21.
5. A primeira apólice do ..-VM-.. na ré, com o autor como tomador do seguro, teve início a 07.07.2020, tendo sido renovada a 07.07.2021.
6. À ré foi participado um sinistro ocorrido na ..., sentido ...-..., na saída para o Marco de Canaveses, no dia 22-07-2021, pelas 00h15.
7. O veículo com a matrícula ..-VM-.. era, nessa data, conduzido por BB, filho do aqui Autor.
8. A ré recebeu a participação do sinistro na qual o dito BB declara que “Seguia na auto-estrada sentido ...-..., quando ao sair para Marco de Canaveses, o carro foi embater no rail do lado esquerdo e de seguida muito rápido foi subir a guarda do lado direito e acabando por virar”.
9. Em consequência, a Ré solicitou relatório de peritagem realizado pela C..., através dos seus peritos, sendo que estes, em 10/10/2018, se dirigiram à oficina “D..., Lda.”, onde se encontrava, onde foi elaborado o orçamento de reparação junto aos autos.
10. A oficina onde o veículo foi peritado é propriedade da sociedade comercial por quotas denominada “D..., Lda.”, de que são sócios-gerentes DD e BB, condutor do ..-VM-.. e filho do aqui Autor.
11. Os serviços de peritagem da ré consideraram o veículo "perda total", tendo em conta a estimativa de reparação pelo valor de 23.737,84 €, valor seguro de 23.910,40€ e valor do salvado de 2.622,00€.
12. A peritagem foi realizada a título condicional.
13. Através de comunicação eletrónica datada de 06.09.2021, a Ré comunicou ao Autor a não assunção da responsabilidade pelo sinistro em crise nos presentes autos, por, alegadamente, terem sido “apuradas incongruências que colocam em causa a sustentabilidade das declarações prestadas sobre esta ocorrência.”.
14. Não foi convocada a presença da autoridade policial no local do sinistro. Pela concessionária da auto-estrada também não foi registada qualquer ocorrência.
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2 – Matéria de facto não provada
Com relevo para a decisão, foram dados como não provados os seguintes factos:
1. O aqui Autor é proprietário do veículo automóvel com a matrícula ..-VM-.., de marca NISSAN, modelo ..., versão ....
2. Que no dia 22.07.2021 o veículo automóvel com a matrícula ..-VM-.. circulava na ..., no sentido ... – ..., e dirigindo-se para a saída da autoestrada em direção a Marco de Canaveses, embateu no rail de proteção do lado esquerdo e, em consequência do embate, subiu a berma que ladeava o lado direito da faixa de rodagem.
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1.2 O Apelante pretende que este Tribunal reaprecie a decisão em relação a certos pontos da factualidade julgada provada e não provada, tendo por base meios de prova que indicam.
Dispõe o art. 662.º, n.º 1, do C. P. Civil, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos dados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
À luz deste preceito, “fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”.
O Tribunal da Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância, nos termos consagrados pelo art. 607.º, n.º 5, do C. P. Civil, sem olvidar, porém, os princípios da oralidade e da imediação.
A modificabilidade da decisão de facto é ainda susceptível de operar nas situações previstas nas diversas alíneas do n.º 2 do art. 662.º do C. P. Civil.
A prova é “a atividade realizada em processo tendente à formação da convicção do tribunal sobre a realidade dos factos controvertidos”, tendo “por função a demonstração da realidade dos factos” (art. 341.º do CCivil) – a demonstração da correspondência entre o facto alegado e o facto ocorrido, vide Miguel Teixeira de Sousa, As partes, o objeto e a prova na ação declarativa, Lex, 1995, p. 195.
Sendo desejável, em prol da realização máxima da ideia de justiça, que a verdade processual corresponda à realidade material dos acontecimentos (verdade ontológica), certo e sabido é que nem sempre é possível alcançar semelhante patamar ideal de criação da convicção do juiz no processo de formação do seu juízo probatório.
Daí que a jurisprudência que temos por mais representativa acentue que a “verdade processual, na reconstrução possível, não é nem pode ser uma verdade ontológica”, não podendo sequer ser distinta ou diversa “da reconstituição possível do passado, na base da avaliação e do julgamento sobre factos, de acordo com procedimentos e princípios e regras estabelecidos”, os quais são muitas vezes encontrados nas chamadas “regras da experiência”, vide Ac. do STJ de 06.10.2010, relatado por HENRIQUES GASPAR no processo 936/08.JAPRT, acessível em www.dgsi.pt.
Movemo-nos no domínio do que a doutrina considera como standard de prova ou critério da suficiência da prova, que se traduz numa regra de decisão indicadora do nível mínimo de corroboração de uma hipótese para que esta possa considerar-se provada, ou seja, possa ser aceite como verdadeira, vide Luís Filipe Pires de Sousa, O Standard de Prova no Processo Civil e no Processo Penal, janeiro de 2017, acessível em http://www.trl.mj.pt/PDF/O%20standard%20de%20prova%202017.pdf.
Para o citado autor “pese embora a existência de algumas flutuações terminológicas, o standard que opera no processo civil é, assim, o da probabilidade prevalecente ou “mais provável que não”. Este standard consubstancia-se em duas regras fundamentais:
(i) Entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais;
(ii) Deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa.
Em primeiro lugar, este critério da probabilidade lógica prevalecente – insiste-se – não se reporta à probabilidade como frequência estatística mas sim como grau de confirmação lógica que um enunciado obtém a partir das provas disponíveis.
Em segundo lugar, o que o standard preconiza é que, quando sobre um facto existam provas contraditórias, o julgador deve sopesar as probabilidades das diferentes versões para eleger o enunciado que pareça ser relativamente “mais provável”, tendo em conta os meios de prova disponíveis. Dito de outra forma, deve escolher-se a hipótese que receba apoio relativamente maior dos elementos de prova conjuntamente disponíveis”
Os meios de prova, enquanto “modos por que se revelam os factos que servem de fonte das relações jurídicas”, encontram no Código Civil os seguintes tipos:
a confissão (arts. 352.º a 361.º); a prova documental (arts. 362.º a 387.º);
a prova pericial (arts. 388.º e 389.º);
a prova por inspeção (arts. 390.º e 391.º);
e a prova testemunhal (arts. 392.º a 396.º).
Nos termos do preceituado no art. 607.º, n.º 5, do C. P. Civil, “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.
O citado normativo consagra o chamado princípio da livre apreciação da prova, que assume carácter eclético entre o sistema de prova livre e o sistema de prova legal.
Assim, o tribunal aprecia livremente a prova testemunhal (art. 396.º do C. Civil e arts. 495.º a 526.º do C. P. Civil), bem como os depoimentos e declarações de parte (arts. 452.º a 466.º do C. P. Civil, excepto na parte em que constituam confissão; a prova por inspecção (art. 391.º do C. Civil e arts. 490.º a 494.º do C. P. Civil); a prova pericial (art. 389.º do C. Civil e arts. 467.º a 489.º do C. P. Civil); e ainda no caso dos arts. 358.º, nºs 3 e 4, 361.º, 366.º, 371.º, n.ºs 1, 2ª parte e 2, e 376.º, n.º 3, todos do C. Civil.
Por sua vez, estão subtraídos à livre apreciação os factos cuja prova a lei exija formalidade especial: é o que acontece com documentos ad substantiam ou ad probationem; também a confissão quando feita nos termos do art. 358.º, nºs 1 e 2 do C. Civil; e os factos que resultam provados por via da não observância do ónus de impugnação (art. 574.º, n.º 2, do C. P. Civil).
O sistema de prova legal manifesta-se na prova por confissão, prova documental e prova por presunções legais, podendo distinguir-se entre prova pleníssima, prova plena e prova bastante”, vide CASTRO MENDES, Do conceito de prova em processo civil, Ática, 1961, Tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, p. 413.
A prova pleníssima não admite contraprova nem prova em contrário. Nesta categoria integram-se as presunções iuris et de iure (art. 350.º, n.º 2, in fine do CCivil).
Por sua vez, a prova plena é aquela que, para impugnação, é necessária prova em contrário (arts. 347.º e 350.º, n.º 2, ambos do CCivil). Assim será com os documentos autênticos que fazem prova plena do conteúdo que nele consta (art. 371.º, n.º 1, do CCivil), sem prejuízo de ser arguida a sua falsidade (art. 372.º, n.º 1, do CCivil), e também com as presunções iuris tantum (art. 350.º, n.º 2, do CCivil).
Por último, a prova bastante carateriza-se por bastar a mera contraprova para a sua impugnação, ou seja, a colocação do julgador num estado de dúvida quanto à verdade do facto (art. 346.º do CCivil). Assim se distingue prova em contrário de contraprova – aquela, mais do que criar um estado de dúvida, tem de demonstrar a não realidade do facto, vide PAIS DE AMARAL, Direito Processual Civil, 12.ª edição, Almedina, 2015, p. 293.
*
1.3 Foi invocada a Nulidade da sentença nos termos das alíneas b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, na medida em que há falta de fundamentação.
Conhecendo:
Nos termos do artigo 615º, a sentença é nula, além do mais:
b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
A nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando do artº 607º, nº 3 e 4, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e não provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
Conforme ensina A. Geraldes in Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, pág243, quer relativamente aos factos provados, quer quanto aos factos não provados, deve o tribunal justificar ou motivos da sua decisão.
Como é entendimento pacífico da doutrina, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do citado artigo 615º.
A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
O juiz deve justificar os motivos da sua decisão (quer quanto aos factos provados quer quanto aos não provados) individualizando os meios de prova atinentes e esclarecendo os motivos de dar mais credibilidade a uma dada testemunha ou valorar ou não um dado documento ou outro meio de prova (depoimento de parte, declarações de parte, prova pericial).
Compulsada a sentença recorrida, constata-se que o tribunal declarou os factos que considerou provados e não provados relevantes para a decisão da causa.
Indicou os meios de prova atinentes à fundamentação da factualidade provada e não provada, designadamente, ter tido em consideração essencialmente o teor dos documentos juntos aos autos, sendo que o depoimento da única testemunha arrolada pelo Autor, o seu filho BB se revelou vago e pouco objectivo.
Assim, no que respeita à propriedade do veículo ..-VM-.. afirmou, de forma vaga e imprecisa, ter sido ele quem vendeu o veículo ao seu pai, e que não o registou nem em seu nome, quando o adquiriu, nem em nome do seu pai “por lapso”, não tendo sido junto aos autos qualquer documento comprovativo de tais alegadas transações.
Quanto ao alegado sinistro, afirmou ser ele quem conduzia o veículo, tendo referido apenas que “não saber qual o motivo concreto que levou ao despiste da viatura, que apenas tem ideia de ter perdido o controlo da mesma e de ter embatido no rail do lado esquerdo e de seguida foi subir a berma do lado direito, acabando por virar”.
Ora, tais declarações mostram-se insuficientes, a nosso ver, para que o tribunal pudesse perceber a dinâmica do acidente, não resultando minimamente demonstrado com terá o mesmo ocorrido, nem porque razão terá ocorrido.
Ou seja, a sentença recorrida não padece de falta de fundamentação, pelo que não existe nenhuma falta de fundamentação ou sequer fundamentação deficiente.
Assim sendo, improcede a arguida nulidade da sentença.
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1.4 - Do invocado erro de julgamento.
Pretende o A. que o facto provado sob 2 seja dado por não provado, bem como deve ser dado por provado os factos não provados sob 1 e 2.
Ouvidas todas as testemunhas e apreciada toda a prova no seu conjunto, pode-se dizer o seguinte:
Relativamente ao facto nº 2 provado consta:
2. Não existindo nenhum registo posterior do veículo em nome do aqui Autor.
Tal facto não corresponde à realidade, porquanto compulsado o registo automóvel, constante da informação da base de dados de 26.04.2023, da mesma consta o registo do veículo automóvel a favor do aqui Autor em 21.02.2023.
Assim, será de alterar a redacção do ponto 2) dos factos provados, ficando a constar a seguinte redacção:
Em 21.02.2023 o veículo automóvel ..-VM-.. foi registado a favor do Autor.
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Relativamente ao ponto 1 dos factos não provados que o Autor pretende dar por provado, do mesmo consta:
1. O aqui Autor é proprietário do veículo automóvel com a matrícula ..-VM-.., de marca NISSAN, modelo ..., versão ....
Considerando o registo automóvel, constante da informação da base de dados de 26.04.2023, onde consta o registo a favor do Autor em 21.02.2023 e posterior registo a favor de EE em 13.04.2023, é evidente que o veículo não se encontrava registado a favor do Autor na data do acidente, ocorrido em 22.07.2021 e por aí seriamos levados a concluir que o Autor não era o proprietário do veículo.
Nos termos do artº 1º, nº 1, do DL n.º 54/75, de 12 de Fevereiro (registo automóvel) o registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respectivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico.
Por sua vez o disposto no Artigo 29.º do aludido diploma estatui que são aplicáveis, com as necessárias adaptações, ao registo de automóveis as disposições relativas ao registo predial, mas apenas na medida indispensável ao suprimento das lacunas da regulamentação própria e compatível com a natureza de veículos automóveis e das disposições contidas neste diploma e no respectivo regulamento.
Assim, é de aplicar ao registo automóvel o disposto no artº 7º do CRP, segundo o qual o registo constitui uma presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, presunção essa que, face à natureza não constitutiva do registo, é ilidível, nos termos do artº 350º, nº 2, do C. Civil.
Compulsada toda a prova junta aos autos, pese à data do acidente de viação o veículo automóvel não se encontrar registado a favor do Autor, temos que atender a outra prova que nos leva a concluir que na data do acidente o veículo já não era propriedade do titular inscrito “B... Unipessoal, Ldª”.
Assim, temos um elemento importante, qual seja, o facto da primeira apólice do ..-VM-.. na ré, com o autor como tomador do seguro, teve início a 07.07.2020, tendo sido renovada a 07.07.2021, seguindo as regras da experiência comum não seria normal que alguém que não actuasse como proprietário fosse realizar o seguro do veículo automóvel.
Depois temos ainda as declarações das testemunhas BB e FF a explicar as circunstâncias em que ocorreu a transmissão do veículo automóvel.
Ora, se é verdade que o GG é filho do Autor, podendo deixar dúvidas a existência do negócio de transmissão do veículo, o facto de haver um seguro realizado desde 07.07.2020, leva-nos a concluir que na data do acidente o Autor era proprietário do veículo.
Assim sendo, é de dar por provado, tendo em conta a data do acidente, que o Autor é proprietário do veículo automóvel com a matrícula ..-VM-.., de marca NISSAN, modelo ..., versão ....
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Relativamente ao pondo 2 dos factos não provados a redacção é a seguinte:
Que no dia 22.07.2021 o veículo automóvel com a matrícula ..-VM-.. circulava na ..., no sentido ... – ..., e dirigindo-se para a saída da autoestrada em direção a Marco de Canaveses, embateu no rail de proteção do lado esquerdo e, em consequência do embate, subiu a berma que ladeava o lado direito da faixa de rodagem.
A sentença recorrida sobre tal facto fundamenta da seguinte forma:
“Quanto ao alegado sinistro, afirmou ser ele quem conduzia o veículo, tendo referido apenas que “não saber qual o motivo concreto que levou ao despiste da viatura, que apenas tem ideia de ter perdido o controlo da mesma e de ter embatido no rail do lado esquerdo e de seguida foi subir a berma do lado direito, acabando por virar”.
Ora, tais declarações mostram-se insuficientes, a nosso ver, para que o tribunal pudesse perceber a dinâmica do acidente, não resultando minimamente demonstrado com terá o mesmo ocorrido, nem porque razão terá ocorrido.
De toda a análise probatória realizada, o Tribunal ficou com sérias dúvidas acerca da ocorrência do acidente. Bem ao invés, e conforme alude a Ré na sua contestação, a conjugação de todos os elementos probatórios permite firmar a suspeita que o acidente tenha sido, de facto, simulado.
Senão vejamos.
Conforme supra-referido, o condutor do veículo apenas relatou o ocorrido de forma genérica, vaga e imprecisa, não tendo sido possível ao tribunal perceber minimamente as razões pelas quais o despiste ocorreu nem porque razão ocorreu, sendo certo que não foi relatada qualquer circunstância que justificasse a perda de controlo do mesmo por parte do condutor, o qual, ademais, referiu não estar a chover, sendo certo que nem conseguiu dizer a que velocidade seguia.
Mais, não consegui explicar convincentemente porque razão não chamou as autoridades nem porque razão não pediu auxílio a quem que que seja. Assim, face à conjugação dos restantes depoimentos entre si, bem como com os demais elementos existentes, não ficou o Tribunal convicto da veracidade das suas declarações.
Perante o exposto, as circunstâncias do acidente foram dúbias, mal explicadas e são pouco claras, suscitando sérias dúvidas quanto à ocorrência concreta do sinistro face à forma vaga e imprecisa com que o mesmo foi relato pelo condutor e face à ausência de qualquer outra prova.”
Partilhamos completamente das razões explanadas pelo Tribunal a quo.
Com efeito, o condutor do veículo desconhecia a que velocidade circulava, relata de forma imprecisa como perdeu o controlo do veículo, sai pela traseira do carro, não chama as autoridades, nem sequer o carro de apoio das autoestradas, não tendo sido registado pela concessionária da autoestrada qualquer registo da ocorrência, não identificou qualquer testemunha, quando houve várias pessoas que viram o veículo naquela posição, não tendo indicado qualquer testemunha sobre os factos do acidente.
Tudo conjugado, tem se entender que a prova produzida é insuficiente para alterar a factualidade atinente não provada para provada.
Como se sabe, mantêm-se em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e o julgamento humano guia-se por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta, o uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
A alteração da matéria de facto só deve, assim, ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância.
Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si ou dada a fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova.
O uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados, o que não é, manifestamente, o caso.
Assim sendo, face ao expendido, conjugado com a fundamentação expendida na sentença recorrida, a qual motivou as razões pelas quais se considerava tal facto por não provado, consideramos ser de improceder a reclamação quanto ao mesmo.
*
*
1.5 Síntese conclusiva:
Altera-se a redacção do ponto 2) dos factos provados, ficando a constar a seguinte redacção:
Em 21.02.2023 o veículo automóvel ..-VM-.. foi registado a favor do Autor.
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Elimina-se dos factos não provados o facto nº 1 e dá-se o mesmo por provado sob o nº 15) com a seguinte redacção:
À data do acidente o Autor era proprietário do veículo automóvel com a matrícula ..-VM-.., de marca NISSAN, modelo ..., versão ....
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Improcede a reclamação da matéria de facto quanto ao facto não provado sob 2.
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2 - OS FACTOS E O DIREITO.
A sentença objecto de recurso absolveu a R. da instância por ilegitimidade do Autor.
Sucede que nesta sede de recurso foi dado por provado que à data do acidente o Autor era proprietário do veículo automóvel com a matrícula ..-VM-.., de marca NISSAN, modelo ..., versão ..., pelo que é evidente que tem de ser revogada a sentença recorrida, atenta a legitimidade do Autor para intentar a acção, porquanto o contrato de seguro, para além de incluir a responsabilidade civil contra terceiros, continha ainda a cobertura de “choque, colisão e/ou capotamento” (vulgo “seguro de danos próprios”), com o capital seguro de €23.910,40 e a franquia de €478,21.
Assim sendo, revoga-se a sentença quanto à absolvição da R. da instância.
*
Sucede que a acção terá de improceder, não por falta de legitimidade do Autor, mas porque não se verificam os pressupostos da obrigação de indemnizar pela R.
Aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação - artº 483º, nº 1, do C. Civil.
São, destarte, pressupostos do dever indemnizatório:
a) Violação de um direito ou interesse alheio;
b) Ilicitude;
c) Vínculo de imputação do facto ao agente;
d) Dano;
e) Nexo de causalidade entre o facto e o dano - Cfr. Prof. A. Varela, apud., Obrigações, 356.
A obrigação de indemnização só existe, no entanto, em relação aos danos que os lesados provavelmente não teriam sofrido se não fosse a lesão, artº 563º. É o que se chama de causalidade adequada.
O contrato de seguro “É aquele em que uma das partes, o segurador, compensando segundo as leis da estatística um conjunto de riscos por ele assumidos, se obriga, mediante o pagamento de uma soma determinada, a, no caso de realização de um risco, indemnizar o segurado pelos prejuízos sofridos, ou, tratando-se de evento relativo à pessoa humana, entregar um capital ou renda, ao segurado ou a terceiro, dentro dos limites convencionalmente estabelecidos, ou a dispensar o pagamento dos prémios tratando-se de prestações a realizar em data indeterminada”, Moitinho de Almeida, Contrato de Seguro”, pág. 23.
O contrato de seguro é essencialmente regulado pelas disposições particulares e gerais constantes da respectiva apólice e, nas partes omissas, pelo disposto no Código Comercial e, na falta de previsão deste último diploma, pelo disposto no Código Civil.
No caso sub-judice, pese a existência de contrato de seguro celebrado entre Autor e Ré, não se provou que tenha ocorrido o acidente de viação que o Autor invocou e, consequentemente, os danos sofridos pelo veículo ..-VM-.. tenham sido derivados do acidente de viação trazido aos autos.
Nos termos do artº 342º, nº 1, do Código Civil cabia ao Autor fazer prova dos factos alegados, o que não logrou fazer.
Assim sendo, ainda que por razão diversa da decisão do Tribunal da 1ª Instância, é de julgar improcedente a acção intentada pelo Autor/recorrente, improcedendo o recurso.
*
IV – Dispositivo
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a 3ª secção deste Tribunal da Relação do Porto:
a) Em negar provimento ao recurso, absolvendo-se a Ré/Recorrida do pedido.
*
Custas pelo Apelante – artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.
Porto, 5 de Dezembro de 2024
Álvaro Monteiro
Ana Luísa Loureiro
Paulo Dias da Silva