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PROVA PRÉ CONSTITUÍDA
PROVA DOCUMENTAL
PROVA PERICIAL
ARREPENDIMENTO
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Sumário
1. A regra de que a prova deve ser produzida em audiência comporta exceções: um primeiro grupo de exceções mostra-se logo abertamente consagrado no art. 355, nº 2 do CPP; outro é o que resulta da necessidade de conjugar o teor do regime geral do art. 355º, nº 1 com a natureza e as especificidades processuais de meios de prova que não se integram na razão de ser da norma. 2. A exigência do art. 355º, nº 1 prende-se com a necessidade de evitar que concorram para a formação da convicção do tribunal provas que não tenham sido apresentadas com respeito pelo princípio do contraditório. 3. Pense-se na prova documental, que pode ser produzida em inquérito ou na instrução, sem prejuízo da salvaguarda do contraditório, nos termos para que aponta o art. 165º, nºs 1 e 2; ou na prova pericial, que também será por norma produzida naquelas fases processuais, como se percebe face ao preceituado pelo art. 157º, nº 4, e que também está sujeita a mecanismos próprios de contraditório, à luz do art. 158º. 4. Considerar, em relação a provas desse jaez, que o Tribunal de 1ª Instância apenas poderia valorá-las uma vez lidas e examinadas na própria audiência de julgamento perante todos os sujeitos processuais, configuraria uma formalidade excessiva e as mais das vezes desnecessária, que o princípio do contraditório e as normas processuais não demandam, e que apenas alongaria injustificadamente as audiências de julgamento. 5. Tratando-se de provas pré-constituídas em relação à audiência de julgamento, de perfil documental e pericial, o conteúdo essencial do princípio do contraditório traduz-se em reconhecer-se aos sujeitos processuais e designadamente ao Arguido, uma ampla e efetiva possibilidade de as discutir, de as contestar e de desafiar o seu valor probatório. 6. Essa possibilidade existe a partir da notificação da acusação, na qual essas provas são referenciadas, e durante toda a audiência, sem prejuízo de o Tribunal, oficiosamente ou a requerimento, considerar que se justifica confrontar o Arguido ou alguma das testemunhas com o conteúdo de tais provas pré-constituídas, se o vir como útil ao apuramento da verdade material. 7. O arrependimento com relevo jurídico-penal tem de reportar-se aos factos imputados ou pelo menos a parte deles; e esse arrependimento, para que tenha alguma espessura, passa necessariamente, não só, mas desde logo, pela confissão espontânea, aberta e genuína dos factos correspondentes. 8. A violência doméstica sobre pessoas idosas suscita muito intensas exigências de prevenção geral, dificilmente compatíveis com a não efetividade da pena de prisão, ainda que o agente esteja social e profissionalmente integrado, particularmente quando não existe por parte deste um arrependimento jurídico-penalmente relevante. 9. Em face das circunstâncias concretas do caso, a não efetividade da prisão pode resultar num contributo do sistema judicial para a normalização de tal violência, o que importa recusar. (Sumário da responsabilidade do relator)
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa
1 – RELATÓRIO
Pelo Juízo Local Criminal de Cascais (Juiz 3) foi proferida sentença em 3 de julho de 2024, que contém o seguinte dispositivo: «
a. Condenar o arguido AA pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo 152º, no s 1, al. d) e 2, 4 e 5 do Código Penal, na pena de dois anos e oito meses de prisão.
b. Não suspender a pena de prisão fixada na alínea a), determinando o cumprimento efectivo da referida pena, devendo proceder-se ao desconto do período em que o arguido esteve preso preventivamente.
c. Não condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de contactos com a vítima.
d. Arbitrar, a título de reparação pelos prejuízos sofridos, o montante de €5.000,00, a ser pago pelo arguido AAà vítima/herdeiros.
e. Não se ordena, ao abrigo do disposto no n.º 2, do artigo 8º, da Lei n.º 5/2008, de 12 de fevereiro, a recolha de amostra de A.D.N. ao arguido AA.
f. Condenar o ora arguido AA no pagamento de 3 UC de taxa de justiça, e nas demais custas do processo e nas demais custas do processo, nos termos dos artigos 513º nºs 1e 3 e 514º nº1, todos do C.P.P. e do art.º 8.º, nº9 e da tabela III do Regulamento das Custas Processuais»
O AA, com os demais sinais identificativos nos autos, interpôs recurso, o qual finaliza com as seguintes conclusões (após reformulação das inicialmente apresentadas, na sequência de convite feito já nesta Relação): «
I. O Tribunal a quo condenou o arguido a 2 anos e 8 meses de prisão efetiva pela prática de um crime de violência doméstica, nos termos do artigo 152.º, n.º 1, alínea d), n.º 2, alínea a), n.º 4 e n.º 5 do Código Penal.
II. A sentença baseou-se exclusivamente na convicção formada pelo Tribunal, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, sem considerar circunstâncias favoráveis ao arguido.
III. O Tribunal a quo não ponderou a personalidade do arguido, descrito como uma pessoa calma, social e profissionalmente integrada, sem antecedentes criminais, e que confessou os factos, integralmente e sem reservas, demonstrando arrependimento.
IV. O presente recurso visa a reapreciação da prova e a aplicação de uma pena suspensa, por esta ser suficiente para atender às necessidades preventivas do caso.
V. O Tribunal a quo violou os artigos 40.º, 50.º, 70.º e 71.º do Código Penal e o artigo 82.º-A, n.º 2 do Código de Processo Penal, pelo que se requer a suspensão da pena de prisão e a anulação da compensação de 5.000€ à vítima.
VI. O Tribunal a quo desconsiderou a confissão do arguido para uma adequada aplicação das normas jurídicas pertinentes.
VII. O Tribunal a quo baseou a medida e a escolha da pena em pressupostos erróneos, sobrevalorizando as exigências gerais associadas ao crime de violência doméstica e apoiando-se em estudos e dados estatísticos da APAV, desconsiderando os princípios do processo penal e as necessidades preventivas especiais do caso concreto.
VIII. O arguido cooperou plenamente, confessando o crime, detalhando seu estado emocional, e mantendo uma postura calma e arrependida ao longo do processo, inclusive durante o período em que esteve em prisão preventiva.
IX. O arguido não justificou o crime, mas explicou que sua conduta foi influenciada pelo stress e ansiedade decorrentes de seu papel como cuidador informal do pai, cuja recusa em se alimentar e tomar medicação afetou gravemente o estado psicológico e emocional do arguido.
X. O Tribunal a quo errou ao não considerar o sofrimento emocional do arguido na determinação da pena, o que afetou momentaneamente sua capacidade de decisão.
XI. O arguido, sem antecedentes criminais, reconhecido profissionalmente e com qualificações superiores, dedicou sua vida a cuidar dos pais, demonstrando uma índole que não deveria ter sido desconsiderada pelo Tribunal a quo na fixação da pena.
XII. O Tribunal a quo fundamentou a sentença em perícias e relatórios clínicos que não foram mencionados por nenhuma das testemunhas ou apresentados ao arguido, não tendo este sido confrontado com os mesmos, nem constando tais perícias na acusação pública, sendo o único registo hospitalar o do dia em que o arguido foi retirado de casa.
XIII. O Tribunal a quo desvalorizou as declarações sinceras do arguido, que confessou os factos e demonstrou consciência da censurabilidade da sua conduta, contrariando o disposto no artigo 71.º do Código Penal.
XIV. O arguido, durante sua prisão preventiva, tem mantido comportamento exemplar, sem infrações disciplinares.
XV. Ao fixar a pena em 2 anos e 8 meses, o Tribunal a quo deveria ter ponderado a suspensão da pena, conforme os artigos 50.º e 70.º do Código Penal, ao invés de sobrevalorizar a prevenção geral positiva.
XVI. Considerando a moldura penal do crime de violência doméstica (art. 152.º, n.º 1, alínea d), n.º 2), com penas entre 2 e 5 anos, e as circunstâncias atenuantes, não há justificativa razoável para a não aplicação de uma pena suspensa, que seria proporcional e adequada ao caso.
XVII. A pena de prisão efetiva aplicada ao arguido é desadequada e desproporcional, considerando sua medida de culpa, as consequências dessa aplicação e suas circunstâncias pessoais, pelo que deveria ser ajustada ao mínimo necessário para garantir sua ressocialização, que é o objetivo último da pena.
XVIII. Não estão presentes os pressupostos legais para a aplicação de uma pena tão gravosa, sendo possível assegurar o controle do arguido com medidas menos severas e igualmente eficazes.
XIX. O Recorrente reside em Portugal há 3 anos, exercendo sua profissão, e pretende continuar a trabalhar, sem intenção de regressar ao Canadá ou de se evadir de suas responsabilidades.
XX. O Recorrente possui cidadania portuguesa, tem qualificações académicas superiores, não possui antecedentes criminais e está empenhado em levar uma vida tranquila e organizada, de acordo com os valores de um bom cidadão.
XXI. A ausência de um intérprete de língua inglesa comprometeu a comunicação do Recorrente com o Tribunal no 1º Interrogatório, resultando em conclusões imprecisas, incorrendo na nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea c) do CPP.
XXII. O arguido foi privado de direitos fundamentais durante o inquérito, incluindo o direito a um intérprete, obrigatório nos termos do artigo 92.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o que prejudicou sua defesa desde a acusação até à pronúncia.
XXIII. O arguido chegou a Portugal em janeiro de 2019, trabalhando como professor de Inglês na empresa CIAL, auferindo cerca de 1.400€ por mês, tendo vindo para Portugal em busca de melhores condições de trabalho, clima favorável e para prestar cuidados de saúde aos seus progenitores.
XXIV. Destaca-se que não há registo de qualquer queixa por parte da vítima, tendo o progenitor feito uso da prerrogativa prevista no artigo 134.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
XXV. A prova valorada em sentença é insuficiente para demonstrar ou indiciar de forma robusta os factos alegados, não sustentando a convicção quanto à existência de agressões físicas.
XXVI. O testemunho de Kenneth Dobrouskin, amigo do arguido há cerca de dois anos, confirmou a sua integração profissional e social, destacando o seu caráter tranquilo e não violento, além de corroborar a inexistência de consumo de substâncias estupefacientes.
XXVII. Nenhuma das testemunhas de acusação presenciou os factos alegadamente ocorridos, nem observaram quaisquer sinais de lesão ou elementos estranhos no ofendido.
XXVIII. À luz do princípio da investigação ou da busca pela verdade material, todos os factos relevantes para a decisão, que não possam ser subtraídos à "dúvida razoável" do tribunal, não podem ser considerados provados, e a falta de prova não deve prejudicar o arguido.
XXIX. O agente da PSP chamado à residência em 2022, por alegadas desavenças familiares, não constatou que a vítima apresentasse lesões, conforme relatado no auto de denúncia anexado aos autos.
XXX. Não existem fundamentos factuais ou jurídicos, com base na prova apresentada pelo douto Tribunal a quo, para se concluir que o arguido tenha desferido "pancadas de mão aberta" no pai com recurso à força física, sendo erroneamente considerado provado nos pontos 9 e 12 da sentença.
XXXI. A alegação de que tais agressões ocorreriam pelo menos uma vez por semana carece de fundamento, demonstrando uma clara incongruência, já que na alínea a) dos factos não provados, os estalos na face do ofendido foram considerados como não provados.
XXXII. A conclusão de que, três semanas antes de 3 de julho, o arguido tenha desferido pancadas de mão aberta, baseia-se exclusivamente no testemunho de BB, que não presenciou as agressões, tendo apenas "ouvido", e ainda reconheceu que "poderia não ser".
XXXIII. Não foram realizadas quaisquer perícias forenses que comprovassem as alegadas lesões ou o nexo de causalidade entre as mesmas e os supostos estalos, que, na verdade, não existiram, impossibilitando a prova do nexo causal invocado.
XXXIV. Não se podem considerar provados os pontos 14 e 15, nos quais o Tribunal a quo considerou provado que, no dia 3 de julho de 2023, o ofendido gritava por socorro enquanto o arguido lhe desferia estalos, causando dor e escoriações, lacerações sem hemorragia ativa e crostas sanguíneas.
XXXV. Ninguém próximo viu o ofendido com marcas de agressão, pelo que não poderia o douto Tribunal a quo presumir que tal tenha ocorrido, não tendo a vítima expulsado o filho de casa ou manifestado consternação.
XXXVI. O ofendido, ao ser inquirido, afirmou e reiterou que não queria qualquer procedimento criminal e que nunca foi vítima de agressões por parte do arguido, o que foi desconsiderado pelo douto Tribunal a quo.
XXXVII. Da sentença, baseada apenas na acusação, resultam incongruências e imprecisões significativas.
XXXVIII. O arguido não é uma pessoa violenta e não possui histórico de agressividade o que não foi tomado em consideração pelo Tribunal a quo.
XXXIX. As condições pessoais, profissionais e económicas do arguido, corroboradas pelo relatório social elaborado pela DGRSP, bem como pelas suas declarações e pelos depoimentos das testemunhas que o apoiam, também não foram consideradas para a suspensão da pena.
XL. O arguido reconheceu que deveria ter-se afastado da situação e buscado ajuda dos familiares, mas decidiu sobrecarregar-se, o que lamentavelmente levou à presente situação, tendo pedido desculpas ao falecido pai, à mãe e à sociedade portuguesa, reconhecendo a gravidade de suas ações.
XLI. O Recorrente sempre se mostrou zeloso e colaborou com a justiça na busca pela verdade.
XLII. Nenhuma testemunha ou elemento probatório comprova o consumo de substâncias estupefacientes, sendo certo que o arguido declarou que consumia apenas CBD para fins medicinais, em razão das intensas dores decorrentes da sua condição de saúde.
XLIII. A efetivação da pena de prisão afeta sua estabilidade emocional.
XLIV. Com a devida vénia, o testemunho do irmão do arguido é sobrevalorizado, pois o mesmo não acompanhou os pais e demonstrou uma postura inadequada perante o Tribunal, sendo várias vezes corrigido, adotando um comportamento altivo e conflituoso, dirigindo insultos ao arguido.
XLV. Além disso, nenhuma testemunha relatou mau cheiro ou desarrumação na casa, evidenciando que o apoio ao arguido era escasso e que ele se dedicava a cuidar da arrumação e higiene dos pais.
XLVI. É curioso que o depoimento do assistente tenha sido sobrevalorizado, uma vez que, por ser assistente, possui um interesse direto na causa, o que suscita, no mínimo, dúvidas sobre suas palavras.
XLVII. O tribunal a quo atendeu a juízos pessoais, quando deveria ter refletido rigorosamente sobre a prova produzida em julgamento, sem que sua convicção se impusesse de forma tendenciosa aos demais elementos probatórios, discordando o arguido do que está plasmado nas fls. 8 da sentença.
XLVIII. É verdade que o ofendido sofria de stress pós-traumático, resultante da guerra colonial na Guiné, deixando vestígios de granada nas costas. Era também comum ouvir gritos vindos do lar de idosos situado em frente à sua habitação, conforme corroborado pelo testemunho do assistente.
XLIX. Contudo, no que diz respeito às alegadas agressões, todas as suas afirmações foram genéricas e vagas, sem especificar qualquer ocorrência.
L. O arguido sempre viveu em um ambiente disfuncional, onde a mãe e a avó tinham problemas com o ofendido, mas ele sempre procurou proporcionar o melhor ao pai.
LI. O arguido reconheceu que não é uma pessoa violenta e não possui histórico de violência, além disso, não representa risco para a sociedade e não deseja ir para a prisão, o que evidencia que as exigências de prevenção especial são mínimas.
LII. O arguido confessou, de forma voluntária e consciente, os abusos verbais, admitindo que chamou o pai de "fucker", "és um merdas", "não vales o que és" e "és um estúpido, porco nojento", especialmente quando este se machucava, não tomava os medicamentos ou não cumpria a sua higiene, não querendo tomar banho ou se alimentar.
LIII. É incompreensível que a acusação se baseie essencialmente em depoimentos de testemunhas que nunca assistiram a quaisquer agressões, mas apenas "ouviram" discussões, nas quais ficou claro que tanto o arguido quanto a vítima estavam a par um do outro durante os conflitos.
LIV. Com a sua decisão, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 40.º, 50.º, 70.º e 71.º do Código Penal (CP), motivo pelo qual se pugna pela suspensão da execução da pena de prisão aplicada.
LV. A prevenção geral deve atuar não apenas por meio da intimidação, mas também e, sobretudo, pela reintegração do arguido.
LVI. As circunstâncias relevantes para a determinação da pena concreta devem considerar a culpa do agente e as exigências de prevenção, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal.
LVII. A culpa é um elemento não apenas constitutivo do conceito de crime, mas também determinante na avaliação da medida da pena, o que não foi respeitado neste caso.
LVIII. A prevenção especial não foi minimamente considerada na sentença, que dedicou longas páginas a descrever estudos e estatísticas que não podem ser o único critério para a decisão.
LIX. Com a devida vénia, o arguido não pode deixar de notar que a sentença consiste num texto padronizado, alheio às circunstâncias específicas do caso em questão.
LX. Não é aceitável que um texto meramente padronizado decida sobre a vida do arguido, restringindo a sua liberdade, o que é uma questão de extrema relevância, determinando a vida do arguido nos próximos anos.
LXI. Além disso, é mencionado que "o risco de repetição deste tipo de comportamentos não fica mitigado pela circunstância de o arguido já não conviver com a vítima", sendo relevante destacar que a vítima, lamentavelmente, faleceu enquanto o arguido se encontrava em prisão preventiva.
LXII. O arguido interpôs recurso da medida de coação de prisão preventiva, não se conformando com a decisão, e destacou o parecer do Ministério Público no processo 926/22.0PCCSC-C, que reconheceu indubitavelmente a razão do arguido.
LXIII. No caso em concreto, deve-se considerar apenas o regime previsto no artigo 50.º do Código Penal, sendo a pena suspensa uma medida adequada e suficiente para as finalidades da punição, levando em conta a gravidade dos factos, a personalidade do agente e a pena concretamente fixada.
LXIV. A postura colaborativa e responsável do arguido é evidente, tendo expressado arrependimento pelas suas ações e refletido sobre as mesmas durante o período de prisão preventiva, reconhecendo que não agiu corretamente e desejando voltar atrás, ao mesmo tempo em que busca levar uma vida tranquila e conforme os valores de um bom cidadão.
LXV. Não existe perigo de continuação de atividade criminosa, considerando que a vítima faleceu e que o arguido reconheceu, de forma desinteressada, que deveria ter procurado ajuda e se afastado da situação que o levou a este ponto.
LXVI. O arguido mantém um contrato de trabalho, não enfrentando dificuldades na sua reintegração profissional, sendo certo que pode lecionar à distância, utilizando meios que garantam a segurança e as finalidades preventivas do caso.
LXVII. A decisão proferida deve necessariamente implicar a suspensão da execução da pena, com base no artigo 50.º do Código Penal.
LXVIII. Nos termos do artigo 50.º do CP, os pressupostos necessários estão, neste caso, verificados, para efeitos de suspensão da pena.
LXIX. Na suspensão da execução da pena, o julgador deveria ter feito um juízo de prognose favorável em relação ao comportamento do arguido, assegurando que a ameaça da pena seja suficiente para cumprir os objetivos da punição.
LXX. Considerando a atitude colaborativa do arguido na busca pela verdade, é evidente que a sua conduta futura tende a ser positiva e benéfica.
LXXI. O tribunal a quo violou a norma do artigo 50.º do CP, interpretando-a de maneira a não suspender a execução da pena quando deveria ter optado pela sua suspensão.
LXXII. Através da confissão integral do arguido, fica claro que ele reconheceu o desvalor das suas ações, desejando evitar repeti-las e assumindo a responsabilidade pelas consequências decorrentes.
LXXIII. Portanto, considerando todos os aspetos, deveria o tribunal a quo ter aplicado ao arguido uma pena de prisão suspensa na sua execução, pena esta próxima do limite mínimo de dois anos.
LXXIV. O Tribunal a quo também fixou uma quantia de 5 mil euros como compensação à vítima, contudo, a condenação no pagamento de indemnização civil, conforme o artigo 82.º-A, deve observar o contraditório, o que não ocorreu neste caso.
LXXV. Assim como o demandado civil deve ser informado sobre o pedido de indemnização, nos casos em que a condenação em indemnização civil ocorre sem que exista tal pedido, o arguido deve ser previamente informado sobre a possibilidade de ser condenado ao pagamento de uma indemnização ao lesado.
LXXVI. Assim, quando o juiz concluir que pode haver uma condenação em indemnização, conforme o n.º 1 do art. 82.º-A do CPP, é imperativo que informe o arguido sobre essa possibilidade e lhe conceda o direito de se pronunciar, o que não sucedeu no caso em apreço, ao arrepio do disposto no artigo 82.º-A, n.º 2 do CPP.
LXXVII. Esta irregularidade compromete, de maneira intolerável, um direito fundamental de um interveniente processual, um direito que decorre diretamente da Constituição.
LXXVIII. Em suma, deverá o presente recurso ser julgado procedente, substituindo a decisão recorrida por outra que considere, na escolha da pena, os elementos constantes dos autos e destacados em sede de recurso.
LXXIX. Assim, se requer que a pena de dois anos e oito meses de prisão aplicada ao recorrente pela prática de um crime de violência doméstica seja suspensa na sua execução, pois tal medida se revela justa e adequada às exigências preventivas em questão, juntamente com a anulação da decisão de arbitramento do montante de 5.000€ a título de compensação à vítima. Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, se requer mui respeitosamente que V. Exa. se digne a admitir as conclusões supra expostas, devidamente aperfeiçoadas em cumprimento do disposto no artigo 417.º, n.º 3 do CPP, com as devidas consequências legais.»
O recurso fora admitido com subida imediata, nos próprios autos e mostra-se-lhe fixado efeito suspensivo do processo.
A Digna Magistrada do Ministério Público junto da 1ª Instância respondera ao recurso, formulando aas seguintes conclusões: «1. De acordo com o princípio da livre apreciação da prova vigente no processo penal (art.º 127º do Código de Processo Penal), a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador. 2. Por isso, só nos casos em que as provas concretamente indicadas pelo recorrente imponham decisão diversa da recorrida, devem os tribunais superiores proceder a tal alteração (art.º 412º, n.º 3, al. b) do Código de Processo Penal). 3. Da conjugação de todos os meios de prova testemunhais e documentais enunciados na motivação da matéria de facto, criticamente analisados e ponderados pelo Tribunal no acórdão recorrido, resulta à evidência que foi totalmente acertada a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, em todos os seus pontos, sendo manifesta a inexistência de qualquer erro de julgamento. 4. O conteúdo dos documentos, da prova pericial e os depoimentos das testemunhas indicadas acima encontram-se explicitados na sentença recorrida de forma muito detalhada e permitem sustentar de forma integral a matéria de facto que o Tribunal a quo considerou provada, nomeadamente os factos impugnados pelo recorrente. 5. Apresentando uma apreciação dos factos diferente da do Tribunal a quo, o recorrente pretende questionar a convicção do Julgador. Porém, a convicção do Tribunal só pode ser posta em causa em função das regras de experiência comum, ou seja, quando, pelo raciocínio lógico, da razão e do pensamento, baseado naquelas regras, se chega à conclusão de que a convicção do julgador está eivada de erro (erro de julgamento), que suscita dúvidas razoáveis que põem em causa a decisão – cfr., neste sentido, o Ac. Relação de Coimbra, de 25/11/2009, no Processo n.º 157/08.2GHCTB.C1, acessível em www.dgsi.pt. 6. Face ao exposto, o acórdão recorrido não merece qualquer censura quanto à matéria de facto que se deu como provada. 7. O recorrente compreendeu sempre o alcance dos actos que foram praticados, sendo perfeito conhecedor da língua portuguesa, apesar de não ser a sua língua nativa, não se verificando, assim, a obrigatoriedade prevista no art.º 92º, n.º 2 do Código de Processo Penal, e, nesta sequência, a nulidade prevista no art.º 120º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal. 8. Sem conceder, mesmo que se entendesse que era obrigatória a nomeação de intérprete aquando do seu primeiro interrogatório judicial, sempre tal nulidade teria que ter sido oportunamente arguida (art.º 120º, n.º 3, al. a) do Código de Processo Penal), o que não sucedeu, pelo que se encontraria sanada, não cumprindo proceder à anulação de qualquer processado. 9. Quanto à decisão de não suspender a execução da pena de prisão aplicada ao recorrente, diremos desde já que, em nosso entender, a opção do Tribunal a quo pela aplicação ao recorrente da pena de 2 anos e 8 meses de prisão efectiva não é merecedora de qualquer censura, pois que a mesma se mostra perfeitamente consentânea e adequada com a realidade factual apurada em sede de julgamento. 10.Com efeito, existe um limite mínimo de tutela da eficácia e validade geral do ordenamento jurídico abaixo do qual ficam em causa a tutela dos bens jurídicos e a confiança da comunidade na vigência da norma violada, limite este que, na prática, consubstanciará o limite de não execução da pena aplicada. 11.Assim, e como muito bem se referiu no douto acórdão recorrido, da avaliação e ponderação das exigências de prevenção geral e especial supra descritas, não podemos concluir pela aplicação de uma pena de substituição, pois dada a gravidade do crime aqui em apreço assim como o lapso temporal em que o recorrente o perpetrou, considera-se que aquelas (prevenção geral) se sobrepõem a estas (prevenção especial), pelo que se impõe a aplicação de uma pena de prisão efectiva. 12.Não obstante o recorrente não registar antecedentes criminais e se encontrar social e profissionalmente inserido, realidade habitual neste tipo de criminalidade, a negação ainda que parcial de factos que notoriamente foram por ele praticados e a ausência de autocensura revelada, demonstram uma falta de consciência crítica relativamente aos factos cometidos, o que, a nosso ver, impede a formulação de um juízo de prognose favorável. 13.Acresce que, as exigências de prevenção geral que no caso concreto se fazem sentir são de ordem tão elevada que, no nosso entendimento, não permitem a suspensão da execução da pena de prisão. 14.Face ao exposto, forçoso é concluir que não é possível, nos termos do art.º 50º, n.º 1 do Código Penal, fazer um juízo favorável quanto à capacidade do recorrente se conformar com o Direito e com os valores por ele tutelados mediante a mera ameaça do cumprimento de prisão. 15.Pelo que a pena de prisão efectiva aplicada ao recorrente deverá ser mantida. 16.Contrariamente ao defendido pelo recorrente, o mesmo foi notificado da possibilidade de poder vir a ser fixada uma compensação à vítima/seus herdeiros aquando da notificação do despacho proferido a 16.01.2024, que recebeu a acusação e notificou o recorrente para a possibilidade do Tribunal vir a arbitrar tal quantia a título de reparação pelos prejuízos eventualmente sofridos pelo ofendido em decorrência das condutas imputadas ao recorrente. 17.Notificação esta efectuada ao recorrente, pessoalmente, no estabelecimento prisional, conforme resulta da certidão de notificação junta a 21.02.2024 aos autos. 18.Face ao exposto, também quanto a este ponto não existe qualquer razão ao recorrente. Termos em que se conclui que o acórdão recorrido deverá ser mantido nos seus precisos termos, negando-se provimento ao recurso apresentado.»
Chegados os autos a esta Relação, a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta lavrou douto parecer sobre a matéria em discussão, nos seguintes termos: «AA vem recorrer da sentença que o condenou pela prática de um crime de violência doméstica previsto e punido pelo art. 152º, no s 1, al. d) e 2, 4 e 5 do Código Penal, na pena de dois anos e oito meses de prisão efectiva. O recorrente impugna a matéria de facto; alega a nulidade prevista no art.º 120º, n.º 2 do Código de Processo Penal, decorrente da falta de nomeação de intérprete aquando da realização do primeiro interrogatório judicial de arguido detido; discorda da não suspensão da execução da pena e invoca a violação do disposto no n.º 2, do art.º 82º-A do Código de Processo Penal. O MP respondeu ao recurso de modo adequado acompanhando-se a fundamentação aí expendida. Considerando que o recorrente está laboral e socialmente inserido; não tem antecedentes criminais requer-se a suspensão da execução da pena, mediante regime de prova e obrigação de afastamento da vítima. O MP é do parecer que o recurso deve ser parcialmente procedente.»
Cumprido o disposto no art. 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, veio o Arguido manifestar adesão à pela Sra. Procuradora-Geral Adjunta promovida suspensão da execução da pena de prisão.
Notificados Ministério Público e Assistente das novas conclusões juntas pelo Recorrente nesta Relação, nada foi acrescentado.
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Proferido despacho liminar, foram colhidos os “vistos” e teve lugar a conferência.
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2 - FUNDAMENTAÇÃO
2.1 Questões a tratar
São consabidamente as conclusões do recurso que delimitam o objeto deste, sem prejuízo da possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso.
A essa luz, o que está em discussão é o seguinte:
i. A nulidade prevista pelo art. 120º, nº 2, alínea c) do Código de Processo Penal, em razão da falta de nomeação de intérprete ao Arguido aquando do primeiro interrogatório judicial;
ii. A contradição entre o facto provado nº 9 e o facto não provado descrito na alínea a);
iii. A valoração de perícias e relatórios clínicos não examinados na audiência de julgamento;
iv. A violação do in dubio pro reo;
v. A indevida inserção de factos genéricos na matéria de facto dada como provada;
vi. A impugnação da matéria de facto;
vii. A suspensão da execução da pena de prisão;
viii. A falta de cumprimento do contraditório a respeito do arbitramento da quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos.
2.2 Da nulidade por falta de nomeação de intérprete
Defende o Arguido que, não dominando a língua portuguesa, devia ter-lhe sido nomeado um intérprete aquando do interrogatório judicial de arguido detido a que foi sujeito; e conclui que se verifica neste ponto uma nulidade, prevista pelo art. 120 º, nº 2, alínea c) do Código de Processo Penal.
Em resposta, defende o Ministério Público que o Arguido compreendia suficientemente a língua portuguesa, pelo que não havia necessidade de nomeação de intérprete.
Vejamos.
O Arguido foi assistido por intérprete durante a audiência de julgamento, incluindo no ato de leitura da sentença, como se constata pela análise do despacho de nomeação de 19/02/2024 e das atas correspondentes às sessões de 11/04/2024, 08/05/2024, 19/06/2024 e 03/07/2024 (cfr. referências eletrónicas nºs 149238120, 150373225, 150875216, 151674080 e 151980166).
Não teve esse apoio, é certo, no interrogatório judicial realizado na fase de inquérito, em 4/07/2023, no âmbito do qual lhe foi aplicada prisão preventiva (referência eletrónica nº 145372217); e é esse e não outro o vício que invoca nesta matéria – falta de intérprete aquando desse interrogatório judicial.
Sucede que essa exata questão fora já colocada pelo Arguido no recurso que interpôs do despacho que aplicara a medida de coação, que deu origem ao douto acórdão proferido no Apenso A) em 8/11/2023, o qual lhe negou razão (referência eletrónica nº 20699425).
Essa decisão tornou-se definitiva, por efeito do caso julgado formal, não mais podendo o Arguido, em suma, suscitar o mesmo problema processual (cfr. art. 620º do Código de Processo Civil, aplicável por via do art. 4º do Código de Processo Penal).
2.3 Da matéria de facto
2.3.1 A sentença recorrida
Tem a sentença recorrida o seguinte teor, em matéria de facto e sua motivação: «II - Fundamentação de facto A) Factos Provados Para a boa decisão da causa, apuraram-se os seguintes factos:
1. O arguido AA, nascido a 17.9.1968, encontra-se registado como sendo filho de CC e de DD.
2. CC nasceu no dia 20.09.1938.
3. CC faleceu no dia 02.09.2023.
4. DD nasceu no dia 4.7.1940.
5. À data dos factos que infra se descreverão, o arguido residia com os seus pais na morada sita na ....
6. À data dos factos que infra se descreverão, CC era uma pessoa de estrutura física débil e de fraca mobilidade, movendo-se lentamente e apenas com o auxílio de uma bengala, padecendo no ano de 2023 de cardiopatia isquémica com doença de três vasos, úlceras bulbares, erosões gástricas e dislipidemia.
7. DD encontra-se acamada, apresentando ainda síndrome demencial.
8. Desde data não concretamente apurada, mas pelo menos há cerca de 2 (dois) anos que o arguido, por diversas vezes, no interior da habitação referida em 5.º, se dirige a CC dizendo-lhe: “és um merdas, não vales nada, és um estúpido, vai-te foder; fuck you, porco nojento”.
9. Do mesmo modo, o arguido desferiu no corpo do ofendido CC, de forma constante e, pelo menos, uma vez por semana, diversas pancadas de mão aberta em diversas partes do corpo, com recurso à força física.
10. Era audível do exterior da habitação os gritos de dor que o ofendido expressava quando era agredido.
11. Cerca de 3 semanas antes do dia 3 de julho de 2023, pelas 02h00, no interior da residência referida em 5.º, o arguido dirigiu-se a CC e dirigiu-lhe as expressões “porco, porco de merda; mereces o que estás a passar, nojento” em tom de voz elevado.
12. Nesse momento, o arguido desferiu diversas pancadas de mão aberta, com recurso à força física, na face do ofendido.
13. Após, o arguido encostou CC à parede, envolveu o pescoço deste com as suas mãos e apertou-o, com recurso à força física.
14. No dia 3 de julho de 2023, cerca das 13h00, no interior da referida residência, o ofendido gritava “socorro, ajudem-me, ai, ai, ai”, enquanto o arguido lhe desferia estalos.
15. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, o ofendido sentiu fenómenos dolorosos e ainda sofreu: a. Várias escoriações na face e nos membros superiores, no membro superior esquerdo apresentava lacerações sem hemorragia activa e sem sinais infeciosos; b. No pavilhão auricular esquerdo apresentava uma formação nodular com crostas sanguíneas.
16. O arguido agiu sempre de forma deliberada, livre e consciente, com o propósito concretizado de diminuir a auto-estima ao ofendido, no interior da residência deste, apesar de se tratar de pessoa especialmente vulnerável e particularmente indefesa em razão da idade, deficiência e doença, e de lhe criar uma situação de medo, vergonha, humilhação, perturbação e insegurança permanente e constante, impedindo-o de realizar a sua vida normal, o que efectivamente sucedeu e contribuiu para gerar na vítima um profundo sentimento de temor, inquietação e angústia, e assim atentando contra a sua vida e dignidade, sabendo que por ser seu pai lhe devia um dever acrescido de respeito.
17. Bem sabia o arguido que, por força da avançada idade da vítima e da desproporção etária entre eles, aquele não tinha qualquer capacidade séria de oferecer resistência, temendo pela reacção do mesmo, circunstância de que se prevaleceu para prosseguir a sua acção criminosa.
18. O arguido agiu sempre consciente, voluntária, livre e deliberadamente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei e que tinha a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação. Dos antecedentes criminais:
19. Do CRC do arguido nada consta. Das condições pessoais:
20. O arguido nasceu em Montreal, Canadá.
21. O arguido tem nacionalidade portuguesa.
22. O arguido é solteiro.
23. O arguido não tem filhos.
24. O pai era jogador profissional de futebol, em Portugal, emigrando para o Canadá, dando continuidade à sua atividade futebolística.
25. Posteriormente, o pai do arguido foi chefe de departamento de limpezas num hospital.
26. A mãe do arguido era costureira e fazia limpezas em casas particulares.
27. Após a reforma, os pais do arguido retornaram a Portugal, vivendo seis meses em território nacional e seis meses no Canadá.
28. O arguido tem um irmão germano, cinco anos mais novo, que continua a residir no Canadá.
29. Em termos económicos apesar de algumas dificuldades, motivadas, segundo o arguido, por maus investimentos económicos do progenitor, que davam azo a algumas discussões familiares, o agregado conseguia suprir as suas necessidades.
30. O arguido foi educado de acordo com as regras, normas e valores da sociedade onde o agregado estava inserido.
31. O irmão do arguido refere que saiu da casa dos pais quando tinha 18 anos de idade, porque era maltratado pelo arguido.
32. O arguido iniciou o percurso escolar em idade regulamentar, concluindo uma licenciatura em educação com 23 anos de idade e posteriormente concluiu um mestrado na mesma área, cerca dos 29 anos de idade.
33. O arguido começou o percurso laboral, após a formação académica, lecionando a língua inglesa e francesa, percurso que perdurou até à atual prisão.
34. Com 32/33 anos de idade autonomizou-se, saindo da casa dos pais, arrendando um apartamento para onde foi residir.
35. Em termos afetivos, o arguido refere que manteve um relacionamento com uma companheira por um período de cinco anos residindo com a mesma num apartamento em Montreal.
36. Quando AA tinha 43 anos de idade veio para Portugal, residindo com os progenitores na vivenda propriedade dos pais, no Estoril, exercendo a profissão de professor de inglês dando aulas online, na “CIAL” - Centro de línguas.
37. Manteve-se em Portugal, entre 2007 e 2010, regressando ao Canadá, onde manteve a sua atividade de professor.
38. Em 2019 regressou a Portugal, integrando o agregado dos progenitores, retomando a sua profissão no mesmo empregador.
39. Em termos de outros contactos com a justiça, o arguido refere que no Canadá nunca teve qualquer contacto com o aparelho judicial e em Portugal teve um processo de violência doméstica cuja queixa foi retirada.
40. À data dos factos subjacentes à presente acusação, AA residia no agregado dos seus progenitores, em companhia dos mesmos, na vivenda propriedade dos pais, no Estoril, localizada na morada constante do presente processo, ambos reformados, o pai auferindo cerca de 2.000,00 euros mensais e a mãe cerca de 600,00 euros mensais.
41. O irmão do arguido mantinha-se a residir no Canadá.
42. O ambiente familiar era marcado por discussões frequentes entre o arguido e o progenitor.
43. O arguido refere um ambiente tóxico, agudizado pela doença da mãe (demência), desde há cerca de um ano e meio, tendo a progenitora sido institucionalizada.
44. Em termos económicos não se verificavam necessidades, continuando o arguido a exercer a profissão de professor de inglês, online, referindo auferir cerca de 1.000,00 euros mensais.
45. O irmão do arguido veio a Portugal em 2022, onde se manteve cerca de um mês e meio e em 2023, tendo ficado em Portugal um mês, para ajudar a institucionalizar a mãe, que se encontrava doente.
46. O agregado tinha o apoio domiciliário do centro de dia da área de residência.
47. O arguido refere que apoiava o seu pai nas lidas da casa, o que não é confirmado pelo irmão que refere que AA não ajudava, tendo a casa um aspeto bastante desmazelado.
48. Em termos de ocupação de tempos livres, o arguido refere que frequentava a praia, fazia passeios de bicicleta e convivia socialmente com amigos.
49. Em termos de hábitos aditivos, o arguido refere que não consome estupefacientes e consome bebidas alcoólicas moderadamente e às refeições.
50. O irmão de AA refere que o arguido consome haxixe regularmente e tem hábitos alcoólicos.
51. O arguido encontra-se no EP de Caxias, desde 04-07-2023, preso preventivamente à ordem do presente processo.
52. Enquanto recluído, ocorreu o falecimento do progenitor.
53. AA interage com os pares normativamente, não tendo qualquer registo disciplinar.
54. O mesmo tem ocupação laboral como faxina desde 29-12-2023.
55. Recebe visitas de um amigo e de uma amiga.
56. O arguido quer transmitir aos outros uma imagem de si próprio como um elemento bem inserido na sociedade cumprindo as regras e valores inerentes à mesma, denotando lacunas ao nível do pensamento consequencial e resolução de problemas, bem como dificuldade em reconhecer o impacto das suas ações nos outros, aparentando défices ao nível do controle de impulsos. B) Factos não provados Para a boa decisão da causa, não se apurou que: Da acusação
a. No circunstancialismo referido em 9.º, o arguido desferia pancadas na face do ofendido.
b. Os factos descritos em 11.º ocorreram no dia 30 de junho de 2023.
c. No circunstancialismo referido em 11.º, o arguido, apontou o dedo em riste junto à cara do ofendido.
d. No dia 3 de julho de 2023, cerca das 13h00, na referida residência, o arguido dirigiu-se ao ofendido e enquanto lhe apertava o pescoço, dizia-lhe, em tom de voz elevado, “mereces isso e muito mais!”. Da contestação
e. O arguido foi o único cuidador dos seus pais ao longo dos últimos anos.
f. O arguido coabitava com os seus progenitores, em razão dos necessários cuidados de saúde, acompanhamento e suporte de que estes últimos necessitam, objetivo imperioso que tem sido uma prioridade incontestável para o arguido satisfazer.
g. O arguido sempre foi cuidador dos seus pais, doentes, sem que fosse beneficiário de qualquer ajuda técnica ou financeira, sem qualquer apoio institucional estável e contínuo, social ou médico, mesmo tentando socorrer-se de tais meios, o que nunca logrou êxito.
h. O arguido sempre acompanhou os seus progenitores nas idas ao médico e era o principal responsável pelos seus cuidados de saúde, organizando toda a medicação necessária, que tinha de ser diariamente administrada aos seus progenitores, tratando, também, dos curativos e cuidados que se mostravam necessários nas feridas e lesões que apareciam nos seus pais.
i. CC deu uma queda em junho de 2023, na rua, ficando com um inchaço na orelha e com manchas ao lado da cara, o que por vezes acontecia, quando o seu pai insistia em sair sozinho e até utilizar os transportes públicos, com a pouca mobilidade que possuía.
j. Na altura deste acontecimento em concreto, o arguido acompanhou o seu pai ao médico de família no Centro de Saúde de São João, prestando toda a atenção, como era o seu hábito.
k. O arguido sempre destacou que tem um grande afeto pelo progenitor, pelo que o falecimento deste já consubstancia um episódio difícil de enfrentar e superar.
l. CC tomava medicação para o sangue, anticoagulantes, o que facilitava a existência de marcas no corpo. * Não se atenderam aos factos repetidos, irrelevantes, conclusivos e/ou contendo matéria de direito. * C) Motivação O Tribunal formou a sua convicção com base na valoração conjunta da prova produzida nos autos e em audiência de discussão e julgamento, atentas as regras da lógica e experiência comuns e o princípio da livre apreciação da prova. De facto, a convicção do juiz há-de ser uma convicção pessoal, nela desempenhando um papel de relevo não só a actividade meramente cognitiva mas também elementos unicamente apreensíveis por via da imediação [v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova] mas, em todo o caso, sempre objectivável e motivável, o que vale por dizer, uma convicção capaz de se impor persuasivamente aos outros. Uma tal convicção existirá quando e só quando o Tribunal tenha logrado convencer-se da verdade, para além de toda a dúvida razoável. Nesta matéria, é determinante, como se disse, o princípio da imediação, ou seja, a relação de proximidade comunicante entre o Tribunal e os participantes no processo, de tal modo que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão. Só este princípio, com efeito, permite o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só ele permite, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. E só ele permite, por último, uma plena audiência destes mesmos participantes, possibilitando-lhes da melhor forma que tomem posição perante o material de facto recolhido e comparticipem na declaração do direito do caso (cfr. Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, p. 204 e seguintes). Mas, para se considerarem provados factos ou para que o juiz aceite uma dada versão dos acontecimentos, não basta que os sujeitos processuais se pronunciem sobre as questões num determinado sentido. A actividade judicatória há-de ter, necessariamente, um sentido crítico. Os juízes não são meros espectadores ou receptores de depoimentos, pelo que há que atender a uma multiplicidade de factores, que têm que ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sócio-cultural, a linguagem gestual (inclusive, os olhares) e, até, saber interpretar as pausas e os silêncios, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, esta pode estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente (mais uma vez, é a concretização do princípio da imediação que assume o papel determinante na formação da convicção do Tribunal). E é necessário igualmente ter em conta que, não raras vezes, o julgamento da matéria de facto não tem correspondência directa nos depoimentos concretos, resultando antes da conjugação lógica de outros elementos probatórios, que, conjugados e globalmente, tenham merecido a confiança do tribunal. Assim, desde logo, valorou-se a prova documental junta aos autos, designadamente o auto de notícia, de fls. 3 a 6, do qual se afere o circunstancialismo de tempo (5 de outubro de 2022), modo e lugar em que o ofendido EE apresentou queixa contra o arguido; participação de fls. 45 a 46; informação de serviço PSP – fls. 48 a 50; auto de notícia por detenção – fls. 65; aditamento n.º 4 – fls. 67; Fotogramas – fls. 77 a 79 (dos quais é possível visualizar as lesões sofridas pela vítima no dia 3 de julho de 2023); assentos de nascimentos – fls. 89 a 99 referentes ao ofendido CC, FF e do arguido dos quais se afere a sua filiação e data de nascimento; Relatórios clínicos – fls. 188 a 214, dos quais se afere as doenças de que o ofendido CC padecia à data dos factos, bem como as lesões apresentadas aquando do seu atendimento no serviço de urgência do Hospital de Cascais; assento de óbito – fls. 217 a 238, do qual se afere o infeliz decesso do ofendido EE; relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito penal – fls. 313 a 315. Tais elementos de prova foram analisados conjugadamente com o teor da demais prova produzida em sede de audiência de julgamento, designadamente: Declarações do arguido, que negou os factos em apreço. Esclareceu que, até ao momento em que foi detido, vivia com os seus pais na morada sita .... Referiu que o ofendido faleceu no dia 2.9.2023 e que o mesmo tinha vários problemas de saúde e dificuldades de locomoção. Esclareceu que a sua mãe reside actualmente num lar e padece de síndrome demencial. Questionado, referiu que nunca discutiu com o ofendido nem proferiu as expressões referidas nos autos, sendo que, se os vizinhos o ouviram falar alto, tal resulta do facto de usar o seu diafragma para projectar a voz. Recusou que em algum momento tivesse batido ao progenitor, admitindo, porém, que encostou a mão ou um dedo na cara do mesmo para obter a sua atenção. Esclareceu que o progenitor gritava muito alto porque sofria de stress pós-traumático e que existia um lar de idosos em frente a sua casa, em que era comum ouvir gritos vindo do seu interior. No que respeita ao episódio ocorrido no início de junho de 2023, referiu que o ofendido acordou durante a noite, tendo caído ao chão. Nessa queda, o ofendido sofreu lesões nos braços. As lesões apresentadas na orelha resultaram de uma queda ocorrida na rua, em que o ofendido foi posteriormente consultado pelo médico de família. Referiu ainda que o ofendido se automutilava, o que causava as lesões que o mesmo apresentava. Relativamente ao episódio ocorrido no dia 3 de julho de 2023, negou que em algum momento tivesse agredido o ofendido. Referiu que nesse dia, quando se encontrava a trabalhar, manteve uma discussão com o ofendido porque este tinha que tomar a sua medicação e a refeição e que se negava a fazê-lo. Negou que tivesse agredido o ofendido e que as lesões que o mesmo apresentava resultavam de quedas que sofria. Esclareceu ainda que o progenitor sofria de stress pós-traumático por ter ido combater na guerra colonial. Negou o consumo de estupefaciente e que apenas toma CDB, pois tem problemas nas pernas e ajuda-o a dormir, sendo uma pessoa calma, que não se exalta com frequência. Referiu que o pai não queria ir para um lar de idosos e que, em algumas ocasiões, referiu ao ofendido que caso não fizesse aquilo que pretendia, que o iria colocar num lar. Na última sessão da audiência de julgamento, o arguido quis prestar declarações afirmando querer pedir desculpas pelo abuso verbal que sujeitou o pai e lamentar os problemas causados na sociedade portuguesa pelo seu comportamento, bem o facto de se encontrar impossibilitado de acompanhar a progenitora, que padece de demência. No que respeita aos abusos verbais que proferiu, referiu que usava voz alta com o ofendido quando este não queria ir ao médico ou tomar a sua medicação e que o comportamento do progenitor lhe causava perturbação psicológica. Referiu que pensava no bem-estar do seu pai, que só queria o seu bem e agora, retrospetivamente, entende que deveria ter alterado o seu comportamento. Mencionou que não é uma pessoa violenta, nem tem histórico de violência, sendo uma pessoa calma e relaxada. Referiu que provém de uma família disfuncional, sendo que a sua progenitora e a avó paterna tiveram problemas com o ofendido. Alega que não constitui risco para a sociedade e não pretende voltar para a prisão. Menciona que trabalha como professor numa escola de línguas e toda a gente aprecia o seu trabalho, sendo ainda voluntário num website onde auxilia pessoas a obter trabalho nas nações unidas. Negou que em algum momento tivesse magoado o pai, ao contrário daquilo que foi afirmado pela testemunha BB e que apenas falava alto para expressar a raiva que sentia. A determinada altura, admitiu que chamou ao pai “fucker; és um merdas; não vales o que é; és um estúpido, porco nojento”, quando este se estava a magoar, não tomava os medicamentos ou não tomava banho. Declarações do assistente GG, solteiro, gerente comercial, irmão do arguido. Referiu que o arguido vivia com os seus pais numa morada no Estoril e que o mesmo sempre assumiu um comportamento manipulador. Mencionou que o ofendido sofria de stress pós-traumático por ser ex-combatente da guerra colonial. Esclareceu que o ofendido era uma pessoa que sofria de várias doenças (cardiopatia) e mais recentemente tinha sido diagnosticado com demência. Não obstante, o arguido permitia que o ofendido tomasse a medicação com álcool. Mencionou que era o ofendido quem tomava conta da sua mãe e que o arguido consumia habitualmente drogas e tabaco. Referiu que, pese embora residisse no Canadá, telefonava diariamente aos seus pais, sendo frequente ouvir os gritos do arguido a insultar o ofendido. Nessas ocasiões, o arguido dizia “que o ofendido não era bom marido; que o ofendido não era bom pai; que o ofendido era nojento e estúpido.” Ao longo desses telefonemas, o pai relatou as agressões perpetradas pelo arguido, bem como o facto de o arguido gritar e desferir-lhe empurrões, enquanto se dedicava ao consumo de estupefaciente. Esclareceu que, durante a primeira quinzena de Outubro de 2022 e em Fevereiro de 2023, nos telefonemas efectuados ao ofendido, ouviu o arguido a gritar e a proferir as expressões “estúpido; nojento; mau pai”, tendo ainda conseguido visualizar o arguido a empurrar o ofendido para o fazer sentar. Referiu também, que aquando das deslocações a Portugal, chegou a ver o ofendido cheio de negras na cara e nos braços, tendo este referido que eram causadas pelo arguido. Em outubro de 2022, numa ocasião em que se deslocou a Portugal, viu que a sua mãe estava muito maltratada, pois não era cuidada em termos de higiene, saúde ou cabelo e colocou-a num lar, uma vez que o apoio social de que beneficiava era manifestamente insuficiente. No interior da casa, foi confrontado com a existência de portas partidas, casa suja e desorganizada, repleta de bicicletas no seu interior. Em fevereiro de 2023, referiu a existência de discussões entre o arguido e o ofendido, em que era comum o arguido proferir as expressões “mau pai, mau marido, estúpido, nojento”. Nos telefonemas que manteve com ofendido, referiu que este contava que o arguido estava fora de controle, que lhe batia e dava estalos, bem como murros nas paredes e que partia as portas de casa. Negou que o ofendido sofresse de qualquer doença que causasse equimoses. De igual forma, asseverou que o ofendido não era uma pessoa violenta e que o mesmo era incapaz de se opor ao arguido. Em agosto de 2023, regressou ao Estoril, altura em que visitou o ofendido no hospital. Naquela altura, viu as lesões que o ofendido apresentava no corpo (cara, orelha, braços e pernas), tendo este referido que foi o arguido o causador das mesmas. Questionado, referiu que o ofendido não se automutilava. Do mesmo modo, ao longo do tempo em que o ofendido residiu no Canadá, nunca o viu com nódoas negras, nem a bater com a cabeça nas paredes, ao contrário do afirmado pelo arguido. Esclareceu, ainda, que o ofendido tomava a medicação, excepto a referente à demência, uma vez que nunca aceitou o diagnóstico. Admitiu que o ofendido sofria de stress pós-traumático e que fumava muito quando estava nervoso. Quando o arguido discutia com o ofendido, ele chorava porque não compreendia o que se passava e a reação do arguido. No que respeita aos danos existentes no interior da habitação, o ofendido mencionou-lhe que o arguido apresentava comportamentos agressivos decorrente do consumo de estupefacientes. Depoimento de HH, agente da PSP. Esclareceu que conhece o arguido do exercício de funções. No ano de 2022, foi chamado à moradia identificada nos autos por haver notícia de desavenças familiares. Quando chegou ao local, contactou com o ofendido que lhe referiu que era recorrentemente ameaçado e injuriado pelo filho (ora arguido), sem precisar os termos concretos em que essas expressões eram mencionadas. Naquele momento, não viu que a vítima apresentasse quaisquer lesões. Confirmou o teor do auto de denúncia junto aos autos. Depoimento de II, solteiro, empresário em nome individual, vizinho do arguido há cerca de 5/6 anos. De forma espontânea, impressiva, clara e pormenorizada assistiu, nas suas palavras, “ao massacre diário do arguido relativamente ao pai”. Referiu que este massacre ocorreu diariamente, durante anos, sendo que o único período de acalmia que era vivenciado ocorria quando as autoridades eram chamadas ao local. Questionado, esclareceu que o arguido gritava a toda a hora com o ofendido e, nesses momentos, o arguido proferia expressões tais como “fuck you”, sendo essas expressões audíveis a vários metros de distância da casa do ofendido, chegando inclusivamente a afirmar que, em várias ocasiões se dirigiu ao arguido dizendo “já chega” para fazer cessar a discussão. Relatou um episódio, que não soube precisar no tempo, em que os vizinhos foram acudir o ofendido, tais eram os apelos de socorro, sendo que um dos vizinhos mencionou nessa ocasião que viu o arguido bater ao ofendido. Noutro episódio, viu o arguido a arrastar o ofendido para dentro de casa, como se fosse “um saco de batatas”. Nessa ocasião, a mulher da testemunha pediu para que este fizesse algo porque tinha receio que o arguido “desfizesse” o ofendido. Questionado, explicou o teor da referida afirmação proferida, tendo referido que o ofendido era uma pessoa muito frágil, que se deslocava muito devagar, com auxílio de uma bengala e a muito custo, ao contrário do arguido. Mais explicitou que o ofendido e a sua mulher eram pessoas saudáveis, mas desde que o arguido foi morar com os pais, assistiu a um declínio progressivo da sua saúde, declínio esse que atribuiu aos comportamentos do arguido. Referiu ainda que ao longo dos anos o ofendido nunca falou mal do arguido, nunca referiu as agressões de que era vítima. De forma espontânea, referiu a “violência brutal” para descrever o comportamento do arguido para com o ofendido, descrevendo as discussões incessantes (que duravam “horas, horas e mais horas”) durante o dia e a noite e a ausência de qualquer reação por banda do ofendido. Nas suas palavras, o arguido “estava a fazer aquilo a um pai, a um ser humano… estava a fazer aquilo a um vegetal”, querendo descrever os episódios agressivos que assistiu, reportando, ainda, que em momento algum viu qualquer violência do ofendido para com o arguido, nem em termos físicos, nem em termos verbais. Descreveu igualmente um episódio em que a polícia foi chamada a casa do arguido e o ofendido dizia que estava farto dos maus tratos perpetrados pelo arguido. Nessa ocasião, referiu que viu o arguido a empurrar o pai para dentro de casa quando se apercebeu que os vizinhos tinham chamado a polícia. Esclareceu, por fim, que o arguido aparenta em sociedade uma imagem de pessoa culta, mas em casa “é do pior que há.” Depoimento de JJ, divorciado, canalizador, vizinho do ofendido e do arguido. Referiu que, desde que o arguido foi viver com os pais, era um barulho constante, com “gritos, gritos, gritos”. Era o arguido quem gritava em língua estrangeira e não percebia o que era dito, sendo que tais discussões ocorriam a qualquer hora do dia ou da noite. Referiu que, numa ocasião, quando se encontrava no seu quintal, viu o ofendido a caminhar com a bengala, inclinado para a frente, em direcção ao portão. Naquela ocasião surgiu o arguido e, pese embora não tivesse visto o gesto concretamente efectuado por aquele (devido ao ângulo de visão), passou a ver o ofendido a andar “inclinado para trás”, ficando com a percepção de que o arguido o tinha puxado, tanto mais que ouviu os gritos do ofendido. No último episódio ocorrido entre o arguido e o assistente, referiu que foi colocar o lixo à rua quando viu a polícia e a ambulância na rua. Nessa ocasião, perguntou à polícia se o arguido tinha matado o pai, tendo em conta os antecedentes de discussões existentes entre ambos. Esclareceu, ainda, que em momento algum assistiu ao ofendido a bater ou insultar o arguido. KK, comandante da esquadra da PSP no Estoril à data dos factos em causa nos autos. Referiu que foi contactado pelos seus subordinados no sentido de dar apoio na sequência dos ferimentos apresentados pelo ofendido. LL, agente da PSP. Mencionou que há cerca de um ano, no dia 3 ou 4 de julho de 2023, quando se encontrava no exercício das suas funções na esquadra da PSP do Estoril, recebeu uma participação que referia a ocorrência de gritos no interior de uma habitação. Dirigiu-se ao local e foi aí recebido pelo ofendido, que já conhecia em virtude da existência de outras queixas. Quando ali chegou, foi confrontado com a presença de um homem idoso, fragilizado e com marcas físicas visíveis no corpo designadamente marcas roxas nos braços; ferimento tratado com adesivo caseiro, orelha inflamada, com crosta de sangue, muito vermelha, realçando que as marcas visíveis eram compatíveis com ferimentos causados em dias diferentes. Nessa ocasião, o arguido referiu que o ofendido tinha caído. Os bombeiros foram chamados ao local e foram prestados os primeiros socorros à vítima. No momento de retirada do penso, constatou a existência de pus amarelo e do cheiro a podridão, sendo o ofendido conduzido ao hospital. Posteriormente, foi feito o registo fotográfico do ofendido, procurando retratar as lesões sofridas. Esclareceu, ainda, que foi uma senhora de nacionalidade brasileira (vizinha da frente do arguido) quem efectuou a denúncia, por ter receio dos comportamentos daquele. Naquela ocasião, o ofendido tentou dizer que tinha sido uma queda, mas percebeu que estava com medo. A determinada altura, a vítima disse-lhe a chorar “estive na guerra e nem na guerra passei por aquilo que estava a viver”, palavras essas que marcaram a testemunha e que fez questão de repetir em julgamento, por forma a que os presentes vivenciassem, ainda que de forma indirecta, o sofrimento vivido pelo ofendido. Referiu, por fim, que durante o período de tempo em que esteve naquele local, não presenciou qualquer preocupação do arguido com o bem-estar do ofendido, aparentando o mesmo estar calmo. Confrontado, confirmou o teor de fls. 65, bem como o teor da reportagem fotográfica constante de fls. 77 a 79. Depoimento de BB, solteira, motorista, vizinha do arguido e do ofendido desde setembro de 2022 (mora na casa ao lado). Referiu que chamou a polícia no episódio ocorrido no dia 3 de julho de 2023, pois não era a primeira vez que ouvia os gritos de socorro proferidos pelo ofendido, não tendo denunciado em momento anterior os episódios de violência que presenciou por ser uma cidadã de nacionalidade brasileira, ter três filhos a seu cargo e não ter marido. Esclareceu que no dia 3 de julho dos factos, pelas 13h/14h estava a entrar em casa quando ouviu o ofendido a gritar “socorro; ajudem-me, ai, ai, ai”, ao mesmo tempo que ouvia barulho de estalos. Nesse momento, foi para dentro de casa e a sua filha pediu para chamar a polícia. Relatou também que este actos ocorriam com periodicidade semanal e, mais recentemente, pelo menos, duas a três vezes por semana. De igual forma, descreveu o episódio ocorrido cerca de 3 semanas antes do dia 3 de julho de 2023, no momento em que regressou, pelas 2h da manhã, a casa com a sua filha. Nesse momento, viu que o arguido e o ofendido estavam dentro de sua casa, sendo que viu o arguido a agarrar o ofendido pelo pescoço e empurrá-lo contra a parede, ao mesmo tempo que lhe dava estalos na cara. Simultaneamente, o arguido dizia “porco de merda, morre, mereces o que estás a passar, pelo que fizeste à mãe, nojento.”, expressões que proferia em português e também em inglês, ao mesmo tempo que o ofendido gritava com dores. Declarou, ainda, que era comum o arguido dirigir essas mesmas expressões no contexto de discussão semanal que mantinha com o ofendido e que ouviu o som de estalos em diferentes ocasiões. Descreveu o ofendido como sendo uma pessoa tranquila, de estatura baixa, que se movia muito devagar, com recurso a uma bengala e muito fraquinho em termos físicos. No dia 3 de julho de 2023, viu que o ofendido apresentava lesões no alto da cabeça (estava roxa); ferida no braço e crosta de sangue na orelha. Confrontado com o teor do registo fotográfico que se encontra junto aos autos, confirmou ser o ofendido a pessoa ali retratada, bem como as lesões que o mesmo apresentava no referido dia 3 de julho. Depoimento de MM, casado, reformado, vizinho do arguido e do ofendido. Mencionou que, em datas que não sabe precisar, ouviu discussões entre o ofendido e o arguido, tendo chegado a ouvir o arguido dizer ao ofendido “leave my mother alone”. De resto, não presenciou outros factos porque vive 6 meses por ano em Inglaterra e a sua casa fica afastada da casa do arguido, sendo ainda que a sua casa é hermética e tem janelas com vidros duplos que impedia de ouvir o que se passava. Depoimento de NN, divorciado, médico neurologista, afirmou não conhecer nenhum dos intervenientes. Depoimento de OO, casado, reformado, amigo do arguido há cerca de 2 anos. Atestou da inserção profissional e social do arguido. Depoimento de PP, casada, directora de recursos humanos, a qual atestou da inserção profissional do arguido. Depoimento de QQ, agente da PSP, referiu que se deslocou à residência do ofendido na sequência de uma chamada por desavenças familiares. Quando chegou a esse local, acompanhado do colega RR, foi abordado pelo ofendido que lhe relatou que era recorrentemente insultado e ameaçado pelo arguido. Esclareceu que o ofendido mencionou que o arguido consumia produto estupefaciente e que tinha receio das suas reacções. Depoimento de SS, casado, proprietário da escola de línguas onde o arguido lecionou. Atestou da inserção profissional do arguido. * Feita a enunciação dos meios de prova, cumpre esclarecer a convicção do Tribunal. Para prova do facto elencado em 1.º, o tribunal valorou o assento de nascimento do arguido. A facticidade referida em 2.º, foi dada como assente atento o assento de nascimento do ofendido. O facto descrito em 3.º foi demonstrado tendo por base a certidão de óbito do ofendido. O factualismo inserto em 4.º foi considerado assente atendendo ao assento de nascimento de TT. A prova do facto referido em 5.º foi demonstrado considerando o teor das declarações do arguido, assistente e demais testemunhas inquiridas que apresentaram um depoimento convergente nesse sentido. A facticidade elencada em 6.º foi dada como provada atento a convergência das declarações do arguido e do assistente, as quais foram confirmadas pelo teor das informações obtidas nos relatórios médicos que se encontram juntos aos autos. O facto mencionado em 7.º foi atendido considerando o carácter coerente das declarações do arguido e do assistente. O factualismo referido em 8.º decorre das declarações do arguido, em conjugação com as declarações do assistente e com o depoimento isento, coerente e credível de UU, VV e BB que atestaram tal factualismo atenta a circunstância de serem vizinhos do ofendido e presenciarem os referidos comportamentos ao longo dos anos. Os factos mencionados em 9.º e 10.º decorrem do depoimento expressivo e isento de BB, que presenciou/ouviu tais agressões, a partir de sua casa, a qual se situa cerca de 12 metros da casa do ofendido. A facticidade elencada em 11.º a 14.º resultam directamente do depoimento imparcial, pormenorizado, impressivo e descritivo da testemunha BB, que de forma isenta asseverou os factos por si presenciados, descrevendo com precisão a intensidade e gravidade das condutas do arguido e o sofrimento causado ao ofendido. Os factos referidos em 15.º a 16.º foram obtidos considerando o teor do depoimento da testemunha BB, em conjugação com o teor do relatório fotográfico junto aos autos (que atesta as lesões apresentadas pelo ofendido); com os registos clínicos do ofendido nos quais se reporta as lesões sofridas pelo ofendido, bem como os meios de tratamento a que o mesmo foi sujeito, em combinação ainda com as declarações de WW (que apesar de não ter assistido às agressões, relatou que o progenitor apontou o arguido como sendo o responsável pelas mesmas, o que foi valorado ao abrigo do disposto no art.º 129.º, n.º 1 do CPP), bem como o teor do depoimento escorreito e claro das testemunhas VV, XX e YY que, apesar de não terem presenciado directamente as referidas agressões, circunstanciaram de forma consentânea e coerente entre si os factos sobre os quais tinham conhecimento, permitindo, em conjugação com a demais prova produzida, a fixação dos factos nos termos dados como provados. No mais e relativamente aos factos constitutivos do elemento subjetivo, os mesmos decorrem de presunções ligadas ao princípio da normalidade e das regras gerais de experiência, atentos os factos dados como provados. As condições pessoais, profissionais e económicas do arguido sustentaram-se no relatório social elaborado pela DGRSP, bem como no teor das suas declarações e, bem assim, no teor dos depoimentos das testemunhas abonatórias nos termos supra exarados. Já os antecedentes criminais do arguido resultam do Certificado do Registo Criminal junto aos autos. Por seu turno, os factos não provados decorrem de quanto aos mesmos não ter sido produzida qualquer prova ou a mesma revelar-se insuficiente para a sua demonstração. ** Da análise de toda a prova produzida, entendemos que a prova reunida é convergente quanto à existência, frequência e gravidade dos actos praticados pelo arguido na pessoa da vítima. De facto, pese embora o arguido tivesse negado os factos de que era acusado, acabou por admitir que proferiu algumas das expressões contidas no douto libelo acusatório, tendo referido que as proferiu num contexto de cansaço e desgaste inerente aos cuidados que prestava aos seus pais e apenas para demonstrar a sua frustração perante o seu pai, que não tomava medicamentos, não se alimentava nem tomava banho. De facto, ao longo do seu discurso foi patente o esforço demonstrado pelo arguido no sentido de querer apresentar uma imagem favorável de si mesmo (o filho cuidador dos pais idosos; o profissional respeitado na sua profissão), ao mesmo tempo que procurava (convenientemente) culpabilizar o ofendido pelas suas condutas. Ora, da análise das declarações do arguido, entendemos que as mesmas não merecem qualquer credibilidade, quer por serem contraditórias em si mesmas, quer por não encontrarem amparo na prova produzida. De facto, diga-se, desde logo, que o arguido nas suas declarações iniciais negou ter proferido as expressões contidas nos factos dados como provados, para na última sessão da audiência de julgamento, admitir que tinha proferido algumas dessas mesmas expressões, justificando a sua conduta nos comportamentos da vítima, uma vez que o mesmo não se alimentava, não tomava a medicação; não tomava banho. Por sua vez, no que toca às lesões físicas apresentadas pelo ofendido, procurou justificá-las em episódios de quedas; doenças sanguíneas e automutilação por banda daquele, o que não foi confirmado por qualquer outro meio probatório. No que respeita aos gritos ouvidos pelos vizinhos, procurou imputá-los quer ao ofendido (que sofria de stress pós-traumático e que se automutilava) quer aos utentes do lar de idosos que existe em frente à sua casa, sem que tal versão encontrasse amparo na demais prova produzida. Acresce que, ao longo do julgamento, o arguido descreveu-se a si mesmo como uma pessoa calma e pacífica, que se preocupava e cuidava do ofendido. Porém, não conseguiu explicar de forma lógica e convincente por que motivo, nas discussões que tinha com o ofendido – pessoa de estrutura débil e frágil -, o insultava nos termos dados como provados e lhe referia que o colocaria num lar, sabendo que isso lhe causava medo (factos estes admitidos pelo próprio arguido). Por outro lado, cumpre referir que, pese embora o arguido tenha verbalizado arrependimento por ter gritado com a vítima e ter proferido as expressões dadas como provadas, essa declaração não foi minimamente convincente, pois ficou bem patente a frieza e o desprezo com que o arguido ao longo dos anos tratou o ofendido, bem conhecendo as suas doenças e fragilidade. De facto, resulta ostensivamente da prova produzida que, em momento algum, o arguido se compadeceu do sofrimento da sua vítima, sabendo que actuava ao abrigo do silêncio e da vergonha escondida do ofendido, sendo marcante a descrição da sua conduta que foi feita em sede de audiência de julgamento pelas testemunhas inquiridas. A este propósito não podemos deixar de chamar à colação os termos impressivos e impressionantes utilizados pelas testemunhas para descrever o arguido e as suas acções. O arguido foi descrito como alguém que praticava um “massacre diário” ao ofendido, num quadro de “violência brutal”, mercê das discussões (“gritos, gritos, gritos”) e agressões que encetava e mantinha constantemente, ao longo de várias horas (“horas, horas e horas”), perante um homem fragilizado em termos de saúde, a ponto de ser descrito como “um vegetal” e de o mesmo ser tratado como “um saco de batatas” pelo arguido. Neste contexto, é de realçar a expressão proferida pelo ofendido à testemunha XX (agente da PSP) que, a chorar, lhe disse: “estive na guerra e nem na guerra passei por aquilo que estava a viver”. Esta expressão, proferida no concreto contexto descrito nos autos, sugere uma crueldade atroz do arguido perante o ofendido, tanto mais que foi proferida por um filho, a um homem com 84 anos de idade, com dificuldades de deslocação, problemas cardíacos e que sofria de stress pós-traumático por ter cumprido serviço militar em tempo de guerra colonial. Tudo isto para dizer que, não podemos deixar de realçar a forma esclarecedora, determinada e pormenorizada como as testemunhas arroladas pelo Ministério Público depuseram, sendo que, em nenhum momento, se denotou qualquer tentativa de prejudicar o arguido ou denegrir a sua imagem. De facto, foi patente que as testemunhas quiseram demonstrar em Tribunal os factos que vivenciaram durante anos e que retratam o quadro de violência desmedida e exacerbada praticada pelo arguido sobre a pessoa do ofendido. Por outro lado, ao longo dos seus depoimentos foi possível detectar a coerência das declarações prestadas, pois em momento algum as testemunhas arroladas pelo Ministério Público se deixaram abalar no contra-interrogatório a que foram sendo sujeitas, mantendo sempre a versão dos factos inicialmente apresentada. Acresce que foi possível verificar que as diferentes testemunhas presenciaram diferentes episódios ao longo dos tempos, mas apresentaram uma descrição coerente e convergente daquele que era o comportamento do ofendido e do arguido, logrando, portanto convencer o Tribunal. Por fim, pese embora o ofendido tenha preferido ocultar algumas das agressões de que era vítima, a sua versão dos factos foi colocada em causa pelos profissionais de saúde que o assistiram (tal como resulta dos registos médicos), pelos vizinhos que assistiam às referidas agressões, bem como pelas fotografias que se encontram juntas aos autos, resultando das regras de experiência comum e da normalidade que as lesões que o ofendido apresentava no dia 3 de julho de 2023 não são compatíveis com quedas, tal como o arguido relatou. Mas mesmo que assim não fosse, e admitindo-se que as lesões sofridas pelo arguido advinham de uma queda, não se poderia deixar de censurar o comportamento do arguido, pois deveria ter diligenciado para que o ofendido recebesse a assistência e os cuidados médicos que o seu estado de saúde demandava, o que este nunca fez.»
2. Da contradição entre o facto provado nº 9 e o facto não provado descrito na alínea a)
Sustenta o Arguido que a sentença recorrida incorre numa contradição entre o que diz na matéria de facto provada e não provada. Em concreto, sinaliza essa contradição entre o facto dado como provado sob o nº 9 e a matéria dada como não provada sob a alínea a).
Vejamos.
A existir uma contradição entre um facto provado e um facto não provado, a sentença padeceria neste domínio do vício previsto pelo art. 410º, nº 2, alínea b) do Código de Processo Penal [Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição atualizada (2011), pg. 1101 e sg.].
Não cremos que tal ocorra aqui.
Os segmentos fácticos em causa têm o seguinte teor:
Facto (provado) nº 9: «Do mesmo modo, o arguido desferiu no corpo do ofendido CC, de forma constante e, pelo menos, uma vez por semana, diversas pancadas de mão aberta em diversas partes do corpo, com recurso à força física.»
Facto (não provado) da alínea a): «No circunstancialismo referido em 9.º, o arguido desferia pancadas na face do ofendido.»
Do confronto entre uma e outra destas afirmações percebe-se que não há qualquer incompatibilidade: dá-se como provado que o Arguido desferia pancadas de mão aberta em diversas partes do corpo do ofendido e como não provado que tais pancadas incidissem sobre a face do ofendido.
Para o que releva nesta matéria, o que resulta da sentença recorrida é a afirmação de que o ofendido era vítima de pancadas de mão aberta em diversas partes do corpo, sem que se tenha, porém, chegado a demonstrar, na economia da matéria descrita no ponto 9, que a face figurava entre essas partes atingidas.
Improcede o arguido vício.
3. Da valoração de perícias e relatórios clínicos não examinados na audiência de julgamento
Mostra-se o Arguido inconformado com a circunstância de a sentença recorrida basear-se na fundamentação de facto em perícias e relatórios clínicos com que não foi confrontado em audiência de julgamento ou que nesta hajam sido mencionados por qualquer das testemunhas.
Cumpre apreciar.
O Tribunal de 1ª Instância valorou na sentença recorrida elementos que figuravam já nos autos, nomeadamente quando fez as seguintes referências: «Relatórios clínicos – fls. 188 a 214, dos quais se afere as doenças de que o ofendido CC padecia à data dos factos, bem como as lesões apresentadas aquando do seu atendimento no serviço de urgência do Hospital de Cascais» e o «relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito penal – fls. 313 a 315.»
E na verdade nada a tanto obstava.
Porquê?
Diz-nos o art. 355º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe «proibição de valoração de provas»: «1 - Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência. 2 - Ressalvam-se do disposto no número anterior as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos seguintes.»
Da conjugação do conteúdo dos dois números do preceito resulta então que a prova deve em regra ser produzida em audiência. Todavia, importa ter presente que essa regra tem exceções: um primeiro grupo de exceções mostra-se logo abertamente consagrado no nº 2 do preceito; outro é o que resulta da necessidade de conjugar o teor daquele regime geral do art. 355º com a natureza e as especificidades processuais de meios de prova que se não integram na razão de ser da norma.
É que a exigência do art. 355º, nº 1 prende-se apenas com a necessidade de evitar que concorram para a formação da convicção do tribunal provas que não tenham sido apresentadas e feitas juntar ao processo pelos intervenientes com respeito pelo princípio do contraditório. Basta, pois, que existam no processo com pleno conhecimento dos sujeitos processuais, podendo assim inteirar-se da sua natureza, da sua importância e do seu conteúdo, bem como do seu valor probatório, para que qualquer desses sujeitos possa, em audiência, requerer o que se lhe afigurar sobre elas, examiná-las, contraditá-las e realçar o que, do seu ponto de vista, valem em termos probatórios (Ac. do STJ de 17/09/2009, relatado por Rodrigues da Costa, www.dgsi.pt ).
Pense-se na prova documental, que pode ser produzida em inquérito ou na instrução, sem prejuízo da salvaguarda do contraditório, nos termos para que aponta o art. 165º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal; ou da prova pericial, que também será por norma produzida naquelas fases processuais, como se percebe face ao preceituado pelo art. 157º, nº 4, e que também está sujeita a mecanismos próprios de contraditório, à luz do art. 158º.
Considerar, em relação a provas desse jaez, que o Tribunal de 1ª Instância apenas poderia valorá-las uma vez lidas e examinadas na própria audiência de julgamento perante todos os sujeitos processuais, configuraria uma formalidade excessiva e as mais das vezes desnecessária, que o princípio do contraditório e as normas processuais não demandam, e que apenas alongaria injustificadamente as audiências de julgamento (cfr. nesta matéria o Ac. do TC nº 87/99, in www.tribunalconstitucional.pt; Paulo Dá Mesquita, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, tomo IV, Almedina (2022), pg. 588 e Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., pg. 914).
Dito isto, cumpre notar que os elementos em referência haviam sido invocados como prova na acusação deduzida em 2 de novembro de 2023 (referência eletrónica nº 147206083). Significa isso que pôde o Arguido, pelo menos a partir do momento em que foi notificado da acusação, escrutinar e contraditar tais elementos de prova em toda a sua dimensão, desde a admissibilidade e regularidade da sua produção até ao seu significado probatório.
Tratando-se de provas pré-constituídas em relação à audiência de julgamento, de perfil documental e pericial, o conteúdo essencial do princípio do contraditório traduz-se em reconhecer-se aos sujeitos processuais e designadamente ao Arguido, uma ampla e efetiva possibilidade de as discutir, de as contestar e de desafiar o seu valor probatório.
Ora essa possibilidade existiu, insista-se, a partir da notificação da acusação e durante toda a audiência.
Decerto que o Tribunal de 1ª Instância podia, oficiosamente ou a requerimento, ter entendido que se justificava confrontar o Arguido ou até alguma das testemunhas com o conteúdo de tais provas pré-constituídas, se considerasse que essa confrontação era útil para o apuramento da verdade material; não tendo essa confrontação sido determinada, nem tão pouco requerida, a valoração do acervo probatório correspondente não deixa por isso de ser possível, pelo já dito.
Nenhum vício encontramos, em suma, na valoração da prova pericial e documental em apreço.
2.3.4 Da impugnação da matéria de facto
2.3.4.1 Questões prévias
§ 1º O princípio in dubio pro reo
Defende o Arguido que nenhuma testemunha assistiu às agressões físicas que são dadas como provadas e que, existindo uma dúvida razoável nessa matéria, o non liquet deve ser resolvido em benefício da defesa (pontos 114 e seguintes).
Do que se trata, ainda que não explicitamente afirmado, é de uma eventual violação do princípio in dubio pro reo.
Ora, cumpre recordar que o in dubio pro reo é convocável em matéria de prova quando o tribunal se encontre numa situação de «dúvida razoável» quanto a algum ponto da matéria de facto, circunstância em que a deve resolver em benefício do arguido, na lógica concretização do direito à presunção de inocência previsto pelo art. 32º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa; e, inversamente, já não colhe pertinência o in dubio pro reo quando o tribunal, com apoio nos meios de prova disponíveis e lendo-os criticamente à luz das regras da experiência comum, não tem qualquer dúvida razoável quanto aos factos a deles extrair ou, tendo-a tido em algum momento, a esclareceu, convencendo-se positivamente do facto em causa (entre tantos outros, vide o Acs. do STJ de 7.11.2002, da RC de 12.09.2018 e da RP de 28.10.2015, relatados por Oliveira Guimarães, Orlando Gonçalves e Ernesto Nascimento, respetivamente, inwww.dgsi.pt; vide ainda Paulo Pinto de Albuquerque, ob cit., pg. 1121).
No caso concreto, não se perceciona na sentença recorrida que o Tribunal de 1ª Instância tenha tido alguma dúvida sobre a factualidade relativa às agressões físicas imputadas ao Arguido ou, se a teve, resolveu-a refletindo sobre a prova disponível.
Daqui resulta que não há evidência de violação do princípio em apreço.
*
§ 2º Factos genéricos
Diz o Arguido que «a acusação não pode basear-se em cenários genéricos» e que os «factos genéricos devem ser reconduzidos a “não-factos”» (pontos 132 e seguintes).
Vejamos.
A imputação fática deve por natureza ser concreta, pois só assim se torna possível, como é manifesto, definir adequadamente o objeto do processo, permitir uma defesa eficaz ao arguido e delimitar o alcance do caso julgado.
Não significa isso que a narração dos factos não possa ser apresentada de modo sintético, como abertamente o admite a norma que rege a feitura da acusação [art. 283º, nº 3, alínea b) do Código de Processo Penal], acusação essa que firmará a matéria incriminatória a apreciar em julgamento, por referência à qual o tribunal é chamado a tomar posição e donde não poderá desviar-se, sem prejuízo das situações de exceção plasmadas pelos arts. 358º e 359º do Código de Processo Penal.
Ora, percorrendo o que vinha imputado ao Arguido na acusação e que veio nessa sequência a ser vertido como provado na sentença recorrida, não vemos aí matéria incriminatória destituída de suficiente concretização, seja quanto ao modo, ao tempo, ao espaço ou ao contexto que rodeiam os factos.
Coisa diversa é saber se os depoimentos prestados e a que o Tribunal de 1ª Instância atendeu tinham, eles próprios, suficiente grau de concretização, e se, tendo-o ou não, merecem credibilidade. Mas essa é matéria que concerne à valoração da prova, a fazer «segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente», à luz do preceituado pelo art. 127º do Código de Processo Penal, valoração essa que cabe ao Tribunal de 1ª Instância e que a Relação pode afastar, fora dos casos excecionais do art. 410º, nº 2, apenas se existirem meios de prova adequadamente sinalizados pelo Recorrente que não apenas tornem possível uma decisão diferente, mas antes que a imponham, como melhor se dirá adiante.
*
§ 3º «Factos» (indevidamente) descritos
A matéria de facto que uma sentença deve dar como provada ou não provada é isso mesmo: matéria de facto.
Coisa diferente é a indicação dos meios de prova com base nos quais a matéria de facto é descrita; e coisa diferente ainda é o exame crítico de tais meios de prova – todos estes segmentos diferenciam-se entre si e essa diferenciação é essencial para que se compreenda que concreta matéria de facto é dada como provada e não provada e porquê.
Ora, olhando para a matéria de facto considerada provada pelo Tribunal de 1ª Instância, constata-se, salvo o devido respeito, uma certa indistinção entre «factos» e «indicação de meios de prova» em vários pontos, a saber:
29. Em termos económicos apesar de algumas dificuldades, motivadas, segundo o arguido, por maus investimentos económicos do progenitor, que davam azo a algumas discussões familiares, o agregado conseguia suprir as suas necessidades.
31. O irmão do arguido refere que saiu da casa dos pais quando tinha 18 anos de idade, porque era maltratado pelo arguido.
35. Em termos afetivos, o arguido refere que manteve um relacionamento com uma companheira por um período de cinco anos residindo com a mesma num apartamento em Montreal.
39. Em termos de outros contactos com a justiça, o arguido refere que no Canadá nunca teve qualquer contacto com o aparelho judicial e em Portugal teve um processo de violência doméstica cuja queixa foi retirada.
43. O arguido refere um ambiente tóxico, agudizado pela doença da mãe (demência), desde há cerca de um ano e meio, tendo a progenitora sido institucionalizada.
47. O arguido refere que apoiava o seu pai nas lidas da casa, o que não é confirmado pelo irmão que refere que AA não ajudava, tendo a casa um aspeto bastante desmazelado.
48. Em termos de ocupação de tempos livres, o arguido refere que frequentava a praia, fazia passeios de bicicleta e convivia socialmente com amigos.
49. Em termos de hábitos aditivos, o arguido refere que não consome estupefacientes e consome bebidas alcoólicas moderadamente e às refeições.
50. O irmão de AA refere que o arguido consome haxixe regularmente e tem hábitos alcoólicos.
Aqui chegados e voltando ao momento inicial, é manifesto que uma coisa é o que o Arguido refere, o que o irmão refere, o que esta ou aquela testemunha referem; outra é o que se dá como provado. Até pode dar-se como provado aquilo que é referido, mas isso tem de resultar da decisão: dá-se como provado ou não provado o facto a, b ou c (nisto se traduz a «matéria de facto») porque o arguido ou a testemunha x, y ou z o referiram (nisto se traduz a «indicação dos meios de prova») e, por isto ou aquilo, mereceram ou não credibilidade ao tribunal (nisto se traduz o «exame crítico da prova»); e o que vimos de dizer atinge um patamar crítico quando, a respeito de uma suposta mesma matéria de facto, se alude na descrição da mesma a depoimentos de sinal contrário (caso dos pontos 47 e 49 e 50).
O que se lê na matéria de facto descrita como provada, nos pontos que se deixaram assinalados, é não mais que uma mera indicação de meios de prova, com referência ao conteúdo de declarações ou depoimentos, que não pode figurar naquele espaço.
Não podemos, em suma, deixar de desconsiderar, porque destituído de um verdadeiro conteúdo fáctico, o que se lê nos pontos em apreço: a parte que deixámos sublinhada do ponto 29 e o conteúdo integral dos pontos 31, 35, 39, 43, 47, 48, 49 e 50.
*
2.3.4.2 Conhecendo do mérito do recurso quanto ao mais atinente aos factos
Defende o Arguido que a prova valorada pelo Tribunal de 1ª Instância é insuficiente para demonstrar ou indiciar de forma robusta os factos dados como provados quanto à existência de agressões físicas.
Em resposta, afirma o Ministério Público, em síntese, que a decisão recorrida foi acertada, sendo manifesta a inexistência de qualquer erro de julgamento.
Cumpre apreciar.
Face ao modo como o Arguido pretende pôr em crise a posição assumida pelo Tribunal de 1ª Instância, justifica-se deixar aqui enunciadas algumas considerações prévias sobre os termos em que a matéria de facto pode ser impugnada.
É sabido que as Relações podem conhecer de facto e de direito (art. 428º do Código de Processo Penal).
Assiste portanto aos sujeitos processuais o direito de recurso para a Relação em matéria de facto e/ou de direito, o que representa, no que especificamente respeita ao arguido, a concretização de uma das garantias de defesa a que alude o art. 32º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa e que encontra ainda expressão direta no art. 2º do Protocolo Adicional nº 7 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
Não se trata, porém, de um direito absoluto, seja no sentido em que pode a lei prever a irrecorribilidade de certas decisões, seja no sentido em que, em caso de recorribilidade, pode o exercício do direito de recurso estar legalmente sujeito a condicionamentos e requisitos próprios [Acs. do TC nºs 390/04 e 377/03, www.tribunalconstitucional.pt ; cfr. ainda Germano Marques da Silva e Henrique Salinas, in Constituição Portuguesa Anotada (org. Jorge Miranda e Rui Medeiros), tomo I, 2ª edição, Coimbra Editora (2010), pgs. 715 e sgs]. A definição das margens de irrecorribilidade e, onde o recurso for admissível, dos requisitos a observar pelo recorrente para o exercício legítimo e regular do direito de recurso, constitui tarefa em que o legislador goza de uma ampla margem de apreciação; ponto é que tais requisitos e limites tenham subjacente uma finalidade legítima e não afetem a substância do direito [Acs. do TEDH Y.B. v. Russia, nº 71155/17, de 20/07/2021 (§ 40) e Rostovtsev v. Ukraine, nº 2728/16, de 25/07/2017 (§ 27), in https://hudoc.echr.coe.int/#{%22documentcollectionid2%22:[%22GRANDCHAMBER%22,%22CHAMBER%22]}].
Dito isto, é consabido que no sistema de recursos existente no Código de Processo Penal a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias:
(i) através do âmbito dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, os quais terão de resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou mediante o recurso às regras da experiência comum, e integrar-se nos casos estritos para que aponta a norma (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; ou erro notório na apreciação da prova); ou
(ii) através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se reporta o artigo 412.º, nºs 3, 4 e 6, do referido diploma legal, circunstância em que o que está em debate são os erros na apreciação da prova que vão já além do texto da decisão, estendendo-se ao que pode extrair-se de toda a prova produzida, sempre tendo presentes os limites fornecidos pelo recorrente em obediência ao ónus de especificação imposto por aqueles nºs 3 e 4.
Neste último domínio - da chamada impugnação ampla da matéria de facto - o que se procura é uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal recorrido relativamente aos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, através da avaliação (ou reavaliação) das provas que, em seu entender, imponham decisão diversa da recorrida (cfr. Ac. do STJ de 31.05.2007, relatado por Simas Santos, in www.dgsi.pt – todos os acórdãos doravante citados sem indicação da fonte de pesquisa deverão ser reportados a este sítio).
Convém todavia ter presente que o reexame da matéria de facto não visa a realização de um novo julgamento, mas apenas sindicar aquele que foi efetuado, despistando e sanando os eventuais erros procedimentais ou decisórios cometidos e que tenham sido devidamente suscitados em recurso. No objeto do recurso não está pois contida uma reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunalrecorrido quanto aos concretos pontos de facto que o recorrente especifique como incorretamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se tais pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os que forem indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (cfr. Ac. do STJ de 10/01/2007, relatado por Henriques Gaspar).
Daí que esse reexame esteja sujeito a este ónus de impugnação, sendo através do mesmo que se fixam os pontos da controvérsia e se possibilita o seu conhecimento pela Relação.
O legislador pretende que o recorrente identifique claramente os erros de julgamento que aponta à decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, indicando os pontos que reputa incorretamente julgados na decisão proferida e os meios probatórios que sustentam a sua censura (cf. sobre toda esta matéria vide ainda o Ac. da RE de 02/02/2016, relatado por Fernando Ribeiro Cardoso); sendo que, quando as provas hajam sido gravadas, essa especificação deve fazer-se por referência ao consignado na ata da audiência de julgamento, devendo ser identificadas concretamente as passagens em que se funda a impugnação, como exigido pelo art. 412º, nº 4.
Por razões que se prendem em particular com a ausência de imediação e de oralidade, o poder de apreciação do Tribunal de recurso não é equivalente a um segundo julgamento, não podendo pois esperar-se que aí seja encetada uma alteração da matéria de facto provada apenas por ser possível uma outra análise da prova; essa alteração deverá ocorrer apenas se a análise da prova o impuser, como decorre do art. 412.º, n.º 3 b) e c) do CPP, o que significa que não basta contrapor-se à convicção do julgador uma outra convicção diferente para provocar uma modificação na decisão de facto, sendo necessário demonstrar-se que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados é, pelo menos, desprovida de razoabilidade (cfr. sobre esta matéria, entre tantos outros, os Acs. da RL de 10.10.2007 e da RE de 1.04.2008, relatados por Carlos de Almeida e Ribeiro Cardoso; sobre a não imperatividade constitucional de um sistema de «segundo julgamento», vide o Ac. do TC n.º 59/2006, in www.tribunalconstitucional.pt).
Ora, no caso concreto, o Recorrente não se conforma com a valoração feita da prova produzida pelo Tribunal de 1ª Instância, integrando-se assim o seu recurso, nesta dimensão, na impugnação ampla da matéria de facto, mas do mesmo passo não especifica, seja na motivação, seja nas conclusões, concretas passagens da prova, por referência à gravação, que imponham posição diversa da assumida pelo Tribunal de 1ª Instância.
É certo que ao longo das suas alegações de recurso o Arguido vai sinalizando algumas passagens da prova, nomeadamente nos pontos 56, 100, 110, 111, 122, 124, 125, 137, 143, 156, 157, 162 e 171, mas na verdade, e sem prejuízo do que diremos adiante, de nenhuma de tais alegações ou passagens resulta forçoso concluir que o Tribunal de 1ª Instância errou ao ter dado à matéria de facto as respostas que deu e que por isso se impõe alterá-la; o que é transversal à postura recursal do Arguido é que pretende fazer sobrepor a sua convicção à do Tribunal, o que não é possível.
Diga-se, aliás, que a sentença recorrida fez uma análise desenvolvida, assertiva, conjugada e ponderada da prova, explicando cada passo do seu raciocínio. E se nessa explanação fez uso, como sinalizado pelo Arguido, de algumas passagens padronizadas de texto, daí não decorre qualquer particular vício, desde que essas passagens tenham razoável pertinência para a decisão e, do mesmo passo que as expõe, o Tribunal não deixe de se debruçar efetiva e adequadamente sobre as especificidades do caso concreto, como manifestamente fez.
Situação a merecer uma atenção particular neste contexto é a que se reporta à circunstância de a sentença referir que o Arguido negou os factos, quando ele os teria confessado – chega o Arguido mesmo a afirmar, na conclusão III que «confessou os factos, integralmente e sem reservas, demonstrando arrependimento».
Ora, a confissão não é mais (nem menos) que o reconhecimento, por parte do Arguido, dos factos a ele próprio desfavoráveis, pelo seu perfil incriminatório, que se lhe imputam e que poderá até dispensar a produção de outra prova sobre a matéria, nos termos previstos pelo art. 344º, nºs 2 e 3 do Código de Processo Penal; será essa confissão total ou parcial, se abranger, respetivamente, toda ou apenas parte da factualidade constante da acusação.
Ouvindo-se a gravação das declarações prestadas pelo Arguido, seja as da audiência de julgamento, seja as do primeiro interrogatório judicial, não pode de forma alguma dizer-se, como pretendido pelo Arguido, que este «confessou os factos, integralmente e sem reservas».
Quanto às agressões físicas, o Arguido sempre as negou.
E quanto às agressões verbais, o que o Arguido disse a esse respeito naqueles dois momentos processuais é que havia discussões entre ele e o pai e que no âmbito de tais discussões terão sido ditas «palavras» por parte de ambos, querendo manifestamente sugerir que houve insultos e expressões desagradáveis com que se agrediram mutuamente, não deixando de sublinhar que o seu pai era pessoa que, ao contrário dele próprio, se enervava com facilidade, e que o contrariava, nomeadamente a propósito de questões de higiene, alimentação e toma de medicamentos. E se é certo que reconheceu que disse «algumas coisas», o Arguido também sublinhou, para além do que já referimos, que não se lembrava bem que palavras teriam sido as por si usadas, sendo que, quando confrontado especificamente com as expressões que se lhe imputavam, a única que o Arguido admitiu que possa ter dirigido ao pai foi «fuck you», reconhecimento este durante o interrogatório judicial.
É certo, por fim, que na parte final da audiência, em sede de últimas declarações, o Arguido chegou a verbalizar arrependimento pelos «abusos verbais», com isso percebendo-se, no fundo, e ainda que de forma não totalmente aberta, que reconhecia a veracidade das expressões que constavam da acusação.
Dito isto, e retomando o já dito, a «confissão» em causa tem portanto este alcance limitado, que o Tribunal recorrido não deixou de compreender e referir. É certo que, quando se referiu às declarações do Arguido, começou por dizer que «negou os factos em apreço»; mas adiante na motivação de facto já refere, entre o mais, o seguinte, que aqui recordamos: «Na última sessão da audiência de julgamento, o arguido quis prestar declarações afirmando querer pedir desculpas pelo abuso verbal que sujeitou o pai e lamentar os problemas causados na sociedade portuguesa pelo seu comportamento, bem o facto de se encontrar impossibilitado de acompanhar a progenitora, que padece de demência. No que respeita aos abusos verbais que proferiu, referiu que usava voz alta com o ofendido quando este não queria ir ao médico ou tomar a sua medicação e que o comportamento do progenitor lhe causava perturbação psicológica.»
Da análise global da sentença recorrida resulta então que o Tribunal de 1ª Instância fez uma exposição da postura do Arguido como que cronológica, reportando-se primeiro à perceção das suas declarações iniciais e indo em seguida ao que deriva das declarações finais.
Seja como for, não se vê que o Tribunal de 1ª Instância tenha, no conjunto, partido de pressupostos errados a respeito da posição assumida pelo Arguido perante os factos.
Do mesmo passo, não vemos que mereça censura a sentença recorrida quando não valoriza o «arrependimento» que o Arguido verbalizou.
O arrependimento, para o ser verdadeiramente, no sentido genuíno dos termos, não se basta com a mera verbalização tímida das palavras «estou muito arrependido».
Seja porque o Arguido nega que tenha alguma vez agredido fisicamente o seu pai, seja porque, mesmo na parte das agressões verbais, o seu reconhecimento foi, como vimos, muito contidamente expresso, não vendo nós como possa a partir daí dar-se como assente que o Arguido está «arrependido». De resto, ocorre perguntar: diz-se o Arguido arrependido exatamente do quê? O arrependimento com relevo jurídico-penal de que se trata aqui tem de reportar-se aos factos imputados ou pelo menos a parte deles; e esse arrependimento, para que tenha alguma espessura, passa necessariamente, não só, mas desde logo, pela confissão espontânea, aberta e genuína dos factos correspondentes, o que não aconteceu.
Acrescente-se, por fim, que o dizer-se, como diz o Arguido em dado passo das suas declarações, que se «arrepende» de não ter pedido ajuda para tratar dos seus pais, é algo que releva de outro plano que se não confunde com o arrependimento genuíno e sincero por ter feito o que se lhe imputa; mais parece, ao dizer aquilo, que o Arguido como que se arrepende de se ter deixado cair na situação em que veio a cometer os ilícitos, mas sem os reconhecer abertamente - não é esse arrependimento, autocentrado e pessoal e socialmente autodesculpabilizante, que se procura e poderia ter valia aqui.
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Diz ainda o Arguido que o Tribunal de 1ª Instância desconsiderou o facto de o ofendido ter feito uso da prerrogativa prevista pelo art. 134º do Código de Processo Penal e de que o mesmo não queria o procedimento penal.
A este respeito diremos apenas que o crime de violência doméstica é consabidamente público, não carecendo por isso de qualquer impulso por parte da vítima. E há boas razões de ordem justamente pública para isso, aliás, que se prendem decerto com a gravidade das condutas em causa, mas também com as especificidades próprias deste universo da criminalidade, em que o que sucede amiudadas vezes é a vítima sentir-se física, psíquica e/ou emocionalmente constrangida a não denunciar o agressor, pessoa que até pode amar, como ocorre por exemplo quando se fala da violência de um filho para com o pai.
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5. Do Direito e da suspensão da execução da pena de prisão
Não põe o Arguido em crise, no seu recurso, a subsunção jurídico-penal dos factos ao tipo legal de crime de violência doméstica, previsto pelo art. 152º, nºs 1, al. d) e 2, 4 e 5 do Código Penal, como não põe também em crise a medida da pena fixada – 2 anos e 8 meses de prisão.
Não se nos colocando também qualquer reserva nessas matérias, aliás doutamente trabalhadas pelo Tribunal de 1ª Instância, importa ponderar se, como sustenta o Arguido, deve ser suspensa a execução da pena de prisão.
Defende o Arguido, em suma, a adequação e suficiência de uma tal pena de substituição.
Em resposta ao recurso, o Ministério Público propugna a improcedência daquela pretensão, referindo, recorde-se, que «não obstante o recorrente não registar antecedentes criminais e se encontrar social e profissionalmente inserido, realidade habitual neste tipo de criminalidade, a negação ainda que parcial de factos que notoriamente foram por ele praticados e a ausência de autocensura revelada, demonstram uma falta de consciência crítica relativamente aos factos cometidos, o que, a nosso ver, impede a formulação de um juízo de prognose favorável. Mais diz que as exigências de prevenção geral que no caso concreto se fazem sentir são de ordem tão elevada que, no nosso entendimento, não permitem a suspensão da execução da pena de prisão.»
Em sede de Parecer emitido já nesta Relação, o Ministério Público sustenta que o recurso deve nesta parte ser julgado procedente, considerando que o recorrente «está laboral e socialmente inserido [e] não tem antecedentes criminais».
Vejamos.
Fundamentou o Tribunal de 1ª Instância a pena aplicada nos seguintes termos: «Da determinação concreta da pena: Uma vez que ao crime apenas é aplicável pena privativa da liberdade, terá o julgador de dosear a medida da pena, nos termos do artigo 71.º do Código Penal. De acordo com o art.º 40.º, n.º 1, do Código Penal, a aplicação das penas (e das medidas de segurança) “… visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.” Encontram-se, assim, expressas no referido preceito as finalidades subjacentes à aplicação de sanções de índole penal: fins de prevenção geral e fins de prevenção especial. A protecção de bens jurídicos (prevenção geral) traduz-se numa forma de prevenção positiva, com vista a dissuadir o agente da prática de futuros crimes. A prossecução desse objectivo obtém-se através da criação de expectativas na comunidade, mediante as quais se pretende assegurar o cumprimento do postulado nas normas penais, quer por essa mesma sociedade às quais se dirigem, quer ao nível individual de cada cidadão. A este propósito decidiu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.03.1994 (BMJ n.º 435, pág. 499), “Na prevenção geral visa-se proteger as expectativas da comunidade na manutenção ou reforço da validade da norma infringida e reforçar a consciência jurídica da mesma comunidade.”. Nesta confluência, a prevenção geral actua, não tanto por via da intimidação, mas também e sobretudo, por via da integração. No que concerne à reintegração do agente na sociedade (prevenção especial) pretende-se, através da aplicação de sanções penais, que o mesmo as sinta actuarem sobre si e se sinta motivado a repensar, a reajustar o seu comportamento às exigências da vida em sociedade. Os fins de prevenção especial pressupõem, por isso, a vertente intimidativa da consciência da seriedade da ameaça penal. As circunstâncias atendíveis para a determinação da pena concreta são as referentes à culpa do agente e das exigências de prevenção, nos termos do consagrado no nº 1 do art.º 71.º do Código Penal. A função primordial da pena consiste, assim, na protecção de bens jurídicos, ou seja, consiste na prevenção dos comportamentos danosos de bens jurídicos, e sempre com o limite imposto pelo princípio nulla poena sine culpa. A culpa é assim não só elemento constitutivo do conceito de crime como elemento determinante do juízo da medida da pena. A pena concreta será fixada entre um limite mínimo, definido pela moldura abstracta, e um limite máximo que será determinado em função da medida da culpa, que a delimitará por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir. Dentro destes dois limites, encontrar-se-á o espaço possível de resposta às necessidades da reintegração social do agente, sendo certo que, para o efeito, o tribunal deverá atender “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele” (v. nº2 do art.º 71.º do Código Penal). E sempre atento o princípio da necessidade da pena, que assume dignidade e consagração constitucional. Assim, a determinação da pena deve ser feita em três fases: na primeira, escolhem-se os fins das penas, por só com base neles se poder ajuizar dos factos do caso concreto relevantes e da valoração que se lhes deve dar; na segunda fase, fixam-se os factores que influem no doseamento da pena, as circunstâncias concorrentes no caso concreto que, em relação aos fins da punição, têm importância para a determinação do tipo e gravidade da pena; na terceira fase, formulam-se os considerandos que fundamentam a determinação efectuada. Para o efeito, ter-se-á em atenção as circunstâncias a que alude o nº 2 do mesmo art.º 71.º do Código Penal (circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele). Relativamente à culpa do agente, verifica-se que esta se situa num grau elevado, visto o arguido actuar em clara superioridade física e valendo-se do seu estatuto na ordem familiar para cometer, sobre a pessoa que devia ser essencialmente respeitada e protegida, factos ilícitos. Importa agora considerar as exigências de prevenção geral que se fazem sentir relativamente a infracções desta natureza que entendemos serem muito elevadas. Com efeito, a violência doméstica é um problema cada vez mais visível na nossa sociedade, o que tem vindo a ser demonstrado pelo número crescente de denúncias feitas às forças de segurança. O encorajamento da denúncia tem surgido num contexto de mudança de valores que leva cada vez mais as vítimas a quebrar o silêncio e o ciclo de violência em que as suas trajectórias de vida se têm inscrito. Não obstante a evolução dos últimos anos, os actos de violência doméstica têm sido um fenómeno em que o silêncio é dominante. Acontecem, as mais das vezes, na intimidade e no cenário privado da casa de família e, muitas vezes ou quase sempre, são apenas publicamente visíveis no limite extremo das suas consequências. As vítimas são, por norma, a única testemunha dos actos violentos. E o apelo de socorro é calado, também por norma, porque o medo ou a tentativa de salvar a imagem social da família, do agressor e da própria vítima falam mais alto. Em suma, a violência doméstica é um problema encoberto. A dimensão actual da violência doméstica pode nunca vir a ser conhecida, mas é evidente que essa violência é parte integrante da dinâmica de muitas famílias, de qualquer classe social, tanto nos países desenvolvidos como nos subdesenvolvidos. Em síntese, é um fenómeno social que não conhece fronteiras geográficas, culturais ou de riqueza e não raras vezes encoberto sob uma capa de aparente normalidade e inserção socioprofissional. O sistema judicial não pode, na nossa perspectiva, alhear-se da necessidade de combater a proliferação das situações de violência doméstica – de que a sociedade tem uma cada vez maior consciência e para as quais exige, por parte da ordem jurídica, uma resposta decidida e que não deixe quaisquer dúvidas quanto à intolerabilidade de comportamentos como aquele que aqui está em causa. Por outro lado, não podemos deixar de realçar que a população e a sociedade portuguesa têm vindo a tornar-se progressivamente mais envelhecida. O Censo de 2011 retratou o País com mais de 2 milhões de pessoas com 65 ou mais anos, representando estas cerca de 19% da população total. Por sua vez, segundo as Projecções de População Residente em Portugal 2012-2060, a cargo do Instituto Nacional de Estatística (INE), estima-se que a população com 65 ou mais anos de idade residente em Portugal aumentará de 2 033 para 3 043 milhares. Tal circunstância tem consequências nefastas no que diz respeito à criminalidade contra os idosos, a qual se tem vindo a agravar. É um facto que a maior fragilidade e vulnerabilidade fisiológica da população idosa a tornam vítima potencial de vários abusos não só a nível psicológico, mas também a nível físico. Por outro lado, o portal da violência doméstica, disponível na página da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG), divulgou os dados sistematizados, referentes ao período de outubro a dezembro de 2023 relativamente à violência doméstica. Assim, foram acolhidas na Rede Nacional de Apoio a Vítimas de Violência Doméstica 1296 pessoas, sendo 50,8% mulheres, 47,5% crianças e 1,7% homens. No período homólogo de 2022, o número de pessoas acolhidas foi de 1441 (54,2% mulheres,44,7% crianças e 1,2% homens). Foram transportadas 207 vítimas e 5222 pessoas foram abrangidas pela medida de proteção por teleassistência, no âmbito do crime de violência doméstica. Registaram-se 6973 ocorrências participadas à PSP ou à GNR, menos 17,41% que no semestre anterior e menos 2,19% que no período homólogo de 2022. Assinala-se que em 2023 foram participados 30279 crimes de violência doméstica, menos 0,4% que no ano de 2022, em que se registaram 30389 participações. Foram aplicadas 1161 medidas de coação de afastamento a agressores pelo crime de Violência Doméstica e integradas 2494 pessoas em programas para agressores. Registaram-se 3 vítimas (mulheres) de homicídio voluntário em contexto de Violência Doméstica, sendo que no período homólogo de 2022 se registaram 5 vítimas (4 mulheres e 1 criança). No ano de 2023 registaram-se 22 homicídios voluntários em contexto de Violência Doméstica (17 mulheres, 2 crianças e 3 homens). Em 2022 ocorreram 28 homicídios (24 mulheres, 4 crianças). Por sua vez, a APAV apresentou recentemente o relatório sobre pessoas idosas vítimas de crime e de violência referente aos anos de 2021 e 2022, concluindo-se que durante este período, a APAV apoiou um total de 3122 pessoas idosas vítimas de crime e de violência, tendo ocorrido um decréscimo de 4,1% entre 2021 e 2022. No que diz respeito ao perfil da vítima, esta é geralmente do sexo feminino (cerca de 76,6%), com idades compreendidas entre os 65 e os 74 anos (49,3%). Já o autor do crime é em cerca de 52,7% das situações do sexo masculino e com uma média de idades acima dos 65 (17%). Em 29,1% dos casos, a vítima é pai ou mãe do autor do crime. (https://apav.pt/apav_v3/index.php/pt/3299-estatisticas-apav-pessoas-idosas-vitimas-de-crime-e-de-violencia-2021-2022 ) A realidade dos números apresentados não deixa de suscitar espanto, demonstrando que as sucessivas campanhas publicitárias, programas de debate público, políticas empreendidas pelo Estado e acção dos Tribunais se têm revelado insuficientes para pôr fim a este flagelo, o que determina que as exigências de prevenção geral são muito elevadas. ** Quanto às exigências de prevenção especial sublinha-se que as mesmas são igualmente muito elevadas. De facto, da análise dos autos, afere-se que o arguido não assumiu os factos de que era acusado; não apresentou consciência crítica da sua conduta; procura apresentar uma atitude desculpante da sua conduta (refugiando-se no cansaço inerente à prestação de cuidado a dois idosos e um discurso em que culpabiliza a vítima pela suas acções). ** Assim, ponderando todas as circunstâncias que depõem a favor ou contra o arguido, nos termos do disposto no artigo 71.º/2, do diploma legal supracitado, há que considerar: • A consciência da ilicitude, importa ter em conta o modo de execução do crime e a extensão dos danos que dele advieram, factores que correspondem a uma ilicitude situada num plano elevado, atenta a sua intensidade e o tempo que perduraram. É também de considerar a idade da vítima e a forma como o arguido a atingiu; • O grau de ilicitude dos factos, que se nos afigura elevado, atento o modo de execução dos mesmos, a sua duração no tempo e o grau de violação de deveres que lhe eram impostos face à especial relação que mantinha com o ofendido, sendo aqui de atender aos actos concretamente adoptados • O dolo directo, a forma mais gravosa da culpa, dado que, apesar de saber que não podia agredir e humilhar a sua companheira, fê-lo com esse objectivo, com total desprezo pela dignidade da vítima. • A gravidade das consequências dos seus actos para a saúde e corpo do ofendido; • A ausência de qualquer sentido crítico pela sua conduta; • As suas condições económicas e a sua inserção profissional; Em face dos factores e das considerações descritos, entende-se ser adequada e suficiente a aplicação ao arguido, pela prática de um crime de violência doméstica, de uma pena de dois anos e oito meses de prisão. Por último na terceira fase, enunciada pelo n.º 3 do artigo 71.º do Código Penal, tecem-se os considerandos que fundamentam a determinação efectuada. Neste âmbito, entendeu-se que a pena de prisão fixada de dois anos e oito meses de prisão (determinação da pena) é a adequada ao caso concreto, atentas as considerações acima efectuadas (nomeadamente o grau de culpa do arguido, e as exigências de prevenção geral, em confrontação com a gravidade das consequências dos seus actos, situando-se a actuação do arguido num grau elevado, face ao disposto no artigo 71.º/1/2, acima citado. ** Da substituição da pena de prisão: Uma vez fixada a pena de prisão deve o Tribunal ponderar se deve proceder à sua substituição, por tal lhe ser legalmente imposto, se a execução da prisão não for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes ou porque, face às penas de substituição legalmente previstas, acaba por concluir que uma dessas penas satisfaz de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. No caso em concreto, apenas se poderá ponderar o regime previsto no art.º 50.º do Código Penal, atendendo-se, desde logo, às considerações supra feitas no que concerne à gravidade dos factos praticados, à personalidade do agente e à pena concretamente fixada. Estabelece o artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, que: “1. O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento dos deveres ou à observância das regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova (n.º 2). Os deveres e regras de conduta podem ser impostos cumulativamente (n.º 3). A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições (n.º 4). O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos (n.º 5). «A suspensão da execução da pena constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores ao direito, através da advertência da condenação e da injunção que esta impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores inscritos nas normas» - Neste sentido, cfr. Acórdão da Relação de Lisboa, de 19 de Maio de 2004, www.dgsi.pt, proc. 3549/2004-3. In casu, estamos perante um arguido que não tem averbados antecedentes criminais. Todavia, as necessidades decorrentes da prevenção geral são prementes atenta a extrema danosidade das condutas perpetradas pelo arguido, o período temporal em que tal comportamento decorreu, bem como o grau de violação de bens jurídicos. Na verdade, para além de se mostrarem exacerbadas as exigências de prevenção geral associadas a este tipo de criminalidade, constituindo o fenómeno da violência doméstica um autêntico flagelo social, o arguido denota uma atitude deficitária ao nível da interiorização do desvalor da sua conduta. A intensidade dos maus tratos físicos e psicológicos repetidamente infligidos à vítima, o comportamento posterior do arguido e a revelada ausência de autocensura evidenciam a manifesta impossibilidade de formulação de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido, coincidente com a opção pela aplicação de uma pena de substituição. Mais se diga que o risco de repetição deste tipo de comportamentos não fica mitigado pela circunstância de o arguido já não conviver com a vítima. Como adverte Inês Ferreira Leite in “Sensibilidade & Bom Senso: Um (breve) percurso interpretativo do tipo legal de violência doméstica à luz do seu tipo social e das abordagens judiciais”, publicado no e-book do CEJ, consultável através do seguinte link: http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/penal/eb_VD2019.pdf?fbclid=IwAR3wjTm9ImHSE24tcG7MlhsF709QbfwdYPOyLHN8BaEFIj9H9VQL0ItauJA), pág. 42 e seguintes, ], “(…) mesmo sem sindicar os preconceitos sociais de base, o apelo à separação actual do casal expõe-se a duas fragilidades: i) a separação do casal, mesmo quando o agressor já refez, de algum modo, a sua vida, não constitui qualquer garantia de que a violência contra a vítima não irá reiniciar-se no futuro; ii) em qualquer caso, as necessidades de prevenção especial não podem ser aferidas apenas em função de uma vítima em concreto, mas face a futuras potenciais vítimas. Não havendo estatísticas oficiais em Portugal sobre a taxa de reincidência (em sentido técnico) no âmbito da violência doméstica, os dados disponíveis permitem concluir que a taxa de reiteração, mesmo após uma primeira denúncia, é bastante elevada. Por isso, na aferição do risco de reincidência e da perigosidade inerente à personalidade do agente, o tribunal deve ponderar não apenas situações de reincidência em sentido técnico, mas também a existência de processos anteriores sujeitos a suspensão provisória ou em que tenha sido aplicada pena não privativa da liberdade por circunstâncias conexas com a violência doméstica, bem como a reiteração criminosa ocorrida já após a acusação do processo em curso.” A perigosidade do arguido, radicada na sua atitude e personalidade e com reflexos na elevada probabilidade de reincidência neste tipo de crimes, encontra-se bem espelhada no seu comportamento reiterado ao longo do tempo. Como é salientado no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10/9/2014, disponível para consulta em ww.dgsi.pt “Não pode ser suspensa a execução da pena de prisão se o arguido manifesta uma personalidade com características de desestruturação pessoal com reflexos no desrespeito por diversos valores jurídico-penais, dando numa avaliação global enquadramento ao conjunto dos factos criminosos praticados, reconduzindo-os a uma tendência que radica na sua personalidade.” Face ao que vimos de expor, entendemos que, para além das exigências de prevenção especial, também as exigências de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, pelas quais se limita sempre o valor da socialização, revelam-se elevadas no caso em apreço. A comunidade dificilmente compreenderia que alguém que pratica factos da natureza e gravidade dos que o arguido praticou, de forma repetida e revelando uma personalidade violenta e avessa à observância das normas jurídico-penais (incrementando, por isso, o juízo de perigosidade associado à sua personalidade e, consequentemente, de prognose desfavorável relativamente ao seu comportamento futuro), fosse punido com uma pena diversa da pena de prisão, afigurando-se previsível a total ausência de capacidade intimidatória e dissuasora das medidas alternativas previstas na lei Pelo exposto, a pena de prisão ora aplicada não poderá ser senão efetiva.»
Aqui chegados, cumpre apreciar e decidir.
Merecem-nos adesão as considerações que constam da sentença recorrida em matéria de critérios legais a atentar nesta matéria, bem assim como no que respeita às especificidades sublinhadas da violência infligida sobre pessoas idosas e às intensas exigências de prevenção que aqui se colocam, considerações essas que aqui damos reproduzidas com a devida vénia.
A questão central que se coloca é saber se tais exigências de prevenção são elevadas ao ponto de tornar incontornável a efetividade da prisão ou se ainda tolerariam uma suspensão da sua execução.
Há que considerar o que resulta do art. 50º do Código Penal, quando nos diz no seu nº 1 que o tribunal «suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
Não se trata aqui, como se sabe, de uma verdadeira opção do tribunal, que este poderá arbitrariamente usar ou não; do que se trata é antes de um efetivo poder-dever, no sentido em que, se o conjunto das circunstâncias do caso permitirem perceber que a simples ameaça de execução da prisão, porventura com regime de prova e a imposição de deveres ou regras de conduta, satisfará suficientemente as exigências da punição, impõe-se ao tribunal que determine a suspensão da execução da pena de prisão, posto que o nosso sistema assenta num princípio de liberdade, que apenas pode ser coartada se esta solução for de todo incontornável.
Para que o tribunal enverede pela suspensão da execução da pena de prisão é contudo essencial que, à luz de todos os elementos disponíveis, emita um prognóstico favorável relativamente ao comportamento ulterior do arguido; e é essencial ainda que, concluindo o tribunal por um tal juízo favorável, as necessidades de reprovação e de prevenção do crime não se oponham ao recurso a esta figura [Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas/Editorial Notícias (1993), pgs. 342 a 344].
No caso concreto estamos diante situações que tiveram lugar ao longo de cerca de dois anos, o que afasta a ideia de um comportamento episódico, passageiro ou irrepetível quanto à sua natureza; ao contrário, a persistência das condutas do Arguido revela uma tendência consistente para a prática reiterada de gestos ofensivos, que no domínio físico tinham a incidência de pelo menos uma vez por semana.
Acresce que as situações traduzem-se em condutas agressivas de diversos tipos, o que sugere uma personalidade que não sentia que houvesse barreiras ao seu ímpeto: injúrias e humilhações («és um merdas», «não vales nada», «és um estúpido», «porco nojento», «porco», «porco de merda»; «mereces o que estás a passar», «nojento»); e ofensas à integridade física («pelo menos uma vez por semana, diversas pancadas de mão aberta em diversas partes do corpo»; «no dia 3 de julho de 2023, pancadas de mão aberta na face do ofendido e aperto do pescoço deste com as mãos e estalos na face enquanto o ofendido gritava “socorro, ai, ai, ai”»).
Mais: em consequência da atuação do Arguido, o ofendido apresentou em dado momento «várias escoriações na face e nos membros superiores e lacerações no membro superior esquerdo» e «uma formação nodular com crostas sanguíneas».
Se, para lá disto, tivermos em atenção a discrepância de forças entre Arguido e ofendido (com uma diferença de idades de trinta anos e tendo o segundo as vulnerabilidades físicas particularmente intensas que tinha), chegamos a um quadro geral em que é inevitável concluir, como no fundo o fez o Tribunal de 1ª Instância, que são muito intensas as exigências de prevenção geral. Nas circunstâncias apontadas, é de considerar que a confiança da comunidade na validade e na vigência da norma incriminadora em causa e nos valores que lhe estão subjacentes não é compatível com uma pena não privativa da liberdade.
É certo que a factualidade conhecida não é toda ela desfavorável ao Arguido: sabemos desde logo que este não tem antecedentes criminais; que completou formação superior; que desenvolveu uma carreira profissional à qual previsivelmente dará continuidade; que mantém ligações sociais; e que os factos foram praticados no quadro geral do acompanhamento que fazia aos pais, com quem vivia. Mas estes fatores, note-se, não o impediram de praticar os factos.
Mais: é preciso notar que se mostra adquirido que o Arguido apresenta «dificuldade em reconhecer o impacto das suas ações nos outros, aparentando défices ao nível do controle de impulsos». Daqui retiramos que existem, e com significado, como também sinaliza o Tribunal de 1ª Instância, elevadas exigências punitivas, seja de prevenção geral, seja de prevenção especial; e embora estas últimas possam ser vistas como não comprometendo decisivamente a possibilidade de uma pena de substituição, isto é, ainda que se conceda que pode formular-se um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do Arguido a curto e médio prazo, tanto mais que, acrescente-se ao já dito, o ofendido faleceu, a mãe está institucionalizada, confessou parcialmente os factos e tem mantido um bom comportamento no interior do Estabelecimento Prisional, o mesmo não diremos quanto às exigências de prevenção geral.
Com efeito, face às circunstâncias concretas do caso e à reiteração e à intensidade com que foram violados os bens jurídicos protegidos e a dignidade da vítima, a não efetividade da prisão representaria um contributo para a normalização da violência doméstica e em particular sobre as pessoas idosas, que a comunidade repudia, repúdio este que temos decididamente de acomodar no plano jurídico-criminal.
Refere ainda o Arguido que a efetividade da pena de prisão afeta a sua estabilidade emocional.
A este propósito diremos que a execução da pena de prisão decerto que é muito onerosa para quem a sofre, aos mais diversos níveis, incluindo o emocional – nenhuma dúvida quanto a isso.
É contudo a ferramenta que o sistema legal nos fornece e cujo uso o Arguido, e apenas ele, com o seu comportamento, tornou inevitável.
Manter-se-á em suma a pena aplicada.
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2.5 Da reparação arbitrada
Alega o Arguido que a indemnização que o Tribunal de 1ª Instância arbitrou à vítima, ao abrigo do preceituado pelo art. 82º-A do Código de Processo Penal, foi fixada sem respeito pelo princípio do contraditório.
Concretiza dizendo que seria imperativo que o Tribunal tivesse informado o Arguido da possibilidade de arbitramento daquela reparação, como determinado pelo nº 2 daquela norma, o que não sucedeu.
Conclui sustentando que se verifica aqui uma irregularidade que deve conduzir à anulação da decisão, nessa parte.
Em resposta, refere o Ministério Público que o Arguido foi efetivamente notificado da possibilidade de vir a ser fixada uma indemnização à vítima ou seus herdeiros, aquando da notificação do despacho proferido em 16 de janeiro de 2024, pelo que não lhe assiste razão.
Cumpre apreciar.
O art. 82º-A do Código de Processo Penal prevê a possibilidade, na ausência de um pedido de indemnização, de ser arbitrada oficiosamente uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos; e aí contempla-se de forma expressa, no nº 2, que deve ser assegurado o princípio do contraditório.
No caso concreto, como bem sinaliza o Ministério Público, o contraditório foi observado.
Repare-se que na parte final do despacho de recebimento da acusação, proferido em 16 de janeiro de 2024 (referência eletrónica nº 148570869) a Sra. Juíza exarou o seguinte: «Notifique o arguido para, querendo, e no prazo concedido para a apresentação da contestação, exercer contraditório quanto à possibilidade de o Tribunal vir a arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos eventualmente sofridos pelo ofendido em decorrência das condutas que lhe são imputadas, nos termos do artigo 82º-A, nº 2 do Código de Processo Penal, atento o disposto no artigo 21º, da Lei 112/2009, de 16 de Setembro.»
O Arguido foi notificado desse despacho no dia 18 de janeiro de 2024, conforme decorre do ofício junto aos autos em 21 de fevereiro de 2024 (referências eletrónicas nº 148617866 e 25074783); e a sua Ilustre Defensora recebeu a mesma notificação em 22 de janeiro de 2024 (referência eletrónica nº 148617601).
Se o Arguido, na contestação que efetivamente apresentou nos autos em 12 de fevereiro de 2024 (referência eletrónica nº 25022149) nada disse sobre a eventual reparação oficiosa da reparação, é algo que não temos que ajuizar; o que sabemos e tanto basta para considerarmos cumprido o princípio do contraditório, é que teve aí a oportunidade de o fazer.
Improcede o invocado vício.
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3 - DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se no seguinte:
A) Considerar não escritos os factos dados como provados sob os nºs 31, 35, 39, 43, 47, 48, 49 e 50, bem assim como o seguinte segmento, no facto nº 29: «motivadas, segundo o arguido, por maus investimentos económicos do progenitor»;
B) Em negar provimento ao recurso, confirmando-se no mais a sentença recorrida.
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Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) unidades de conta [arts. 513º/1 e 3 e 514º, nº 1 do Código de Processo Penal, e 8º, nº 9 do Regulamento das Custas Processuais (RCP) e a Tabela III a este anexa], sem prejuízo do disposto no art. 4º, nº 1, alínea j) do RCP.
Registe, notifique e comunique de imediato ao Tribunal da 1ª Instância (tendo em conta que o Arguido se encontra sujeito a prisão preventiva).
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Lisboa, 05 de dezembro de 2024
Os Juízes Desembargadores (processado a computador pelo relator e revisto por todos os signatários; assinaturas eletrónicas)
Jorge Rosas de Castro
Ana Marisa Arnêdo
Paula Cristina Bizarro