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QUESTÃO NOVA
JUNÇÃO DE DOCUMENTO EM RECURSO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DEPOIMENTO ÚNICO
OFENDIDO
CRIME DE AMEAÇA
MEDIDA DA PENA
VALORAÇÃO DA NÃO CONFISSÃO DO ARGUIDO
Sumário
I. Como resulta da motivação e das conclusões, o recorrente pretende, para o que agora releva, que o Tribunal ad quem, subsidiariamente, a manter-se a pena aplicada na primeira instância, com base no relatório psiquiátrico que juntou inovatoriamente (nesta sede recursiva) determine o internamento do recorrente ao abrigo do art. 104º do C.P. II. Todavia, como resulta do acórdão revidendo e do compulso dos autos, a questão ora suscitada não foi em algum momento colocada nem decidida no tribunal de primeira instância. III. Acresce, em concomitância, a evidência de que o documento, em que assenta tal petitório, apenas veio a ser apresentado aquando da interposição do recurso, ou seja, em total desrespeito ao preceituado no art. 165º, n.º 1 do C.P.P. IV. Assim sendo, ao abrigo do disposto nos art. 420º, n.º 1, al. b) e 414º, n.º 2 do C.P.P., outra solução não resta senão a de, por inadmissibilidade, rejeitar parcialmente o recurso, na parte em que, subsidiariamente, é peticionado o internamento do recorrente ao abrigo do art. 104º do C.P. V. A alegação do recorrente traduz, não o pretextado vício de procedimento resultante do texto da decisão recorrida (conforme prevê o n.º 2 do artigo 410.º, do C.P.P.), a se ou cotejada com as regras da experiência comum, mas sim a invocação de um erro de julgamento da matéria de facto (n.º 3 e 4 do artigo 412.º, do C.P.P.). VI. No aparato de violência verbal e física por parte do arguido, corroborado sem reservas por todas as testemunhas, desconhecendo-se qualquer motivação susceptível de inquinar e/ou fragilizar a credibilidade deste ofendido, tendo por referente a livre apreciação da prova, o dito depoimento, de per si, inequivocamente, basta para a condenação do arguido/recorrente. VII. A circunstância de o recorrente se encontrar algemado, no interior da viatura, quando procurou pontapear os agentes, não convoca qualquer improbabilidade e/ou impossibilidade de os atingir fisicamente e muito menos queda a inerente intenção. Ao invés, é precisamente por se encontrar limitado na sua liberdade de movimentos que o recorrente, na prossecução da intenção de os agredir fisicamente, derradeiramente (na impossibilidade de outra alternativa física) pontapeia. VIII. No que ao preenchimento do tipo de ameaça importa, basta que a expressão intimidatória dirigida pelo agente do crime aos destinatários seja, de acordo com a experiência comum, susceptível de ser tomada a sério pelos ameaçados, independentemente de estes terem ficado ou não intimidados. IX. Quando o arguido, naquelas concretas circunstâncias, eivado de agressividade motora e verbal, se dirige aos agentes da PSP que se encontravam presentes e lhes diz que “já matei, vou matar outra vez!”, inequivocamente, empreendeu conduta apta a causar medo e inquietação e potencialmente constrangedora da liberdade de determinação dos mesmos, apesar das especiais qualidades daqueles. X. A valoração da não confissão do arguido - seja na vertente daquilo que, supostamente, evidencia da sua personalidade ou naquela atinente à ausência de arrependimento – encerra, desde logo, sérias dificuldades na compatibilização com o direito ao silêncio e com o corolário direito de prestar declarações sem estar obrigado a dizer a verdade. XI. Ademais, muito embora se reconheça que corresponde a uma prática judiciária que, amiúde, se mantém, estamos em crer que, bule com os fins das penas tal qual se mostram definidos no C.P. vigente. XII. Como já então alertava o S.T.J. no acórdão de 11 de Outubro de 2006, processo 6P2545, in www.dgsi.pt.: «IV - A ausência de confissão do crime não significa necessariamente que não houve interiorização do mal do crime e que o agente não reconheceu que a sua conduta merece ser censurada; o agente não pode ser penalizado por não confessar o crime - apenas lhe fica vedado o aproveitamento de uma circunstância atenuativa». XIII. Como resulta da matéria de facto assente, o arguido/recorrente para além de se encontrar desempregado e revelar desinserção ao nível familiar e afectivo, já foi anteriormente condenado, realçando-se, ainda, que praticou os factos no período de suspensão de execução da pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, que lhe havia sido por último aplicada. XIV. Neste quadro de fragilidade, do qual ressaltam ponderosas necessidades de prevenção especial, com particular enfoque na prevenção da reincidência, outra solução não resta senão a de se concluir, tal qual o Tribunal a quo, que inexistem circunstâncias que amparem um juízo de prognose favorável e que sustentem a reclamada suspensão de execução da pena. (sumário da responsabilidade da relatora)
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
1. Nos autos em referência, precedendo audiência de julgamento, os Senhores Juízes e a Senhora Juíza do Tribunal a quo, por acórdão de 23 de Maio de 2024, para o que agora importa, decidiram: «c) Condenar AA pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo artigo 145º, nº1, alínea a) e nº2 do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; d) Condenar AA pela prática de um crime de injúria agravada, previsto e punido pelos artigos 181º, nº1 e 184º do Código Penal, na pena de 2 meses de prisão; e) Condenar AA pela prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348º, nº1, alínea a) do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão; f) Condenar AA pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada tentada, previstos e punidos pelos artigos 22º e 145º, nº1, alínea a) e nº2 do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão cada; g) Condenar AA pela prática de quatro crimes de ameaça agravada, previstos e punidos pelos artigos 153º e 155º, nº1, alínea c) do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão cada. h) Efetuado o cúmulo jurídico, condenar AA na pena única de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão»
2. O arguido AA interpôs recurso do acórdão condenatório. Aparta da motivação as seguintes conclusões: «Vem o presente recurso solicitar a apreciação superior da douta Sentença que condenou o aqui recorrente pela prática, como autor material, como autor material de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 145.º, n.º1, alínea a) do Código Penal, de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181.º, n.º1 e 184º, um crime de desobediência, p.e p. pelo artigo 348.º n.º1 .a) do Código Penal, dois crimes de ofensa à integridade física na forma tentada, p.e p. pelos artigos 22.º e 145.º n.º1 al. a) e n.º2 do Código Penal e quatro crimes de ameaça agravada, p.e p. pelos artigos 153.º e 155.º n.º 1 al.c), na pena única de quatro anos e dez meses de prisão, nos seguintes termos: 1. O Recorrente entende que a prova produzida em sede de audiência de julgamento foi insuficiente para que resultassem provados os factos pelos quais o recorrente foi condenado. 2. Da prova produzida em sede de audiência de julgamento resulta claro que não existem testemunhas oculares da agressão descrita nos factos 1. a 6., pelo que ninguém conseguiu identificar o aqui Recorrente como o autor material dos mesmos. 3. É possível concluir que, o depoimento prestado pela testemunha BB em nada corrobora, nem sustenta, a tese da prática daqueles factos por parte do aqui Recorrente, pelo que nunca poderiam os mesmos terem sido dados como provados pelo Tribunal “a quo”, porquanto subsistiram dúvidas quanto à veracidade dos mesmos. 4. O que é possível corroborar pelos depoimentos daquelas testemunhas é que o Recorrente foi quem sofreu, de facto, uma agressão que o deixou ferido e com uma hemorragia no sobreolho, resultante das duas quedas e de ter batido com a cabeça no carro da PSP quando maniatado. 5. No que diz respeito à autoria daquele ilícito penal – de ofensa à integridade física agravada– não houve nenhuma testemunha que declarasse ter visto o aqui Recorrente próximo do Recorrido. 6. O ónus da prova recai sobre a acusação, que tem de provar que o arguido, aqui Recorrente, praticou efetivamente aqueles factos. Assim sendo, e não havendo prova suficiente capaz de sustentar que foi o arguido a praticá-los, terá, indubitavelmente, que vigorar e prevalecer o princípio “in dúbio pro reo”, constitucionalmente consagrado no artigo 32.º, n.º 2, 1.ª parte da Constituição da República Portuguesa. 7. Quer isto dizer que, a única base que sustenta a afirmação daqueles factos (descritos de 1 a 6) é o teor das declarações do ofendido. 8. Ou seja, não existem testemunhas oculares da agressão descrita naqueles factos, pelo que ninguém conseguiu identificar o aqui recorrente como o autor material dos mesmos. 9. Assim, concluiu-se que o depoimento prestado por estas testemunhas em nada corrobora, nem sustenta, a tese da prática daqueles factos por parte do aqui Recorrente, pelo que nunca poderiam os mesmos terem sido dados como provados pelo Tribunal “a quo”, porquanto subsistiram dúvidas quanto à veracidade dos mesmos. 10. Ora, o ónus da prova recai sobre a acusação, que tem de provar que o arguido, aqui recorrente, praticou efetivamente aqueles factos. Assim sendo, e não havendo prova suficiente capaz de sustentar que foi o arguido a praticá-los, terá, indubitavelmente, que vigorar e prevalecer o princípio “in dúbio pro reo”, constitucionalmente consagrado no artigo 32.º, n.º 2, 1.ª parte da Constituição da República Portuguesa. 11. Em concreto, e em sede de julgamento, não existiu prova suficiente para considerar provados os factos vertidos em 1. a., 6., 8., 9., 11., 13. e 18. pelo que a palavra do ofendido não basta para que resultem provados aqueles factos, não restando senão ao Tribunal “a quo” dá-los como não provados. 12. Facto é que, para além das declarações do ofendido, não houve nenhuma testemunha que corroborasse os factos vertidos nos pontos 1 a 6 pelo que não entende aqui o Recorrente como pôde o Tribunal “a quo”, salvo o devido respeito, dar como provados os mesmos, ignorando o princípio “in dúbio pro reo”. 13. Algo que o recorrente não pode deixar de salientar, é o facto de o tribunal “a quo” ter absolvido o recorrente de um crime de ofensa à integridade física qualificada contra a pessoa do agente CC e decisão idêntica não ter sido tomada quanto à testemunha BB. 14. O tribunal “a quo” absolveu o recorrente da prática do crime de ofensa à integridade física agravada na pessoa do agente CC, com base em “(…) o empurrão em si, (…) não pode deixar de considerar-se insignificante do ponto de vista da afetação da integridade física, enquanto bem jurídico aqui tutelado”. 15. Ora, o critério de determinação da imputação objetiva à pessoa do agente, deverá sempre, passar-se pela prática ou não do ilícito contra o bem jurídico, e buscar factualidade que comprove tal comportamento, pese embora a insignificância ou a importância de tal ato. 16. No caso em apreço, afigura-se que a absolvição passou não só pelo critério da insignificância da lesão, como pela carência de prova, o que deveria igualmente ser tomado em linha na valoração da prova contra a pessoa do agente BB, já que estariam ambos no local no momento da alegada prática do ilícito. 17. Ora vejamos o excerto do douto acórdão a fls. 10: “Os factos não provados resultam do depoimento do agente BB (que refere que o arguido se limitou a empurrar o seu colega) e dos agentes DD e EE (que referiram que o agente CC não se encontrava no local (…)”. 18. Salvo devido respeito, que é muito, se o tribunal “a quo” considera que resulta do depoimento do agente BB facto não provado de que o recorrente ofendeu a pessoa do agente CC, entendimento semelhante deveria ter sido tomado em linha por este quanto à valoração dos factos alegadamente praticados contra o próprio. 19. As testemunhas DD, EE e FF referiram apenas ter visto o recorrido já algemado, não tendo, sequer, presenciado os factos, o que só demonstra que existem e persistem dúvidas quanto à autoria dos mesmos. 20. Como tal, existindo dúvidas e não tendo resultado qualquer prova capaz de saná-las, não restava senão àquele Tribunal considerar aqueles factos como não provados, o que não sucedeu. 21. Ademais, o Tribunal “a quo” refere na sua douta Sentença que valorou como prova documental, entre outros, o auto de notícia, as fotografias, a participação do acidente e a pesquisa do registo automóvel. 22. Ora, a verdade é que, tal como valorou estes documentos, o Tribunal recorrido deveria também, salvo o devido respeito, ter valorado o relatório do exame pericial realizado à pessoa do agente BB, fls. 44-46. 23. Isto porque, tal relatório, pese embora conclua que “Os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano”, a verdade é que as informações prestadas foram apenas a do próprio BB, o que salvo devido respeito, nunca podem estabelecer o nexo causal entre a pessoa do agente, a ser o aqui recorrente, e o resultado na pessoa do agente BB. 24. O relatório pericial efetuado à pessoa do agente BB, permite concluir tão e somente que o mesmo apresenta as lesões e que, conforme os elementos disponibilizados por este, isto é, conforme o que por este foi dito, “Os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano.” 25. Desta feita, é impossível imputar tal nexo de causalidade à pessoa do agente, o ora aqui recorrente, uma vez que não se efetuaram quaisquer exames biológicos ou amostras de ADN, de forma a imputar tal conduta ao recorrente, até porque o próprio exame foi realizado no dia 9 de novembro de 2023, seis dias depois dos factos, prevendo ainda que o agente estaria recuperado no dia imediatamente a seguir, dia 10 de novembro de 2023: “A cura das lesões é fixável em 10/11/2023, tendo em conta: o tipo de lesões resultantes .” 26. Mais se acrescenta que, o facto de o recorrente não ter apresentado queixa contra os agentes da PSP sobre as “agressões” a que foi submetido, não invalidam o facto destas terem acontecido, já que todas as testemunhas, à exceção de FF dada a distancia a que se encontrava do local, podem atestar que vislumbraram o recorrente com sangue e um golpe acima do sobrolho, resultante de ter batido com a cabeça no chão por duas vezes, na sequência dos agentes o tentarem maniatar e ter batido com a cabeça já dentro da viatura da PSP. 27. Se assim o fosse, deveriam também terem sido valoradas pelo tribunal “a quo” as declarações do aqui recorrente, de forma a imputar aos agentes, as ofensas à integridade física sofridas na pessoa do recorrente, na sequência da abordagem dos mesmos, já que na qualidade de testemunhas, todos atestaram o ocorrido, corroborando a versão do recorrente e que este não pode deixar de reiterar. 28. Assim, não pode o aqui Recorrente concordar com a apreciação da prova feita pelos Meritíssimos Juízes do Tribunal “a quo”, persistindo mais uma vez a dúvida da prática das ofensas à integridade física agravada pelo Recorrente contra a pessoa do agente BB, pelo que deverão aqueles factos ser dados como não provados por insuficiência de prova produzida e, consequentemente, deverá o aqui Recorrente ser absolvido da prática do crime de ofensa à integridade física agravada pelo qual foi condenado, apelando-se, assim, à reapreciação da prova gravada. Ademais, 29. O julgador, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa, deve sempre adotar posição mais favorável ao arguido, devendo o Tribunal recorrido ter absolvido o arguido, aqui recorrente, por insuficiência de prova produzida capaz de provar e imputar a prática daqueles factos integradores dos tipos ilícitos ao Recorrente. 30. A pena única aplicada ao aqui Recorrente não atinge os cinco anos de prisão e o Recorrente encontra-se relativamente bem inserido social e familiarmente, sendo que caso regresse a Santarém, voltará para o seu seio familiar, com mais probabilidades de se reintegrar, do que uma pena privativa da liberdade. 31. Poderia o Tribunal recorrido impor ao arguido, o cumprimento, pelo tempo de duração da suspensão, de regras de conduta de conteúdo positivo, suscetíveis de fiscalização e destinadas a promover a sua reintegração na sociedade. 32. Caso não se entenda, ainda, pela aplicação da suspensão da pena de prisão, diga-se que deverá este Tribunal ter em conta que foram dados como provados factos que não colheram prova suficiente, pelo que foram os mesmos tidos em conta para efeitos da escolha da medida da pena aplicada pelo Tribunal “a quo”. 33. Por isto, mostra-se desajustada a fixação de uma pena de quatro anos e dez meses de prisão, uma vez que a apreciação feita pelo Tribunal “a quo” da prova produzida não foi correta e teve em conta factos que não colheram prova capaz de confirmá-los. 34. Sem prescindir, na situação dos autos, o relatório psiquiátrico que aqui se junta, realizado ao Recorrente apresenta um diagnóstico com as seguintes patologias: Insónias, Ansiedade Mórbida e Crises de Pânico. 35. Ora, apesar de aquela perícia concluir que nenhuma destas patologias impede o aqui Recorrente de se determinar com os ditames da Lei Penal, a verdade é que o arguido já padecia das mesmas à data dos factos, pelo que tais anomalias psíquicas condicionam, de certa forma, o modo de agir do Recorrente e a sua noção da realidade envolvente. 36. Em virtude disso, ao aplicar-se o regime do estabelecimento prisional ao aqui Recorrente estar-se-á a promover pela potenciação do agravamento das suas patologias, ao passo que o arguido irá afincar sentimentos de revolta. 37. Pelo que, está mais que demonstrado que com as patologias psíquicas de que o Recorrente padece, o regime de cumprimento da eventual pena que melhor assegura as exigências que no caso se fazem sentir será o de internamento nos termos do artigo 104.º do Código Penal. Nestes termos, e nos melhores de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a Sentença proferida, e ser o arguido: a) Absolvido dos crimes pelos quais vem condenado, no entender do recorrente injustamente, pelo vazio de prova e que aqui foi referenciado, sem prejuízo da confissão integral relativa aos demais, atendendo-se ao princípio máximo “in dúbio pro reo”; b) À pena aplicada ser aplicado o regime de suspensão, nos termos do artigo 50.º do Código Penal, uma vez que reúne todos os requisitos para que a mesma seja suspensa; c) Serem aplicadas medidas e obrigações acessórias ao cumprimento da pena suspensa, sem prejuízo do regime de prova, das quais o recorrente se compromete a cumprir integralmente e sem reservas; ou, caso assim não se entenda, d) Ser a medida concreta da pena aplicada ao arguido reduzida, em virtude da insuficiência de prova produzida; ou, e) Ser a pena cumprida em regime de internamento nos termos do artigo 104.º do Código Penal»
3. O recurso foi admitido, por despacho de 1 de Julho de 2024, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
4. O Ex.mo Magistrado do Ministério Público em primeira instância respondeu ao recurso interposto, propugnando pela confirmação do julgado. Extrai da motivação as seguintes conclusões: «Compulsadas as motivações de recurso apresentadas pelo recorrente, constata-se, que o requerimento de recurso que apresenta, o recorrente não refere as normas jurídicas que, em seu entender, foram violadas pela decisão recorrida quanto à matéria de facto. Em concreto, o recorrente expõe consistentemente as razões concretas da sua discordância na motivação do seu recurso, mas depois, não enunciou as especificações legais, pelo que o convite à correção não se justifica, porque para se obter a harmonização entre as conclusões, o corpo da motivação e a obrigação legal de especificação seria necessária uma reformulação substancial das motivações e das conclusões, o que significaria a concessão da possibilidade da dedução de um novo recurso, com novas conclusões e inovação da motivação, precludindo assim a peremptoriedade de prazo de apresentação do recurso. Donde, se a deficiência ou imperfeição se manifestar na motivação e nas conclusões – como, sem margem para dúvida, sucede no caso dos autos, já não poderá haver lugar ao convite ao aperfeiçoamento. Assim, pugnamos pela procedência da questão prévia, consequentemente deve ser em rejeitado o recurso interposto pelo recorrente quanto à matéria de facto impugnada, nos termos dos artigos 412.º n.º 1, 2, 3 e 6, 417.º n.º 6 b) e artigo 420.º, n.º 2 do Código do Processo Penal. O mesmo já não ocorre quanto à medida da pena em que o recorrente que no último paragrafo refere que o Tribunal a quo “não respeitou os critérios legais de graduação ínsitos no artigo 71 do Código Penal”. Quanto à prova cumpre dizer que a prova feita em Tribunal foi devidamente ponderada pelo Tribunal recorrido, que aplicou corretamente ao caso a lei aplicável, e encontrou o sancionamento devido, termos em que nenhuma censura merece o douto acórdão. A recorrente não tem razão, pois o acórdão impugnado não merece qualquer censura, pois que não enferma de omissões, nulidades ou vícios. A decisão recorrida mostra-se lógica, conforme às regras de experiência comum e é fruto de uma adequada apreciação da prova, segundo o princípio consagrado no artigo 127.º do Código do Processo Penal. O acórdão refere claramente os meios de prova que serviram para o tribunal formar a sua convicção, garantindo que nele se seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, não omitindo a fundamentação no sentido da valoração das provas e da razão lógica da condenação do recorrente, não constituindo, portanto, uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou materialmente violadora das regras da experiência comum. O recorrente limita-se a expor o seu julgamento dos factos, divergente daquele que foi feito pelo Tribunal, e tendo, como se verificou, este formado a sua convicção com provas não proibidas por lei, prevalece a convicção do tribunal sobre aquela que formulou o recorrente. Ao contrário do que defende o recorrente o Tribunal não fez um juízo critico valorativo atentatório dos essenciais princípios da justiça, da legalidade, da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade, da proporcionalidade e do espírito ressocializador ínsito à matriz do nosso estado de direito democrático e às finalidades das penas - “Fins das penas”. Na verdade, o douto acórdão recorrido como já referimos, não merece qualquer censura porque fez correta aplicação do direito à matéria de facto provada, nem violou qualquer disposição legal, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos. A livre apreciação que, se por um lado se afasta de um sistema de prova legal (baseada em regras legais predeterminantes do seu valor), por outro, não admite também uma apreciação fundada apenas na convicção íntima e subjetiva do julgador. Ao contrário do pretende defender o recorrente a livre apreciação da prova significa que o tribunal está vinculado ao dever de perseguir a verdade material do caso concreto que é trazido à sua apreciação, de tal modo que esta, embora livre, há de ser motivada e controlável, quer pelos destinatários da decisão quer pelas instâncias de recurso. Por isso se exige a explicitação do percurso lógico do julgador na decisão sobre a matéria de facto, que está na génese da sua convicção. A consequência deste sistema reflete-se, desde logo, na possibilidade de o tribunal formar a sua convicção na base do depoimento de uma testemunha, em desfavor do testemunho contrário, e fundar a convicção no depoimento de um mero declarante em desfavor de prova testemunhal, esta, em abstrato, com maior dignidade probatória. No caso concreto consideraram-se também as máximas indiciárias fazendo-se relevar o tipo de testemunhos prestados que, juntamente com os pontos cristalizados do lastro de coincidência, destacando as declarações do recorrente que confirmou parcialmente os factos mas apesentando um discurso altivo e desculpabilizante, e com alto grau indiciário de probabilidade ou de verosimilhança, deram ao tribunal, na sua compreensão global, para além de toda a dúvida razoável, a verdade material da parcela dos factos dados como provados e não provados em julgamento … fazendo-se, ainda, apelo à realidade das coisas, à mundividência dos homens e regras de experiência que resultam do viver em sociedade. Aqui chegados, há que referir, que nenhum vício foi levantado no que toca à prova apresentada na acusação, toda produzida em audiência, e nenhum lhe foi encontrado de forma oficiosa, pelo que toda ela será tida em conta na análise crítica a fazer no momento próprio. No caso concreto, o recorrente nem sequer indicou especificadamente os pontos de que discorda, nem que outras provas poderiam impor decisão diversa, apenas manifesta a sua discordância em relação à valoração da prova feita pelo tribunal recorrido, afirmando que só os depoimentos dos das testemunhas da acusação são insuficientes, mas não justifica porquê. Contudo, no presente caso, o Recorrente, fazendo no corpo da motivação as especificações previstas no artigo 412.º, n.º 3 do Código do Processo Penal, o que fez, realmente, foi uma interpretação alternativa da prova produzida em audiência, o que sendo compreensível, não é relevante como impugnação da matéria de facto, porque, por um lado, isso corresponderia à reapreciação global da prova produzida, o que, como vimos, não é admissível em sede de recurso, e, por outro ainda, porque corresponde à mera contraposição das suas convicções à do tribunal recorrido. Ainda que assim não fosse, o tribunal, na fundamentação da matéria de facto explicou, com clareza e detalhadamente, o caminho lógico que percorreu para dar como provada aquela matéria e esse caminho foi razoável e corresponde a uma das soluções plausíveis (diremos mesmo, a mais plausível), segundo as regras da experiência. Deve, pois, improceder o recurso. Também não vislumbramos na decisão recorrida qualquer dos vícios previstos no artigo 410., n.º 2 do Código do Processo Penal, que são de conhecimento oficioso e têm que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum. Da sua análise podemos concluir que nele se seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova. No caso concreto, não aquilatamos a existência de erro quanto à matéria de facto, quer em termos impugnação ampla, quer restrita, sem que se tivesse vislumbrado qualquer irregularidade relevante. Neste caso específico, nem sequer estamos perante uma verdadeira impugnação da matéria de facto, pois o recorrente não cumpriu nenhum dos pressupostos exigidos pelo disposto no artigo 412.º nº 3 do Código do Processo Penal. O recurso deve improceder quanto à impugnação da matéria de facto. E, tendo, como se verificou, formado a sua convicção com provas não proibidas por lei e seguindo todo um processo lógico e de acordo com as regras da experiência comum, prevalece a convicção do tribunal sobre aquela que formula o Recorrente. Por todo o exposto, o douto acórdão recorrido não merece qualquer censura porque fez correta aplicação do direito à matéria de facto provada, nem violou qualquer disposição legal, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos. Em concreto, o tribunal recorrido fixou a matéria de facto, no estrito cumprimento do artigo 374.º, n.º 2 do Código do Processo Penal, ao contrário do que defende o recorrente. Portanto, a determinação da pena concreta foi feita dentro destes limites legais. A pena concreta não ultrapassou a medida da culpa, e atendeu às exigências da prevenção geral e especial. Perante este quadro a pretensão do arguido/recorrente no sentido da redução de pena não deve proceder, não devendo ser alterada, já que se situa junto ao limite mínimo da pena, muito aquém do seu meio, e longínqua do limite máximo. Assim, no caso concreto, atendendo a toda a factualidade, entendemos que não se verificam circunstâncias suscetíveis de mitigar a responsabilidade da arguida, concluindo que a pena aplicada é justa e adequada, sendo de manter, não violou quaisquer preceitos legais. No caso vertente a factualidade sob colação revela-se particularmente censurável, visto que a conduta do arguido denotou total, absoluto e reiterado desrespeito pelas normas penais vigentes, bem como os crimes em causa se revestem de incisiva gravidade e é profundamente atentatório dos bens jurídicos fundamentais de índole pessoal, contra agentes de autoridade devidamente uniformizados, no exercício das suas funções. Por fim sempre se dirá que, no caso “sub judice”, a simples censura do facto e a ameaça da prisão, subjacentes à suspensão de execução da pena, não atingem, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição. Portanto, a prognose feita no caso do arguido destes autos, só poderia ser negativa. Pelo exposto consideramos que a pena de 4 anos e 10 meses de prisão efetiva ao arguido é justa, adequada e necessária aos crimes cometidos e à personalidade evidenciada por aquele, pelo que o Tribunal a quo, ao aplicar tal pena, não violou o disposto nos artigos 40.º, 70.º e 71.º e 77.º, todos do Código Penal, embora o recorrente não alegue, como consequência, o recurso não merece provimento»
5. Nesta instância, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, louvada na resposta, é de parecer que o recurso deve ser julgado improcedente.
6. Cumprido o artigo 417.º, n.º 2 do C.P.P., não houve resposta.
7. Efectuado o exame preliminar, foram colhidos os vistos e realizada a conferência, cumprindo, agora, decidir.
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II. DAS QUESTÕES PRÉVIAS 1. Da propugnada rejeição do recurso quanto à matéria de facto
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público, na resposta ao recurso interposto, invoca que: «o recorrente não refere as normas jurídicas que, em seu entender, foram violadas pela decisão recorrida quanto à matéria de facto» concluindo adrede que «consequentemente deve ser em rejeitado o recurso interposto pelo recorrente quanto à matéria de facto impugnada, nos termos dos artigos 412.º n.º 1, 2, 3 e 6, 417.º n.º 6 b) e artigo 420.º, n.º 2 do Código do Processo Penal»
Todavia, manifestamente, não lhe assiste razão.
Com efeito, a obrigatoriedade de indicação das normas jurídicas nas conclusões recursivas, conforme resulta expressamente do disposto no art. 412º, n.º 2, al. a) do C.P.P. reporta-se, somente, ao recurso na parte em que versa sobre matéria de direito1
Improcede, pois, a invocada causa de rejeição do recurso quanto à matéria de facto. 2. Da rejeição parcial do recurso e da intempestividade do documento junto com o recurso
Como resulta da motivação e das conclusões, o recorrente pretende, para o que agora releva, que o Tribunal ad quem, subsidiariamente, a manter-se a pena aplicada na primeira instância, com base no relatório psiquiátrico que juntou inovatoriamente (nesta sede recursiva) determine o internamento do recorrente ao abrigo do art. 104º do C.P.
Todavia, como resulta do acórdão revidendo e do compulso dos autos, a questão ora suscitada não foi em algum momento colocada nem decidida no tribunal de primeira instância.
«No nosso sistema, o objeto do recurso ordinário é o reexame da decisão recorrida, das questões julgadas na decisão recorrida ou que o tribunal ad quem deveria, por imposição normativa, ter conhecido e decidido, constituindo apenas um remédio processual que permite a reapreciação, em outra instância, de decisões sobre matérias e questões já submetidas e objeto de decisão do tribunal de que se recorre. No julgamento do recurso não se decide, com rigor, uma causa, mas apenas questões específicas e delimitadas, que tenham já sido objeto de decisão anterior pelo tribunal a quo. Sendo que as conclusões da motivação delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento oficioso das questões que o tribunal ad quem possa conhecer.
É enfatizado pela doutrina e está estabilizado na jurisprudência deste Supremo Tribunal que “os recursos destinam-se ao reexame das questões submetidas ao julgamento do tribunal recorrido. O tribunal de recurso aprecia e conhece de questões já conhecidas pelo tribunal recorrido e não de questões que antes não tenham sido submetidas à apreciação deste tribunal – o tribunal de recurso reaprecia o concretamente já decidido, não profere decisões novas”.
(…) Acresce que a suscitação pelo recorrente, de uma questão nova, que ocultou ao tribunal recorrido, afronta o princípio da lealdade processual que, como temos sustentado, deve ser observado por todos os sujeitos processuais.
Conforme se realça no AUJ n.º 2/2011 deste Supremo Tribunal, “a ideia do procedimento justo expresso, processualmente, no princípio da lealdade, deve compreender-se como uma exigência concreta da optimização de valores constitucionais. Nesse plano assumem uma inegável relevância valores como a dignidade humana, que tem inscrita a protecção do princípio de confiança recíproca na actuação processual, que deve pautar a conduta de todos os intervenientes processuais (qualquer que seja o plano em que se movimentem), e o princípio de igualdade de armas (este em determinadas fases processuais). Na verdade, nenhum argumento, ou princípio, poderá ser mobilizado para provocar a erosão do pressuposto fundamental que se consubstancia na exigência de que todos os actores do processo penal tenham a sua actuação procedimental pautada pela finalidade última que é a de realização da justiça, e de procura da verdade material. Este objectivo teleológico não se compadece com a realização processual que visa a utilização estratégica do processo como instrumento acrítico e neutro, procurando outras finalidades laterais e, até, em clara oposição com aquela realização e procura. Do juiz até ao mais anódino interveniente todos são construtores de um processo justo, necessariamente orientado, de forma linear e objectiva, para a procura da verdade. Tal princípio, e pressuposto, não admite inscrever no seu perfil a admissibilidade de condutas processuais orientadas para a instrumentalização do processo penal, colocando-o ao serviço de finalidades que visam o seu entorpecimento, quando não a negação dos seus princípios orientadores”.
Permitir que um sujeito processual venha, em recurso, suscitar, questões novas, questões que não expôs e não defendeu perante o tribunal recorrido, ofenderia irremediavelmente o princípio da lealdade processual com que sempre deve agir, mesmo que no exercício do mais amplo direito de defesa»2
Acresce, em concomitância, a evidência de que o documento, em que assenta tal petitório, apenas veio a ser apresentado aquando da interposição do recurso, ou seja, em total desrespeito ao preceituado no art. 165º, n.º 1 do C.P.P. «Do inciso normativo citado decorre que a regra geral é que os documentos sejam juntos durante o inquérito ou a instrução, consoante a fase processual em que o processo se encontre. Excepcionalmente, os documentos poderão ser juntos aos autos até ao encerramento da audiência. Ocorrendo o encerramento da audiência, de acordo com o que se dispõe no n.º 2, do art.º 361.º, do Cód. Proc. Pen. Nesta situação, a predita junção terá de ser justificada e pode vir a ser pecuniariamente sancionada. Tudo, sem prejuízo de que o Tribunal deitando mão do mecanismo ínsito no art.º 340.º, do Cód. Proc. Pen., venha ordenar oficiosamente a sua junção. Para lá deste período temporal, a lei processual penal permite que possa ter lugar essa junção, mas nas contadas situações previstas nos arts. 369.º, n. º2 e 371.º, do Cód. Proc. Pen. Ou seja, quando seja necessária prova suplementar para que se venha determinar a espécie e medida da sanção a aplicar. Os documentos juntos aos autos pelo aqui recorrente foram-no após o encerramento da audiência de julgamento e já em sede recursiva. Não sendo de fazer apelo ao disposto nos arts. 369.º, n. º2 e 371.º, do Cód. Proc. Pen., não vemos modo de aos preditos documentos atender e fazer incidir o seu conteúdo ao nível do decidido»3
No mesmo sentido, o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 27 de Outubro de 2010, processo n.º 72/06.4GACBT.G1.S1, in www.dgsi.pt., consignou que: «A jurisprudência dominante considera que os documentos se destinam a fazer prova de factos e dado que para a formação da convicção probatória só relevam as provas que forem produzidas ou examinadas em audiência (cf. art. 355.º, n.º 1, do CPP), os documentos apresentados depois deste limite temporal não podem estar a coberto daquele normativo processual expressivo do princípio fundamental da imediação (cf. Acs. do STJ de 25-03-2004, Proc. n.º 463/04 - 5.ª, e de 20-02-2008, Proc. n.º 4838/08 - 3.ª).
IV -Também se tem considerado que o tribunal superior não pode, em recurso, conhecer de questão nova não conhecida na decisão recorrida, com base em documento junto posteriormente, uma vez que os recursos se destinam exclusivamente ao reexame das questões decididas na decisão recorrida (cf. Acs. do STJ de 11-04-2002, Proc. n.º 1073/02 - 5.ª, e de 21-02-2006, Proc. n.º 260/06 - 5.ª).
V - No caso, o documento foi junto com a motivação do recurso para a Relação, portanto manifestamente fora do momento temporal (encerramento da audiência de julgamento) em que a lei permite a sua apresentação»4
«(…) o critério normativo retirado do artigo 165.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, no sentido da intempestividade da junção de documentos supervenientes em sede de recurso para o Tribunal da Relação, foi tido como constitucionalmente conforme pelo Tribunal Constitucional, nos Acórdãos n.ºs 392/2003, 397/2006 e 90/2013. Sancionou-se, assim, a opção legislativa que configura o recurso para a Relação como instrumento de reapreciação do julgamento da 1.ª instância e das provas aí produzidas. A ponto de elementos probatórios supervenientes não poderem contribuir para aquele escrutínio. Tudo no pressuposto de que o sistema dispõe da «válvula de segurança» do recurso extraordinário de revisão, previsto no artigo 449.º do Código de Processo Penal, a franquear a porta a nova prova, conquanto dela se possam extrair “graves dúvidas sobre a justiça da condenação»5
Assim sendo, como estamos convictos que é, ao abrigo do disposto nos art. 420º, n.º 1, al. b) e 414º, n.º 2 do C.P.P., outra solução não resta senão a de, por inadmissibilidade, rejeitar parcialmente o recurso, na parte em que, subsidiariamente, é peticionado o internamento do recorrente ao abrigo do art. 104º do C.P. 3. Do manifesto erro no dispositivo a reclamar correcção nos termos do art. 380º do C.P.P.
Do dispositivo acima transcrito resulta que o Tribunal Colectivo a quo, para o que ora releva, decidiu: «g) Condenar AA pela prática de quatro6crimes de ameaça agravada, previstos e punidos pelos artigos 153º e 155º, nº1, alínea c) do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão cada»
Todavia, como resulta da fundamentação de facto e de direito e também da al. b) do dispositivo do acórdão revidendo, estando o recorrente acusado de 4 (quatro) crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos art. 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, al. a) e c) do C.P., os Srs. Juízes e a Sra. Juíza concluíram pela absolvição do recorrente relativamente ao crime de ameaça em que era visado o agente da PSP CC.
Ademais, decorre inequivocamente do trecho atinente à determinação das penas, mais adiante integralmente transcrito7, que o recorrente foi condenado (apenas) pela prática de 3 (três) crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos art. 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, al. a) e c) do C.P.
Tratando-se de manifesto lapso, ao abrigo do disposto no art. 380º, n.º 1, al. b) e 2 do C.P.P., procede-se à rectificação da al. g) do dispositivo, determinando-se que fique da mesma a constar 3 (três) crimes de ameaça agravada, previstos e punidos pelos artigos 153º e 155º, nº1, alínea c) do Código Penal, ao invés de 4 (quatro).
III - FUNDAMENTAÇÃO
1. Delimitação do objeto do recurso
Atento o teor das conclusões da motivação do recurso, importa fazer exame das questões (alinhadas segundo um critério de lógica e cronologia) atinentes aos invocados erros do Colectivo a quo no julgamento da matéria de facto e na matéria de direito, este relativamente à medida da pena única e à (não) suspensão da execução da pena.
2. A decisão levada, na instância, sobre a matéria de facto é do seguinte teor:
1. «No dia 3 de novembro de 2023, pelas 21h15, o arguido conduzia o veículo automóvel com a marca Opel e a matrícula ..-CL-.., na Rotunda de Belém, Ponta Delgada.
2. O arguido foi interveniente em acidente de viação, e abandonou a viatura na Rua Praia dos Santos, Ponta Delgada, seguindo apeado.
3. Poucos momentos após, já na 1.ª Rua Terreiro, São Roque, Ponta Delgada, o arguido foi abordado pelo agente da PSP ofendido CC, o qual se encontrava devidamente uniformizado e em exercício de funções, que o questionou se tinha tido um acidente de viação e abandonado a viatura, ao que o arguido lhe respondeu: “sim fui eu, eu faço o que quiser porque o carro é meu!”.
4. Quando confrontado acerca do motivo pelo qual abandonou a viatura, o arguido desferiu um empurrão no agente da PSP ofendido CC, na zona do peito, ao mesmo tempo em que lhe dirigiu a expressão: “vai para o caralho!”.
5. Quando alertado pelo agente da PSP ofendido BB, o qual se encontrava devidamente uniformizado e em exercício de funções, para adequar o seu comportamento, o arguido recusou-se a fazê-lo, e dirigiu-lhe a expressão: “achas que tenho medo de ti, filho da puta?!, és um novato do caralho!”.
6. De seguida, o arguido aproximou-se do agente da PSP ofendido BB e desferiu-lhe uma cabeçada no rosto, atingindo-o na face esquerda e no nariz, e arranhou-lhe o pescoço.
7. Foi ordenado ao arguido pelo agente da PSP ofendido BB, que efetuasse o teste de alcoolemia, tendo o arguido se recusado a fazê-lo.
8. Tendo sido advertido que caso não realizasse o teste de álcool no sangue o arguido incorreria na prática de um crime de desobediência, o arguido recusou-se a cumprir tal ordem.
9. Poucos momentos após, quando o arguido já se encontrava algemado e no interior da viatura policial, o arguido procurou desferir pontapés nos agentes da PSP ofendidos DD e EE, os quais se encontravam devidamente uniformizados e em exercício de funções, não o tendo conseguido porque estes se foram desviando.
10. Já no interior da esquadra da PSP de Ponta Delgada, o arguido dirigiu aos agentes da PSP BB, DD e EE as expressões: “já matei, vou matar outra vez!”, enquanto lhes apontava o dedo.
11. O agente da PSP ofendido BB sofreu, para além de dores, uma equimose infracentimétrica no dorso do nariz, duas escoriações lineares na base do pescoço à direita, uma de 2 cm e uma outra de 1cm mais ou menos no mesmo plano, duas equimoses anelares infracentimétricas na face interna do braço esquerdo, no seu terço médio, lesões que determinaram para se curar um período de 7 dias, sem afetação das capacidades de trabalho geral ou profissional.
12. O agente da PSP ofendido CC sofreu dores na região atingida.
13. O arguido quis molestar o corpo e a saúde do agente da PSP BB, sabendo que o mesmo era agente da PSP, e se encontrava devidamente identificado e em exercício de funções, o que conseguiu.
14. O arguido quis, ao proferir as expressões referidas, atingir o agente da PSP ofendido BB nas respetivas honorabilidade e consideração, tanto pessoais como profissionais, sabendo que o mesmo era agente da PSP e se encontrava em exercício de funções, o que conseguiu.
15. Ao agir como descrito, quis o arguido furtar-se ao cumprimento de uma ordem legítima emanada de autoridade, com previsão legal, o que conseguiu.
16. O arguido quis molestar o corpo e a saúde dos agentes da PSP ofendidos DD e EE, sabendo que os mesmos eram agentes da PSP, e se encontravam devidamente identificados e em exercício de funções, o que apenas não conseguiu por razões alheias à sua vontade.
17. O arguido quis, ao proferir tais expressões, e ao ter apontado na direção dos agentes da PSP ofendidos CC, BB e DD, que estes sentissem receio pelas suas vidas, bem sabendo que tais palavras eram idóneas a provocar-lhes medo e inquietação, o que conseguiu.
18. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei, e tinha a liberdade necessária para se determinar segundo essa avaliação. * Das condições socioeconómicas do arguido:
19. À data da alegada prática dos factos e à semelhança do que acontece no presente, AA residia em quarto arrendado, em Ponta Delgada, contudo, para efeito de notificação, identifica a morada que consta nos presentes autos e que corresponde à residência de GG, ex-companheira do arguido.
20. AA, natural do Funchal, Arquipélago da Madeira, viveu sempre com o agregado da mãe, que fixou residência em território continental (Santarém), quando o arguido contava com oito anos e onde se manteve até aos vinte e seis anos, altura em que veio viver para S. Miguel. Essa mudança aconteceu, depois de ter iniciado, por via das redes sociais, um relacionamento de namoro com GG (divorciada e laboralmente ativa), com quem passou a viver maritalmente, em 2015, altura em que se fixou em S. Miguel.
21. O casal vivia em propriedade de familiares da companheira. Ainda que descreva a relação com GG como estável, refere ter-se separado após alguns anos de vida marital, vindo, entretanto, a estabelecer um relacionamento com outra pessoa, de quem também se separou, ainda que refira manter um relacionamento cordial com ambas, as quais são identificadas como o seu principal suporte nesta Ilha, uma vez que afirma serem elas quem asseguram os seus encargos, quando se encontra desempregado, o que acontece desde o passado mês de outubro.
22. Para além das necessidades básicas, o arguido refere ainda o encargo habitacional, no valor mensal de 300 euros, que é assegurada até ao momento pelas ex-namoradas.
23. AA, é oriundo de um agregado de condição socioeconómica humilde que recorda o seu processo de socialização como tendo sido marcado por um contexto de instabilidade familiar, e ausência de um modelo de autoridade contentor e normativo, que em contexto escolar, registou acentuados problemas de absentismo e sucessivas reprovações, tendo somente concluído o 6º ano de escolaridade aos dezasseis anos de idade.
24. Em termos laborais, iniciou atividade laboral com dezassete anos, ao longo da vida refere várias experiências laborais, contudo, nunca conseguiu consolidar qualquer vínculo laboral, enfrentando vários períodos de desemprego e desocupação, os quais promoveram a proximidade a grupos de pares com comportamentos desviantes.
25. Desde que se encontra nesta Ilha, foi tendo várias experiências laborais, as quais ligadas ao setor comercial. Há cerca de seis anos, AA refere ter conseguido vínculo laboral na Empresa..., exercendo a atividade de distribuidor de gás, contudo, no final do ano de 2021 despediu se, no entender do próprio, por falta de condições de trabalho e por dificuldades inerentes ao próprio, quer de saúde (depressão e crises de ansiedade) quer de relacionamento interpessoal (com colegas e responsáveis).
26. Desde então, e ainda que mantenha uma postura proactiva, tem tido, nos últimos anos, várias experiências laborais no setor da construção civil e de venda a retalho, e mais recentemente no setor da restauração. Encontrando-se desempregado há cerca de seis meses, refere que, após desfecho do presente processo judicial, pretende regressar a casa da progenitora, que continua a residir em território continental, e onde dispõe de colocação laboral no setor da construção civil.
27. A nível aditivo, iniciou o consumo das novas substâncias sintéticas há cerca de quatro anos, reconhecendo que esse comportamento aditivo tem tido repercussões na dimensão laboral nos últimos anos. Perante a sua condição jurídico-penal à ordem do Proc.1887/18.6PBPDL, a 17/10/2022 foi internado na Clínica ... para realizar tratamento, em regime de internamento, contudo, sem sucesso, uma vez que abandonou a instituição terapêutica alguns dias mais tarde. Desde então, tem beneficiado da intervenção terapêutica, em regime ambulatório, encontrando-se desde meados do ano passado sujeito à intervenção da ..., a qual centrava numa intervenção psicológica e controlo toxicológico, vindo o seu percurso a ser pautado por períodos de abstinência intercalado com outros de recaída.
28. Atualmente, o arguido encontra-se sujeito ao acompanhamento da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais à ordem do Proc.1887/18.6PBPDL, no qual está condenado, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução, com regime de prova. Ao longo da medida probatória, AA tem aderindo à intervenção delineada, ainda que as suas atuais circunstâncias de vida (desemprego e isolamento social) estejam a ter algumas repercussões ao nível da sua reabilitação aditiva, uma vez que o arguido tendo a refugiar-se nos consumos.
29. Já foi julgado e condenado:
a. por sentença transitada em julgado em 26/08/2008, por factos ocorridos em 18/07/2008, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de €6,00, o que perfaz a quantia de €480,00;
b. Por acórdão transitado em julgado em 08 de janeiro de 2009, pela prática de um crime de roubo, por factos ocorridos em 03/03/2007, na pena de sete meses e 15 dias de prisão, suspensa pelo período de um ano;
c. Por sentença transitada em julgado em 12 de março de 2009, por factos ocorridos em 17 de julho de 2008, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de €5,00;
d. Por sentença transitada em julgado em 21/09/2012, o arguido foi condenado, por factos ocorridos em 10/03/2010, pela prática de um crime de coação, na pena de 18 meses de prisão, suspensa por igual período de tempo;
e. Por sentença transitada em julgado em 13/04/2015, o arguido foi condenado, por factos ocorridos em 03/11/2007, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de dois anos de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo;
f. Por sentença transitada em julgado em 13/04/2015, o arguido foi condenado, pela prática em 13/02/2012, de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de cinco meses de prisão, substituída por 150 dias de multa, à taxa diária de €5,00;
g. Por sentença transitada em julgado em 20/11/2015, o arguido foi condenado, por sentença transitada em julgado em 03/05/2011, pela prática de um crime de falsas declarações, na pena de sete meses de prisão, suspensa pelo período de um ano.
h. Por sentença transitada em julgado em 15/09/2016, o arguido foi condenado, pela prática em 03/04/2007, de um crime de roubo, na pena de um ano e seis meses de prisão, suspensa por igual período de tempo, com sujeição a deveres;
i. Por sentença transitada em julgado a 31/05/2022, o arguido foi condenado, pela prática em 28/10/2018, de um crime de furto qualificado, na pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa por igual período de tempo, com regime de prova. *
2. Factos Não Provados Com interesse para a boa decisão da causa, não se provou que
j. O agente CC estava presente na situação referida em 10.
k. O arguido quis molestar o corpo e a saúde do agente CC. *
3. Motivação O Tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade provada e não provada com base na análise crítica e ponderada de todos os meios de prova produzidos na audiência de discussão e julgamento, valorados na sua globalidade à luz das regras de experiência comum (artigo 127º do Código de Processo Penal). Foram assim valoradas as declarações prestadas pelo próprio arguido, conjugadas com os depoimentos dos agentes BB, DD e EE e ainda por FF (que chamou a polícia ao local da ocorrência). Quanto à prova documental o Tribunal teve em consideração o auto de notícia (fls. 36), as fotografias (fls. 12-16), a participação de acidente (fls. 19) e a pesquisa do registo automóvel (fls. 60). Mais se atendeu ao exame pericial de fls. 44-46 (médico-legal). Concretizando, o arguido confessou parcialmente os factos, mas, num discurso marcadamente altivo, explicou que tinha ingerido uma grande quantidade de álcool na noite anterior ao acidente, mas, como dormiu a tarde toda, julgou-se em condições de ir conduzir, sendo que crê ter adormecido durante o embate do veículo, já que não se lembra da ocorrência. Contudo, disse igualmente que quis sair do local do acidente para não ser acusado “de um crime maior” do que o que podia ser acusado caso se fosse embora do local. Mais negou ter agredido qualquer um dos agentes, sendo que, ao invés, foi ele o agredido pelos policias e confirmou ter consciência de que, ao recusar fazer o teste de alcoolemia, estava a cometer um crime de desobediência. Assim, e atenta a forma como foi tratado, proferiu as expressões “vai para o caralho”, “novato”, “filho da puta”, admitindo ainda como possível que tenha dito “já matei, vou matar outra vez”. Todavia, fez questão de enfatizar que agiu dessa forma porque sofre de ansiedade e os agentes não o souberem abordar. Já o agente BB, num discurso escorreito e objetivo, explicou-nos que o seu colega CC tentou abordar o arguido, mas, tendo aquele empurrado o seu colega, resolveu intervir para o acalmar, tendo sido recebido com diversos insultos e, logo, de seguida, o arguido desferiu contra si uma cabeçada (lesões essas documentadas fotograficamente e descritas no relatório pericial). Assim, e tendo pedido apoio à esquadra de Ponta Delgada, chegaram os seus colegas DD e EE, os quais nos explicaram que o arguido os tentou pontapear por diversas vezes aquando da mudança de viatura, motivo pelo qual tiveram de pedir ao agente BB que os ajudasse no transporte até à esquadra, tendo o agente CC ficado junto da viatura acidentada. Mais confirmaram que na esquadra o arguido disse aos três que os ia matar, tendo o agente EE, confirmado, de uma forma espontânea, de que o arguido, na esquadra, chegou a lhe apontar o dedo. As declarações dos agentes foram ainda corroboradas por FF, o qual chamou a polícia por ter verificado o carro do arguido parado no meio da via, sendo que foi este que disse aos agentes a direção para onde aquele tenha ido. Tendo os agentes trazido o arguido para junto da viatura, a testemunha descreveu-nos o grande de estado de exaltação daquele, chamando “filhos da puta” e “caralhos” aos agentes, tendo dito, de forma clara, que os agentes bem o procurar acalmar e segurar, mas ficou impressionado com o facto daquele em nada querer obedecer, tendo ainda testemunhado os pontapés que aquele desferiu. No que concerne ao elemento subjetivo, sempre se diga que estando demonstrado que o arguido atuou do modo descrito, valorou igualmente o Tribunal as regras da normalidade e da experiência comum, conjugadamente com todos os meios de prova produzidos, ficando assim convencido que o arguido, enquanto “Homem médio” (nenhuma prova foi feita no sentido de que o mesmo não se insere nesta categoria de homens), sabe perfeitamente que não pode agredir nem ameaçar outras pessoas e nem agentes que estão no exercício das suas funções, sendo que fazendo-o está a praticar um crime. E sabendo disso o Homem médio, disso sabe o arguido. Por conseguinte, se o Homem médio decide, sabendo do exposto, atuar do modo descrito, fá-lo porque quer, o que ocorreu também com o arguido, que não demonstrou não estar incluído na categoria da generalidade dos homens. Acresce que em situações como a dos autos, dizem-nos as regras da experiência comum e da normalidade, que o agente age de forma livre, voluntária e consciente, sendo certo que nenhuma prova se fez no sentido de que o arguido não agiu, nos termos descritos, livre, deliberada e voluntariamente. Os factos não provados resultam do depoimento do agente BB (que refere que o arguido se limitou a empurrar o seu colega) e dos agentes DD e EE (que referiram que o agente CC não se encontrava no local quando o arguido disse que os ia matar). Quanto à situação pessoal e económica do arguido o Tribunal relevou o relatório social e analisou-se ainda o respetivo certificado de registo criminal»
3. Do manifesto lapso/erro na materialidade dada por assente a reclamar correcção nos termos do art. 380º do C.P.P.
Conforme resulta da fundamentação acima transcrita, o Tribunal Colectivo a quo, para o que ora releva:
i. Deu em simultâneo como assente que «10. Já no interior da esquadra da PSP de Ponta Delgada, o arguido dirigiu aos agentes da PSP BB, DD e EE8as expressões: “já matei, vou matar outra vez!”, enquanto lhes apontava o dedo; 17. O arguido quis, ao proferir tais expressões, e ao ter apontado na direção dos agentes da PSP ofendidos CC9, BB e DD, que estes sentissem receio pelas suas vidas bem sabendo que tais palavras eram idóneas a provocar-lhes medo e inquietação, o que conseguiu»;
ii. Considerou não provado que o agente CC estava presente na situação referida no ponto 10. «Factos Não Provados Com interesse para a boa decisão da causa, não se provou que O agente CC estava presente na situação referida em 10»
iii. Concluiu, na motivação e no dispositivo, pela absolvição do recorrente relativamente ao crime de ameaça que lhe fora imputado quanto ao ofendido CC «Os factos não provados resultam do depoimento do agente BB (que refere que o arguido se limitou a empurrar o seu colega) e dos agentes DD e EE (que referiram que o agente CC não se encontrava no local quando o arguido disse que os ia matar)» «Absolver AA da prática de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153º, nº1 e 155º, nº1, alínea a) e c) do Código Penal»
Tais circunstâncias poderiam, em tese, reconduzirem-se ao vício da contradição insanável da fundamentação, previsto no art. 410.º, n.º 2, alínea b), do C.P.P.
Na verdade, «(…) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão consiste, basicamente, numa oposição na matéria de facto provada [v.g., dão-se como provados dois ou mais que dois factos que estão entre si, em oposição sendo, por isso, logicamente incompatíveis], numa oposição entre a matéria de facto provada e a matéria de facto não provada [v.g., dá-se como provado e como não provado o mesmo facto], numa incoerência da fundamentação probatória da matéria de facto [v.g., quando se dá como provado um determinado facto e da motivação da convicção resulta, face à valoração probatória e ao raciocínio dedutivo exposto, que seria outra a decisão de facto correcta], ou ainda quando existe oposição entre a fundamentação e a decisão [v.g., quando a fundamentação de facto e de direito apontam para uma determinada decisão final, e no dispositivo da sentença consta decisão de sentido inverso]»10
Todavia, como refere Francisco Mota Ribeiro, Processo e Decisão Penal Textos, CEJ, 2019, p. 48 «Por vezes a contradição é aparente, ou devida a lapso ou erro manifesto. A sua correção será então possível, ao abrigo do disposto no artigo 380.º, n.º 1, al. b), do CPP».
Com efeito, anteriormente à vigência do Código Civil de 1966 tanto a doutrina como a jurisprudência consideravam que o artigo 665º do Código Civil de 1867, na medida em que permitia a rectificação do erro de escrita na declaração negocial, sem atribuir outras consequências além dessa rectificação, continha um princípio geral de direito, já que teria aplicação em todos os casos em que a expressão material externa não correspondesse, por lapso, ao pensamento do declarante. A única exigência, era a de que o erro fosse manifesto.
Quando o erro material ou de escrita se verificasse em decisões, autos judiciais ou nos articulados era unânime que a rectificação se pudesse fazer a todo o tempo.
Com a entrada em vigor do Código Civil de 1966, o entendimento que era pacífico face ao disposto no artigo 665º do Código de Seabra, passa a ser feito a partir do referido no artigo 249º.
Dispõe este artigo que «O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta».
A doutrina e a jurisprudência têm entendido que o artigo 249º do Código Civil, enuncia um princípio geral, aplicável em todos os casos em que a declaração de vontade contenha um lapso ostensivo que há-de resultar do próprio contexto da declaração, ou advir das circunstâncias que a acompanham, podendo, por isso, aperceber-se deles o declaratário.
O princípio contido no artigo 249º do Código Civil, será, assim, aplicável a todos os actos judiciais ou das partes.
Por outro lado, atento o disposto no artigo 380º do C.P.P., é possível ao Tribunal de recurso rectificar erros materiais.
Enquadrada assim a questão, estando manifestamente em crise um lapso de escrita a reclamar mera rectificação, determina-se que no ponto 17º da factualidade dada como provada o segmento CC seja substituído por EE.
4. Do recurso interposto
4.1. Do invocado erro de julgamento quanto à matéria de facto
Neste conspecto, o recorrente aduz, em suma, nas conclusões recursivas, que: «1. O Recorrente entende que a prova produzida em sede de audiência de julgamento foi insuficiente para que resultassem provados os factos pelos quais o recorrente foi condenado. 2. Da prova produzida em sede de audiência de julgamento resulta claro que não existem testemunhas oculares da agressão descrita nos factos 1. a 6., pelo que ninguém conseguiu identificar o aqui Recorrente como o autor material dos mesmos. 3. É possível concluir que, o depoimento prestado pela testemunha BB em nada corrobora, nem sustenta, a tese da prática daqueles factos por parte do aqui Recorrente, pelo que nunca poderiam os mesmos terem sido dados como provados pelo Tribunal “a quo”, porquanto subsistiram dúvidas quanto à veracidade dos mesmos. 4. O que é possível corroborar pelos depoimentos daquelas testemunhas é que o Recorrente foi quem sofreu, de facto, uma agressão que o deixou ferido e com uma hemorragia no sobreolho, resultante das duas quedas e de ter batido com a cabeça no carro da PSP quando maniatado. 5. No que diz respeito à autoria daquele ilícito penal – de ofensa à integridade física agravada– não houve nenhuma testemunha que declarasse ter visto o aqui Recorrente próximo do Recorrido. 6. O ónus da prova recai sobre a acusação, que tem de provar que o arguido, aqui Recorrente, praticou efetivamente aqueles factos. Assim sendo, e não havendo prova suficiente capaz de sustentar que foi o arguido a praticá-los, terá, indubitavelmente, que vigorar e prevalecer o princípio “in dúbio pro reo”, constitucionalmente consagrado no artigo 32.º, n.º 2, 1.ª parte da Constituição da República Portuguesa. 7. Quer isto dizer que, a única base que sustenta a afirmação daqueles factos (descritos de 1 a 6) é o teor das declarações do ofendido. 8. Ou seja, não existem testemunhas oculares da agressão descrita naqueles factos, pelo que ninguém conseguiu identificar o aqui recorrente como o autor material dos mesmos. 9. Assim, concluiu-se que o depoimento prestado por estas testemunhas em nada corrobora, nem sustenta, a tese da prática daqueles factos por parte do aqui Recorrente, pelo que nunca poderiam os mesmos terem sido dados como provados pelo Tribunal “a quo”, porquanto subsistiram dúvidas quanto à veracidade dos mesmos. 10. Ora, o ónus da prova recai sobre a acusação, que tem de provar que o arguido, aqui recorrente, praticou efetivamente aqueles factos. Assim sendo, e não havendo prova suficiente capaz de sustentar que foi o arguido a praticá-los, terá, indubitavelmente, que vigorar e prevalecer o princípio “in dúbio pro reo”, constitucionalmente consagrado no artigo 32.º, n.º 2, 1.ª parte da Constituição da República Portuguesa. 11. Em concreto, e em sede de julgamento, não existiu prova suficiente para considerar provados os factos vertidos em 1. a., 6., 8., 9., 11., 13. e 18. pelo que a palavra do ofendido não basta para que resultem provados aqueles factos, não restando senão ao Tribunal “a quo” dá-los como não provados. 12. Facto é que, para além das declarações do ofendido, não houve nenhuma testemunha que corroborasse os factos vertidos nos pontos 1 a 6 pelo que não entende aqui o Recorrente como pôde o Tribunal “a quo”, salvo o devido respeito, dar como provados os mesmos, ignorando o princípio “in dúbio pro reo”. (…) 19. As testemunhas DD, EE e FF referiram apenas ter visto o recorrido já algemado, não tendo, sequer, presenciado os factos, o que só demonstra que existem e persistem dúvidas quanto à autoria dos mesmos. 20. Como tal, existindo dúvidas e não tendo resultado qualquer prova capaz de saná-las, não restava senão àquele Tribunal considerar aqueles factos como não provados, o que não sucedeu. 21. Ademais, o Tribunal “a quo” refere na sua douta Sentença que valorou como prova documental, entre outros, o auto de notícia, as fotografias, a participação do acidente e a pesquisa do registo automóvel. 22. Ora, a verdade é que, tal como valorou estes documentos, o Tribunal recorrido deveria também, salvo o devido respeito, ter valorado o relatório do exame pericial realizado à pessoa do agente BB, fls. 44-46. 23. Isto porque, tal relatório, pese embora conclua que “Os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano”, a verdade é que as informações prestadas foram apenas a do próprio BB, o que salvo devido respeito, nunca podem estabelecer o nexo causal entre a pessoa do agente, a ser o aqui recorrente, e o resultado na pessoa do agente BB. 24. O relatório pericial efetuado à pessoa do agente BB, permite concluir tão e somente que o mesmo apresenta as lesões e que, conforme os elementos disponibilizados por este, isto é, conforme o que por este foi dito, “Os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano.” 25. Desta feita, é impossível imputar tal nexo de causalidade à pessoa do agente, o ora aqui recorrente, uma vez que não se efetuaram quaisquer exames biológicos ou amostras de ADN, de forma a imputar tal conduta ao recorrente, até porque o próprio exame foi realizado no dia 9 de novembro de 2023, seis dias depois dos factos, prevendo ainda que o agente estaria recuperado no dia imediatamente a seguir, dia 10 de novembro de 2023: “A cura das lesões é fixável em 10/11/2023, tendo em conta: o tipo de lesões resultantes .” 26. Mais se acrescenta que, o facto de o recorrente não ter apresentado queixa contra os agentes da PSP sobre as “agressões” a que foi submetido, não invalidam o facto destas terem acontecido, já que todas as testemunhas, à exceção de FF dada a distancia a que se encontrava do local, podem atestar que vislumbraram o recorrente com sangue e um golpe acima do sobrolho, resultante de ter batido com a cabeça no chão por duas vezes, na sequência dos agentes o tentarem maniatar e ter batido com a cabeça já dentro da viatura da PSP. 27. Se assim o fosse, deveriam também terem sido valoradas pelo tribunal “a quo” as declarações do aqui recorrente, de forma a imputar aos agentes, as ofensas à integridade física sofridas na pessoa do recorrente, na sequência da abordagem dos mesmos, já que na qualidade de testemunhas, todos atestaram o ocorrido, corroborando a versão do recorrente e que este não pode deixar de reiterar. 28. Assim, não pode o aqui Recorrente concordar com a apreciação da prova feita pelos Meritíssimos Juízes do Tribunal “a quo”, persistindo mais uma vez a dúvida da prática das ofensas à integridade física agravada pelo Recorrente contra a pessoa do agente BB, pelo que deverão aqueles factos ser dados como não provados por insuficiência de prova produzida e, consequentemente, deverá o aqui Recorrente ser absolvido da prática do crime de ofensa à integridade física agravada pelo qual foi condenado, apelando-se, assim, à reapreciação da prova gravada»
E densificando, na motivação, invoca, em suma, que: «DOS FACTOS INDEVIDAMENTE DADOS COMO PROVADOS POR ESCASSEZ DE PROVA: DOS FACTOS OCORRIDOS NO DIA 3 DE NOVEMBRO de 2023, quanto à prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada: O Tribunal “a quo” refere ter formado a sua convicção com base na análise critica e ponderada de todos os meios de prova produzidos na audiência de discussão e julgamento, valorados à luz das regras da experiência comum e bem ainda, foram valoradas as declarações prestadas pelo próprio recorrente, conjugadas com os depoimentos dos agentes outrora ofendidos, BB, DD, EE e pela testemunha FF. Porém, foram dados como provados alguns factos que não colheram prova suficiente, conforme infra se demonstrará. Desde logo, no que concerne ao depoimento da testemunha BB, em sede de audiência de julgamento realizada no dia 23-05-2024, cuja faixa se encontra disponível no portal Citius, veja-se o que a mesma relata acerca dos factos descritos de 1. a 6., 8.,11., 13. e 18 do capítulo dos factos dados como provados: “[…] 0.28 - Procurador MP(...)Conte lá da diligencia que fez, como é que começou. 1.43 procurador - e ele nessa altura, quando disse vai po caralho, fez mais alguma coisa ao seu colega CC? 1.49- Testemunha - a, a, com a mão empurrou-lhe, tentou lhe empurrar. como eu estava mais à frente a minha perceção não é a melhor. (...) 2.22 - Testemunha - ele (AA) chama-me filho da puta, novato do caralho e como eu estava a pouca distância, ele DEU-ME UMA ESPÉCIE DE UMA CABEÇADA, OU UM ENCOSTO (...) acertou na face esquerda e no, no nariz. Depois essa altura claro que nos tentamos maniatar, algemamos, nessa situação fez uma escoriação no meu pescoço e foi dada a voz de detenção. (...) depois disso, quer dizer, ainda nesse local, pedimos para fazer o teste ao álcool e ele recusou várias vezes. (...) depois disso, dirigimos novamente à praia dos santos (...) 3.14 - (...) foi chamado também o carro da esquadra de ponta delgada, para fazer o transporte do senhor porque o nosso tinha de ficar no local. Foi quando chegou o senhor DD e o agente EE. (...) antes desse transporte o senhor dentro do carro manteve-se sempre agressivo. 3.34- Procurador MP - como e que ele estava no carro, o que e que ele fazia dentro do carro? 3.35 - Testemunha - chamava nomes, que tinha mais tempo de bandido do que eu de polícia(...) (...) depois na mudança de viatura, o meu colega CC leite ao tentar puxar ele deitou-se no banco aos pontapés (...) Quando foi puxado, teve de ser puxado com a força estritamente necessária (...) deu um pequeno toque ou na porta ou num dos carros, não tive a perceção porque estava um bocado mais afastado, provocando-lhe uma pequena escoriação aqui na sobrancelha ou algo do género. 4.39 - (Já na esquadra de trânsito) (...) olhou para nos várias vezes e disse que já tinha matado e que iria matar novamente. 4.42 - Procurador MP- e fazia alguma coisa com os dedos? 4.46 - Testemunha - ah, não. Estava algemado nessa altura. 4.46 Procurador MP- Não fazia nada com os dedos? 4.55 Procurador MP - olhe e quando estava dentro do carro, ele alguma vez tentava abrir as janelas? porque estava com falta de ar? Ou Não? 5.06 - Ahhhh, não. Que eu me lembre não. 5.08 - Alguma vez ele disse que sofre de ataques de pânico? (impercetível) 5.55 - Muito bom dia senhor agente. o senhor disse que o arguido deu-lhe uma cabeçada, ou um encosto... foi uma cabeçada ou foi um encosto? 5.44 - Testemunha- foi uma cabeçada. 5.45 - Foi uma cabeçada? dessa cabeçada o que é que resultou? algum hematoma? (...) 5.55 Testemunha- um hematoma aqui, debaixo do olho negro durante uns dias. 6.02 – Defensora- Na sequência de tentar maniatar o arguido como o senhor referiu, disse que o arguido foi ao chão(..) não terá o arguido ficado com uma lesão na face deste episodio, de tentarem maniatar e ele ter ido com a cara ao chão e de ele ter se magoado? 6.23 - Testemunha - possivelmente até terá batido com a cara no chão, mas não ficou com nenhum dano visível na altura. 6.34 – Defensora -Que o senhor tivesse reparado. 6.35 – Testemunha - Que eu tivesse reparado. 6.35 – Defensora - Que o senhor tivesse reparado, o senhor não pode atestar então se realmente ficou com algum hematoma ou não porque o senhor não reparou e não consegue atestar. 6.53- Defensora -(...) diz qui na acusação que enquanto o arguido proferia as expressões apontava o dedo, isto é verdade? 7.08 - Testemunha - a, a, é o que eu digo, não me recordo de ele ter apontado o dedo. efetivamente olhou para nós, fazia assim com a cabeça, mas os dedos não posso afirmar. 7.17 – Defensora -Pronto então o senhor admite que não consegue dizer que ele lhes apontava o dedo (...) 07.24 – Testemunha - exato. 07.24- Defensora - até porque estaria algemado, 7.26 – Testemunha - claro. 7.26 - Defensora - portanto é impossível ter apontado o dedo. 7.27 – Testemunha - exato. Ainda quanto àqueles factos (descritos em 1. a 6., 8.,11., 13. e 18) do capítulo dos factos dados como provados) veja-se o depoimento da testemunha DD, também em sede de audiência de julgamento realizada no dia 03 de novembro de 2023, cuja faixa se encontra disponível no portal Citius: “[…] 1.44 Procurador MP: o senhor agente não estava presente quando os seus colegas fizeram aalgemagem? 1.50 – Não, não, não. Fomos já, nos quando chegamos ele já estava dentro do carro da esquadrade trânsito já algemado. 1.56 procurador- E então? 1.57 – Testemunha - E então, (...) tentou pontapear, inclusive chegou-se mais para o outro lado do carro e conseguimos agarrar e fazer o transporte para o outro carro-patrulha. 2.22 Procurador MP - quando ele estava algemado no interior do veículo, ele tentou fazer alguma coisa? 2.27 – Testemunha- Pontapear. Tava com os pés a tentar pontapear. 2.31 – Procurador MP - A si, ao seu colega? 2.32- Testemunha - A mim e ao meu colega (...) o EE é que conseguiu maniatá-lo usando força claro que ele não queria sair(...) 2. 53 – Testemunha- deixei o BB e o EE na esquadra fui estacionar o carro-patrulha e depois quando cheguei ele já estava no interior da esquadra, (...) sempre tava um bocado exaltado, sempre a dizer... 3.09 – Procurador MP- exaltado o que? 3.10 - Testemunha- agressivo. disse que já tinha matado, ia matar de novo, de ameaças. 3.19 – Procurador MP -e disse para si também? 3.20- Testemunha - Para mim? eu tava também lá, mas se ele indicou pra mim ou não, se erapara os agentes (…) 3.26 – Procurador MP - Fazia algum gesto, não fazia? 3.26- Testemunha - Para mim diretamente não. Para mim não. (...) 3.32 – Testemunha - Eu penso que ele tava falando no geral, para policias que estavam lá presentes. 3.35 – Procurador MP- e quem e que estava lá presente? 3.37 – Testemunha - eu, estava o BB e tava o EE. O agente CC (CC) ficou lá no local (no local do sinistro), naquela altura ficou lá no local por causa do reboque (...) 4.20- Procurador MP - ao tirar do veículo, aconteceu alguma coisa, o arguido sofreu alguma lesão? 4.28 – Testemunha - Eu penso que quando nos o retiramos do carro, eu acho que ele bateu com a cabeça (...) eu acho que fez a, era difícil tirá-lo porque ele tava sempre a, tentar pontapear e nunca queria sair (...) 4.56- Testemunha - depois as coisas estavam mais calmas, na esquadra, depois abandonamos o local (...) 5.06 – Defensora - Bom dia senhor agente, a, relativamente à situação que refere que os seuscolegas estavam a tentar retirar o arguido de dentro do carro, o senhor diz que ele bateu com acabeça no chão, portanto ao bater com a cabeça no chão ele pode efetivamente ter se magoado eter causado uma lesão na face? 5.31 - Testemunha - acho que ele ficou assim com algumas escoriações, sim, mas ele não quisreceber tratamento hospitalar, ele foi questionado várias vezes, mas nunca quis (...) 5.42 - Defensora - quando o senhor chega ao local, o arguido já está dentro do carro? 5.45 – Testemunha- na primeira instância já esta dentro do carro de transito eu quando chego ao local para fazer o transporte dele (...) não se fez o transporte logo, aguentamos um bocadinho, como lhe disse fizemos aquelas diligências, ligar para a companhia de seguros (...) 6.04 – Defensora - Portanto o senhor não presenciou nenhuma situação anterior? 6.05 - Nada. Não tive nada, já cheguei só depois já das coisas terem ocorrido. 6.13 – Defensora - quando o arguido estava dentro do carro da polícia de transito, ele por acaso tentava abrir o vidro, a, tinha algum comportamento mais (...) 6.20 – Testemunha - ele teve sempre com esses comportamentos de tentar abrir a porta, fechar a porta, ele conseguia, algemado ele conseguia fazer isso. Mantínhamos sempre uma pessoa ali perto enquanto fazíamos as diligencias, eu não posso falar em concreto porque eu tambémabandonei aquela parte, fui mais a frente para falar da situação do reboque e do carro. 6.50 – Defensora - O arguido estava dento do carro, os vidros estavam fechados, portanto eleestava fechado dentro do carro? 6.57 – Testemunha - sim recordo-me a (...) 6.59 -Defensora- os senhores agentes tentaram perceber se estava com dificuldades para respirar ou se estava inquieto porque (...) 7.04 – Testemunha - como eu já lhe disse eu tava mais afastado e teve sempre, por acaso teve o chefe a falar com ele e tudo, só que o comportamento dele era improprio. 7.25 - Juiz - a culpa disso tudo parece que foi vossa. vocês é que não souberam abordar o senhor com lisura, a,a, abordaram de uma forma violenta, de forma muito acutilante, não lidaram com ele da forma que ele achava que era correta. (...) os senhores é que incentivaram essa violência dele. 7.44 – Testemunha - não, não posso dizer que foi isso, não posso dizer que fui eu que incentivei porque nunca tive aquela situação direta com ele. (...) o que se passou antes senhor doutor, eu não posso dizer porque eu só fui já depois disso tudo, eu não sei o que e que se passou. 8.32 - Juiz - o seu colega BB como e que ele estava? 8.33- Ele tinha uma escoriação na zona do olho, ele disse que foi agredido com uma cabeçada. Ainda quanto àqueles factos (descritos em 1. a 6., 8.,11., 13. e 18) do capítulo dos factos dados como provados) veja-se o depoimento da testemunha EE, também em sede de audiência de julgamento realizada no dia 03 de novembro de 2023, cuja faixa se encontra disponível no portal Citius: […] 0.43 – Procurador MP- O Senhor estava de serviço e foi chamado pelos seus colegas? (...) 0.49 – Testemunha-os colegas foram pedir apoio, pediram apoio (...) quando chegamos ao local o individuo em questão já estava algemado dentro do carro da polícia de transito (...) (...) 1.18 – Testemunha- tentava-nos pontapear quando abríamos a porta do carro para tirar o individuo do carro pra fora, sempre nos ameaçou, vou vos matar (...) 1.25 – Procurador MP- vou vos matar? 1.27 – Testemunha - Vou vos matar, ele apontava-nos o dedo, apontava-nos o dedo não, ele dizia vou vos matar. na esquadra e que depois ele apontou o dedo quando foi desalgemado. 1.52 – Procurador- então para vocês o tirarem do veículo, como e que o conseguiram tirar? 1.56 – Testemunha - eu aproveitei e agarrei acho que foi numa perna do individuo (...) e ele deu um toque com a cabeça no carro-patrulha e eu depois agarrei nele(...) 3.03 - Defensora- quando o senhor chega ao local o arguido já estava dentro do carro da polícia municipal? 3.15 – Testemunha - de trânsito. 3.15- Defensora- sim de trânsito, em algum momento no transporte (...)ou em algum momento, foi tirado as algemas ao arguido? 3.29- Testemunha- nesses… nesses momentos que eu me recordo não. (...) 4.02 - Defensora - pronto então ele ficou sempre algemado. 4.04 – Testemunha - Sim. 4.09 – Defensora- enquanto ele proferia as expressões "vou te matar" (...) o senhor referiu que ele apontou o dedo para si. 4.26 – Testemunha - Na esquadra já depois de ser desalgemado. 4028 – Defensora- mas o senhor disse que ele não foi desalgemado. 4.13 – Testemunha - Não foi desalgemado no transporte. 4.39 – Defensora - Pois porque eu perguntei se em algum momento, mesmo na esquadra (...) (interrupções) 4.42 – Testemunha - Do transporte, do transporte que a senhora perguntou. (…) 4.59 -Defensora - Pronto, é porque nós já tivemos aqui um outro colega seu que disse que ele estava algemado e não fez gesto nenhum. (…) 5.18 – Defensora - Então quando o arguido é transportado do carro da polícia de trânsito, batecom a cabeça (...) 5.29 – Testemunha - Sim, porque eu puxei-o. 5.31 – Defensora - ele já tinha algum hematoma na face? que tenha reparado? 5.36 – Testemunha - ahm, que eu tenha reparado, ahm, também foi uma coisa muito rápida e estava escuro, que eu tenha reparado não. 5.45- Testemunha - e ao tirar do carro ele (...) 5.46 – Testemunha - ele fez uma ligeira escoriação. 5.50 – Defensora - ao tirar do carro o arguido caiu, bateu com a cabeça? 5.51 – Testemunha- Sim, sim. ele caiu quando puxamos. ele bateu com a cabeça e depois euagarrei nele e meti-o dentro do carro da polícia. Compulsado o excerto supratranscrito dos depoimentos das testemunhas BB, DD e EE, constata-se o seguinte, quanto às ofensas à integridade física: 1. Apenas a testemunha BB alega que o recorrente a agrediu, com uma cabeçada na face; 2. Não relata mais nenhuma agressão; 3. O arguido por sua vez nega que tenha ofendido a integridade física do agente BB; 4. Mais nenhuma testemunha viu o ocorrido, visto que apenas chegaram ao local quando o recorrente já estaria algemado dentro da viatura da polícia de trânsito; 5. As testemunhas constataram escoriações na face do agente, mas quando questionados sobre as lesões na face do recorrente na sequência das quedas que o mesmo sofreu, as testemunhas imiscuíram-se de responder, dizendo estar escuro ou não terem reparado, pese embora em algum momento todos confirmem que o recorrente apresentava uma lesão no sobrolho derivada das quedas. 6. Contudo, a testemunha DD afirma com convicção que o recorrente tinha escoriações provocadas pelas quedas aquando manietado, mas que o mesmo não quis receber tratamento hospitalar. 7. Importa destacar que o arguido é mais baixo do que a testemunha, sendo dúbio que este conseguisse atingir a testemunha na face com uma cabeçada, acrescentando ao facto de que já estava algemado e por isso, em posição de vulnerabilidade; 8. É facto que existe um relatório médico, mas o mesmo por si só não faz prova plena de que foi o arguido quem agrediu a testemunha com uma cabeçada, provando tão só e apenas e que a face da testemunha estaria com um hematoma, desconhecendo-se o seu agente, já que mais ninguém presenciou o sucedido. 9. Concluindo, não há prova bastante produzida que impute ao recorrente a prática da ofensa à integridade física na pessoa do agente BB, estabelecendo o nexo de causalidade entre o resultado e a conduta do agente, devendo o mesmo ser absolvido da prática deste ilícito. Quer isto dizer que, a única base que sustenta a afirmação daqueles factos (descritos de 1 a 6) é o teor das declarações do ofendido. Ou seja, não existem testemunhas oculares da agressão descrita naqueles factos, pelo que ninguém conseguiu identificar o aqui recorrente como o autor material dos mesmos. Assim, concluiu-se que o depoimento prestado por estas testemunhas em nada corrobora, nem sustenta, a tese da prática daqueles factos por parte do aqui Recorrente, pelo que nunca poderiam os mesmos terem sido dados como provados pelo Tribunal “a quo”, porquanto subsistiram dúvidas quanto à veracidade dos mesmos. Ora, o ónus da prova recai sobre a acusação, que tem de provar que o arguido, aqui recorrente, praticou efetivamente aqueles factos. Assim sendo, e não havendo prova suficiente capaz de sustentar que foi o arguido a praticá-los, terá, indubitavelmente, que vigorar e prevalecer o princípio “in dúbio pro reo”, constitucionalmente consagrado no artigo 32.º, n.º 2, 1.ª parte da Constituição da República Portuguesa. Em concreto, e em sede de julgamento, não existiu prova suficiente para considerar provados os factos vertidos em 1. a 4., 6., 8., 9., 11., 13. e 18. pelo que a palavra do ofendido não basta para que resultem provados aqueles factos, não restando senão ao Tribunal “a quo” dá-los como não provados. (…) DOS FACTOS OCORRIDOS NO DIA 3 DE NOVEMBRO DE 2023 – Das ofensas à integridade física agravada na forma tentada Na mesma linha, através do depoimento das testemunhas supratranscrito, DD, EE e FF, é possível concluir o seguinte, quanto às ofensas à integridade física agravadas na forma tentada, facto provado em 9. Pelo tribunal “a quo”: 1. As testemunhas não foram agredidas, nem tão pouco chegaram a sofrer uma tentativa, pois o recorrente pontapeava dentro do carro da polícia de transito, constituído a porta uma barreira significativa à ameaça sequer de agressão. 2. O recorrente estaria em posição desfavorável e vulnerável, já que estava algemado e deitado nos bancos, não sendo possível levantar-se e sair voluntariamente sem ajuda dos agentes; 3. Por sua vez, os mesmos procederam à retirada do recorrente da viatura à força, força esta de tal forma excessiva, que o fez com que o recorrente batesse a cabeça quer no carro, quer no chão, como confirmado por todas as testemunhas. 4. Dito isto, não deve a prova produzida ser valorada por ser insuficiente, uma vez que a testemunha FF, que denunciou o ocorrido, também afirma vislumbrar o recorrido dentro do carro-patrulha a pontapear, sem margem para crer que estaria a fazê-lo com intenção de lesar a integridade física dos agentes. 5. O próprio tribunal” a quo” deu como facto provado em 9., que (…) quando o arguido já se encontrava algemado e no interior da viatura, procurou desferir pontapés nos agentes DD e EE (…), 6. Ora, se a viatura estaria de portas fechadas como as próprias testemunhas referiram e o recorrente estaria a pontapear a porta da viatura, afigura-se-nos pouco provável lograr tal tentativa de ofender a integridade física dos agentes, quanto mais as ditas agressões. 7. No mais, estaria a praticar um crime de dano e nunca de ofensa à integridade física agravada na forma tentada. 8. Constituindo no limite, um crime contra o património e nunca contra a vida. […]” DOS FACTOS OCORRIDOS NO DIA 3 DE NOVEMBRO DE 2023 – da prática de quatro crimes de Ameaça agravada Na mesma linha, através do depoimento das testemunhas supratranscrito, BB, DD e EE, só foi possível concluir que os mesmos afirmam ter ouvido o arguido dirigir às testemunhas as expressões como “Eu vou te matar”. Conclusão diversa será admitir que o recorrente realmente proferiu tais expressões, apontando o dedo para os agentes, já que existem sérias dúvidas, já que o recorrente estaria algemado e por esse motivo, é impossível ter apontado o dedo a qualquer agente. Mais se acrescenta que o “tribunal a quo” deu como provado o crime de ameaça agravada contra a pessoa do agente CC, agente este que nem estaria na esquadra da PSP, uma vez que segundo os depoimentos das testemunhas, este ficou no local do sinistrado para chamar o reboque e por isso não se deslocou com os seus colegas para a esquadra da PSP. Nesta linha de raciocínio e salvo devido respeito, que é muito, é impossível imputar-se a responsabilização por um crime, donde inexiste o bem jurídico a afetar. Assim, deverá o recorrente ser absolvido da prática do crime de ameaça agravada contra a pessoa do agente CC, facto este que o tribunal “a quo” poderia ter decidido de forma diversa. No que toca ao crime de ameaça contra a pessoa do agente DD, o mesmo refere expressamente que a ameaça não foi dirigida a este, que não temeu pela sua vida e que aliás, seriam impropérios dirigidos de uma forma geral, tendo o mesmo relativizado a situação. Nestes termos, também deverá ser o recorrente absolvido da prática deste crime, uma vez que não ocorreu sequer a lesão do bem jurídico, quanto menos a prática efetiva do crime. Como tal, estes factos não se subsumem no elemento objetivo do crime de ameaça agravada, como bem entendeu o Tribunal “a quo” ao condenar o aqui Recorrente. (…) Pelo exposto, o Tribunal “a quo” não poderia formular conclusões, nem entender terem resultado provados factos que nem sequer foram corroborados pelas testemunhas. A verdade é que é notório que o Tribunal recorrido sustenta a condenação do aqui Recorrente apenas com a valoração das declarações dos Recorridos, descurando-se dos depoimentos das testemunhas e das dúvidas que persistiram quanto à veracidade dos factos. Assim, foi feita uma apreciação errónea, salvo o devido respeito, da prova produzida em sede de julgamento, pelo que os factos n.º 1 a 6. e, consequentemente os factos 9., 10., 16., 17. e 18. deveriam ter sido dados como não provados por insuficiência de prova produzida. Perante tais depoimentos, não restava senão ao Tribunal “a quo” dar o facto número 10. como não provado, quanto à pessoa do agente DD, dando-o como provado apenas quanto às pessoas dos agentes BB e EE. Nestes termos, resulta claro que a Sentença recorrida, nos termos do artigo 410.º, n. º2, alínea c) do CPP, padece de erro notório na apreciação da prova, vício este que compromete a decisão da causa»11
Vejamos, então.
Preliminarmente, urge esclarecer que a alegação do recorrente traduz, não o pretextado e expressamente invocado vício de procedimento resultante do texto da decisão recorrida (conforme prevê o n.º 2 do artigo 410.º, do C.P.P.), a se ou cotejada com as regras da experiência comum, mas sim a invocação de um erro de julgamento da matéria de facto (n.º 3 e 4 do artigo 412.º, do C.P.P.).
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22 de Setembro de 2015, processo n.º 2619/12.8GBABF.E1, in www.dgsi.pt., «Trata-se de deficiências distintas, no ponto em que o invocado vício de erro notório reporta a um defeito in procedendo, resultante, à evidência, da própria decisão, que subscreve, designadamente, uma falha grosseira na análise da prova, tendo por consequência o reenvio do processo para novo julgamento (artigo 426.º n.º 1, do CPP), enquanto o erro de julgamento em matéria de facto traduz um defeito in judicando, cuja sequela implica a comutação da matéria de facto (artigo 431.º, do CPP)»
«Os vícios da decisão – a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova – previstos, por esta ordem, nas três alíneas do nº 2 do art. 410º do C. Processo Penal, constituem fundamento para recurso da matéria de facto [e isto, independentemente de a lei o restringir à matéria de direito] e são de conhecimento oficioso, conforme jurisprudência fixada pelo Acórdão nº 7/95, de 19 de Outubro (DR, I-A, de 28 de Dezembro de 1995).
Estamos perante defeitos estruturais da própria decisão penal, razão pela qual a lei exige que a sua demonstração resulte do respectivo texto por si só, ou em conjugação com as regras da experiência comum. No âmbito da revista alargada – comum designação do regime – o tribunal de recurso não conhece da matéria de facto – no sentido da reapreciação da prova –, antes limita a sua actuação à detecção dos vícios que a sentença, por si só e nos seus precisos termos, evidencia e, não podendo saná-los, determina o reenvio do processo para novo julgamento.
(…) Existe erro notório na apreciação da prova quando o tribunal valora a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, por ser grosseiro, ostensivo, evidente (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª, Edição, Editorial Verbo, pág. 341). Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, ob. cit., pág. 74)»12
No que concerne ao erro notório na apreciação da prova (artigo 410.º, n.º 2, al. c), do C.P.P.), tendo o mesmo de resultar do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, ocorrerá quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida.
E existe, outrossim, erro notório na apreciação da prova quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis, ou quando da decisão recorrida resultar que, tendo chegado a uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos, o tribunal a quo decidiu em desfavor do arguido.
Porém, do texto da decisão recorrida não resulta qualquer dos vícios a que alude o art. 410.º n.º 2, do C.P.P.
Na verdade, não se vislumbra (nem em rigor é invocado) que sobressaia da decisão, por si só e/ou com recurso às regras da experiência comum, qualquer falha evidente na análise da prova ou qualquer juízo ilógico ou arbitrário, nem se vê que os Srs. Juízes e a Sra. Juíza do Tribunal a quo se tenham debatido com qualquer estado de dúvida e que o tenham resolvido violentando o princípio in dubio pro reo.
Como se constata da motivação transcrita, procederam, antes, a um exame detalhado da prova produzida, concatenando-a num percurso de apreciação pautado pela normalidade e racionalidade e em consonância com as regras da lógica e da experiência comum. Procederam, de resto, e em concreto, ao exame e avaliação das declarações das vítimas e do arguido, e explicaram os motivos pelos quais as declarações daquelas foram valoradas em detrimento das prestadas por este.
Passemos, então, à apreciação da dissensão do recorrente relativamente ao julgado, na instância, sobre a matéria de facto.
Como decorre das conclusões e da motivação do recurso, o recorrente alega, em síntese, que a prova produzida, por insuficiente, impunha que o Tribunal Colectivo considerasse não provados os factos n.º 1 a 6. e, consequentemente, os factos 9., 10., 16., 17 e 18.
Consentindo que o alegado traduz a impugnação do julgamento realizado na instância sobre a matéria de facto, como impõe o art. 412.º n.º 3, do C.P.P., dir-se-á, desde já, que o argumentário aduzido não pode colher provimento.
«(…) Assim, o juiz que, em 1.ª instância, julga de facto, goza de ampla (conquanto vinculada) liberdade de movimentos ao erigir os meios de que se serve na fixação dos factos provados, de harmonia com o princípio da livre convicção e apreciação da prova.
Nos termos expressamente prevenidos no artigo 127.º, do CPP, as provas são livremente valoradas pelo juiz sem obediência a regras pré-fixadas.
Ora, há-de conceder-se, essa liberdade de apreciação com base no conjunto do material probatório recolhido pela percepção global, traduzido numa síntese decisória, é insindicável por este Tribunal.
Como assim, o Tribunal de recurso só em casos excepcionais de manifesto erro de apreciação da prova poderá comutar a decisão levada na instância – será, por exemplo e caricatura, o caso de o depoimento de uma testemunha ter um sentido diametralmente oposto ao que foi considerado na sentença recorrida.
Vale dizer que, por força do referido princípio da livre apreciação da prova (não estando em causa, como, no caso, não está, prova tarifada ou legal), o processo de formação da livre convicção do julgador na apreciação da prova não é questionável pelo tribunal de recurso.
A esta instância caberá apenas indagar se tal apreciação e julgamento são contrariados pelas regras da experiência comum ou pela lógica do homem médio (diga-se mesmo, do julgador médio) suposto pela ordem jurídica.
(…) Tendo em conta o princípio da apreciação da prova nos termos do art. 127.º do CPP, uma coisa é a valoração da prova efectuada pelo tribunal e outra, o modo da sua impugnação em recurso sobre a matéria de facto, de forma processualmente válida, que não se traduz em mera exposição pelo recorrente como em seu entendimento faz a valoração da prova, sob pena de se limitar a impugnar a convicção do tribunal recorrido.
O que a lei pretende ao vincular o recorrente à indicação das provas que impõem decisão diversa, não é, certamente, que este formule uma outra versão da prova produzida.
(…) E as provas que impõem essa diversa decisão são as provas relevantes e decisivas que não foram analisadas e apreciadas, ou, as que tendo sido, ponham em causa ou contradigam o entendimento decantado para a decisão recorrida.
Se a tais provas faltam esses pressupostos, não conduzem a outra decisão.»13
Vejamos, pois, em concreto.
Desde logo, quanto às contrariedades expostas pelo arguido/recorrente fundadas na circunstância de o agente da PSP CC não se encontrar no interior da esquadra, atento o decidido pelo Tribunal a quo, que (na esteira do propugnado pelo Ex.mo Magistrado do Ministério Público, em sede de alegações de julgamento) concluiu exactamente pela absolvição do recorrente na parte respeitante ao crime de ameaça no qual aquele agente figurava como ofendido, naturalmente, não cumpre, a respeito, tecer quaisquer outras considerações.
No mais, à luz da prova pessoal produzida que, no caso, se resume aos depoimentos dos agentes da PSP BB, DD e EE e da testemunha FF e às declarações do arguido (a cuja audição integral se procedeu nesta instância de recurso) não se vislumbra que, no cotejo com a motivação, os Srs. Juízes e a Sra. Juíza devessem ter alcançado qualquer estado de dúvida a resolver pro reo.
Revisitada a prova, efectivamente, constata-se que os agentes da PSP e a testemunha FF efectuaram relatos credíveis e confirmaram, no âmago e em uníssono, a matéria factual dada como assente.
Em concreto, o ofendido BB descreveu, sem hesitações, a agressão física de que foi vítima por parte do arguido/recorrente, ao que acresce, em abono e consonância, a prova decorrente dos elementos clínicos, que comprovam, irrefutavelmente, as lesões verificadas. Ou seja, no aparato de violência verbal e física por parte do arguido, corroborado sem reservas por todas as testemunhas, desconhecendo-se qualquer motivação susceptível de inquinar e/ou fragilizar a credibilidade deste ofendido, tendo por referente a livre apreciação da prova, o dito depoimento, de per si, inequivocamente, basta para a condenação do arguido/recorrente.
Com efeito, tal como referem José Mouraz Lopes e Tiago Caiado Milheiro14, «(…) O CPP não contempla qualquer restrição ou condicionalismo na avaliação deste depoimento. Funciona, aqui, como noutros meios de prova, o princípio fundamental da livre apreciação da prova. As declarações da vítima não consubstanciam qualquer espécie de prova tarifada. Não se impõe prova corroboratória e inexiste qualquer norma que determine que o seu depoimento prevalece no confronto com as declarações do arguido ou o contrário.
(…) Nada impede que as declarações da vítima sejam suficientes para sustentar uma condenação, até mesmo quando existam hesitações ou pequenas discrepâncias»
Outrossim, sem desdouro para o esforço argumentativo, ter-se-á de concluir que a circunstância de o recorrente se encontrar algemado, no interior da viatura, quando procurou pontapear os agentes DD e EE, não convoca qualquer improbabilidade e/ou impossibilidade de os atingir fisicamente e muito menos queda a inerente intenção. Ao invés, é precisamente por se encontrar limitado na sua liberdade de movimentos que o recorrente, na prossecução da intenção de os agredir fisicamente, derradeiramente (na impossibilidade de outra alternativa física) pontapeia.
O in dubio pro reo é um princípio atinente ao foro probatório em processo penal, a operar nas condições em que subsiste a dúvida, o non liquet.
«(…) O princípio da livre apreciação da prova, entendido como esforço para alcançar a verdade material, como tensão de objectividade, encontra assim no “in dubio pro reo” o seu limite normativo: ao mesmo tempo que transmite o carácter objectivo à dúvida que acciona este último.
Livre convicção e dúvida que impede a sua formação são face e contra-face de uma mesma intenção: a de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva»15
«(…) O “in dubio pro reo”, com efeito, «parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador» (cfr. Cristina Líbano Monteiro, «In Dúbio Pro Reo», Coimbra, 1997).
(…) Donde que «não seja qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido», mas apenas a chamada dúvida razoável (“a doubt for which reasons can be given”)». Pois que «nos actos humanos nunca se dá uma certeza contra a qual não militem alguns motivos de dúvida». «Pedir uma certeza absoluta para orientar a actuação seria, por conseguinte, o mesmo que exigir o impossível e, em termos práticos, paralisar as decisões morais». Enfim, «a dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal»16
Por fim, relativamente às discrepâncias detectadas nos depoimentos dos agentes da PSP no que concerne ao apontar do dedo há que realçar que, ao contrário do que invoca o recorrente, tal comportamento (nos termos, aliás, dados como assentes) ocorreu na esquadra da PSP e não em momento anterior. Ou seja, não se verifica a contradição e/ou impossibilidade aduzidas, pois que, como resulta pacificamente dos depoimentos prestados pelos agentes da PSP, o arguido/recorrente só esteve algemado até dar entrada nas instalações da esquadra.
Porém, neste segmento, ouvidos os depoimentos, constata-se que, efectivamente, está longe da convergência a circunstância dada como assente na parte final do ponto 10º, qual seja, a de que as expressões foram proferidas enquanto lhes apontava o dedo e, igualmente, não sobressai daqueles que os visados tenham efectivamente sentido receio, medo e inquietação17. E assim sendo, impõe-se que, ao invés do decidido pelos Srs. Juízes e pela Sra. Juíza, mas apenas nesta parte, sejam dados como não provados tais segmentos.
Relativamente ao demais provado no ponto 10º, os depoimentos foram unânimes, tendo todos confirmado que no interior da esquadra da PSP de Ponta Delgada, o arguido dirigiu aos agentes da PSP BB, DD e EE as expressões: “já matei, vou matar outra vez!”, sendo certo que, no que ao preenchimento do tipo de ameaça importa, basta que a expressão intimidatória dirigida pelo agente do crime aos destinatários seja, de acordo com a experiência comum, susceptível de ser tomada a sério pelos ameaçados, independentemente de estes terem ficado ou não intimidados18.
Ora, na situação em apreço, quando o arguido, naquelas concretas circunstâncias, eivado de agressividade motora e verbal, se dirige aos agentes da PSP que se encontravam presentes e lhes diz que “já matei, vou matar outra vez!”, inequivocamente, empreendeu conduta apta a causar medo e inquietação e potencialmente constrangedora da liberdade de determinação dos mesmos, apesar das especiais qualidades daqueles19.
Termos em que se decide alterar os pontos 10º e 17º dos factos provados, os quais passarão a ter a seguinte redacção: 10. Já no interior da esquadra da PSP de Ponta Delgada, o arguido dirigiu aos agentes da PSP BB, DD e EE as expressões: “já matei, vou matar outra vez!”. 17. O arguido quis, ao proferir tais expressões, que os agentes da PSP ofendidos EE, BB e DD sentissem receio pelas suas vidas bem sabendo que tais palavras eram idóneas a provocar-lhes medo e inquietação.
E acrescentar aos factos não provados as alíneas c) e d) com a seguinte redacção: c) O arguido, nas circunstâncias dadas como provadas no ponto 10., dirigiu as expressões aos agentes da PSP BB, DD e EE enquanto lhes apontava o dedo. d) Os agentes da PSP ofendidos EE, BB e DD sentiram receio pelas suas vidas, medo e inquietação.
Julgando-se, no mais, improcedente este segmento recursivo.
4.2. Da medida da pena única
Como se extrai das conclusões apresentadas, o recorrente pretende ver mitigada a pena única em que foi condenado, concluindo que o Tribunal a quo incorreu em erro de jure.
Em sede de escolha e medida das penas, o Colectivo a quo ponderou nos seguintes termos: «No caso em análise, as exigências de prevenção geral são extremamente elevadas, devido à frequência com que os crimes contra as forças de autoridade são praticados, conforme é disso expressão o Relatório Anual de Segurança Interna de 2022. Dada a grande incidência destes crimes, como é disso expressão os dados referidos, são acentuadas as exigências de prevenção geral no sentido de fazerem apelo a uma maior necessidade de sancionamento para que se restabeleça a confiança, validade e eficácia na norma jurídico penal violada, sendo ainda premente uma eficaz proteção e tutela do bem jurídico violado. Já quanto às exigências de prevenção especial são extremamente elevadas, devendo ter-se em consideração o grau de ilicitude dos factos, que é elevado, atento os tipos legais, as molduras abstratas, ao que acresce a circunstância de estarmos perante oito crimes cometidos praticamente de seguida. Quanto à culpa, a mesma é elevada, já que sempre agiu com dolo direto (e premeditado, diga-se). O Tribunal não pode ainda ignorar os seus antecedentes criminais e a circunstância de se encontrar em pleno período probatório, sendo certo que, conforme informou a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, o arguido, apesar de tal regime probatório, mantinha os consumos de estupefacientes. A seu favor nada abona, não havendo qualquer apoio familiar ou inserção laboral. Face ao exposto, o Tribunal decide aplicar as seguintes penas:
• 2 anos e 6 meses de prisão pela ofensa à integridade física qualificada;
• 2 meses de prisão pela injúria agravada;
• 6 meses de prisão pela desobediência;
• 1 ano de prisão por cada uma das duas ofensas à integridade física qualificadas;
• 10 meses de prisão por cada um dos três crimes de ameaça agravada. * Verificando-se, um concurso real e efetivo de infrações a punição deve realizar se de acordo com o disposto no artigo 77º do Código Penal. Nos termos do nº 2 da norma acima referida, a pena única deverá ter como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas (7 anos e 8 meses de prisão) e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas a todos os crimes 2 anos e 6 meses de prisão). Dentro desta moldura, há também que atender aos factos e à personalidade do agente, apreciados conjuntamente (artigo 77º, nº 1, parte final do Código Penal), que revelam dificuldades ao nível da autocrítica, em se descentrar e manifesta dificuldade em gerir, no presente, as suas emoções bem como algumas contrariedades, vindo a culminar numa conduta reativa/impulsiva, e de modo a fazer corresponder a punição aos factos e às exigências pessoais e sociais que a sua prática suscitou, com o máximo rigor e acerto, demonstra-se adequada a fixação da pena única em 4 anos e 10 meses de prisão»
Vejamos, então.
Tal como se refere no Acórdão do S.T.J. de 16 de Junho de 2016, processo n.º 119/12.5GDPTM.E1.S1, in www.dgsi.pt., «(…) a lei elegeu como elementos determinadores da pena conjunta os factos e a personalidade do agente, elementos que devem ser considerados em conjunto.
A determinação da medida concreta da pena única deve atender, como qualquer outra pena, aos critérios gerais da prevenção e da culpa (artigo 71.º do Código Penal) e ainda a um critério especial: a consideração do conjunto dos factos e da personalidade do agente, na sua inter-relação.
«Ao tribunal – lê-se no acórdão deste Supremo Tribunal, de 28 de Maio de 2014, proferido no processo n.º 959/06.4PBVIS.C2.S1 – 3.ª Secção – impõe-se uma apreciação global dos factos, tomados como conjunto, e não enquanto mero somatório de factos desligados, na sua relação com a personalidade do agente. Essa apreciação indagará se a pluralidade de factos delituosos corresponde a uma tendência da personalidade do agente, ou antes a uma mera pluriocasionalidade, de carácter fortuito, não imputável a essa personalidade».
Como refere JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, a determinação da «pena conjunta do concurso», dentro dos limites da moldura penal do concurso, far-se-á «em função das exigências gerais da culpa e de prevenção (…), como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique». Na avaliação da personalidade do agente «relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente exigências de prevenção especial de socialização).
O Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente.
Acompanhando o acórdão deste Supremo Tribunal, de 9 de Maio de 2012, proferido no processo n.º 418/08.0PAMAI.S1 – 3.ª Secção), na determinação concreta da pena conjunta interessa averiguar se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagar da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele.
Em sede de considerações de prevenção geral, cumprirá ponderar no significado do conjunto dos actos praticados, valorar a perturbação da paz e segurança dos cidadãos e atender às exigências de tutela dos bens jurídicos e de defesa do ordenamento jurídico que ressaltam do conjunto dos factos.
De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente por forma a corresponder a exigências de prevenção especial de socialização, ponderando os seus antecedentes criminais e a sua personalidade expressa nos factos, perscrutando-se ainda a existência de um processo de socialização e de inserção na comunidade»
«Constatando assinalável diversidade na determinação da pena conjunta, geradora de incerteza jurídica, desigualdade nas consequências jurídicas do concurso de crimes, e fonte, a jusante, de considerável litigância recursória, designadamente perante o STJ, desenhou-se entendimento que faz intervir, na confeção da pena conjunta, operações aritméticas. Resumidamente, na sua veste mais recente, sustenta que na determinação da medida da pena única, se deve adicionar à pena parcelar mais grave, que fixa o limiar inferior da moldura penal do concurso de crimes, uma fração proporcional das restantes penas, sendo a partir deste valor, consideradas as especificidades do caso. Atendendo à regra ínsita no art. 77º nº 1 do Código Penal. A fração é determinada em função do tipo de criminalidade e da dimensão das penas parcelares e, complementarmente, a personalidade do arguido que os factos revelam.
A. Lourenço Martins, (…), defende a adição de uma proporção das penas parcelares que oscila, conforme as circunstâncias de facto e a personalidade do agente, por via de regra, entre 1/3 (um terço) e 1/5 (um quinto).
(…) Sustenta-se no Ac. de 27/01/2016 deste Supremo Tribunal que “não repugna que a convocação dos critérios de determinação da pena conjunta tenha como coadjuvante, e não mais do que isso, a definição dum espaço dentro do qual as mesmas funcionam. Na verdade, como se referiu, a certeza e segurança jurídica podem estar em causa quando existe uma grande margem de amplitude na pena a aplicar, conduzindo a uma indeterminação. Recorrendo ao princípio da proporcionalidade não se pode aplicar uma pena maior do que aquela que merece a gravidade da conduta nem a que é exigida para tutela do bem jurídico. Para evitar aquela vacuidade admite-se o apelo a que, na formulação da pena conjunta e na ponderação da imagem global dos crimes imputados e da personalidade, se considere que, conforme uma personalidade mais, ou menos, gravemente desconforme com o Direito, o tribunal determine a pena única somando à pena concreta mais grave entre metade e um quinto de cada uma das penas concretas aplicadas aos outros crimes em concurso”.
Fração de compressão que deve relacionar-se, diretamente, com a destrinça que importa estabelecer ao nível das consequências jurídicas em função de cada fenomenologia criminal. Considerando a necessidade de um tratamento diferenciado para a criminalidade em função da sua definição legal, designadamente de acordo com a sua classificação categorial como bagatelar, média ou grave, de tal modo que, como referia Carmona da Mota, a “representação” da parcela que deve acrescer à pena mais elevada se possa saldar por uma fração de idêntico grau. Não é raro ver um tratamento uniforme, destituído de qualquer opção valorativa do bem jurídico, - que pode assumir uma diferença substantiva abissal impondo a destrinça clara da resposta entre a ofensa de bens jurídicos mais ou menos fundamentais para preservação de valores vitais e pessoais indisponíveis e a ofensa de bens jurídicos de outra índole e entidade jurídico-criminal.
Este é o entendimento prevalente, que nos casos de elevada pluralidade de crimes em concurso pode ainda ser temperado através da intervenção do princípio da proporcionalidade, implícito no critério que vem de citar-se. Designadamente convocando a interpretação de que “na formação da pena única, quanto maior é o somatório das penas parcelares, maior é o fator de compressão que incide sobre as penas que se vão somar à mais elevada, pois, se assim não fosse, muito facilmente se atingiria a pena máxima em casos em que a mesma não se justifica perante a gravidade dos factos”, de modo a impedir que o agente do concurso de crimes resulte condenado numa pena conjunta inadequada à gravidade dos crimes e que muito dificultaria a sua reintegração na comunidade (…)»20.
Anota-se, por fim, que a valoração da não confissão do arguido - seja na vertente daquilo que, supostamente, evidencia da sua personalidade ou naquela atinente à ausência de arrependimento – encerra, desde logo, sérias dificuldades na compatibilização com o direito ao silêncio e com o corolário direito de prestar declarações sem estar obrigado a dizer a verdade.
Ademais, muito embora se reconheça que corresponde a uma prática judiciária que, amiúde, se mantém, estamos em crer que, bule com os fins das penas tal qual se mostram definidos no C.P. vigente.
Como já então alertava o S.T.J. no acórdão de 11 de Outubro de 2006, processo 6P2545, in www.dgsi.pt.: «IV - A ausência de confissão do crime não significa necessariamente que não houve interiorização do mal do crime e que o agente não reconheceu que a sua conduta merece ser censurada; o agente não pode ser penalizado por não confessar o crime - apenas lhe fica vedado o aproveitamento de uma circunstância atenuativa».
Traçado o paradigma e volvendo ao caso, tal como resulta da factualidade assente, é de salientar que os factos e crimes foram todos praticados na mesma ocasião, sem evidência de especiais prejuízos, designadamente pessoais, o que ampara a conclusão, não obstante o aparato, de uma ilicitude global sem peculiar dimensão.
Assim sendo, em vista do disposto nos artigos 71º e 77º do C.P., numa moldura legal cujo mínimo será de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão e um máximo de 7 (sete) anos e 8 (oito) meses, sem desdouro para a sensibilidade dos Srs. Juízes e da Sra. Juíza do Tribunal a quo, afigura-se que as circunstâncias dos factos justificam e condescendem, ainda, a aplicação da pena única de prisão em medida mais próxima de um factor de compressão aproximado de 1/4, concretamente em 3 (três) anos e 10 (dez) meses de prisão.
Termos em que se conclui pela procedência deste segmento recursivo.
4.3. Da suspensão (ou não) de execução da pena
Como se extrai da motivação e das conclusões apresentadas o recorrente reclama, ainda, a aplicação de uma pena suspensa na sua execução.
A este respeito, o Colectivo a quo decidiu nos seguintes termos:
«Impõe-se, neste momento, a apreciação da verificação dos pressupostos de aplicação da suspensão da execução da pena de prisão (em face da inobservância dos pressupostos de aplicação das demais penas de substituição atenta a medida da pena aplicada). Determina o artigo 50º do Código Penal que o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior ou posterior ao facto e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 40º, nº 1 do Código Penal). A finalidade essencial é a ressocialização do agente na vertente de prevenção da reincidência cujas probabilidades de êxito são aferidas no momento da decisão em função dos indicadores previstos no artigo 50º, nº 1 do Código Penal. A suspensão da pena tem um sentido pedagógico e reeducativo, norteado, por sua vez, pelo desiderato de afastar, tendo em conta as concretas condições do caso, o delinquente da prática de crimes, assentando o juízo de prognose não numa absoluta certeza mas numa esperança fundada de que a socialização em liberdade seja realizada, importando sempre um risco para o julgador derivado dos elementos de facto a que tem acesso (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte geral II, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993 pág. 344). No caso concreto, não se vislumbra ser possível a efetivação de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido, tanto mais que já lhe foram concedidas diversas oportunidades ao longo dos anos, como penas de multa e penas suspensas com regime de prova. Na verdade, o arguido não demonstrou ao Tribunal arranjar formas alternativas de agir, sendo de todo improvável que a simples censura dos factos e a ameaça da pena realize de forma adequada as finalidades da punição e as expectativas da comunidade como aliás já foi seu apanágio no passado. Aliás, não podemos deixar de dizer que, em audiência de julgamento, o arguido não manifestou qualquer ausência crítica do seu comportamento, sendo as suas declarações marcadas por uma altivez que não é costume encontrar nos arguidos quando presentes a julgamento. Nesta conformidade, entende o Tribunal que, face às especiais necessidades de prevenção especial, ponderando ainda as circunstâncias acima expostas, a simples ameaça da prisão e a censura do facto já não tutelarão de forma suficiente os bens jurídicos atingidos e não permitirão a reintegração do arguido na sociedade (artigo 40º, nº1, do Código Penal]. Concluindo, só o cumprimento de prisão efetiva assegura as finalidades da punição»
Tal como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de Fevereiro de 2010, proferido no âmbito do processo n.º 279/06.4GBOAZ.P1, in www.dgsi.pt., «Só há lugar à suspensão da execução de uma pena de prisão, atento o disposto no art. 50.º, n.º 1 do C. Penal (1995), se a simples censura do facto e a ameaça daquela pena forem bastantes para afastar o arguido da criminalidade, satisfazendo simultaneamente as necessidades de reprovação e prevenção do crime.
A jurisprudência tem assim vindo a acentuar, que a suspensão da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido, estando na sua base um juízo de prognose social favorável ao condenado [Ac. do STJ de 2002/Jan./09 (Recurso n.º 3026/01-3.ª) e 2007/Out./18, (Recurso n.º 3185/07) divulgados, respectivamente, em http://www.stj.pt e www.colectaneadejurisprudência.com)].
Tal juízo deverá assentar num risco de prudência entre a reinserção e a protecção dos bens jurídicos violados, reflectindo-se sobre a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta “ante et post crimen” e sobre todo o circunstancialismo envolvente da infracção.
Para o efeito, será de atender que a pena de prisão suspensa, sujeita ou não a certas condições ou obrigações, é a reacção penal por excelência que exprime um juízo de desvalor ético-social e que não só antevê, como propicia ao condenado, a sua reintegração na sociedade, que é um dos vectores dos fins das penas (função de prevenção especial de reinserção ou positiva).
Porém, outros dos seus vectores é a protecção dos bens jurídicos violados e, naturalmente, a protecção da própria vítima e da sociedade em relação aos agentes do crime, de modo que, responsabilizando suficientemente estes últimos, se possa esperar que os mesmos não venham a adoptar novas condutas desviantes (função de prevenção especial defensiva ou negativa).
Na protecção dos bens jurídicos, será igualmente de destacar que a reacção penal a aplicar deve, tanto quanto possível, neutralizar o efeito do delito, passando este a surgir, sem sombra de dúvidas, como um exemplo negativo para a comunidade e contribuindo, ao mesmo tempo, para fortalecer a consciência jurídica da mesma (função de prevenção geral).
Pretende-se, assim, dar satisfação ao sentimento de justiça do mundo circundante que rodeia o arguido, através do mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica [Ac. STJ de 2007/Set./26, (Recurso n.º 2579/07), acessível em www.colectaneadejurisprudência.com]».
Mais recentemente, a respeito, no Acórdão do S.T.J. de 11/2/2021, processo n.º 381/16.4GAMMC.C1.S1, in www.dgsi.pt., consignou-se que: «77. Para a aplicação da suspensão da execução da pena (artigo 50.º, do CP), a lei define um requisito objectivo (condenação em pena de prisão não superior a 5 anos) e estabelece pressupostos subjectivos, determinados por finalidades político-criminais – os que permitam concluir pelo afastamento futuro do delinquente da prática de novos crimes, através da sua capacidade de se reintegrar socialmente.
78. Trata-se de alcançar a socialização, prevenindo a reincidência.
79. Assim, sempre que o julgador puder formular um juízo de prognose favorável, à luz de considerações de prevenção especial sobre a possibilidade de ressocialização do arguido, deverá deixar de decretar a execução da pena.
80. Estão em causa, não considerações sobre a culpa, mas prognósticos acerca das exigências mínimas de prevenção.
81. Pretende-se, como sublinha, com incontornável autoridade, o Professor Figueiredo Dias, «o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer correcção, melhora ou – ainda menos – metanoia das concepções daquele sobre a vida e o mundo. É, em suma, como se exprime Zipf, uma questão de legalidade e não de moralidade que aqui está em causa. Ou como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o conteúdo mínimo da ideia de socialização, traduzida na prevenção da reincidência».
82. Depois de se optar por uma pena detentiva, à luz das considerações e com os critérios legais sobre-expostos, importa, pois, determinar se existe a esperança fundada de que a socialização em liberdade pode ser alcançada, a partir de razões fundadas e sérias que levem a acreditar na capacidade do delinquente para a auto-prevenção do cometimento de novos crimes, devendo negar-se a suspensão sempre que, fundadamente, seja de duvidar dessa capacidade.
83. Nos termos prevenidos no artigo 50.º, do CP, a averiguação de tal capacidade deve ser feita em concreto, através da análise da personalidade do arguido, das suas condições de vida, da conduta que manteve antes e depois do facto e das circunstâncias em que o praticou.
84. Se, dessa análise, resultar que é possível esperar que a ameaça da pena de prisão e a censura do facto são idóneos a permitir a formulação do referido juízo de confiança na capacidade do arguido para não cometer novos crimes, deverá ser decretada a suspensão da execução da pena»
Volvendo ao caso, como resulta da matéria de facto assente, o arguido/recorrente para além de se encontrar desempregado e revelar desinserção ao nível familiar e afectivo, já foi anteriormente condenado:
i. Por sentença transitada em julgado em 26/08/2008, por factos ocorridos em 18/07/2008, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de €6,00, o que perfaz a quantia de €480,00; ii. Por acórdão transitado em julgado em 08 de janeiro de 2009, pela prática de um crime de roubo, por factos ocorridos em 03/03/2007, na pena de sete meses e 15 dias de prisão, suspensa pelo período de um ano; iii. Por sentença transitada em julgado em 12 de março de 2009, por factos ocorridos em 17 de julho de 2008, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de €5,00; iv. Por sentença transitada em julgado em 21/09/2012, o arguido foi condenado, por factos ocorridos em 10/03/2010, pela prática de um crime de coação, na pena de 18 meses de prisão, suspensa por igual período de tempo; v. Por sentença transitada em julgado em 13/04/2015, o arguido foi condenado, por factos ocorridos em 03/11/2007, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de dois anos de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo; vi. Por sentença transitada em julgado em 13/04/2015, o arguido foi condenado, pela prática em 13/02/2012, de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de cinco meses de prisão, substituída por 150 dias de multa, à taxa diária de €5,00; vii. Por sentença transitada em julgado em 20/11/2015, o arguido foi condenado, por sentença transitada em julgado em 03/05/2011, pela prática de um crime de falsas declarações, na pena de sete meses de prisão, suspensa pelo período de um ano. viii. Por sentença transitada em julgado em 15/09/2016, o arguido foi condenado, pela prática em 03/04/2007, de um crime de roubo, na pena de um ano e seis meses de prisão, suspensa por igual período de tempo, com sujeição a deveres; ix. Por sentença transitada em julgado a 31/05/2022, o arguido foi condenado, pela prática em 28/10/2018, de um crime de furto qualificado, na pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa por igual período de tempo, com regime de prova.
Realçando-se, ainda, que praticou os factos pelos quais foi condenado nos autos em referência no período de suspensão de execução da pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, que lhe havia sido por último aplicada.
Vale tudo por dizer que, como concluiu o Tribunal a quo: «No caso concreto, não se vislumbra ser possível a efetivação de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido, tanto mais que já lhe foram concedidas diversas oportunidades ao longo dos anos, como penas de multa e penas suspensas com regime de prova»
Ou seja, neste quadro de fragilidade, do qual ressaltam ponderosas necessidades de prevenção especial, com particular enfoque na prevenção da reincidência, outra solução não resta senão a de se concluir, tal qual o Tribunal a quo, que inexistem circunstâncias que amparem um juízo de prognose favorável e que sustentem a reclamada suspensão de execução da pena.
Improcede, pois, neste segmento o recurso interposto.
IV. DISPOSITIVO
Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se:
a) Rectificar a alínea g) do dispositivo e o ponto 17º da matéria dada como assente, conforme explicitado em II. 3 e III. 3.;
b) Alterar a redacção dos pontos 10º e 17º dos factos dados como provados e acrescentar as alíneas al. c) e d) aos factos dados como não provados, nos termos que ficaram consignados em III. 4.1.;
b) Revogar o acórdão recorrido, na parcela atinente à pena única aplicada que se substitui pela pena de 3 (três) anos e 10 (dez) meses de prisão, no mais se confirmando o decidido.
Notifique.
Lisboa, 5 de Dezembro de 2024
Ana Marisa Arnêdo
Manuela Trocado
Nuno Matos
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1. Sendo certo que, nesta parte, como consente o Ministério Público, na resposta apresentada, o recorrente procedeu à indicação das normas jurídicas.↩︎
2. Acórdão do S.T.J. de 4/5/2023, processo n.º 96/20.9PHOER.L1. S1, in www.dgsi.pt.↩︎
3. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 3/11/2015, processo n.º 51/11.0PAMRA.E3, in www.dgsi.pt.↩︎
4. Ademais, o Tribunal Constitucional já por inúmeras vezes apreciou a conformidade constitucional do art. 165º, n.º 1 do C.P.P., tendo sempre concluído por um juízo negativo de inconstitucionalidade.↩︎
5. Declaração de voto de Manuel Costa Andrade no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 289/2020, in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/.↩︎
6. Sublinhado e negrito nossos.↩︎
7. Onde expressamente se refere: «10 meses de prisão por cada um dos três crimes de ameaça agravada».↩︎
8. Sublinhado e negrito nossos.↩︎
9. Sublinhado e negrito nossos.↩︎
10. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18/5/2016, processo n.º 1/14.1GBMDA.C1, in www.dgsi.pt.↩︎
11. Sublinhado nosso.↩︎
12. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18/5/2016, processo n.º 1/14.1GBMDA.C1, in www.dgsi.pt.↩︎
13. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/9/2015, processo n.º 2619/12.8GBABF.E1, in www.dgsi.pt.↩︎
14. Crimes Sexuais, Análise Substantiva e Processual, 1ª Edição, Dezembro de 2015, p. 345 e seguintes.↩︎
15. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30/1/2007, processo n.º 2457/06-1, in www.dgsi.pt.↩︎
16. Acórdão do S.T.J. de 10/1/2008, processo n.º 07P4198, in www.dgsi.pt.↩︎
17. Parte final do ponto 17º.↩︎
18. Neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 5/7/2021, processo n.º 159/19.3T9FAF.G1, in www.dgsi.pt., do qual consta, em abono, a seguinte resenha doutrinal e jurisprudencial: Américo Taipa de Carvalho, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, Tomo I, anot. ao art. 153º, § 19, p. 348; Leal-Henriques/Simas Santos, in “Código Penal”, 2º Volume, 2ª Edição, p. 185; Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette, in “Código Penal, Anotado e Comentado”, 2ª Edição, anot. 13 ao art. 153º; Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12.09.2012, processo nº 1221/11.6JAPRT.S1; do Tribunal da Relação de Guimarães de 21.06.2010, processo nº 380/06.4GEGMR.G2, de 23.04.2012, processo nº 326/11.8PBVCT.G1, e de 11.07.2013, processo nº 1400/10.3GAFLG.G1; do Tribunal da Relação do Porto, de 09.07.2014, processo nº 150/10.5PBCBR.P2, e de 25.02.2015, processo nº 1193/12.0GAMAI.P1, do Tribunal da Relação de Lisboa de 19.05.2015, processo nº 361/12.9GAMTA.L1-5; e do Tribunal da Relação de Coimbra de 07/03/2012, processo nº 110/09.9TATCS.C1.↩︎
19. A propósito do tipo legal de resistência e coacção sobre funcionário, refere Cristina Líbano Monteiro, no Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, pág. 341, §9, Coimbra Editora 2001, com inteira acuidade para o que agora releva que: «(…) tem de se considerar que os destinatários da coacção possuem, nalgumas hipóteses deste tipo legal, especiais qualidades no que respeita à capacidade de suportar pressões e estão munidos de instrumentos de defesa que vulgarmente não assistem ao cidadão comum. (…) Mas se é correcta esta distinção tendo em conta a sensibilidade do coagido, não pode, no entanto, tratando-se de agentes da autoridade policial exigir-se para o preenchimento do tipo legal formas extremas de violência ou de ameaça contando com a especial preparação dos agentes, o que seria contraproducente tendo em conta os fins em vista».↩︎
20. Acórdão do S.T.J. de 15/12/20212, processo n.º 5402/20.3T8LRS.S1, in www.dgsi.pt.↩︎