ABUSO SEXUAL
VITIMA
REINSERÇÃO SOCIAL
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PENA EFECTIVA
Sumário

1. Em matéria de criminalidade sexual, a postura comum do agressor é a de negar os factos, como sucedeu nos autos, e essa é manifestamente uma das dificuldades no desenvolvimento de um trabalho bem sucedido de ressocialização e prevenção da reincidência nesta área, dificultando sobremaneira a formulação de um prognóstico favorável sobre o comportamento futuro do agente.
2. A circunstância de o Arguido estar integrado nos planos profissional, social e familiar não impõem um tal juízo de prognose favorável: seja porque essa integração não o impediu de praticar os factos, seja porque no universo do abuso sexual de crianças o agente é frequentemente alguém que não tem quaisquer especiais dificuldades nas demais dimensões da sua vida.
3. O abuso sexual de crianças é de verificação muito frequente: segundo dados oficiais disponíveis, nos anos de 2021, 2022 e 2023 há o registo, respetivamente, nada menos que de 828, 964 e 976 casos; e é também sabido que em cerca de 88% dos casos de abuso sexual o agressor é conhecido da vítima e convive com esta no quotidiano e que em mais de 50% deles o abuso tem lugar em contexto familiar.
4. O abuso sexual provoca múltiplos e graves danos na vítima, seja esta criança, jovem ou adulta, muitos dos quais apenas a médio e longo prazo se farão sentir, como por exemplo: um distorcido sentido de si e uma baixa autoestima; dificuldades na relação com os outros, nomeadamente no estabelecimento de relações emocionalmente profundas; dificuldades relacionadas com a sexualidade; depressão; perturbação de stress pós-traumático; comportamentos autolesivos e mesmo suicidários; ansiedade e dificuldade em gerir os medos.
5. E no caso específico das crianças vítimas, chegando estas à idade adulta acrescem problemas como sentimentos de culpa e vergonha; dificuldades em construir relações de intimidade; e de novo baixa autoestima, com potencial afetação de diferentes áreas da sua vida, como as relações pessoais, a carreira e a saúde.
6. Estes níveis de frequência e gravidade do abuso sexual de crianças são também percebidos internacionalmente, tendo dado origem, entre o mais, à Convenção do Conselho da Europa para a Proteção das Crianças contra a Exploração Sexual e os Abusos Sexuais, conhecida como Convenção de Lanzarote, e em cujo preâmbulo pode ler-se que «todas as formas de abuso sexual de crianças (…) colocam gravemente em perigo a saúde e o desenvolvimento psicossocial da criança» e, um pouco mais adiante, que «o abuso sexual de crianças adquiri[u] proporções inquietantes a nível nacional e internacional».
7. Perante tão elevadas exigências de prevenção geral e especial, justifica-se no caso concreto uma pena efetiva de prisão.
(Sumário da responsabilidade do relator)

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

1 – RELATÓRIO
A. Pelo Juízo Central Criminal de Sintra (Juiz 5) foi proferido acórdão em 20 de junho de 2024, que condenou o AA, solteiro, nascido em ... de ... de 1977 e com os demais sinais identificativos constantes dos autos, acórdão esse que contém o seguinte dispositivo:
1. «Pelo exposto, este tribunal colectivo delibera:
1. Condenar o arguido AA, como autor material e na forma consumada de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1 alínea b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão.
2. Suspender a execução da pena de prisão pelo período de 5 (cinco) anos sujeita a regime de prova, a estabelecer pela DGRSP e a comunicar ao Tribunal, direcionado ao desenvolvimento de consciência crítica, compreensão dos valores subjacentes à condenação, avaliação dos fatores de repetição da conduta, sensibilização para eventual avaliação clínica ou psicológica - arts. 50.º, 53.º e 54.º, do Código Penal.
3. Condenar o referido arguido na pena acessória de proibição de assunção da confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, pelo período de 5 (cinco) anos (art. 69.º-C, n.ºs 2 e 4, do Código Penal).
4. Condenar o arguido nas custas do processo, fixando a taxa de justiça em três U.C.`s (arts. 513.º e 514.º do CPP e art. 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa).
5. Condenar o arguido no pagamento à ofendida BB da quantia de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos em consequência da prática do crime - art. 82.º-A, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal.
(…)
Ao abrigo do disposto nos arts. 212.º, n.º 1 al. b) e 214.º, n.º 2, este último por maioria de razão, do Código de Processo Penal, determina-se a imediata revogação da medida de coação de prisão preventiva e a sua restituição à liberdade, aguardando o arguido os ulteriores termos do processo sujeito às obrigações decorrentes do termo de identidade e residência.»
O Ministério Público interpôs recurso, que finaliza com as seguintes conclusões:
«1 O Ministério Público vem recorrer do douto acórdão proferido pelo Tribunal a quo, no âmbito dos presentes autos, que, pondo termo à causa, deliberou, no segmento decisório que ora releva e se impugna: “1. Condenar o arguido AA, como autor material e na forma consumada de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1 alínea b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão. 2. Suspender a execução da pena de prisão pelo período de 5 (cinco) anos sujeita a regime de prova, a estabelecer pela DGRSP e a comunicar ao Tribunal, direcionado ao desenvolvimento de consciência crítica, compreensão dos valores subjacentes à condenação, avaliação dos fatores de repetição da conduta, sensibilização para eventual avaliação clínica ou psicológica - arts. 50.º, 53.º e 54.º, do Código Penal. 3. Condenar o referido arguido na pena acessória de proibição de assunção da confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, pelo período de 5 (cinco) anos (art. 69.º-C, n.ºs 2 e 4, do Código Penal).”
2 No caso concreto, o recurso ora interposto vem impugnar matéria de direito, sendo a questão que ora se suscita, relativa ao tema da escolha e determinação da pena aplicada ao arguido AA, que constitui assim o seu respetivo objeto.
3 No âmbito do douto acórdão recorrido, o Tribunal a quo considerou como factos provados, para além do mais, os seguintes “1. O arguido AA é companheiro da avó materna da menor BB, nascida a .../.../2013. 2. O arguido, à data dos factos, residia com a companheira na morada sita na ..., onde convivia com BB, que ali se deslocava quinzenalmente, pernoitando de sexta-feira para sábado, o que aconteceu até ao dia ... de ... de 2023. 3. Em data não concretamente apurada do mês de ..., ocorrida numa sexta-feira ou num sábado, anterior ao dia ... de ... de 2023, numa das visitas de BB à residência do arguido, aproveitando-se da circunstância de a avó daquela não se encontrar em casa, quando BB se dirigiu à cozinha a fim de beber água, o arguido, colocou-se por detrás da menor, agarrou-a pela zona da cintura, puxou-a para junto do seu corpo e tentou tocar com as mãos na zona das mamas da menor, por cima da roupa. 4. Ainda nesse dia, quando ambos se encontravam no sofá da sala, o arguido tocou com o dedo na zona da vagina da BB, por cima da roupa (calças de pijama) que esta tinha vestida. 5. Após, o arguido pegou na mão da menor e colocou-a por cima do pénis daquele, por cima das calças que vestia. 6. O arguido tinha pleno conhecimento da idade da BB e sabia que, em função dessa idade, a mesma não tinha suficiente discernimento para se autodeterminar sexualmente, nem para avaliar tais práticas e não poderia consentir ou anuir nas mesmas, assim violando o arguido o seu direito à autodeterminação sexual e à integridade da formação e desenvolvimento da sua personalidade. 7. Mais sabia que a menor é neta da sua companheira, pelo que por ela tinha deveres acrescidos de respeito, cuidado e protecção. 8. O arguido agiu, aproveitando-se da confiança que nele era depositada, na qualidade de companheiro da sua avó e pela relação familiar que mantinham, que lhe permitia ficar sozinho com a menor e praticar tais actos. 9. Ao actuar da forma descrita, o arguido agiu com o propósito de satisfazer os seus desejos sexuais e libidinosos, bem sabendo que dessa forma limitava a liberdade e autodeterminação sexual da menor e que punha em causa o seu sentimento de vergonha e de pudor sexual, o que previu, quis e logrou alcançar. 10. Sabia também que, com as condutas descritas perturbava gravemente o livre e harmonioso desenvolvimento da personalidade e sexualidade da menor, e que eram susceptíveis de prejudicar o seu normal desenvolvimento físico e psicológico. 11. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal. 12. O certificado do registo criminal do arguido averba uma condenação por um crime de violação na forma tentada, p. e p. pelo artigo 164.º, n.º 1 do Código Penal e um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, do Código Penal, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, por factos de 22.05.1999, acórdão de ........2000, transitado em julgado em ........2000. Por despacho proferido em ........2004, a pena de prisão foi declarada extinta. “
4 O Tribunal a quo fundamentou a aplicação ao arguido AA do instituto da suspensão da pena, da seguinte maneira: “ À face da pena de prisão aplicada ao arguido – 5 anos de prisão – impõe-se equacionar a aplicação do instituto da suspensão da execução da pena nos termos prevenidos no artigo 50.º do Código Penal, (...) Antes da prática dos factos em causa nos autos, o arguido tinha já sofrido uma condenação por um crime de violação na forma tentada, p. e p. pelo artigo 164.º, n.º 1 do Código Penal e um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, do Código Penal, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, por factos de 22.05.1999, acórdão de ........2000, transitado em julgado de ........2000. Por despacho proferido em ........2004, a pena foi declarada extinta. No entanto, já decorreram mais de 25 anos desde a data da prática destes crimes e 19 anos desde a data do cumprimento da pena, não lhe sendo conhecidos outros ilícitos. Ademais, desde que foi colocado em liberdade o arguido retomou a sua vida, revelando organização pessoal, social, laboral e familiar até ao momento da sua segunda reclusão, no âmbito dos presentes autos, quando foi preso preventivamente no Estabelecimento Prisional de Lisboa, em 06.07.2023, onde tem mantido um comportamento de acordo com as regras institucionais, recebendo visitas da companheira e do filho em comum. O arguido é trabalhador e até à data dos factos dos presentes autos sempre manteve contacto tanto com os filhos como com os netos da sua companheira – a avó de BB - e nunca houve qualquer problema relacional entre os elementos da família. É certo que o arguido não confessou, nem revelou qualquer tipo de arrependimento. No entanto, o percurso anterior do arguido permite-nos concluir que a anterior reclusão teve como consequência a adopção de uma vida conforme ao direito, ou mais concretamente, desde 22.05.1999 até à prática dos factos sub judice, no ano de 2023, ou seja, durante cerca de 24 anos. Ora, o arguido encontra-se preso preventivamente à ordem dos presentes autos desde 06.07.2023, ou seja, há mais de 11 meses e por certo este novo período de reclusão mais uma vez deve ter contribuído para reflectir sobre o seu comportamento e consequências negativas do mesmo, para si e sua família, mesmo que não o verbalize confessando os factos e expressando arrependimento. Isto posto, considerando os longos anos decorridos sem que tenha havido conhecimento da prática de outros crimes e a integração familiar, laboral e social que sucederam à sua anterior reclusão até à data dos presentes factos, podemos concluir que esta factualidade, no que se refere à personalidade do arguido e ao seu perfil comportamental, aponta para um juízo de prognose favorável a uma suspensão da execução da pena, desde que o período de suspensão seja alargado e subordinando a suspensão da execução da pena a regime de prova, onde figurará a frequência de acções com vista a um reforço do juízo crítico face a situações como a dos autos – o que será suficiente para reforçar o juízo de prognose favorável em relação ao comportamento futuro do agente. Não se descura que as razões de prevenção geral são muito elevadas nos crimes de natureza sexual, dado o sentimento de uma certa impunidade que ainda grassa na nossa sociedade, porém e sem prejuízo, não são estas as necessidades punitivas que se encontram na génese do instituto da suspensão da execução da pena, mas antes necessidades de prevenção geral que ficam asseguradas. Entende-se, assim, ser de suspender a execução da pena de 2 anos de prisão aplicada pelo período de 5 anos, a contar do trânsito em julgado da decisão, sujeita a regime de prova, a estabelecer pela DGRSP e a comunicar ao Tribunal, direcionado ao desenvolvimento de consciência crítica, compreensão dos valores subjacentes à condenação, avaliação dos fatores de repetição da conduta, sensibilização para eventual avaliação clínica ou psicológica, tudo nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 50.º, 53.º e 54.º do Cód. Penal.”
5 Neste âmbito e com o devido respeito pelo Tribunal a quo, discordamos da interpretação das normas jurídicas contidas nos artigos 40.º e 50.º do Código Penal, perfilhada pelo Tribunal a quo.
6 Salvo melhor entendimento e com o devido respeito pelo Tribunal a quo, não concordamos com os fundamentos da escolha e determinação da medida da pena única aplicada ao arguido, pelo que entendemos que deverá ser revogado o douto acórdão recorrido no que a esta parte concerne e ser efetiva a pena de prisão aplicada a este arguido, por não se afigurar que a suspensão da sua execução satisfaça suficientemente as necessidades de prevenção geral e especial do caso concreto.
7 Com efeito, pese embora se encontre preenchido o pressuposto formal da suspensão da execução da pena de prisão, facilmente se conclui que não se encontra preenchido o pressuposto material, não sendo possível formular qualquer juízo de prognose favorável relativamente ao arguido.
8 Conforme é consabido, a escolha da pena deve atender ao sentido e ao alcance do princípio geral que resulta da combinação dos artigos 40.º e 70.º do Código Penal, sendo o critério orientador previsto no artigo 70.º do Código Penal, unicamente, o da salvaguarda das necessidades de prevenção.
9 No caso dos autos, pela gravidade dos factos praticados em si mesmos e cometidos contra uma menor de 9 anos que era filha da companheira do arguido, considera-se que a aplicação de pena de prisão suspensa na sua execução, não é suficiente para assegurar as necessidades de prevenção geral e especial subjacentes ao caso concreto, pelo que o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, não decidiu bem ao conceder ao arguido uma oportunidade de cumprimento de uma pena substitutiva da pena de prisão.
10 Em relação à prevenção geral (positiva ou de integração) torna-se desde logo evidente que as necessidades que se fazem sentir atingem um grau elevado, na medida em que o arguido atingiu gravemente a liberdade e autodeterminação sexual da menor, potenciando um forte sentimento de insegurança e repulsa pela natureza dos atos praticados junto da comunidade, acrescidos pela circunstância de o arguido ser companheiro da avó materna da menor, com quem a menor BB ainda mantém contacto.
11 Efetivamente, são muito fortes as exigências de prevenção geral de integração e de intimidação presentes nos crimes de abuso sexual de crianças, em especial quando praticadas no seio familiar.
12 Ora, no caso concreto, verifica-se efetivamente que são muito prementes as necessidades de prevenção geral, não se satisfazendo estas com a aplicação, de uma pena substitutiva da pena de prisão, sob pena de ficar patente um sentimento geral de insegurança e até de impunidade, atento o grande número de casos idênticos que todos os dias ocorrem, sobretudo no seio familiar e dada a notória necessidade de manter a confiança da comunidade nas normas violadas. E ao conceder-se a possibilidade de suspensão da pena ao arguido, possibilita-se que este fique a viver em liberdade e a continuar a conviver com seus familiares e até com a vítima, com a consequente sensação de impunidade do agressor que a mesma irá necessariamente sentir, além do receio da prática de represálias e até de novos factos ilícitos da mesma ou de outra natureza.
13 No que à prevenção especial diz respeito, constata-se que o arguido tem também já antecedentes criminais, entre os quais também por crimes de natureza sexual (tentativa de violação), o que só de si já é um forte preditor da tendência delituosa do arguido.
14 Além disso, o arguido não admitiu os factos, tendo cometido crimes contra uma menor de apenas 9 anos de idade que ajudou a criar e que era como se fosse sua neta, com quem mantinha uma relação muito próxima e que pernoitava na sua residência com frequência.
15 Acresce a isto que os factos cometidos pelo arguido e subjacentes ao crime de abuso sexual de crianças assumem uma gravidade já com algum relevo, quer porque praticados contra uma menor de 9 anos de idade, quer porque não se trataram de meros atos de exibicionismo ou importunação sexual, bastando atentar para o teor dos pontos de facto provados com os n.ºs 3 a 5: “3. Em data não concretamente apurada do mês de ..., ocorrida numa sexta-feira ou num sábado, anterior ao dia ... de ... de 2023, numa das visitas de BB à residência do arguido, aproveitando-se da circunstância de a avó daquela não se encontrar em casa, quando BB se dirigiu à cozinha a fim de beber água, o arguido, colocou-se por detrás da menor, agarrou-a pela zona da cintura, puxou-a para junto do seu corpo e tentou tocar com as mãos na zona das mamas da menor, por cima da roupa. 4. Ainda nesse dia, quando ambos se encontravam no sofá da sala, o arguido tocou com o dedo na zona da vagina da BB, por cima da roupa (calças de pijama) que esta tinha vestida. 5. Após, o arguido pegou na mão da menor e colocou-a por cima do pénis daquele, por cima das calças que vestia.”
16 A circunstância de se ter considerado que o arguido se encontra inserido socialmente, como sucede com a maioria dos arguidos, não implica que as necessidades preventivas especiais sejam menos elevadas, uma vez que a inserção social e familiar do arguido também não corresponde a uma inserção plena, na medida em que não se pode dizer que o mesmo se encontre familiarmente inserido quando praticou os factos em causa no seio familiar, com desrespeito não só pela autodeterminação sexual e integridade da menor mas também pela vida em família.
17 Com a prática destes crimes, o arguido revela, a nosso ver, culpa elevada e não mediana e uma completa indiferença pela idade da menor e pela ligação familiar que os unia, o que redunda numa personalidade não conforme ao direito, conforme bem caracterizou o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de .../.../2002, referindo que esta corresponde a uma personalidade “desrespeitadora dos valores jurídico-criminais pelo que só a execução de uma pena de prisão (…) o determinará a afastar-se da criminalidade. Enfim, em termos de prognose cumpre sublinhar que a personalidade do arguido “aponta claramente no sentido de prementes necessidades de prevenção.” E assim sendo, as necessidades preventivas especiais são também elevadas, a nosso ver.
18 Assim, somos de opinião que, em situações como a dos autos, a execução da pena não deve ser suspensa uma vez que não se compreenderia que a punição por crime com tão elevado grau de ilicitude e censurabilidade ético jurídica, fosse compatível com a ressocialização do criminoso em liberdade, ou seja, as exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico não são conciliáveis com a aplicação de uma pena de substituição à pena de prisão.
19 No caso concreto, verifica-se que são pois muito prementes as necessidades de prevenção geral e especial igualmente, não se satisfazendo estas com a aplicação, de uma pena substitutiva da pena de prisão, sob pena de ficar patente um sentimento geral de insegurança e até de impunidade, quer do ponto de vista da comunidade, quer do próprio arguido.
20 Em conclusão, afigura-se-nos séria reserva quanto ao prognóstico futuro do arguido, perante as exigências punitivas em relevo, o que contende com a suspensão da pena de prisão aplicada pelo Tribunal a quo, entendendo-se outrossim que a pena de 2 (dois) anos aplicada ao arguido, não deverá ser suspensa na sua execução, mas deverá corresponder a uma pena efetiva, a cumprir pelo mesmo, sendo esta a única pena capaz de eficazmente permitir assegurar as elevadas necessidades preventivas gerais e especiais que se fazem sentir no caso concreto.
21 Pelo exposto, não havendo um prognóstico futuro do arguido que seja favorável e perante as exigências punitivas em relevo, o que contende com a suspensão da pena de prisão aplicada pelo Tribunal a quo, entendendo-se outrossim que a pena de 2 (dois) anos aplicada ao arguido, não deverá ser suspensa na sua execução, mas deverá corresponder a uma pena efetiva, a cumprir pelo mesmo, sendo esta a única pena capaz de eficazmente permitir assegurar as elevadas necessidades preventivas que se fazem sentir no caso concreto.
Termos em que, no entendimento do Ministério Público, deverá ser julgado procedente o presente recurso e, em consequência, deverá revogar-se a decisão/deliberação recorrida no que respeita à suspensão da pena, em conformidade com o acima peticionado.»
O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
O Arguido respondeu ao recurso, formulando as seguintes conclusões:
«I. Inconformado com a Decisão, veio o Ministério Público interpor Recurso, insurgindo-se contra a escolha e determinação da pena aplicada ao Arguido.
II. A decisão recorrida não enferma de qualquer irregularidade, erro, vício ou reparo, fazendo a correcta interpretação e aplicação do direito aos factos apurados e é justa na Condenação do Arguido.
III. A matéria de facto encontra-se correctamente julgada e a apreciação jurídica foi realizada com o maior rigor, pelo que a escolha e determinação da pena aplicada ao Arguido obedece à matéria de Direito consagrada.
IV. Insurge-se, portanto, o Ministério Público contra tal decisão, entendendo, em súmula, que há uma violação na interpretação das normas contidas nos artigos 40.º e 50.º do Código Penal, pugnando por uma pena de prisão efetiva ao Arguido.
V. O douto acórdão recorrido não merece reparos no que concerne à aplicação do direito.
VI. Neste ponto, o teor da decisão recorrida em sede de motivação é adequado, verificando-se que o Tribunal a quo fez uma correcta aplicação do Direito.
VII. Ora, das alegações de recurso resulta tão só que o recorrente discorda da escolha e determinação de medida concreta de pena, pois entende que deveria ter sido aplicada uma outra.
VIII. E aí entramos na apreciação da prova feita pelo Tribunal e os motivos pelos quais a versão do arguido não foi considerada credível.
IX. O artigo 374º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe “requisitos da sentença”, dispõe no seu nº 2, que ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
X. A exigência de fundamentação constante da lei destina-se, como referem Leal Henriques e Simas Santos, “a garantir que na sentença se seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, não sendo, pois, uma decisão ilógica, contraditória, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum na apreciação da prova” (Leal Henriques e Simas Santos, “Código de Processo Penal Anotado”, II vol.).
XI. Como bem refere, o Tribunal a quo: “no que se refere à personalidade do arguido e ao seu perfil comportamental, aponta para um juízo de prognose favorável a uma suspensão da execução da pena, desde que o período de suspensão seja alargado e subordinando a suspensão da execução da pena a regime de prova, onde figurará a frequência de acções com vista a um reforço do juízo crítico face a situações como a dos autos – o que será suficiente para reforçar o juízo de prognose favorável em relação ao comportamento futuro do agente. Não se descura que as razões de prevenção geral são muito elevadas nos crimes de natureza sexual, dado o sentimento de uma certa impunidade que ainda grassa na nossa sociedade, porém e sem prejuízo, não são estas as necessidades punitivas que se encontram na génese do instituto da suspensão da execução da pena, mas antes necessidades de prevenção geral que ficam asseguradas. Entende-se, assim, ser de suspender a execução da pena de 2 anos de prisão aplicada pelo período de 5 anos, a contar do trânsito em julgado da decisão, sujeita a regime de prova, a estabelecer pela DGRSP e a comunicar ao Tribunal, direcionado ao desenvolvimento de consciência crítica, compreensão dos valores subjacentes à condenação, avaliação dos fatores de repetição da conduta, sensibilização para eventual avaliação clínica ou psicológica, tudo nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 50.o, 53.o e 54.o, do Cód. Penal.”
XII. De uma leitura atenta da decisão recorrida, resulta que o Mmo. Juiz a quo, cumpriu a exigência legal de descrição do raciocínio, fundamentando-o, descrevendo os factos que considerou provados e, seguidamente; ademais, descrevendo o raciocínio que o levou a considerar tais factos provados; o mesmo sucedendo quanto aos não provados; o mesmo sucedendo também no exame crítico à escolha e determinação da pena a aplicar ao arguido.
XIII. Ora, da análise da fundamentação da Acórdão não se detecta qualquer violação dos arts. 40.º e 50.º do Código Penal.
XIV. Pelo que, o Recurso é apenas uma manifestação do Ministério Público por não ter levado a sua avante; discordância essa que não tem qualquer correspondência ou apoio, sequer, no Direito, nomeadamente na escolha e determinação da Pena a aplicar.
XV. O Tribunal a quo, Bem, pugnou por uma Decisão que permite a Ressocialização e Reintegração do Arguido – esta que é a finalidade máxima de qualquer Pena; ao invés de o Condenar pelo seu passado tão longínquo, o que nos parece ser a pretensão do Ministério Público.
XVI. Nesta conformidade, o Tribunal, devidamente fundamentado e alicerçado pelo Direito, deu preferência às penas não privativas da liberdade uma vez que asseguram de forma suficiente e adequada a tutela dos bens jurídicos, mas também a ressocialização do arguido.
XVII. Por fim, analisada e reexaminada a prova produzida em audiência, designadamente a documental (relatório social), e examinado o Douto Acórdão, conclui-se que o Tribunal a quo interpretou devidamente as normas jurídicas aplicáveis aos presentes autos, nomeadamente as que concernem à escolha e determinação concreta da Pena – fazendo uma correta interpretação do Direito e aplicação ao Caso em concreto.
Tudo ponderado, impõe-se concluir que o Acórdão recorrido não merece qualquer reparo, em consequência, não se mostram violados os artigos 40.º e 50.º do Código Penal.
Termos em que, não deverá ser dado provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público.»
*
Chegados os autos a este Tribunal da Relação, a Sra. Procuradora-Geral Adjunta lavrou douto parecer, acompanhando a posição que fora expressa pela Digna Magistrada do Ministério Público junto da 1ª Instância e realçando que não é possível emitir um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro do Arguido.
*
Cumprido o preceituado pelo art. 417º/2 do Código de Processo Penal, o Arguido respondeu, mantendo a posição que já assumira e defendendo em suma o acerto do acórdão recorrido.
Não se mostra requerida a realização de audiência.
Proferido despacho liminar, foram colhidos os vistos e teve lugar a conferência.
*
2 - FUNDAMENTAÇÃO
2.1 Questões a tratar
É pacífico que são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição da 2ª Instância, sem prejuízo da possibilidade de apreciar as questões de conhecimento oficioso.
Nesta lógica, a única problemática a debater é esta: se deve confirmar-se a suspensão da execução da pena de prisão decidida no acórdão recorrido ou se se justifica, pelo contrário, a efetividade da prisão.
2.2 O acórdão recorrido
Para além da parte do dispositivo que acima se transcreveu, tem o acórdão recorrido o seguinte teor (transcrição nas partes relevantes):
«(…)
FUNDAMENTAÇÃO
a) Matéria de facto provada
De relevante para a decisão resultaram provados os seguintes factos:
1. O arguido AA é companheiro da avó materna da menor BB, nascida a .../.../2013.
2. O arguido, à data dos factos, residia com a companheira na morada sita na ..., onde convivia com BB, que ali se deslocava quinzenalmente, pernoitando de sexta-feira para sábado, o que aconteceu até ao dia ... de ... de 2023.
3. Em data não concretamente apurada do mês de ..., ocorrida numa sexta-feira ou num sábado, anterior ao dia ... de ... de 2023, numa das visitas de BB à residência do arguido, aproveitando-se da circunstância de a avó daquela não se encontrar em casa, quando BB se dirigiu à cozinha a fim de beber água, o arguido, colocou-se por detrás da menor, agarrou-a pela zona da cintura, puxou-a para junto do seu corpo e tentou tocar com as mãos na zona das mamas da menor, por cima da roupa.
4. Ainda nesse dia, quando ambos se encontravam no sofá da sala, o arguido tocou com o dedo na zona da vagina de da BB, por cima da roupa (calças de pijama) que esta tinha vestida.
5. Após, o arguido pegou na mão da menor e colocou-a por cima do pénis daquele, por cima das calças que vestia.
6. O arguido tinha pleno conhecimento da idade da BB e sabia que, em função dessa idade, a mesma não tinha suficiente discernimento para se autodeterminar sexualmente, nem para avaliar tais práticas e não poderia consentir ou anuir nas mesmas, assim violando o arguido o seu direito à autodeterminação sexual e à integridade da formação e desenvolvimento da sua personalidade.
7. Mais sabia que a menor é neta da sua companheira, pelo que por ela tinha deveres acrescidos de respeito, cuidado e protecção.
8. O arguido agiu, aproveitando-se da confiança que nele era depositada, na qualidade de companheiro da sua avó e pela relação familiar que mantinham, que lhe permitia ficar sozinho com a menor e praticar tais actos.
9. Ao actuar da forma descrita, o arguido agiu com o propósito de satisfazer os seus desejos sexuais e libidinosos, bem sabendo que dessa forma limitava a liberdade e autodeterminação sexual da menor e que punha em causa o seu sentimento de vergonha e de pudor sexual, o que previu, quis e logrou alcançar.
10. Sabia também que, com as condutas descritas perturbava gravemente o livre e harmonioso desenvolvimento da personalidade e sexualidade da menor, e que eram susceptíveis de prejudicar o seu normal desenvolvimento físico e psicológico.
11. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
12. O certificado do registo criminal do arguido averba uma condenação por um crime de violação na forma tentada, p. e p. pelo artigo 164.º, n.º 1 do Código Penal e um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, do Código Penal, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, por factos de 22.05.1999, acórdão de ........2000, transitado em julgado de ........2000. Por despacho proferido em ........2004, a pena de prisão foi declarada extinta.
(Condições pessoais do arguido)
13. À data dos factos AA residia com a companheira, CC, com quem tem uma relação desde há 18 anos, vivendo como se de marido e mulher se tratassem e com o filho comum do casal, AA de 16 anos, numa habitação arrendada na zona ..., na ....
14. A dinâmica sociofamiliar pautava-se pela proximidade e afetividade com os elementos da família da companheira, em concreto filhos e netos.
15. O arguido tem ainda um filho mais velho de uma anterior relação, DD, de 27 anos de idade, que reside na margem sul, com o qual mantém pouco contacto, revelando um afastamento ao mesmo.
16. AA e os seis irmãos nasceram em ... e foram criados pelos pais, ambos organizados profissionalmente, o pai como motorista e a mãe como doméstica e a fazer trabalhos ocasionais na área do comércio.
17. A família apresentava uma condição socioeconómica estável e nunca faltou nada em casa nem passaram dificuldades, fazendo face às despesas gerais e familiares, maioritariamente com o vencimento do pai do arguido.
18. O arguido teve um desenvolvimento adequado, sem registo de ocorrências, descrevendo a educação que os pais lhe deram como adequada e consonante com as regras e normas vigentes na sociedade em que estava inserido, no seu país de origem.
19. O pai era tido pelo arguido como figura de autoridade, com a imposição de regras e limites, não havendo registo de modelos comportamentais com recurso à violência.
20. O arguido nasceu em ........1977 e com 14 anos de idade veio para Portugal acompanhado de uma tia materna, com o intuito de prosseguir os estudos e ter melhores oportunidades em termos de futuro, bem como de continuar a jogar futebol, atividade que iniciou ainda em criança.
21. Foi viver com a tia para a zona do Lumiar e inscreveu-se na escola, no entanto acabou por abandonar os estudos, uma vez que não se identificou com a percurso académico, pretendendo integrar mercado de trabalho para ganhar autonomia financeira.
22. No período compreendido entre os 14 e os 17 anos, esteve numa fase de integração, sem qualquer ocupação académica ou laboral, aos cuidados da tia que garantia todas as suas necessidades.
23. Aos 17 anos integra mercado de trabalho na construção civil, altura em que se autonomiza e vai viver para um quarto arrendado no Bairro do Zambujal, em Alfragide.
24. Com 20 anos de idade e por indicação de um primo que vivia no Algarve, mudou-se para essa zona e trabalhou na área hoteleira como ajudante de cozinha.
25. Posteriormente regressa a Lisboa e retoma o trabalho na área da construção civil, emprego que mantinha à data da sua reclusão.
26. Trabalhava na empresa de construção civil (...) com contrato de trabalho, desde ..., auferindo cerca de € 800 mensais, emprego que pretende retomar quando em liberdade.
27. O arguido concluiu o 9.º ano de escolaridade aos 13/14 anos de idade através do ensino regular e quando em Portugal tentou a sua integração escolar, sem sucesso.
28. Iniciou o consumo de bebidas alcoólicas ainda em adolescente, consumo que era excessivo e de forma frequente em contexto social, assim como iniciou o consumo de haxixe, aos 15/16 anos.
29. Desde ..., após o cumprimento da pena de prisão efetiva de 4 anos e 6 meses e ter sido colocado em liberdade, não mais consumiu produtos estupefacientes e retomou a sua vida, revelando organização pessoal, social, laboral e familiar até ao momento dos factos e segunda reclusão, no âmbito dos presentes autos.
30. AA encontra-se preso preventivamente no Estabelecimento Prisional de Lisboa desde 06/07/2023 mantendo um comportamento de acordo com as regras institucionais.
31. O arguido recebe visitas da mulher e do filho e estabelece contactos telefónicos regulares com estes familiares.
32. O arguido é trabalhador e a sua companheira reputa-o como sendo dedicado à família, constituída e alargada e responsável.
33. Até à data dos factos descritos em 3., 4. e 5., o arguido sempre manteve contacto tanto com os seus filhos como com os netos da sua companheira – a avó de BB - e nunca houve qualquer problema relacional entre os elementos da família.
34. O filho em comum do arguido e da sua companheira ficou afetado com a situação de reclusão do pai, tendo precisado de apoio médico especializado, em concreto, na área da pedopsiquiatria.
35. O casal sempre esteve organizado em termos pessoais e profissionais e tanto a companheira do arguido como o filho em comum visitam o arguido regularmente, no estabelecimento prisional, e encontram-se disponíveis para o receber, quando colocado em liberdade.
36. O arguido pretende regressar para junto da companheira e do filho em comum, retomar a sua rotina diária, a sua atividade laboral e organizar-se pessoal e profissionalmente, por forma a estabilizar a sua vida e conseguir proporcionar o melhor possível à sua família, mantendo um comportamento adequado com as normas sociais.
(Mais se provou)
37. Em consequência do comportamento do arguido a menor ficou com tristeza e receio de voltar a casa daquele e de contactar o arguido, pelo que revelou a terceiros o ocorrido.
(…)
c) Motivação da decisão sobre a matéria de facto.
(…)
O Tribunal fundou a sua convicção, no que diz respeito à matéria de facto considerada como provada e não provada, na análise crítica e concatenada de toda a prova produzida em audiência de julgamento, bem como na prova documental e pericial constante dos autos e considerada igualmente analisada naquela sede, tudo à luz da regra da livre apreciação e das restrições legais de valoração existentes (art. 127.º, do CPP).
(…)
Nestes autos o arguido prestou declarações em audiência de julgamento, tendo negado a factualidade que lhe vinha imputada, afirmando que estava sempre com o filho em casa, pelo que seria impossível os factos terem ocorrido, revelando preocupação por ter perdido a família que tinha aquando da pretérita reclusão a que foi sujeito, mormente o contacto com o filho mais velho, não querendo que tal volte a acontecer. Admitiu os factos 1e 2 provados, ou seja, é companheiro da avó materna da menor BB, nascida a .../.../2013 e à data dos factos residia com a companheira na morada sita na ..., onde convivia com BB, que ali se deslocava quinzenalmente, pernoitando de sexta-feira para sábado, o que aconteceu até ao dia ... de ... de 2023. Convivia com a menor, acompanhou o seu crescimento e era como uma neta para si.
Indagado sobre a razão pela qual a menor teria relatado a prática de actos sexuais perpetrados pelo arguido, referiu desconhecer, nunca se tendo apercebido que a menor fosse mentirosa ou não gostasse de si.
(…)
A menor prestou declarações para memória futura em ........2023, as quais foram reproduzidas em julgamento (auto de declarações para memória futura de BB de fls. 140 e 141).
De forma tímida e aparentando alguma vergonha, a menor foi paulatinamente relatando os factos, mormente que falou com a EE (a testemunha EE) e disse-lhe que o avô fez uma coisa que não gostou, concretizando que, estando na casa do arguido (a avó estaria ausente, a trabalhar) após o almoço teve sede e foi à cozinha e o avô puxou-a por detrás, pela barriga, com os dois braços e tentou tocar-lhe nas maminhas, razão pela qual teve medo e chamou pelo tio AA, que se encontrava no quarto e o avô largou-a de imediato. No mesmo dia, mas em momento posterior, já na sala, no sofá, o avô tocou-lhe uma vez com o dedo no “pipi”, não a magoando e sendo questionada se tal lhe fez impressão respondeu afirmativamente. Concretizou que tinha vestido o pijama e o avô tocou-lhe por cima das calças de pijama. Por fim, mais referiu que de seguida o arguido agarrou a sua mão direita e colocou-a no pénis, sobre as calças que o arguido tinha vestidas, mas a menor tirou de imediato a mão e ele deixou. Mais referiu que o arguido era como um avô para ela, dava-lhe tudo o que queria e nunca se sentiu incomodada em mais nenhuma situação a não ser neste dia. Referiu que os factos ocorreram no sábado à tarde, após o almoço.
Cumpre ter presente o relatório da perícia médico-legal, psiquiatria, feita à menor e constante de fls. 208 a 214, no qual a perita Médica consultora de Pedopsiquiatria do INMLCF conclui que a menor “Demonstrou capacidade para reproduzir acontecimentos por si vivenciados, bem como adequada capacidade de compreensão e expressão verbal. Não se denotaram alterações ao nível do pensamento ou da senso-perceção e foi capaz de distinguir entre a verdade e a mentira, e entre realidade e fantasia. Ao longo da entrevista clínico-forense, a menor revelou uma capacidade cognitiva e simbólica adequada à sua faixa etária. Somos de opinião que a menor apresenta um nível de desenvolvimento global coincidente com a sua idade cronológica e que a sua capacidade para conservar memórias, reproduzir acontecimentos por si vivenciados, bem como para compreender, avaliar e relatar factos não se encontra comprometida. Face ao exposto, não nos parece estar comprometida a capacidade e discernimento para testemunhar”. “A examinada contextualiza as alegadas condutas sexualizadas por parte do companheiro da avó, mediante uma base temporal (…) e espacial (…) concreta. As declarações obtidas revelaram consistência interna (i.e., coerência durante a declaração). O relato de BB apresenta uma estrutura lógica e contextualizada não semelhante a um script, havendo descrição de alguns comportamentos e interações (…) e o assumir de eventuais esquecimentos de informação (…)”. “Relativamente à consistência externa (i.e., coerência entre relatos da examinanda), globalmente existe coerência entre os relatos. Importa ter em conta o tempo decorrido entre o alegado acontecimento e a elaboração da presente perícia, pela questão da interferência temporal e/ou sugestionamento acidental (i.e., cada relato ou entrevista, mesmo que informal, constitui um processo de aprendizagem em que cada questão feita pelo interlocutor pode ser assimilada na memória da examinanda, influenciando as evocações posteriores). Na avaliação pedopsiquiátrica realizada, não se apuraram sintomas psicopatológicos de relevo”. “Apesar de não existir atualmente sintomatologia psicológica/psiquiátrica de relevo, pode acontecer os jovens vítimas de abuso sexual não evidenciarem qualquer tipo de sintomatologia durante algum tempo após o abuso (assintomáticos), vindo a manifestar esses mesmo sintomas mais tarde (frequentemente durante a adolescência, pela importância que o corpo e a sexualidade aí assumem). Por esse motivo, somos de opinião que caso surja alguma preocupação ou sintoma no futuro, a menor deverá ser orientada para consulta de Psicologia”. “As condutas de índole sexual acarretam um diferencial de idade e poder entre o adulto e uma criança, criando um sentimento de desigualdade que restringe totalmente a liberdade, a maturidade e capacidade de consentir o ato sexual. A aproximação sexualizada de um adulto configura o bastante para interromper o percurso normativo do desenvolvimento psicossexual de uma menor, antes de esta dispor de competências cognitivas, sociais e emocionais para regular a sua sexualidade. Segundo o que está descrito na literatura, a proximidade na relação entre a vítima e o alegado agressor comporta um fator de intensificação do trauma”.
Ou seja, a menor apresenta um nível de desenvolvimento global coincidente com a sua idade cronológica e a sua capacidade para conservar memórias, reproduzir acontecimentos por si vivenciados, bem como para compreender, avaliar e relatar factos não se encontra comprometida. O relato de BB apresenta uma estrutura lógica e contextualizada não semelhante a um script. É certo que à data dos factos tinha 9 anos de idade, a raiar os 10 anos, sendo natural que o funcionamento normal da memória, envolva esquecimento e perda de detalhes, bem como do ponto de vista emocional, há que ter presente que o relato dos factos envolve a recordação de experiência geradoras de tensão e ansiedade, ainda mais numa situação em que os factos ocorreram num contexto intra-familiar. No entanto, pese embora a existência de algumas hesitações, dúvidas manifestadas quanto a alguns pormenores relativos às circunstâncias concretas em que os factos ocorreram, quanto aos factos relatados relativos ao comportamento de natureza sexual, o cerne da questão, mormente a tentativa de tocar-lhe nas maminhas e o medo que lhe provocou chamando pelo tio AA (o facto deste ter dito em Tribunal não se recordar de tal chamamento é natural, pois não se tendo apercebido do que se passara, por certo seria apenas mais um vez que a menor o chamava), o ter tocado uma vez com o dedo na zona da vagina, não a magoando, mas fazendo-lhe “impressão”, o ter agarrado a sua mão e colocado no pénis, sobre as calças que o arguido tinha vestidas, mas quando puxou a mão para a tirar, ele deixou, correspondem efetivamente à realidade experienciada e que à data tanto a afectou, levando a uma alteração no seu comportamento, não querendo regressar a casa do arguido e sua avó, em cuja companhia até então se sentia confortável. E quanto a estes factos de natureza sexual, que a marcaram indelevelmente, não cremos que tenham ocorrido distorções da memória.
(…)
Fundamentação de Direito
Qualificação jurídica dos factos.
(…)
Isto posto, perante a matéria de facto considerada provada, impõe-se concluir que por uma vez o arguido cometeu actos sexuais de relevo – numa das visitas de BB à residência do arguido, aproveitando-se da circunstância de a avó daquela não se encontrar em casa, quando BB se dirigiu à cozinha a fim de beber água, o arguido, colocou-se atrás da menor, agarrou-a pela cintura, puxou-a para junto do seu corpo, e tentou tocar com as mãos na zona das mamas da menor, por cima da roupa; ainda nesse dia, o arguido tocou com o dedo na zona da vagina da BB, por cima da roupa e após, pegou na mão da menor e colocou-a por cima do pénis daquele, por cima da roupa.
Tais condutas do arguido preenchem a tipicidade objetiva e subjetiva de um crime de abuso sexual de crianças, por referência ao n.º 1, do artigo 171.º, sendo os atos praticados sobre a menor à data com 9 anos de idade, sem quaisquer dúvidas, actos sexuais de relevo, com a agravação do artigo 177.º, n.º 1, alínea b), todos do Código Penal – havia uma relação familiar de proximidade entre ambos e o arguido aproveitou-se dessa relação para praticar actos sexuais de relevo na menor BB.
O arguido tinha pleno conhecimento da idade da BB e sabia que, em função dessa idade, a mesma não tinha suficiente discernimento para se autodeterminar sexualmente, nem para avaliar tais práticas e não poderia consentir ou anuir nas mesmas, assim violando o arguido o seu direito à autodeterminação sexual e à integridade da formação e desenvolvimento da sua personalidade. Sabia que a menor é neta da sua companheira, pelo que, por ela tinha deveres acrescidos de respeito, cuidado e protecção.
Agiu, aproveitando-se da confiança que nele era depositada, na qualidade de companheiro da sua avó e pela relação familiar que mantinham, que lhe permitiam ficar sozinho com a menor e praticar tais actos. Ao actuar da forma descrita, o arguido agiu com o propósito de satisfazer os seus desejos sexuais e libidinosos, bem sabendo que dessa forma limitava a liberdade e autodeterminação sexual da menor e que punha em causa o seu sentimento de vergonha e de pudor sexual, o que previu, quis e logrou alcançar. Sabia também que, com as condutas descritas perturbava gravemente o livre e harmonioso desenvolvimento da personalidade e sexualidade da menor, e que eram susceptíveis de prejudicar o seu normal desenvolvimento físico e psicológico.
Agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
Para além de típica, a actuação do arguido é também ilícita, porque violadora do bem jurídico protegido pela tutela penal, não se tendo apurado quaisquer causas susceptíveis de excluir a ilicitude ou a culpa, tendo sempre agido com dolo directo (artigo 14.º, do Código Penal).
(…)
Da medida concreta da pena a aplicar.
(…)
As necessidades de prevenção geral positiva são aqui particularmente relevantes e elevadas, decorrentes por um lado do sentimento de repulsa e indignação da comunidade perante os abusos sexuais praticados dentro do ambiente familiar e/ou equiparado, e por outro também da forte incidência da criminalidade de índole sexual com crianças, na sociedade portuguesa actual, sendo revelador o elevado número de processos atinentes a crimes desta natureza que nestes últimos anos têm sido julgados neste Tribunal e, outrossim, do alarme social que lhe está hoje associado, tudo a impor especiais necessidades de restabelecer a confiança e segurança da Colectividade nas normas jurídicas que protegem o livre desenvolvimento psíquico e sexual das crianças, e o pleno respeito pela sua integridade física e psíquica.
Com o recurso à prevenção especial pretende dar-se resposta às exigências de socialização do agente, com vista à sua integração na comunidade.
(…)
No caso em apreço, importa considerar:
- É mediano a se aproximar de reduzido, o grau de ilicitude da conduta do arguido, dentro do tipo legal de abuso sexual de crianças agravado por se encontrar numa relação familiar, atento o desvalor da ação e do resultado, considerando que os atos sexuais de relevo cometidos não se encontram entre os mais graves dessa espécie - o arguido tentou tocar com as mãos na zona das mamas da menor de 9 anos de idade, por cima da roupa, tocou com o dedo na zona da vagina, por cima da roupa, que aquela tinha vestida e pegou na mão da menor e colocou-a por cima do pénis daquele, mais uma vez por cima da roupa -, além de que foram concretizados numa só ocasião; - A culpa do arguido, é moderada, atendendo aos concretos actos praticados, pese embora tenha agido com dolo intenso, na sua modalidade mais grave, o dolo directo -cf. al. b) do n.º 2 do art.º 71.º do CP-, aproveitando-se da circunstância da menor frequentar a casa da avó e a facilidade que tinha de acesso à menor;
- As circunstâncias e o modo em que os factos ocorreram;
- A motivação da prática dos factos pelo arguido, tendo agido com o fim, censurável, de satisfazer a sua lascívia e os seus desejos sexuais com a menor, neta da sua companheira;
- A não assunção dos factos pelo arguido;
- O arguido já sofreu uma condenação por um crime de violação na forma tentada, p. e p. pelo artigo 164.º, n.º 1 do Código Penal e um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, do Código Penal, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, por factos de 22.05.1999, acórdão de ........2000, transitado em julgado de ........2000. Por despacho proferido em ........2004, a pena foi declarada extinta. No entanto, já decorreram mais de 25 anos desde a data da prática destes crimes e 19 anos desde a data do seu cumprimento, não lhe sendo conhecidos outros ilícitos.
- As suas condições familiares e sociais, sendo que à data dos factos residia com a companheira, CC (avó da menor), com quem vive desde há 18 anos, e o filho comum do casal, de 16 anos, numa habitação arrendada na zona ..., na ....
Desde ..., após cumprimento da pena de prisão de 4 anos e 6 meses e ter sido colocado em liberdade, retomou a sua vida, revelando organização pessoal, social, laboral e familiar até ao momento da sua segunda reclusão, no âmbito dos presentes autos, encontra-se preso preventivamente no Estabelecimento Prisional de Lisboa, desde 06/07/2023 mantendo um comportamento de acordo com as regras institucionais. Recebe visitas da mulher e do filho e estabelece contactos telefónicos regulares com estes familiares. O arguido é trabalhador e sua companheira reputa-o como sendo dedicado à família, constituída e alargada e responsável.
Até à data dos factos descritos o arguido sempre manteve contacto tanto com os seus filhos como com os netos da sua companheira – a avó de BB - e nunca houve qualquer problema relacional entre os elementos da família.
Assim sendo, atenta a moldura penal aplicável, ponderando todo o circunstancialismo e factores supra descritos, a culpa do arguido, as exigências de prevenção e o desvalor da sua conduta, tem-se por adequado fixar a pena de 2 (dois) anos de prisão.
Da suspensão da execução da pena
À face da pena de prisão aplicada ao arguido – 5 anos de prisão – impõe-se equacionar a aplicação do instituto da suspensão da execução da pena nos termos prevenidos no artigo 50.º do Código Penal, que dispõe: “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime, e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Como refere o Prof. Figueiredo Dias (Direito Penal Português, p. 331), sendo a suspensão da execução da pena “a mais importante das penas de substituição” – não apenas pela frequência com que é aplicada, mas também pelo âmbito lato de aplicação que comporta – a lei, nos termos do art. 50.º do Cód. Penal, exige não só a verificação de um requisito objectivo (condenação em pena de prisão não superior a 5 anos) como também requisitos subjectivos, determinados por finalidades político-criminais, que permitam concluir pelo afastamento futuro do delinquente da prática de novos crimes, através da sua capacidade de se reintegrar socialmente. Trata-se de alcançar a socialização, prevenindo a reincidência.
Por isso, o Tribunal só pode suspender a pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art. 50.º do Cód. Penal).
Destarte, sempre que o julgador puder formular um juízo de prognose favorável, à luz de considerações de prevenção especial sobre a possibilidade de ressocialização do arguido, deverá deixar de decretar a execução da pena.
Estão em causa, não considerações sobre a culpa mas prognósticos acerca das exigências mínimas de prevenção.
Contudo, impõe-se ter presente, como refere o Prof. Figueiredo Dias (ob. cit., p. 344), pode haver casos em que “apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável – à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização – a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime, pois estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade, que ilumina o instituto em análise”.
Vejamos.
Antes da prática dos factos em causa nos autos, o arguido tinha já sofrido uma condenação por um crime de violação na forma tentada, p. e p. pelo artigo 164.º, n.º 1 do Código Penal e um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, do Código Penal, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, por factos de 22.05.1999, acórdão de ........2000, transitado em julgado de ........2000. Por despacho proferido em ........2004, a pena foi declarada extinta.
No entanto, já decorreram mais de 25 anos desde a data da prática destes crimes e 19 anos desde a data do cumprimento da pena, não lhe sendo conhecidos outros ilícitos. Ademais, desde que foi colocado em liberdade o arguido retomou a sua vida, revelando organização pessoal, social, laboral e familiar até ao momento da sua segunda reclusão, no âmbito dos presentes autos, quando foi preso preventivamente no Estabelecimento Prisional de Lisboa, em 06.07.2023, onde tem mantido um comportamento de acordo com as regras institucionais, recebendo visitas da companheira e do filho em comum. O arguido é trabalhador e até à data dos factos dos presentes autos sempre manteve contacto tanto com os filhos como com os netos da sua companheira – a avó de BB - e nunca houve qualquer problema relacional entre os elementos da família.
É certo que o arguido não confessou, nem revelou qualquer tipo de arrependimento. No entanto, o percurso anterior do arguido permite-nos concluir que a anterior reclusão teve como consequência a adopção de uma vida conforme ao direito, ou mais concretamente, desde 22.05.1999 até à prática dos factos sub judice, no ano de 2023, ou seja, durante cerca de 24 anos.
Ora, o arguido encontra-se preso preventivamente à ordem dos presentes autos desde 06.07.2023, ou seja, há mais de 11 meses e por certo este novo período de reclusão mais uma vez deve ter contribuído para reflectir sobre o seu comportamento e consequências negativas do mesmo, para si e sua família, mesmo que não o verbalize confessando os factos e expressando arrependimento.
Isto posto, considerando os longos anos decorridos sem que tenha havido conhecimento da prática de outros crimes e a integração familiar, laboral e social que sucederam à sua anterior reclusão até à data dos presentes factos, podemos concluir que esta factualidade, no que se refere à personalidade do arguido e ao seu perfil comportamental, aponta para um juízo de prognose favorável a uma suspensão da execução da pena, desde que o período de suspensão seja alargado e subordinando a suspensão da execução da pena a regime de prova, onde figurará a frequência de acções com vista a um reforço do juízo crítico face a situações como a dos autos – o que será suficiente para reforçar o juízo de prognose favorável em relação ao comportamento futuro do agente.
Não se descura que as razões de prevenção geral são muito elevadas nos crimes de natureza sexual, dado o sentimento de uma certa impunidade que ainda grassa na nossa sociedade, porém e sem prejuízo, não são estas as necessidades punitivas que se encontram na génese do instituto da suspensão da execução da pena, mas antes necessidades de prevenção geral que ficam asseguradas.
Entende-se, assim, ser de suspender a execução da pena de 2 anos de prisão aplicada pelo período de 5 anos, a contar do trânsito em julgado da decisão, sujeita a regime de prova, a estabelecer pela DGRSP e a comunicar ao Tribunal, direcionado ao desenvolvimento de consciência crítica, compreensão dos valores subjacentes à condenação, avaliação dos fatores de repetição da conduta, sensibilização para eventual avaliação clínica ou psicológica, tudo nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 50.º, 53.º e 54.º, do Cód. Penal.
(…)»
*
2.3 Conhecendo do mérito do recurso
A questão suscitada neste recurso é, recorde-se, a de saber se deve ou não ser suspensa na sua execução a pena de prisão de dois anos fixada pelo Tribunal de 1ª Instância.
No acórdão recorrido entendeu-se que sim, fazendo acompanhar uma tal suspensão de regime de prova; terá o Ministério Público razão ao propugnar neste recurso a efetividade da pena de prisão?
Vejamos.
Diz-nos o art. 50º, nº 1 do Código Penal que «o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do arguido, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
E de acordo com o conjunto do seu regime legal, plasmado, para o que aqui releva, nos arts. 50º, nº 3 e 5 e 51º a 54º do Código Penal, a suspensão da execução da pena de prisão pode ter lugar, por um prazo entre um e cinco anos:
i. sem mais;
ii. com deveres;
iii. com regras de conduta;
iv. com deveres e regras de conduta;
v. com regime de prova, assente num plano de reinserção social, eventualmente também com deveres e regras de conduta (André Lamas Leite, “A suspensão da execução da pena privativa da liberdade sob pretexto da revisão de 2007 do Código Penal”, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, volume II, Coimbra Editora, pg. 600).
O pressuposto material da suspensão, aqui em debate, é o da adequação e suficiência da mera censura do facto e da ameaça da prisão à satisfação das finalidades da punição, que sabemos serem a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (cfr. art. 40º, nº 1 do Código Penal). Dizendo o mesmo de outro modo, a suspensão da execução da pena de prisão, com ou sem deveres, regras de conduta e/ou regime de prova, torna-se imperativa se aquelas mera censura e ameaça de execução da pena de prisão forem suficientes e adequadas para a satisfação das necessidades preventivas do caso (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª edição, Universidade Católica Portuguesa, pg. 226).
Concretizando um pouco o conteúdo e o modo de operar deste pressuposto material, afigura-se-nos que num primeiro momento o tribunal deve ponderar se consegue ou não, atendendo à personalidade do arguido e às circunstâncias do caso, emitir um prognóstico favorável relativamente ao seu comportamento, ou seja, se a simples censura do facto e a ameaça da prisão bastarão para o afastar da criminalidade; e, num segundo momento, emitido que seja o assinalado prognóstico favorável, assente em considerações exclusivas de prevenção especial de socialização, importará averiguar se as exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico se não opõem à suspensão (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pgs. 342 a 344).
Sendo este o enquadramento legal a considerar, afigura-se-nos que o recurso merece provimento.
Expliquemos porquê.
Primeiro aspeto: o juízo de prognose.
Do que em particular se trata é de saber, no momento da decisão, se as condições de vida do Arguido e a sua conduta anterior e posterior ao facto levam ou não a um prognóstico favorável relativamente ao seu comportamento futuro [Figueiredo Dias, ob. cit., pgs. 342-343].
Ora, salvo o devido respeito, não compreendemos como possa ser formulado um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do Arguido.
Senão vejamos: acaso o Arguido confessou os factos, manifestou-se arrependido ou denotou alguma empatia e compaixão para com a vítima?
Bem sabemos que em matéria de criminalidade sexual a postura comum do agressor é a de negar os factos, como sucedeu nos autos [Mouraz Lopes e Tiago Caiado Milheiro, Crimes Sexuais, 4ª edição, Almedina (2023), pg. 47] – essa é manifestamente uma das dificuldades no desenvolvimento de um trabalho bem sucedido de ressocialização e prevenção da reincidência nesta área e que também contribui, acrescente-se desde já, para que a comunidade sinta que se impõe uma reação vigorosa do sistema penal.
Há com efeito que ter extremas cautelas neste domínio, visto que aquela negação evidencia uma falta de reconhecimento do mal causado, que é próxima de um «não querer saber da vítima» ou de um «não querer ver que existe uma vítima», e que em qualquer caso dificulta sobremaneira a formulação de um prognóstico favorável sobre o futuro. Com efeito, sem interiorização da responsabilidade (da qual não há qualquer evidência no caso do Arguido) dificilmente será possível alterar comportamentos (João Luís de Moraes Rocha e Sónia Maria Silva Constantino, "Reclusão e Mudança" - Entre a Reclusão e a Liberdade, Vol. II, Pensar a Reclusão, Almedina, pág. 171, obra citada e acompanhada pelo Ac. da RL de .../.../2018, relatado por Ana Paula Grandvaux, www.dgsi.pt).
A partir do momento em que se considera demonstrada factualidade como aquela que aqui temos – e essa factualidade não está em causa neste recurso – um juízo positivo de prognose estaria quase invariavelmente associado, desde logo, à verbalização e ao genuíno reconhecimento, pelo Arguido, de que atuou de uma forma censurável, que causou ou pôde causar um impacto negativo sobre a vítima e que revela uma real preocupação para com esta. São esses os pontos de partida que, não constituindo garantia de um juízo de prognose favorável, são-lhe em larga medida necessários.
Objetar-se-á que o Arguido está integrado nos planos profissional, social e familiar. Estará integrado – conceda-se; mas isso não o impediu de praticar os factos em causa, como não o impedirá, em tese, de voltar a praticá-los, se porventura as circunstâncias a tanto propícias voltarem a reunir-se. Mais: o agente deste tipo de crime é frequentemente, como se sabe, alguém que não tem quaisquer especiais dificuldades nas demais dimensões da sua vida, e nomeadamente nos planos social e profissional (neste sentido veja-se por exemplo Adriana Maduro, “Crimes sexuais: caracterização do agressor e variáveis associadas ao tipo de crime”, pg. 38, https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/86448/2/158841.pdf); pode até dizer-se que de algum modo essa sua integração na comunidade, a par do ambiente de recato familiar em que a situação ocorre, camufla a problemática e torna mais difícil a deteção e punição dos comportamentos.
Lê-se no acórdão recorrido que «o percurso anterior do arguido permite-nos concluir que a anterior reclusão [pela prática de um crime de violação na forma tentada e de um crime de roubo] teve como consequência a adopção de uma vida conforme ao direito, ou mais concretamente, desde 22.05.1999 até à prática dos factos sub judice, no ano de 2023, ou seja, durante cerca de 24 anos»; e acrescenta-se que «o arguido encontra-se preso preventivamente à ordem dos presentes autos desde 06.07.2023, ou seja, há mais de 11 meses e por certo este novo período de reclusão mais uma vez deve ter contribuído para reflectir sobre o seu comportamento e consequências negativas do mesmo, para si e sua família, mesmo que não o verbalize confessando os factos e expressando arrependimento».
O raciocínio do Tribunal de 1ª Instância parece-nos ter sido este: se o Arguido cumpriu já uma pena de prisão efetiva e em seguida esteve vinte anos sem cometer novo crime, tal significa que aquele período de reclusão surtiu os seus efeitos; tendo entretanto sofrido nova reclusão, é expectável que venha a suceder o mesmo, isto é, que o Arguido, refletindo, não voltará a cometer novo ilícito a curto ou médio prazo.
Ainda que compreendamos essa posição, não a subscrevemos.
Não a subscrevemos desde logo quanto à enunciação dos pressupostos gerais desse raciocínio. Porquê?
Em primeiro lugar porque aquele anterior período de reclusão ocorreu no contexto do cumprimento de uma pena de prisão e este recente enquadrou-se na execução de uma prisão preventiva. Assim é que divergem um e outro de tais períodos de reclusão nas suas finalidades e nos seus modos de execução: recorde-se que decorre do art. 2º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade que «a execução das penas (…) visa a reinserção do agente na sociedade, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, a proteção de bens jurídicos e a defesa da sociedade» enquanto que «a execução da prisão preventiva (…) visa assegurar a satisfação das exigências cautelares que justificaram a sua aplicação»; e recorde-se ainda que, ao contrário do que sucede na execução da pena de prisão, a prisão preventiva tem lugar sem perder de vista o princípio da presunção de inocência de que o visado beneficia, como abertamente explicita o art. 123º, nº 1 daquele mesmo Código, sendo portanto «executada de forma a excluir qualquer restrição da liberdade não estritamente indispensável à realização da finalidade cautelar que determinou a sua aplicação e à manutenção da ordem, segurança e disciplina no estabelecimento prisional».
Em segundo lugar porque não se assemelha a duração destes períodos de reclusão: repare-se que a pena de prisão aplicada ao Arguido foi de 4 anos e 6 meses e a prisão preventiva havida à ordem destes autos foi de «apenas» 11 meses e alguns dias.
E em terceiro lugar porque o Tribunal de 1ª Instância confia em que o Arguido fez o que devia ter feito, isto é, que refletiu sobre a sua conduta e que isso levá-lo-á a não reincidir. Se o Arguido fez essa reflexão, diremos nós, não há evidências disso.
Mais. Não só nos afastamos do acórdão recorrido nos apontados pressupostos gerais do raciocínio que leva o Tribunal a emitir um juízo de prognose favorável, como dele nos afastamos ainda a respeito da ilação, subjacente ao que ali se afirma, de que o Arguido no fundo não convoca preocupações decisivas quanto à sua perigosidade.
É que importa ter em conta que um dos crimes pelos quais o Arguido foi condenado tem também uma natureza marcadamente sexual, o que significa, vendo em perspetiva a sua conduta passada, que o cumprimento de uma pena efetiva de prisão e os vinte anos entretanto decorridos de integração social não foram suficientes para que o Arguido arredasse definitivamente da sua vida uma atuação violentadora dos direitos de liberdade ou autodeterminação sexuais das outras pessoas.
Em suma, não logramos emitir um juízo de prognose favorável, o que logo afasta a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão, por a tanto se oporem as exigências de prevenção especial.
Mas para além disso, entendemos que as exigências de prevenção geral também são incompatíveis com uma tal suspensão.
Vejamos.
Regressemos ao princípio, para precisar aquilo de que falamos quando falamos de abuso sexual de crianças como aquele que temos diante nós.
Antes do mais, trata-se de um crime de verificação muito frequente. Segundo os últimos dados oficiais disponíveis, nos anos de 2021, 2022 e 2023 há o registo, respetivamente, nada menos que de 828, 964 e 976 casos de abuso sexual de menores (https://estatisticas.justica.gov.pt/sites/siej/pt-pt/Paginas/Temas/CriminalidadeJusticaPenal.aspx);
Por outro lado, de acordo com o que resulta de estudos publicados (https://www.ordemdospsicologos.pt/ficheiros/documentos/opp_vamosfalarsobreabusosexual_documento.pdf):
i. em cerca de 88% dos casos de abuso sexual, o agressor é conhecido da vítima e convive com esta no quotidiano e em mais de 50% deles o abuso tem lugar em contexto familiar;
ii. o abuso sexual provoca múltiplos e graves danos na vítima, seja esta criança, jovem ou adulta, muitos dos quais apenas a médio e longo prazo se farão sentir (como aliás chega em dado passo a ser referido no relatório pericial elaborado nos autos), tais como, entre outros: um distorcido sentido de si e uma baixa autoestima; dificuldades na relação com os outros, nomeadamente no estabelecimento de relações emocionalmente profundas; dificuldades relacionadas com a sexualidade; depressão; perturbação de stress pós-traumático; comportamentos autolesivos e mesmo suicidários; ansiedade e dificuldade em gerir os medos;
iii. a esses danos possíveis acrescem, no caso específico das crianças vítimas, chegando estas à idade adulta, problemas como: sentimentos de culpa e vergonha; dificuldades em construir relações de intimidade; e de novo baixa autoestima, com potencial afetação de diferentes áreas da sua vida, como as relações pessoais, a carreira e a saúde.
Para além de frequente, o crime de abuso sexual de crianças - não há outra forma de o dizer – é gravíssimo; e a comunidade sente essa frequência e essa gravidade, o que redunda consequentemente em exigências de prevenção geral muito elevadas. Pense-se no impacto intenso e duradouro que quase invariavelmente tem sobre a vítima, que se alonga amiúdes vezes por toda a vida; na frequência com que ocorre; e, no que toca ao contexto familiar em que a maior parte das situações surge, na especial vulnerabilidade em que a vítima se encontra e pela inerente dificuldade de pôr cobro a este fenómeno tristíssimo.
Esses níveis de frequência e gravidade são aliás também percebidos internacionalmente, tendo dado origem, entre o mais, à Convenção do Conselho da Europa para a Proteção das Crianças contra a Exploração Sexual e os Abusos Sexuais, conhecida como Convenção de Lanzarote, a que Portugal está vinculado (cfr. Aviso nº 45/2013, Diário da República, 1ª Série, de 27/03/2013) e em cujo preâmbulo pode ler-se que «todas as formas de abuso sexual de crianças (…) colocam gravemente em perigo a saúde e o desenvolvimento psicossocial da criança» e, um pouco mais adiante, que «o abuso sexual de crianças adquiri[u] proporções inquietantes a nível nacional e internacional». Convenção de Lanzarote esta que prescreve que «cada Parte toma as medidas legislativas ou outras necessárias para qualificar como infração penal (…) a prática de ato sexual com uma criança abusando de reconhecida posição de confiança, autoridade ou influência sobre a criança, incluindo o ambiente familiar» [art. 18º, nº 1, alínea b)];
A reação do sistema de justiça penal não pode, por todo o exposto, deixar de acomodar a necessidade comunitariamente sentida de reafirmação da validade e vigência das normas e dos princípios atingidos e em caso algum contribuir para a normalização deste tipo de violência; tudo para concluir, em suma, que as exigências de prevenção geral são na verdade, insista-se, muito elevadas.
Nestas circunstâncias, e para mais considerando a postura de negação assumida pelo Arguido, afigura-se-nos que um crime de abuso sexual de crianças agravado, como é aqui o caso, dificilmente será compatível com uma pena de prisão não efetiva.
Olhando às particularidades da situação que nos ocupa, não vemos nada que em alguma medida mitigue o padrão de gravidade que associámos a este tipo de ilícito.
São decerto conjeturáveis situações que, caindo dentro do mesmo tipo legal de crime, relevariam de proporções de ainda maior significado; é sempre possível imaginar casos mais graves - insista-se, ainda mais graves. Mas o que temos, caindo dentro do tipo legal de crime, como o acórdão recorrido assumiu e aqui não está posto em crise, participa já plenamente do universo a que urge reagir. Repare-se que o Arguido (pessoa à data com 46 anos) «colocou-se por detrás da menor (que tinha apenas 9 anos), agarrou-a pela zona da cintura, puxou-a para junto do seu corpo e tentou tocar com as mãos na zona das mamas (…), por cima da roupa; no mesmo dia, quando se encontravam no sofá (…), tocou com o dedo na zona da vagina da menor, por cima da roupa (calças de pijama) que esta tinha vestida, e, após, pegou na mão da menor e colocou-a por cima do pénis dele, por cima das calças que vestia; repare-se ainda que «sabia (…) que com as condutas descritas perturbava gravemente o livre e harmonioso desenvolvimento da personalidade e sexualidade da menor»; e repare-se por fim que o Arguido assim agiu em casa da avó da menor, que esta frequentava, e «aproveitando-se da circunstância de [aquela] não se encontrar em casa».
Temos aqui todos os ingredientes de uma muito problemática situação de abuso sexual no seio familiar.
Justifica-se, em suma, a efetividade da pena de prisão.
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Uma palavra final para dar conta de que as razões pelas quais sustentamos a efetividade da prisão opõem-se terminantemente ao recurso a qualquer pena de substituição, e nomeadamente à que em tese poderia aqui aplicar-se (art. 58º do Código Penal); como se opõem também ao cumprimento da prisão em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica (art. 43º do Código Penal).
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3 - DISPOSITIVO
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso, revogando-se o acórdão recorrido na parte em que suspendeu a execução da pena de prisão, assim se determinando o cumprimento efetivo da pena de dois anos de prisão fixada.
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Custas pelo Arguido, fixando-se a taxa de justiça em três UC (arts. 513º, nº 1 e 514º, nº 1 do Código de Processo Penal e 8º/9 do Regulamento das Custas Processuais e a Tabela III anexa).
Registe e notifique.
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Lisboa, 05 de dezembro de 2024
Os Juízes Desembargadores (processado a computador pelo relator e revisto por todos os signatários; assinaturas eletrónicas)
Jorge Rosas de Castro
Ana Paula Guedes
Paula Cristina Bizarro