LIBERDADE CONDICIONAL
DOIS TERÇOS DA PENA
PRESSUPOSTOS DA LIBERDADE CONDICIONAL
Sumário

I-O art.º 61.º, do Código penal (CP) consagra duas modalidades de liberdade condicional: a liberdade condicional facultativa, que opera ope judicis (quando cumprida metade da pena e no mínimo seis meses) e a liberdade condicional obrigatória, que opera Ope Legis (quando cumpridos cinco sextos da pena de prisão superior a seis anos).
II-São pressupostos formais da concessão da liberdade condicional em qualquer das modalidades (art.º 61.º, n.º2, do CP): que o condenado tenha cumprido no mínimo 6 meses de prisão; que se encontre exaurida pelo menos metade da pena e que o condenado consinta em ser libertado condicionalmente.
III-São pressupostos materiais da concessão da liberdade condicional (art.º 61.º, n.º2, alíneas a) e b) do CP) que fundadamente seja de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes (al. a)) (finalidade de prevenção especial); e a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social (al. b)) (finalidade de prevenção geral).
IV-Porém, logo que estejam cumpridos dois terços da pena, deixa de se mostrar necessário o requisito da alínea b) do n.º 2 do art.º 61.º do CP, cumpridos que sejam seis meses de prisão e verificado o consentimento do condenado, dependendo apenas da satisfação das exigências de prevenção especial de socialização, traduzido no juízo de prognose favorável sobre o futuro comportamento do delinquente em liberdade de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
V- Embora o juízo de prognose seja um juízo de probabilidade e não um juízo de certeza, em caso de dúvida séria e inultrapassável sobre a capacidade de condução da vida de modo responsável, sem cometer crimes, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a liberdade condicional não deve ser concedida.
VI-além dos requisitos referidos em III, decorre do art.º 173.º, do Código de Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL) há ainda que ser atendida a relação do condenado com o crime cometido, ponderando-se ainda a necessidade de protecção da vítima.
VII-Para formulação do juízo de prognose não se exige nem uma radical transformação do recluso, nem a assunção dos crimes cometidos, nem é condição essencial o arrependimento do condenado e a interiorização da culpa.
VIII-Porém, no caso concreto, estando preenchidos os pressupostos formais da concessão da liberdade condicional aos dois terços da pena, mas, ao nível dos pressupostos materiais, o recluso, apesar de revelar um comportamento positivo no que respeita à sua formação escolar, desempenho profissional e social e avaliação positiva nas medidas de flexibilização de pena RAE, RAI, LSJ e LSCD, estando condenado por crimes de violência doméstica e de violação, tendo antecedentes criminais por crimes contra as pessoas, além de não assumir os crimes cometidos, de não se mostrar arrependido e de não interiorizar a culpa, o mesmo revela dificuldades de descentração, atribui à própria vítima a culpa, sendo ele a vítima e a vítima a culpada, invertendo o sentido da culpa, tudo ponderado, a sua postura interior revela significativas exigências de prevenção especial, criando a dúvida séria e inultrapassável, sobre o caracter favorável do juízo de prognose, o que inviabiliza a concessão da liberdade condicional.
(Sumário da responsabilidade da relatora)

Texto Integral

Acordam, em conferência, os Juízes na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa:

I – Relatório
No processo supra identificado do Tribunal de Execução das Penas dos Açores Juízo de Execução das Penas dos Açores, por decisão de 23.09.2024, não foi concedida a liberdade condicional aos 2/3 da pena ao recluso AA, melhor identificado nos autos.
*
O recluso, notificado de decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, por não se conformar com a mesma, interpõe recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos e pelos fundamentos seguintes (transcrição):
“I - OBJECTO
O recorrente foi condenado na pena de 7 anos de prisão.
Cumpridos que estão 2/3 (5 anos) da pena de prisão cumpria pode ser-lhe concedida a liberdade condicional, desde que reunidos todos os requisitos para o efeito.
A decisão recorrida negou ao recorrente a liberdade condicional, por entender que o mesmo não revela arrependimento, apesar de todos os outros requisitos para o efeito estarem preenchidos.
Não aceita o recorrente essa decisão, pelo que interpõe recurso da mesma.
II – DA NÃO CONCESSÃO DA LIBERDADE CONDICIONAL
O recorrente em sede de julgamento não prestou declarações sobre os factos pelos quais se mostrava acusado e sobre os quais acabou por se condenado.
Por esse facto não pode o recorrente ser prejudicado seja na condenação de que veio a ser alvo, seja agora no momento de apreciar a concessão ou não da liberdade condicional.
Muito menos pode o recorrente ser prejudicado por considerar que foi injustamente condenado e que pretende “limpar” a sua imagem assim que for colocado em liberdade.
O tribunal a quo, em vez de considera todo o percurso do recorrente durante a reclusão e a sua perspetiva de futuro ficou “amarrado” na não confissão por parte do recorrente dos factos pelos quais foi condenado.
Assim sendo, entende o recorrente que cumpriu a pena a que foi condenado, sendo que não se limitou a cumprir a pena, mas sim a ter uma atitude proativa, aderindo a todos os programas de formação e ocupação que lhe foram propostos.
O recorrente durante a reclusão concluiu o 12.º ano de escolaridade.
Presentemente, encontra-se a trabalhar na ... no âmbito do regime aberto ao exterior.
Tem perspetivas laborais futuras.
Pelo que a concessão da liberdade condicional é da mais elementar Justiça!
III - CONCLUSÕES
Do que antecede resultam, em síntese, as seguintes conclusões:
1- A decisão de não concessão da liberdade condicional não pode depender da confissão ou não dos factos pelos quais o recorrente foi condenado.
2- Em sede de julgamento, o recorrente não prestou declarações.
3- O recorrente já cumpriu 5 anos dos 7 anos a que foi condenado.
4- Durante o cumprimento da pena, o recorrente concluiu o 12.º ano de escolaridade.
5- Tem perspetivas laborais de futuro.
6- Pelo que o tribunal recorrido violou o artigo 61.º, do Código Penal.
Por todo o exposto, deve ser revogada a decisão objeto de recurso e substituída por outra que conceda a liberdade condicional ao arguido, fazendo-se dessa forma JUSTIÇA.
O Ministério Público vem também interpor recurso da decisão, o qual vem dirigido ao Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos do disposto nos artigos 406.°, n.° 2, 407.°, n.° 1, 408°, n.° 3 e 427.°, todos do C. P. Penal, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição).
1º.- O recluso AA, encontra-se a cumprir a pena única de 7 anos de prisão, no âmbito do Processo nº 428/17.7PAVPV7, do Juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroísmo - Juiz 1, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, alínea b) e nº 2 do Código Penal e de quatro crimes de violação, p. e p. pelo artigo 164º, nº 1, alínea a), do Código Penal.
2º.- O condenado iniciou o cumprimento da pena, por referência ao dia 08.11.2019 (início ficcionado), o meio da pena foi atingido em 08.05.2023, os dois terços da pena ocorreram em 08.07.2024, os cinco sextos da pena, ocorrem em 08.09.2025 e, o termo da pena, está previsto ocorrer em 08.11.2026.
3º.- O Conselho Técnico, prestou os necessários esclarecimentos e emitiu, por maioria, parecer favorável à concessão da liberdade condicional.
4º.- O Ministério Publico pronunciou-se, no sentido de ser concedida, ao recluso, a liberdade condicional, atingidos que foram os dois terços da pena.
5º. - A Mmª. Juiz “a quo”, na sua decisão sobre a liberdade condicional do recluso, no marco dos dois terços da pena, decidiu não lhe conceder tal medida, baseando a sua decisão, no facto de que:
5º.1 - Em relação aos crimes cometidos: - O recluso nega veementemente o cometimento dos crimes pelos quais foi condenado, assumindo-se como inocente.
5º.1.1 - Culpabiliza a vítima (BB) pela condenação, verbalizando que a mesma inventou os factos para se vingar dele porque, passados cerca de quatro meses, ele já estava a namorar com outra pessoa e para receber dinheiro de uma indemnização.
Foi junto aos autos “recibo de quitação”, em que é referido que BB, “na qualidade de queixosa/assistente, no âmbito do processo crime que moveu contra AA declara que recebeu a quantia de mil e quinhentos euros e nada mais tem a exigir a que título for”, cuja assinatura não se encontra reconhecida.
5º.1.2 - O recluso responsabiliza a vítima pela falência da relação, atribuindo-lhe consumos de droga. Refere que, em liberdade, pretende repor a verdade e reabilitar o seu nome, sem verbalizar sentimentos de represália ou ideação contra a vítima.
5º.1.3. - E, quanto às circunstâncias do caso, há que valorar negativamente a natureza e gravidade dos crimes praticados pelo recluso.
5º.1.4 - Quanto à vida anterior do recluso, além dos factos dados como provados, referentes à sua situação económico-social e familiar e para os quais se refere, cumpre referir que é especialmente censurável o facto de o recluso já ter vários outros antecedentes criminais (também referentes a crimes contra as pessoas), o que revela a ausência de impacto que as anteriores condenações tiveram na mudança do seu comportamento.
5º.1.5 - Quanto à personalidade do condenado e sua evolução durante a execução da pena de prisão, o recluso apresenta lacunas nas suas competências pessoais e emocionais, pois apresenta alguma rigidez cognitiva e pouca flexibilização de raciocínio, com dificuldades de descentração e na resolução de problemas, usando um estilo predominantemente manipulador.
5º.1.6 - Evidencia alguma evolução, designadamente, em admitir novas ideias, na forma correta de interagir com os outros e na maior ponderação na tomada de decisões.
5º.1.7 - No entanto, revela uma consciência crítica muito superficial, sem reconhecer a consequência dos seus atos e o impacto destes na vítima e sem manifestar sentimentos de empatia para com esta.
5º.1.8 - No que se refere à relação do recluso com o crime cometido, o recluso nega veementemente a prática dos crimes pelos quais foi condenado, assumindo-se como inocente e referindo que, em liberdade, pretende repor a verdade e reabilitar o seu nome.
Culpabiliza a vítima pela condenação, verbalizando que a mesma inventou os factos.
Responsabiliza ainda a vítima pela falência da relação, atribuindo-lhe consumos de droga.
5º.1.9 - Sendo certo que, a assunção dos factos sem desculpabilização e a reflexão autocrítica sobre a conduta criminosa são indispensáveis para uma cabal interiorização do desvalor da conduta e, como tal, essenciais para que se conclua que o condenado está munido de um relevante inibidor endógeno. Sem interiorização cabal da responsabilidade, dificilmente será possível alterar.
5º.2. - E, o que temos, é que o recluso, depois de cumprir 2/3 da pena e até depois de ter frequentado o Programa dirigido a Agressores de Violência Doméstica (VIDA) durante cerca de 1 ano, continua não só a negar a prática dos crimes, afirmando-se como inocente, mas a inverter o sentido da culpa para a vítima. Com efeito, na sua versão, a vítima é que consumia droga, a vítima é que inventou tudo para se vingar dele por ele ter outra namorada passado pouco tempo e para receber dinheiro de uma indemnização.
5º.2.1 - Neste caso, não se trata apenas de não assumir a prática dos crimes e não revelar arrependimento (o que já seria um sinal de perigo do cometimento de novos crimes). No caso concreto, há mais do que isso: o recluso atribui à vítima a culpa, inverte por isso, o sentido da culpa. Na sua versão, ele é que é a vítima.
6º.- O Código Penal Português contempla um sistema punitivo alicerçado no entendimento, de que, a pena, deve visar a proteção dos bens jurídicos - prevenção geral positiva - e a reintegração do agente na sociedade - prevenção especial positiva.
7º. - A liberdade condicional é uma medida de flexibilização da pena de prisão que visa criar um período de transição entre a reclusão prisional e a liberdade definitiva, período durante o qual, o condenado possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social, enfraquecido por efeito da prisão e, assim, atingir uma adequada reintegração social, satisfazendo-se, desta feita, o preceituado no supra citado artigo 40°, n° 1, do Código Penal (neste sentido cfr. o n° 9, do Preâmbulo do Decreto-Lei n° 400/82, de 23.09 e, A. M. de Almeida Costa, “Passado, Presente e Futuro da Liberdade Condicional no Direito Português”, in boletim da Faculdade da Universidade de Coimbra, Vol. LXV, 1989, págs 433 e 434);
8º. - A concessão da liberdade condicional facultativa está dependente do preenchimento de determinados pressupostos formais (cfr., o artigo 61º, nºs 1 e 2 do Código Penal) emateriais (artigo 61º, n.º 2, alínea a) e b), do Código Penal) pressupostos que são verificados, caso a caso, pelo Juiz do Tribunal de Execução de Penas;
9º. - Estão reunidos/verificados os pressupostos formais para a reapreciação da liberdade condicional, uma vez que o recluso já cumpriu dois terços da pena e declarou aceitar a sua eventual libertação condicional.
10º.- Reunidos os pressupostos formais, a concessão da liberdade condicional está dependente, em primeiro lugar, de um pressuposto subjetivo essencial: - o juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do delinquente no meio social.
11º. - Ou seja, a expectativa de que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes. Trata-se de um pressuposto inultrapassável, por expressa previsão legal. O mesmo é dizer, que, se não existir, a liberdade condicional não poderá ser concedida. Ao formular o juízo de prognose, o tribunal aceita um risco prudencial que radica na expectativa de que o perigo de perturbação da paz jurídica, resultante da libertação, possa ser comunitariamente suportado, por a execução da pena ter concorrido, em alguma medida, para a socialização do delinquente (cfr., Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend, Tratado de Derecho Penal, Parle General, 5ª edição, Cornares, pág. 915).
12º. - Ora, no caso em concreto, entendemos que também estão reunidos os pressupostos materiais/substanciais, para a aplicação da liberdade condicional, nomeadamente:
13º.- Relativamente à prognose favorável sobre o comportamento do condenado, deve ter-se em consideração a evolução da sua personalidade durante o tempo de execução da prisão e a sua perspetivação num juízo de prevenção especial positiva ou de ressocialização.
14º.- Ou seja, para decidir da concessão da liberdade condicional, deve o julgador considerar se o condenado está preparado para se reintegrar na sociedade e prosseguir a sua vida sem cometer novos crimes.
15º.- No caso dos autos constata-se que o recluso evidência um percurso prisional, basicamente adaptado.
16º. - Traduzido no seu ajuste progressivo e assertivo às normas e regras prisionais e na sua capacidade no cumprimento dessas mesmas normas e regras.
17º.- O condenado já atingiu os dois terços da pena, pela qual se encontra recluso, em 08.07.2024.
18º.- Vem demonstrando uma evolução muito positiva em meio prisional, com hábitos de trabalho comprovados, com iniciativas escolarizante e formativa.
19º.- Já beneficiou, com sucesso, de medidas de flexibilização da pena.
20º.- No exterior, beneficia de apoio familiar coeso e securizante, que o incentivarão na procura de atividade laboral e de integração e inserção social positiva.
21º.- Porém, ao longo da sua reclusão, o AA reitera um discurso de discordância com a condenação, não se revendo nos factos que determinaram a sua reclusão, negando que tenha ocorrido qualquer ato que constitua violação ou violência doméstica.
22º.- O condenando é capaz de compreender as consequências dos crimes em causa, para as vítimas, mas não assume a autoria dos crimes pelos quais se encontra em prisão.
23º.- E, embora não verbalize sentimentos de represália, contra a vítima ou ideação com esta, refere que, quando do seu regresso ao meio livre, pretende repor a verdade e reabilitar o seu bom nome.
- Resenhando as finalidades subjacentes à Liberdade condicional, constata-se que:
24º.- O instituto da liberdade condicional, surgiu como uma providência, com vista a responder ao aumento significativo da reincidência, visando, essencialmente, promover a ressocialização de delinquentes, condenados a penas de prisão de média e de longa duração, através da sua libertação antecipada, cumprida que estivesse uma parte substancial dessas mesmas penas, e, deste modo, possibilitar aos condenados a sua gradual preparação para o reingresso na vida livre.
25º.- Cumprida parte da pena a que foi condenado (pelo menos metade em certos casos, dois terços noutros casos), o recluso vê recair sobre si um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro em liberdade, eventualmente condicionado pelo cumprimento de determinadas condições que lhe são impostas, substancialmente análogas aos deveres e regras de conduta que fazem parte das penas de substituição da suspensão da execução da pena de prisão e do regime de prova.
26º.- Assim, na base da criação do instituto em causa esteve uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização, (neste sentido, Figueiredo Dias, in “As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, pág. 528).
- O objetivo do instituto em causa é, pois:
a) - O de criar um período de transição, entre a prisão e a liberdade, durante o qual o condenado possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social, fatalmente enfraquecido, por efeito da reclusão, isto porque, a liberdade condicional, ainda é execução da pena, sendo uma forma de execução, já muito próxima da liberdade plena, mas, ainda assim, condicionada.
- A liberdade condicional é o prolongamento da pena de prisão, embora em meio livre e com o carácter responsabilizante do condenado.
b) - E, a par deste objetivo surge um outro: - com a liberdade condicional facultativa, prevista nos nºs 2 e 3, do artigo 61º, do Código Penal, pretende-se também adaptar a duração do cumprimento da pena, à evolução do condenado no estabelecimento prisional, enquanto o mesmo é estimulado, para que oriente o seu destino, durante o cumprimento da pena, em prol de um comportamento positivo (neste sentido, Jeschek in “Tratado de Derecho Penal”, pág. 1166, citado por Simas Santos e Leal Henriques, in “Código Penal Anotado”, 1997, Ed. Rei dos Livros, I vol. pág. 504).
27º.- Defende-se, desta feita, que a evolução da personalidade do recluso durante a execução da pena de prisão deve ser percetível através de algo que transcenda a esfera meramente interna psíquica daquele, ou seja, através de padrões comportamentais temporalmente persistentes que indiciem um adequado processo de preparação para a vida em meio livre. Isto, porque, são objetivos e finalidades da pena privativa da liberdade, que o recluso aproveite o tempo no estabelecimento prisional, para educar comportamentos e alterar os valores que anteriormente possuía, levando à sua reintegração e à sua reinserção na sociedade, juntamente com a compatibilidade com a defesa da ordem jurídica e paz social, que deve ser atendida pelo tribunal (finalidade preventiva especial e preventiva geral).
28º.- Cabe averiguar, assim, onde se agrupa o arrependimento do condenado e a interiorização da culpa, ou seja, se pelo facto de o condenado não demonstrar arrependimento e interiorização da culpa, terá ou não, que ser sempre valorado negativamente.
29º.- Ou seja, é necessário saber, se a ausência de arrependimento e de consciência crítica pelos factos praticados e pelos quais foi condenado por sentença ou por acórdão transitado em julgado, pode significar perigo de cometimento de novos crimes.
30º.- Efetivamente, do cotejamento da jurisprudência dos tribunais portugueses, resulta que é, praticamente unânime, que, no momento da apreciação da concessão da liberdade condicional, a interiorização da culpa e a demonstração de arrependimento, por parte do recluso são sentimentos desejáveis e valorados.
31º.- Sucede, porém, que tais atitudes, supõem uma mudança interior, que não pode ser imposta, nem tão pouco, perscrutada a sinceridade de verbalizações pelos condenados de “arrependimento” e de “reconhecimento da culpa” (cfr. neste sentido, o Acórdão da Relação de Lisboa de 17.12.2014, in Proc. nº 6645/10.3TXLSB-Q.L1-3, relatado pelo Juiz Desembargador Jorge Langweg, in www.dgsi.pt), ao escrever no ponto 3º, do respetivo sumário:
- “Quando a declaração de arrependimento do recluso, a dois terços da pena, se deve, essencialmente, à penosidade do cumprimento da pena de prisão e à sua ânsia de liberdade, em vez de constituir a expressão de uma genuína mudança de caráter e personalidade, não há lugar à concessão da liberdade condicional”.
31º.1- Neste seguimento, é entendimento pacífico da nossa jurisprudência, “que a concessão da liberdade condicional não está dependente do arrependimento do condenado, nem da assunção, por parte deste, da prática do crime (neste sentido, o Ac. Rel. Lisboa de 12.10.2016, in Proc. 224/16.9TXLSB-D.L1-3, relatado pelo Juiz Desembargador Jorge Raposo e o Ac. Rel. do Porto, de 10.10.2012, in Proc. 1796/10.7TXCBR-H.P1, relatado pelo Juiz Desembargador Vaz Pato, ambos consultáveis em www.dgsi.pt).
31º.2- No último Acórdão acima mencionado, refere-se que: “A ausência de arrependimento pode ser sinal do perigo de cometimento de novos crimes, mas não necessariamente. Se as circunstâncias em que ocorreu o crime são especialíssimas e de improvável repetição, não poderá dizer-se, que a ausência de arrependimento, significa perigo de cometimento de novos crimes. E também, não pode dizer-se, que um recluso que não revele arrependimento, ou que não assuma, mesmo, a prática dos factos que levaram à sua condenação (em julgamento ou durante a execução da pena) não poderá beneficiar de liberdade condicional, antes de atingir cinco sextos da pena (nos termos do nº 4, do artigo 61º, do Código Penal).
32º.- No caso em apreço, deve dizer-se que a ausência de arrependimento, por parte do recluso é, sem dúvida, de considerar, enquanto sinal de algum perigo de cometimento de novos crimes (…). Mas já é questionável, que essa ausência de arrependimento obste, por si só, à concessão de liberdade condicional” (neste mesmo sentido, o Ac. Rel. Lisboa, de 12.07.2023, in Proc. n.º 6803/10.0TXLSB-AG.C1, relatado pelo Juiz Desembargador Pedro Lima, in www.dgsi.pt).
33º. - A razoabilidade que é pedida ao juízo de prognose criminal, não deve estar assente e derivar de um raciocínio de tipo generalizador, impotente para afastar a dúvida dos casos particulares (cfr. Taipa de Carvalho, in “Problemas de Prognose Criminal”, Boletim da Faculdade de Direito, 1978, pág. 467).
34º.- O que importa ater, para a avaliação do juízo de prognose para efeitos de concessão da liberdade condicional é o caso concreto, a pessoa do condenado, com o todo o seu percurso de vida, até ao momento, em que a ponderação da concessão (ou não) da liberdade condicional é feito, e, bem assim, os alicerces familiares, sociais e profissionais, com os quais, em concreto, o condenado pode contar quando colocado em liberdade, sob vigilância do tribunal, até ao termo do prazo da pena em que foi condenado, e ponderar se o tribunal está na disposição a correr o risco dentro de limites aceitáveis.
35º.- Neste sentido, e em face dos fundamentos aduzidos no pontos 5º. a 5º.2.1, relativamente à decisão em crise, e no que respeita aos crimes em causa, ou consideramos o comportamento do condenado como uma patologia e então NESSE CASO, a pena efetiva teria sido necessariamente diferente, ou, não sendo assim, como tudo indica que não foi, tendo a pena sido calculada à medida da culpa, é necessário colocar em prática a finalidade das penas.
36º. - Não se trata apenas de sossegar a opinião pública e, então, não se concede a liberdade condicional, trata-se de exigir ao recluso que se conduza de acordo com as normas que regem a sociedade a que pertence, sob pena de ser obrigado a permanecer recluso até ao final da pena, ou, como é o caso, até ao cumprimento integral dos cinco sextos dessa pena de prisão. - Ora, como se descreve, no supra citado Ac. Rel. Lisboa de 07.07.2016, “se o recluso não admite a prática do crime, mal ou bem, é natural que não se queira sujeitar aquilo a que alguém que admite a sua culpa se sujeita e a que adere por admitir”.
37º.- Efetivamente, o recluso, ao não admitir a prática dos crimes pelos quais se encontra em cumprimento de pena prisão - um crime de violência doméstica e quatro crimes de violação, na pessoa da sua ex-companheira BB - e, considerando a natureza destes ilícitos penais, pode ter interiorizado, até de forma plenamente inconsciente que a culpa partiu da vítima e não dele próprio, o que, admitindo-se não corresponder à verdade, por regra, já não se verifica na maior parte dos ilícitos criminais de outra natureza, nomeadamente, nos crimes contra as pessoas, contra a vida, contra a propriedade, económicos, e outros, em que a sua prática decorre de modo mais visível e com acessibilidade mais objetiva.
- Por seu turno, dos relatórios instrutórios, consta que o condenado não verbaliza sentimentos de represália contra a vítima ou ideação com esta.
38º.- Assim sendo, entende-se que as razões apontadas, pela Decisão em crise, para a não concessão da liberdade condicional do recluso, terão forçosamente de decair ao pretender que o condenado, perante a negação dos crimes em questão, possa assumir “um laivo de autocrítica”, “um mínimo de consciência que agiu mal”, ou “um resquício de empatia pela vítima”, quando efetivamente, o mesmo, nunca assumiu a sua autoria, na prática dessas ações que motivaram a sua condenação em pena de prisão efetiva.
39º. - Em face do exposto, somos de parecer, que pese embora o condenado negue o cometimento dos crimes, não demonstrando, desta feita, arrependimento, pela prática desses crimes, que não assume, o certo é que a sua conduta revela um prognóstico, no sentido de que o mesmo não voltará a cometer crimes, nomeadamente crimes da mesma natureza pelos quais se encontra recluso.
40º.- Não é por assumir o crime, que não quer assumir, e tem todo o direito a tal, como também o tem relativamente ao seu silêncio, que a liberdade condicional é concedida ou retirada.
41º.- Em face das considerações acima expostas, e pese embora o condenado não assuma a prática dos crimes pelos quais se encontra recluso, entende-se que o Sistema Prisional cumpriu a sua função, e que é o momento de o condenado, demonstrar à sociedade, e a si próprio, que já consolidou os valores necessários à sua convivência em sociedade, através do instituto da liberdade condicional, cumprindo com o que lhe é exigido e exigível, o que faz pressupor a existência de uma prognose favorável, por forma a que conduza a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer novos crimes.
42º.- Isto porque, nesta fase de execução da pena, por razões inerentes de reintegração social, familiar e laboral do condenado, justifica-se a concessão de liberdade condicional, pois que, quanto mais longo for o seu período “intramuros”, maior dificuldade advirá para a continuação do seu processo evolutivo na prisão e, consequentemente, para a sua reinserção social.
43º.- Sendo que a sua reaproximação ao meio familiar e sociocomunitário, sem registo de anomalias, avalia-se como expressivo de evolução na capacidade de reflexão sobre o percurso e o estilo de vida antissocial antes protagonizado, bem como, no interesse em alterar a sua conduta.
44º.- Ao não conceder a liberdade condicional ao recluso, a decisão recorrida violou os pressupostos materiais da liberdade condicional, referidos atrás e, consequentemente, incorreu na violação do disposto nas alíneas a) e b), do nº 2, do artigo 61º, do Código Penal.
45º.- E violou ainda, tal decisão, o disposto no artigo 42º, nº 1, do Código Penal.
Nestes termos e em face do acima exposto, deverá dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se a sua substituição por outra decisão, que conceda a liberdade condicional ao recluso AA.
- Contudo, Vossas Excelências, melhor farão justiça.
*
O recurso do recluso foi recebido por despacho com o seguinte teor:
Por para tanto ter legitimidade, estar em tempo e na forma legal o ter apresentado, tratando-se de decisão recorrível, admito o recurso interposto pelo recluso, que sobe imediatamente e em separado, com efeito meramente devolutivo (arts. 179, n°s 1 e 2, 235°, n° 1 e 238°, n° 2, todos do CEPMPL e arts. 411°, 412°, 414°. n° 1, 427° e 432° a contrario sensu, todos do CPP, ex vi art. 239° do CEPMPL).
O recurso do Ministério Público foi igualmente admitido pelo seguinte despacho:
Por para tanto ter legitimidade, estar em tempo e na forma legal o ter apresentado, tratando-se de decisão recorrível, admito o recurso interposto pelo Ministério Público, que sobe imediatamente e em separado, com efeito meramente devolutivo (arts. 179, nos 1 e 2, 235°. n° 1 e 238°, n° 2, todos do CEPMPL e arts. 411°, 412°, 414°, n° 1, 427° e 432° a contrario sensu, todos do CPP. ex vi art. 239° do CEPMPL).
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Remetidos os autos a este Tribunal da Relação de Lisboa a Exma. Sra. Procuradora Geral Adjunta lavrou parecer nos seguintes termos (transcrição):
Os recursos são tempestivos, os recorrentes têm interesse e legitimidade em agir, nada obsta ao conhecimento do mérito da causa. Devem manter-se os efeitos e o regime do recurso fixados.
O MP e o condenado AA vêm recorrer da sentença que não concedeu a liberdade condicional perfeitos que estão 2/3 da pena. O recurso do MP está exaustivamente fundamentado e bem elaborado, razão porque se adere ao seu teor. O MP é do parecer que os recursos devem ser declarados procedentes
*
Foi dispensado o cumprimento do preceituado no n. º2 do art.º 417.º, do Código de Processo Penal, porquanto a Exma. Sra. Procuradora Geral Adjunta, no parecer, limita-se a aderir ao recurso interposto pelo Ministério Público.
*
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência a que alude o artigo 419º do Código de Processo Penal, cumpre decidir.
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II – Factos relevantes para a apreciação do recurso:
1. O recluso AA encontra-se a cumprir a pena única de 7 anos de prisão, no âmbito do Processo nº 428/17.7PAVPV7, do Juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroísmo - Juiz 1, pela prática de um crime de violência doméstica, pº e pº pelo artigo 152º, nº 1, alínea b) e nº 2 do Código Penal e de quatro crimes de violação, p. e p. pelo artigo 164º, nº 1, alínea a), do Código Penal.
2. O recluso iniciou o cumprimento da pena no dia 08.11.2019, o meio da pena foi atingido em 08.05.2023, os dois terços da pena ocorreram em 08.07.2024, os cinco sextos da pena, ocorrem em 08.09.2025 e, o termo da pena, está previsto ocorrer em 08.11.2026.
3. Foram elaborados relatórios versando os aspectos previstos no art.º 173º, nº 1 do CEPMPL.
4. O Conselho Técnico prestou os necessários esclarecimentos e emitiu, por maioria, parecer favorável à concessão da liberdade condicional (art.º 175º do CEPMPL), através dos seguintes votos:
- Chefia do Serviço de Vigilância e Segurança: Favorável;
- Responsável para a Área do Tratamento Prisional: Favorável,
-Responsável da Equipa dos Serviços de Reinserção Social: Desfavorável e
-Director do Estabelecimento Prisional: Favorável (voto de qualidade – cfr. art.º 143º, nº 3 do CEPMPL).
5. Ouvido o recluso, o mesmo não requereu a produção de provas suplementares e deu o seu consentimento à aplicação da liberdade condicional (art.º 176º do CEPMPL).
6. Na sua audição sobre os aspectos considerados pertinentes para a decisão da causa, nos termos do disposto no art.º 176º do CEPMPL, o recluso declarou que consente quanto à aplicação da liberdade condicional.
Mais declarou que:
Se for colocado em liberdade, irá residir na ..., com a sua mãe, CC, de 71 anos de idade e o afilhado/sobrinho DD de 21/22 anos de idade, inserido laboralmente. A sua mãe é doente oncológica e tem diabetes, necessitando de cuidados de saúde e de alimentação, que ele podia proporcionar, se estivesse em liberdade.
Profissionalmente, tem a possibilidade de trabalhar na empresa de construção civil do seu irmão e também pode integrar um programa para trabalhar na ... na .... Pretende publicar livros de poesia e de reflexão e já ganhou dois prémios literários.
Quanto aos factos subjacentes à reclusão, não assume a prática dos mesmos. Considera que BB pode ter inventado os factos para se vingar dele porque ele, passado cerca de quatro meses, já estava a namorar com outra pessoa e para receber dinheiro de uma indemnização. Quer limpar o seu nome.
7. O Ministério Público emitiu parecer favorável à concessão da liberdade condicional (art.º 177º, nº 1 do CEPMPL).
8. A decisão recorrida, tem nesta parte, o seguinte teor: (transcrição).
“(…) 4.2 – O CASO CONCRETO DOS AUTOS:
Com relevo para a decisão a proferir, resulta da(s) certidão(ões) da(s) decisão(ões) condenatória(s), da(s) liquidação(ões) de pena(s), da ficha biográfica, do certificado de registo criminal, dos relatórios juntos ao processo elaborados pelos serviços prisionais (com o aditamento de fls. 161, acompanhado da declaração da ... de fls. 162) e pelos serviços de reinserção social, dos esclarecimentos prestados em conselho técnico, das declarações do recluso aquando da sua audição, do “recibo de quitação” de fls. 158 e do registo de testes de despiste de fls. 170-A:
1 – Quanto aos pressupostos formais concessão da liberdade condicional:
1.1 – Cumprimento de 2/3 da pena e no mínimo 6 meses de prisão (art. 61º, nº 3 do Código Penal): O recluso iniciou o cumprimento da pena por referência ao dia 08/11/2019, com ½ a operar em 08/05/2023, 2/3 em 08/07/2024, 5/6 em 08/09/2025 e termo em 08/11/2026.
1.2 – Consentimento (art. 61º, nº 1 do Código Penal): O recluso consentiu na liberdade condicional.
Assim, no que se reporta aos pressupostos formais da concessão de período liberdade condicional, podemos concluir pelo seu preenchimento.
2 – Quanto aos requisitos substanciais (ou materiais) da concessão da liberdade condicional:
2.1 – Juízo de prognose favorável quanto ao comportamento do condenado em liberdade – ser fundadamente de esperar que, uma vez em liberdade, o condenado conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes (art. 61º, nº 2, al. a) do Código Penal e art. 173º, nº 1, als. a) e b) do CEPMPL), atendendo a:
2.1.1 – Circunstâncias do caso: O recluso encontra-se a cumprir a pena única de 7 anos de prisão (Proc. nº 428/17.7PAVPV 6 , do Juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroísmo – Juiz 1), pela prática de 1 crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nº 1, al. b) e nº 2 do Código Penal e de 4 crimes de violação, p. e p. pelo art. 164º, nº 1, al. a) do Código Penal.
2.1.2 – Vida anterior do condenado:
a) Situação económico-social e familiar: O recluso, de 43 anos de idade, é natural da ilha Terceira. É oriundo de uma família de humilde condição socioeconómica, descrita como funcional e estruturada, com ambiente familiar harmonioso e com condições adequadas ao desenvolvimento do condenado e dos dois irmãos. Contraiu matrimónio aos 31 anos de idade, do qual tem um filho com 11 anos de idade, vindo a relação conjugal a terminar em 2015, não tendo desde então contacto com o filho. O condenado referencia outros relacionamentos afectivos, de curta duração. À data dos factos do processo referido no ponto 2.1.1, o recluso residia com BB (vítima). Na sequência da separação da ofendida, o recluso regressou ao agregado de origem, constituído apenas pela progenitora (tendo o pai já falecido), actualmente, com 71 anos e que padece de problemas de saúde (designadamente, oncológicos), os quais requerem suporte e vigilância de terceiros. Recebeu visitas durante os primeiros 4 meses de prisão, da mãe, do irmão e da namorada. Desde Março de 2020, não mais recebeu qualquer visita (a mãe deixou de ter condições de saúde para efectuar as visitas).
Não realiza videovisitas, mas telefona regularmente para a mãe e para o irmão.
b) Saúde: O recluso teve um acidente de trabalho aos 21 anos de idade (queda de 7
metros de altura), de que resultou fractura da clavícula direita, vértebras e pé direito, tendo o mesmo ficado com problemas na coluna vertebral, o que teve impacto significativo no seu percurso de vida. Por apresentar sintomatologia ansiosa, beneficiou de acompanhamento psicológico entre 11/02/2020 e 23/10/2023, data em que teve alta. Apresenta diagnóstico de fascite plantar esquerda e sinusite. Admite alguns períodos em que consumiu bebidas
alcoólicas em excesso, não se considerando alcoólico. Nos 13 testes de despiste de
substâncias estupefacientes que realizou, obteve resultados negativos.
c) Antecedentes criminais: Tem outros antecedentes criminais, pela prática dos seguintes crimes, cujas penas se encontram extintas: 3 crimes de injúria agravada (um em 28/06/2008 e dois em 18/10/2015), 2 crimes de ameaça agravada (em 18/10/2015) e 1 crime de resistência e coacção sobre funcionário (em 15/10/2015), sendo esta a sua 1ª reclusão.
d) Processos pendentes: nada consta.
2.1.3 – Personalidade do condenado e evolução desta durante a execução da(s) pena(s) de prisão:
a) Comportamento prisional: Inicialmente, o recluso demonstrava uma atitude negativa face à prisão, designadamente, dificuldades em acatar ordens e cumprir com normas e regras. Conta com 7 infracções disciplinares, devidamente punidas, as três últimas das quais praticadas em 16/06/2021. Desde aí, tem vindo a demonstrar disponibilidade para praticar a interiorização e o respeito por regras, mantendo actualmente uma postura de respeito e interacção normativa. Nada consta quanto a louvores. O recluso faz uma gestão financeira adequada.
b) Qualificação escolar/Formação profissional: O condenado iniciou a escolaridade em idade própria, tendo apresentado um percurso escolar regular, concluindo o 9º ano de escolaridade aos 14/15 anos, decidindo terminar os estudos e iniciar actividade laboral. No EP, concluiu o ensino secundário. Tem formação profissional na área da restauração e bar, adquirida em meio livre. Mantém uma atitude positiva face à aprendizagem.
c) Perspectiva laboral: O recluso teve contacto com o mercado de trabalho a auxiliar nas limpezas de uma barbearia. Acompanhava o progenitor na sua actividade laboral (construção civil) e teve também oportunidade de se inserir na área da carpintaria. Aos 18 anos cumpriu o serviço miliar (entre 1998 e 2001). Posteriormente, retomou a actividade de pintor, que exerceu para diferentes entidades, ainda que com alguns constrangimentos na sequência do referido acidente de trabalho. Chegou a trabalhar no estrangeiro (designadamente, em França), como chefe plaquista. Beneficiou, entretanto, do rendimento social de inserção, ainda que entre 2014 e 2016 tenha trabalhado e explorado um café/bar na zona da ..., até à sua insolvência, mantendo-se o condenado desempregado desde então. No EP, tem demonstrado disponibilidade e iniciativa para exercer actividade laboral, que já integrou em diversas ocasiões.
d) Programas: Foi convocado para integrar a edição do Programa de Promoção do Desenvolvimento Moral e Ético que iniciou em 13 de Julho de 2022, mas não compareceu a qualquer sessão, por sobreposição dessas sessões com as aulas de reposição do ensino secundário. Frequentou o Programa dirigido a Agressores de Violência Doméstica (VIDA) desde Maio de 2023, que terminou em Junho de 2024, sendo descrito como um formando interessado e participativo. O Programa de Treino de Competências para a Empregabilidade, que estava previsto o recluso frequentar, não foi ministrado no EP.
e) Actividades socioculturais e desportivas: O recluso integra voluntariamente outras actividades organizadas, nomeadamente, actividades culturais (participando na Oficina de Artes – poesia), actividades de saúde (com a participação na acção Promoção da Saúde e Prevenção da Doença) e nas Sessões formativas (Inteligência Emocional; Comunicação Assertiva e Gestão de Conflitos; Relacionamentos Interpessoais Saudáveis; Estilo de Vida Saudável; Comportamentos Adictivos; Sexualidade Segura). Em 2023, concluiu a formação inicial de Arbitragem de Futsal. Participou em concursos de escrita criativa, tendo sido vencedor num e obtido menção honrosa noutro. Apresentou também um projecto que visa essencialmente apelar a um estilo de vida saudável em meio prisional, através de actividade física, alimentação adequada e outras variantes. Frequenta o ginásio.
f) Competências pessoais e emocionais: O recluso exibe boas capacidades verbais e mantém contacto visual normativo. Apresenta alguma rigidez cognitiva e pouca flexibilização de raciocínio, com dificuldades de descentração e na resolução de problemas, usando um estilo predominantemente manipulador. Evidencia alguma evolução, designadamente, em admitir novas ideias, na forma correcta de interagir com os outros e na maior ponderação na tomada de decisões. No entanto, revela uma consciência crítica muito superficial, sem reconhecer a consequência dos seus actos e o impacto destes na vítima e sem manifestar sentimentos de empatia para com esta.
g) Relação do recluso com o crime cometido: O recluso nega veementemente o cometimento dos crimes pelos quais foi condenado, assumindo-se como inocente. Culpabiliza a vítima (BB) pela condenação, verbalizando que a mesma inventou os factos para se vingar dele porque, passados cerca de quatro meses, ele já estava a namorar com outra pessoa e para receber dinheiro de uma indemnização. Foi junto aos autos “recibo de quitação”, em que é referido que BB, “na qualidade de queixosa/assistente, no âmbito do processo crime que moveu contra AA declara que recebeu a quantia de mil e quinhentos euros e nada mais tem a exigir a que título for”, cuja assinatura não se encontra reconhecida. O recluso responsabiliza a vítima pela falência da relação, atribuindo-lhe consumos de droga. Refere que, em liberdade, pretende repor a verdade e reabilitar o seu nome, sem verbalizar sentimentos de represália ou ideação contra a vítima.
h) Medidas de flexibilização de pena:
- RAE – beneficia desde 19/06/2024;
- RAI – beneficiou desde 07/03/2024 a 19/06/2024;
- LSJ – beneficiou de 2 LSJ, com avaliação positiva;
- LSCD – beneficiou de 2 LSCD, com avaliação positiva.
i) Perspectivas de enquadramento familiar, social e profissional: Em liberdade, pretende residir na ..., com a sua mãe (e com o afilhado/sobrinho DD), a qual manifesta apoio ao filho, nomeadamente, em termos económicos e habitacionais. Na comunidade, não se antecipam reações adversas, não sendo a zona residencial conotada com problemáticas sociais, desviantes ou delinquentes.
Profissionalmente, pretende trabalhar na empresa de construção civil do seu irmão ou contactando eventuais empregadores/entidades que conhece e/ou integrar um programa para trabalhar na ... na ... (a qual manifestou disponibilidade para o receber, mas em serviço comunitário), referindo que pretende publicar livros de poesia e de reflexão.
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Em suma, quanto às circunstâncias do caso, há que valorar negativamente a natureza, número e gravidade dos crimes praticados pelo recluso.
Quanto à vida anterior do recluso, além dos factos dados como provados referentes à sua situação económico-social e familiar, cumpre referir que é especialmente censurável o facto de o recluso já ter vários outros antecedentes criminais (também referentes a crimes contra as pessoas), o que revela a ausência de impacto que as anteriores condenações tiveram na mudança do seu comportamento.
Quanto à personalidade do condenado e sua evolução durante a execução da pena de prisão, cumpre referir que o recluso apresenta lacunas nas suas competências pessoais e emocionais, pois apresenta alguma rigidez cognitiva e pouca flexibilização de raciocínio, com dificuldades de descentração e na resolução de problemas, usando um estilo predominantemente manipulador. Evidencia alguma evolução, designadamente, em admitir novas ideias, na forma correcta de interagir com os outros e na maior ponderação na tomada de decisões. No entanto, revela uma consciência crítica muito superficial, sem reconhecer a consequência dos seus actos e o impacto destes na vítima e sem manifestar sentimentos de empatia para com esta.
No que se refere à relação do recluso com o crime cometido, o recluso nega veementemente a prática dos crimes pelos quais foi condenado, assumindo-se como inocente e referindo que, em liberdade, pretende repor a verdade e reabilitar o seu nome. Culpabiliza a vítima pela condenação, verbalizando que a mesma inventou os factos. Responsabiliza ainda a vítima pela falência da relação, atribuindo-lhe consumos de droga.
Ora, como não podia deixar de ser, num Estado de Direito Democrático, este Tribunal tem como assente que o recluso praticou os crimes pelos quais vem condenado, nos precisos termos dados como provados. Efectivamente, este não é o tribunal do julgamento, nem tão-pouco o TEP tem poderes recursórios, devendo curar, exclusivamente, da execução da pena.
Sendo certo que, a assunção dos factos sem desculpabilização e a reflexão autocrítica sobre a conduta criminosa são indispensáveis para uma cabal interiorização do desvalor da conduta e, como tal, essenciais para que se conclua que o condenado está munido de um relevante inibidor endógeno. Sem interiorização cabal da responsabilidade, dificilmente será possível alterar comportamentos
Como se lê no Ac. do TRL de 21/01/2015, proferido no Proc. nº 7164/10.3TXLSB- K.L1 , o juízo de prognose tem de assentar na constatação de que “algo de relevante tenha mudado em especial no […] modo de pensar [do recluso], e que ocorram situações ou circunstâncias exteriores ao cumprimento da pena ou ao meio prisional, que nos levem a considerar que algo mudou para melhor, na medida que se trata de […] conceder [ao recluso] o benefício de sair da prisão antes de cumprir a pena (adequada aos factos e à sua culpa), por o merecer e não ter mais necessidade de ali se encontrar”.
Relembramos que a lei exige que, na análise da evolução do recluso durante o cumprimento da pena, o TEP atenda, designadamente, à relação do recluso com o crime -cometido (cfr. art. 173º, nº 1, al. a) do CEPMPL).
Nesta sede, cumpre fazer um juízo de prognose sofre o comportamento futuro do recluso e na falta de qualquer “bola de cristal”, que nos permita adivinhar o futuro por artes mágicas, temos de atentar na evolução que o recluso fez até este momento. E, o que temos, é que o recluso, depois de cumprir 2/3 da pena e até depois de ter frequentado o Programa dirigido a Agressores de Violência Doméstica (VIDA) durante cerca de 1 ano, continua não só a negar a prática dos crimes, afirmando-se como inocente, mas a inverter o sentido da culpa para a vítima. Com efeito, na sua versão, a vítima é que consumia droga, a vítima é que inventou tudo para se vingar dele por ele ter outra namorada passado pouco tempo e para receber dinheiro de uma indemnização.
Neste caso, não se trata apenas de não assumir a prática dos crimes e não revelar arrependimento (o que já seria um sinal de perigo do cometimento de novos crimes). No caso concreto, há mais do que isso: o recluso atribui à vítima a culpa, inverte por isso, o sentido da culpa. Na sua versão, ele é que é a vítima. Nem se compare esta atitude ao direito ao silêncio, que em nada é equiparado a esta situação, porquanto o recluso não se limita a negar os factos, apresenta uma versão completamente oposta dos mesmos, colocando- se a ele no lugar de vítima e a vítima no lugar de culpada.
Não há aqui um laivo de autocrítica, um mínimo de consciência que agiu mal, nem um resquício de empatia pelo outro (vítima), mesmo estando em causa crimes graves (4 crimes de violação, além de 1 crime de violência doméstica).
Como é que que, perante esta mentalidade, que o recluso ainda manifesta, se pode fazer um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro, designadamente, no âmbito até de outra relação? No nosso entender, não pode. Pelas regras da experiência comum e da normalidade das coisas, não é possível acreditar que um homem que maltrata uma mulher e ainda a viola 4 vezes, mas que não tem qualquer indício de autocrítica sobre tais factos concretos, uma vez em liberdade, vá conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
In casu, não pode entender-se que o recluso esteja munido de um relevante inibidor interno. A relação manifestada pelo recluso com os crimes cometidos revela que são significativas as exigências de prevenção especial, pois evidenciam uma deformação interior significativa do condenado, que o recluso ainda não alterou, e apontam ainda no sentido de elevarem a ponderação de risco imposta ao Tribunal, pois, quanto mais sensíveis e carecidos de proteção os bens jurídicos ameaçados por uma possível reincidência, menor é a margem de risco a que o Tribunal aceita sujeitar a sociedade por via da libertação antecipada.
Por sua vez, a melhoria do comportamento do recluso, o seu empenho em incrementar a sua formação académica, manter hábitos de trabalho e participar em actividades ocupacionais no estabelecimento prisional, não debelam as fragilidades acima mencionadas, já que consubstanciam factores essencialmente exteriores, insuficientes para colmatar aquele factor interior. Inclusivamente porque, além da violência doméstica, ainda estão em causa quatro crimes sexuais, sendo certo que neste tipo de crimes deva ainda mais ser atribuída especial relevância à atitude face ao crime.
Ademais, como se lê no referido Ac. do TRL de 21/01/2015, Proc. n.º 7164/10.3TXLSB, o bom comportamento prisional não é nada que não seja exigível a um recluso, que conhece as consequências dos incumprimentos ao nível disciplinar, e não é suficiente para que seja concedida uma liberdade condicional.
Enfim, não basta o tempo que o recluso já passou na prisão, era necessário que esse tempo tivesse operado uma mudança na atitude de autocrítica e de responsabilização por parte do recluso perante os crimes que cometeu e a vítima dos mesmos e, neste momento, parece- nos que o recluso ainda não atingiu esse patamar necessário para que possamos fazer um juízo de prognose favorável quanto ao seu comportamento futuro.
Com efeito, os factores referidos evidenciam significativas exigências de prevenção especial pois apontam ainda no sentido de existir um relevante risco de reincidência que o Tribunal não aceita sujeitar a sociedade por via da libertação antecipada.
Face ao exposto, importa que o recluso consolide o seu percurso prisional, impondo-se o cumprimento de tempo acrescido de prisão.
Assim, no que se reporta aos requisitos substanciais da concessão de período liberdade condicional, face à factualidade apurada com relevo para a decisão a proferir, no presente momento, não nos é permitido concluir por um juízo de prognose favorável no sentido de que o condenado conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes.
Isto posto e sem prejuízo de se julgar positivo que o recluso tenha melhorado o seu comportamento em meio prisional, tenha incrementado a sua formação académica (com a obtenção do 12º ano de escolaridade), tenha mantido hábitos de beneficie de apoio familiar, económico e de inserção habitacional no exterior e já tenha beneficiado de medidas de flexibilização da pena (RAE há 3 meses, RAI durante 3 meses, 2 LSJ e 2 LSCD), com avaliação positiva, as razões de prevenção especial supra referidas ditam que o Tribunal não acompanhe o entendimento que foi sufragado pelo Conselho Técnico, por maioria, nem o defendido pelo Ministério Público, uma vez que, no nosso entender, não estão reunidas condições que permitam formular um juízo de prognose favorável de modo a que possa ser concedida ao recluso a liberdade condicional.
Assim, não se mostrando preenchido o requisito substancial da concessão da liberdade condicional, previsto na al. a) do nº 2 e nº 3 do art. 61º do Código Penal, não é de conceder a liberdade condicional.
V – DECISÃO
Pelo exposto, atentos os fundamentos de facto e de direito supra referidos, NÃO CONCEDO a liberdade condicional ao recluso AA, pelo que se manterá, por ora, o cumprimento efectivo da pena de prisão em execução.
Registe, notifique e comunique de acordo com o disposto no art. 177º, nº 3 do CEPMPL.
Após trânsito em julgado, comunique igualmente ao processo de condenação.
D.N.
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Consigno, desde já, que o supra determinado pode ser alterado no caso de a situação jurídico-penal do condenado se modificar.(…) (fim de transcrição)
III-Fundamentos do recurso:
Questões a decidir no recurso:
Constitui jurisprudência assente que o objecto do recurso, que circunscreve os poderes de cognição do tribunal de recurso, delimita-se pelas conclusões da motivação dos recorrentes (artigos 402.º, 403.º, 412.º e 417º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal ad quem quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP, os quais devem resultar directamente do texto desta, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito), ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP).(cfr. artigos 410º, nº 3 e 119º, nº 1, do Código de Processo Penal; a este propósito v.g. ainda o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19.10.1995, publicado no D.R. I-A Série, de 28.12.1995 e, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25.06.1998, in B.M.J. nº 478, pág. 242, de 03.02.1999, in B.M.J. nº 484, pág. 271 e de 12.09.2007, proferido no processo nº 07P2583, acessível em www.dgsi.pt)
Na Doutrina, por todos, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, Volume II, 5.ª Edição atualizada, pág. 590, “As conclusões do recorrente delimitam o âmbito do poder de cognição do tribunal de recurso. Nelas o recorrente condensa os motivos da sua discordância com a decisão recorrida e com elas o recorrente fixa o objecto da discussão no tribunal de recurso… A delimitação do âmbito do recurso pelo recorrente não prejudica o dever de o tribunal conhecer oficiosamente das nulidades insanáveis que afetem o recorrente… não prejudica o dever de o tribunal conhecer oficiosamente dos vícios do artigo 410.º, n.º2 que afetem o recorrente…” e bem assim Simas Santos e Leal-Henriques, em “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 7ª edição, pág. 71 a 82).
É a seguinte a questão a decidir nos presentes autos:
• Da verificação (ou não) dos pressupostos da concessão da liberdade condicional aos dois terços da pena aplicada ao recluso AA (art.ºs 61.º, do C. Penal e 173º e seguintes do CEPMPL),
Como é sabido a aplicação da pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade ou sejam, a realização de fins de prevenção, geral e especial (art. 40º, nº 1 do C. Penal).
Traduzindo esta noção, dispõe o art.º 42º, nº 1 do C. Penal que, a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
Redacção análoga tem o art.º 2º, nº 1 do Código de Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL), ao dispor que:
1 - A execução das penas e medidas de segurança privativas da liberdade visa a reinserção do agente na sociedade, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, a protecção de bens jurídicos e a defesa da sociedade.
2 - A execução da prisão preventiva e do internamento preventivo visa assegurar a satisfação das exigências cautelares que justificaram a sua aplicação.
A liberdade condicional tem uma “finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização que conformou a intenção político-criminal básica da liberdade condicional desde o seu surgimento” (FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, p. 528).
Quanto à sua natureza jurídica constitui um incidente ou medida de execução da pena de prisão (cf. FIGUEIREDO DIAS, Obra citada pág. 532, JOAQUIM BOAVIDA, A Flexibilização da Prisão, Almedina, 2018, p. 124-125, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Julho de 2016 Proc. 824/13.9TXLSB-J.L1-3 e Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 9 de Junho de 2010 e de 27 de Setembro de 2017, Proc. 435/05.2TXCBR-A.C1 e Proc. 386/16.1TXCBR-E.C1 in www.dgsi.pt).
O instituto da liberdade condicional é, assim, um incidente de execução da pena de prisão a que preside uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização, sendo considerado um auxílio e incentivo ao condenado, através da criação de um período de transição entre a prisão e a liberdade, que lhe permita uma adaptação gradual à nova realidade e a consequente adequação da sua conduta aos padrões sociais, necessariamente enfraquecida pelo período de reclusão suportado.
Dispõe o art.º 61.º do Código Penal relativo aos Pressupostos e duração da Liberdade Condicional que:
1 - A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.
2 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:

a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
3 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.

4 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena.
5 - Em qualquer das modalidades a liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena.
O art.º 61º do C. Penal consagra assim duas modalidades de liberdade condicional:
-a liberdade condicional facultativa, que opera “ope judicis”;
- a liberdade condicional obrigatória, que opera “ope legis
De acordo com o disposto no art.º 61º, nº 2, al.s a) e b) do Cód. Penal, são três os pressupostos formais de concessão da liberdade condicional:
1 – Que o condenado tenha cumprido no mínimo 6 meses de prisão;
2 – Que se encontre exaurida pelo menos metade da pena;
3 – Que o condenado consinta em ser libertado condicionalmente (requisito que também é exigido nos casos da referida liberdade condicional obrigatória).
Por outro lado, constituem pressupostos materiais (ou substanciais) da concessão da liberdade condicional:
a) Que fundadamente seja de esperar, «atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer novos crimes»
b) «A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social»
O requisito referido em b) deixa contudo de se mostrar necessário logo que sejam atingidos os dois terços da pena, como é o caso dos autos, conforme resulta expressamente do disposto no nº 3 do preceito em causa.
Relativamente a estes requisitos, resulta claro que o previsto em a) se prende com uma finalidade de prevenção especial (mais concretamente prevenção especial positiva), visando o referido em b) satisfazer exigências de prevenção geral (neste sentido, Paulo Pinto De Albuquerque, Direito Prisional Português e Europeu, Coimbra Editora, 2006 p. 356).
A liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado como decorre do nº 1, do artigo citado.
A liberdade condicional obrigatória ou ope legis é concedida logo que o condenado cumpra cinco sextos da pena de prisão superior a seis anos (nº 4, do mesmo artigo).
No recurso em apreciação está em causa concessão da liberdade condicional aos dois terços da pena, pelo que, atingido este patamar e cumpridos que estejam seis meses de prisão, verificado o consentimento do condenado, ela depende apenas da satisfação das exigências de prevenção especial de socialização – prognose favorável sobre o futuro comportamento em meio livre, o que por vezes se chama de “Prognose de exarcelação” sobre o comportamento futuro do delinquente em liberdade (FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 538).
A lei impõe que para que seja concedida a liberdade condicional o juiz do Tribunal de Execução das Penas faça um juízo de prognose favorável de que uma vez em liberdade o condenado venha a conduzir a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer crimes, sendo que entendemos que em caso de dúvida sobre tal capacidade, a liberdade condicional não deve ser concedida.
Conforme refere Joaquim Boavida a propósito do princípio “in dubio pro reo”, “na fase da execução da pena de prisão e da consequente apreciação da liberdade condicional esse princípio não tem aplicação (…) Portanto, em caso de dúvida séria, que não possa ser ultrapassada, sobre o carácter favorável da prognose, o juízo deve ser desfavorável e a liberdade condicional negada” (A Flexibilização da Prisão, Almedina, 2018, p. 137).
No mesmo sentido, veja-se Figueiredo Dias, ob. cit., p. 344 cujo raciocínio é aplicável à liberdade condicional por remissão da pág. 540, “Questão muito debatida a propósito do juízo de prognose é a de saber se e de que maneira ele deve conexionar-se com o princípio in dúbio pro reo. Não falta quem sustente que em caso de dúvida que não possa ser ultrapassada, sobre o caracter favorável da prognose, impor-se-ia fazer funcionar imediatamente o aludido princípio e, em função dele, decretar (neste caso a liberdade condicional)… havendo porém, razões sérias para duvidar da capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável…”
Também vai no mesmo sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13/04/2021 processo 41/13.8TXEVR-M.E1 (relatora Ana Baselar) “…a lei impõe que para que seja concedida a liberdade condicional o juiz do Tribunal de Execução das Penas faça um juízo de prognose favorável de que uma vez em liberdade o condenado venha a conduzir a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer crimes, sendo que entendemos que em caso de dúvida sobre tal capacidade, a liberdade condicional não deve ser concedida…”.
Haverá assim que atender fundamentalmente às circunstâncias do caso, à vida anterior do agente, à sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
Decorre do art.º 173.º, do CEPMPL que há ainda que ser atendido no relatório dos serviços prisionais, além da avaliação da evolução da personalidade do recluso durante a execução da pena, das competências adquiridas nesse período, do seu comportamento prisional, a sua relação com o crime cometido, sendo que o Relatório dos serviços de reinserção social deverá conter avaliação das necessidades subsistentes de reinserção social, das perspectivas de enquadramento familiar, social e profissional do recluso e das condições a que deve estar sujeita a concessão de liberdade condicional, ponderando ainda, para este efeito, necessidade de protecção da vítima.
Como se lê no Acórdão do TRL de 21/01/2015, proferido no Proc. nº 7164/10.3TXLSB- K.L1 o juízo de prognose tem de assentar na constatação de que “algo de relevante tenha mudado em especial no […] modo de pensar [do recluso], e que ocorram situações ou circunstâncias exteriores ao cumprimento da pena ou ao meio prisional, que nos levem a considerar que algo mudou para melhor, na medida que se trata de […] conceder [ao recluso] o benefício de sair da prisão antes de cumprir a pena (adequada aos factos e à sua culpa), por o merecer e não ter mais necessidade de ali se encontrar”.
Para a formulação do juízo de prognose favorável não se exige, evidentemente, uma radical transformação do recluso: “Em um Estado de direito democrático, fundado no princípio da dignidade humana (art. 1.º e 2.º, da Constituição da República), não cabe entre os objectivos de uma pena criminal a transformação do condenado em homem novo, corrigido das suas íntimas convicções quanto aos motivos da actuação respectiva e psicologicamente reconfigurado pela sanção(…) o que tem de exigir-se como índice da desejada ressocialização, e apenas isso, é a interiorização de uma objectiva adesão à norma criminal e disponibilidade pessoal para tanto, não uma íntima conversão” cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/7/2023, proferido no Processo n.º 6803/10.0TXLSB-AG.C1 (Relator Pedro Lima) in www.dgsi.pt.
Ademais, o comportamento prisional do recluso, constituindo também factor de avaliação da eventual evolução positiva da personalidade, não é no entanto decisivo, “sob pena de se estar a atribuir à liberdade condicional uma natureza – a de uma medida de clemência ou de recompensa por boa conduta – que ela não tem” ( este sentido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30 de Outubro de 2013, Proc. 939/11.8TXPRT-H.P1 Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 8 de Janeiro de 2013, Proc. 1541/11.0TXLSB-E.E1 ambos in www.dgsi.pt).
Volvendo ao caso dos autos, o recluso/recorrente encontra-se a cumprir a pena única de 7 anos de prisão, no âmbito do Processo nº 428/17.7PAVPV7, do Juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroísmo - Juiz 1, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, alínea b) e nº 2 do Código Penal e de quatro crimes de violação, p. e p. pelo artigo 164º, nº 1, alínea a), do Código Penal.
O recluso iniciou o cumprimento da pena, no dia 08.11.2019, tendo o meio da pena sido atingido em 08.05.2023, os dois terços da pena ocorreram em 08.07.2024, os cinco sextos da pena, ocorrem em 08.09.2025 e, o termo da pena, está previsto ocorrer em 08.11.2026. Ouvido em declarações o recluso consentiu na sua colocação em liberdade condicional.
Estão, assim, verificados os pressupostos formais da aplicação da liberdade condicional facultativa dos dois terços da pena.
Não sendo necessário o preenchimento do requisito previsto na alínea b) do n.º2 do art.º 61.º, do C. Penal, atentemos então na verificação, ou não, do seu pressuposto material atinente ao juízo de prognose favorável previsto na alínea c) do n.º2 do mesmo art.º.
É certo que prognose é um juízo de probabilidade e não um juízo de certeza, uma previsão da evolução futura de uma situação, fundada no conhecimento da evolução de situações semelhantes, nas mesmas condições ou seja, fundada nas regras da experiência.
Assim, feita a conjugação e ponderação dos factores supra enunciados, a liberdade condicional deverá ser concedida quando o juiz conclua que o condenado reúne condições que, razoavelmente, fundam a expectativa de que, uma vez colocado em liberdade, assumirá uma conduta conforme às regras da comunidade, que, porém, deverá ser negada quando o julgador conclua que o condenado não reúne tais condições, seja porque o juízo contrário se revela carecido de razoabilidade, seja porque se revela temerário.
Não podemos olvidar que na decisão existe sempre, por um lado, uma margem de subjectividade do juiz, e por outro, a vantagem decorrente da imediação da prova designadamente, da audição do recluso (art. 176º do CEPMPL), imediação de que o tribunal de recurso não comunga.
Para efeitos de concessão da liberdade condicional, reconhecesse que o sentido crítico do agente quanto à própria conduta e, portanto, a interiorização da culpa, é um índice importante para a densificação das exigências de prevenção especial, não sendo, contudo, um pressuposto legal dessa concessão, nem sua condição necessária, pelo que, quando não existe aquela interiorização, nem por isso é legítimo concluir, sem mais, pela prognose negativa, tudo dependendo do caso concreto.
Atentando-se, no caso dos autos, às circunstâncias do caso vemos que o condenado cumpre pena de prisão pela prática de crime um crime de violência doméstica e de quatro crimes de violação, que têm por vítima a sua ex-companheira, quando ainda viviam em união de facto. Trata-se de crimes graves, com peso muito relevante no quadro nacional, dada a frequência com que vêm sendo praticados, em especial o crime de violência doméstica, sendo conhecidos publicamente os Indicadores Estatísticos relativos aos crimes cometidos em contexto de violência doméstica no portal da Violência Doméstica.
São também crimes em que, por existir uma específica relação entre o agente e a vítima, é fonte da significativa taxa de ‘reincidência’, com o correspondente aumento das exigências de prevenção especial, incluindo no que diz respeito à execução das penas de prisão impostas. Nesta medida, em regra, a interiorização da culpa pelo agente deve verificar-se, como condição da concessão da liberdade condicional, sob pena de a vítima ficar antecipadamente desprotegida, com a restituição do agressor ao meio livre, antes da concessão da liberdade condicional obrigatória.
Relativamente à vida anterior do agente. Este item relaciona-se com uma multiplicidade de factores, desde logo de natureza familiar, social e económica, mas também atinentes a eventuais problemáticas aditivas do recluso, bem como à existência ou não de antecedentes criminais, sendo também especialmente importante aferir se o recluso já anteriormente cumpriu penas de prisão ou se o faz pela primeira vez.
No caso dos autos, como decorre da decisão recorrida:
a) quanto à situação económico-social e familiar: O recluso, de 43 anos de idade, é natural da ilha Terceira. É oriundo de uma família de humilde condição socioeconómica, descrita como funcional e estruturada, com ambiente familiar harmonioso e com condições adequadas ao desenvolvimento do condenado e dos dois irmãos. Contraiu matrimónio aos 31 anos de idade, do qual tem um filho com 11 anos de idade, vindo a relação conjugal a terminar em 2015, não tendo desde então contacto com o filho. O condenado referencia outros relacionamentos afectivos, de curta duração. À data dos factos do processo referido no ponto 2.1.1, o recluso residia com BB (vítima). Na sequência da separação da ofendida, o recluso regressou ao agregado de origem, constituído apenas pela progenitora (tendo o pai já falecido), actualmente, com 71 anos e que padece de problemas de saúde (designadamente, oncológicos), os quais requerem suporte e vigilância de terceiros. Recebeu visitas durante os primeiros 4 meses de prisão, da mãe, do irmão e da namorada. Desde Março de 2020, não mais recebeu qualquer visita (a mãe deixou de ter condições de saúde para efectuar as visitas).
Não realiza videovisitas, mas telefona regularmente para a mãe e para o irmão.
b) Saúde: O recluso teve um acidente de trabalho aos 21 anos de idade (queda de 7 metros de altura), de que resultou fractura da clavícula direita, vértebras e pé direito, tendo o mesmo ficado com problemas na coluna vertebral, o que teve impacto significativo no seu percurso de vida. Por apresentar sintomatologia ansiosa, beneficiou de acompanhamento psicológico entre 11/02/2020 e 23/10/2023, data em que teve alta. Apresenta diagnóstico de fascite plantar esquerda e sinusite. Admite alguns períodos em que consumiu bebidas alcoólicas em excesso, não se considerando alcoólico. Nos 13 testes de despiste de substâncias estupefacientes que realizou, obteve resultados negativos.
c) Antecedentes criminais: Tem outros antecedentes criminais, pela prática dos seguintes crimes, cujas penas se encontram extintas: 3 crimes de injúria agravada (um em 28/06/2008 e dois em 18/10/2015), 2 crimes de ameaça agravada (em 18/10/2015) e 1 crime de resistência e coacção sobre funcionário (em 15/10/2015), sendo esta a sua 1ª reclusão.
d) Processos pendentes: nada consta.
Quanto à personalidade do agente e a evolução daquela durante a execução da pena é relevante, como supra já referido, apurar a personalidade manifestada pelo recluso na prática do crime, quais os seus traços, sintomas e exteriorizações e respectivo progresso.
No caso em apreciação, como resulta da decisão recorrida:
2.1.3 – Personalidade do condenado e evolução desta durante a execução da(s) pena(s) de prisão:
a) Comportamento prisional: Inicialmente, o recluso demonstrava uma atitude negativa face à prisão, designadamente, dificuldades em acatar ordens e cumprir com normas e regras. Conta com 7 infracções disciplinares, devidamente punidas, as três últimas das quais praticadas em 16/06/2021. Desde aí, tem vindo a demonstrar disponibilidade para praticar a interiorização e o respeito por regras, mantendo actualmente uma postura de respeito e interacção normativa. Nada consta quanto a louvores. O recluso faz uma gestão financeira adequada.
b) Qualificação escolar/Formação profissional: O condenado iniciou a escolaridade em idade própria, tendo apresentado um percurso escolar regular, concluindo o 9º ano de escolaridade aos 14/15 anos, decidindo terminar os estudos e iniciar actividade laboral. No EP, concluiu o ensino secundário. Tem formação profissional na área da restauração e bar, adquirida em meio livre. Mantém uma atitude positiva face à aprendizagem.
c) Perspectiva laboral: O recluso teve contacto com o mercado de trabalho a auxiliar nas limpezas de uma barbearia. Acompanhava o progenitor na sua actividade laboral (construção civil) e teve também oportunidade de se inserir na área da carpintaria. Aos 18 anos cumpriu o serviço miliar (entre 1998 e 2001). Posteriormente, retomou a actividade de pintor, que exerceu para diferentes entidades, ainda que com alguns constrangimentos na sequência do referido acidente de trabalho. Chegou a trabalhar no estrangeiro (designadamente, em França), como chefe plaquista. Beneficiou, entretanto, do rendimento social de inserção, ainda que entre 2014 e 2016 tenha trabalhado e explorado um café/bar na zona da ..., até à sua insolvência, mantendo-se o condenado desempregado desde então. No EP, tem demonstrado disponibilidade e iniciativa para exercer actividade laboral, que já integrou em diversas ocasiões.
d) Programas: Foi convocado para integrar a edição do Programa de Promoção do Desenvolvimento Moral e Ético que iniciou em 13 de Julho de 2022, mas não compareceu a qualquer sessão, por sobreposição dessas sessões com as aulas de reposição do ensino secundário. Frequentou o Programa dirigido a Agressores de Violência Doméstica (VIDA) desde Maio de 2023, que terminou em Junho de 2024, sendo descrito como um formando interessado e participativo. O Programa de Treino de Competências para a Empregabilidade, que estava previsto o recluso frequentar, não foi ministrado no EP.
e) Actividades socioculturais e desportivas: O recluso integra voluntariamente outras actividades organizadas, nomeadamente, actividades culturais (participando na Oficina de Artes – poesia), actividades de saúde (com a participação na acção Promoção da Saúde e Prevenção da Doença) e nas Sessões formativas (Inteligência Emocional; Comunicação Assertiva e Gestão de Conflitos; Relacionamentos Interpessoais Saudáveis; Estilo de Vida Saudável; Comportamentos Adictivos; Sexualidade Segura). Em 2023, concluiu a formação inicial de Arbitragem de Futsal. Participou em concursos de escrita criativa, tendo sido vencedor num e obtido menção honrosa noutro. Apresentou também um projecto que visa essencialmente apelar a um estilo de vida saudável em meio prisional, através de actividade física, alimentação adequada e outras variantes. Frequenta o ginásio.
f) Competências pessoais e emocionais: O recluso exibe boas capacidades verbais e mantém contacto visual normativo. Apresenta alguma rigidez cognitiva e pouca flexibilização de raciocínio, com dificuldades de descentração e na resolução de problemas, usando um estilo predominantemente manipulador. Evidencia alguma evolução, designadamente, em admitir novas ideias, na forma correcta de interagir com os outros e na maior ponderação na tomada de decisões. No entanto, revela uma consciência crítica muito superficial, sem reconhecer a consequência dos seus actos e o impacto destes na vítima e sem manifestar sentimentos de empatia para com esta.
g) Relação do recluso com o crime cometido: O recluso nega veementemente o cometimento dos crimes pelos quais foi condenado, assumindo-se como inocente. Culpabiliza a vítima (BB) pela condenação, verbalizando que a mesma inventou os factos para se vingar dele porque, passados cerca de quatro meses, ele já estava a namorar com outra pessoa e para receber dinheiro de uma indemnização. Foi junto aos autos “recibo de quitação”, em que é referido que BB, “na qualidade de queixosa/assistente, no âmbito do processo crime que moveu contra AA declara que recebeu a quantia de mil e quinhentos euros e nada mais tem a exigir a que título for”, cuja assinatura não se encontra reconhecida. O recluso responsabiliza a vítima pela falência da relação, atribuindo-lhe consumos de droga. Refere que, em liberdade, pretende repor a verdade e reabilitar o seu nome, sem verbalizar sentimentos de represália ou ideação contra a vítima.
h) Medidas de flexibilização de pena:
- RAE – beneficia desde 19/06/2024;
- RAI – beneficiou desde 07/03/2024 a 19/06/2024;
- LSJ – beneficiou de 2 LSJ, com avaliação positiva;
- LSCD – beneficiou de 2 LSCD, com avaliação positiva.
i) Perspectivas de enquadramento familiar, social e profissional: Em liberdade, pretende residir na ..., com a sua mãe (e com o afilhado/sobrinho DD), a qual manifesta apoio ao filho, nomeadamente, em termos económicos e habitacionais. Na comunidade, não se antecipam reações adversas, não sendo a zona residencial conotada com problemáticas sociais, desviantes ou delinquentes.
Profissionalmente, pretende trabalhar na empresa de construção civil do seu irmão ou contactando eventuais empregadores/entidades que conhece e/ou integrar um programa para trabalhar na ... na ... (a qual manifestou disponibilidade para o receber, mas em serviço comunitário), referindo que pretende publicar livros de poesia e de reflexão.
Não se suscitam dúvidas sobre a evolução comportamental positiva do condenado, quer pela adequação progressiva da conduta ao regime prisional, não obstante as dificuldades iniciais, quer pelo esforço na aquisição de formação escolar, concluindo o ensino secundário, na obtenção de novas competências profissionais, quer pelo empenho na integração no meio social em que, por agora, se insere, participando em programas e actividades sócio culturais e desportivas, o que milita a seu favor.
Tem revelado empenho no que tange ao desempenho de actividade laboral, o que constitui factor de protecção quanto à sua capacidade para, em liberdade, se poder sustentar. Tendo procurado valorizar-se pessoalmente, o que também lhe é favorável.
Iniciou o gozo de medidas de flexibilização da pena, designadamente RAE, LSJ, LSCD e RAI, o que se mostra sempre importante para testar a reaproximação dos reclusos ao meio livre, tendo merecido avaliação positiva.
A evolução claramente positiva do comportamento prisional do condenado é um factor a ter em conta como índice de ressocialização e de um comportamento futuro socialmente responsável.
É, porém, certa a ausência de sentido crítico do condenado quanto aos seus comportamentos pretéritos que resultaram na aplicação da pena de prisão que se encontra a cumprir, e por consequência, também, a ausência de arrependimento.
Cumpre, todavia, referir que não é, em rigor e nos termos legais, requisito de concessão da liberdade condicional que o condenado revele arrependimento e interiorize a sua culpa, embora seja uma meta desejável à luz das finalidades da pena, mas que supõe uma mudança interior que não pode, evidentemente, ser imposta. A ausência de arrependimento pode ser configurada como sinal do perigo de cometimento de novos crimes, mas não necessariamente. Se as circunstâncias em que ocorreu o crime são especialíssimas e de improvável repetição, não poderá dizer-se que a ausência de arrependimento significa perigo de cometimento de novos crimes. E também não pode dizer-se que um recluso que não revele arrependimento, ou não assuma mesmo a prática dos factos que levaram à sua condenação, não poderá nunca beneficiar de liberdade condicional antes de atingir cinco sextos da pena (Cf. o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Julho de 2016, Proc. 824/13.9TXLSB-J-L1-3, relatora Adelina Barradas de Oliveira, Ac. Rel. Lisboa de 12.10.2016, Proc. 224/16.9TXLSB-D.L1-3, relatado pelo Juiz Desembargador Jorge Raposo, Ac. Rel. do Porto, de 10.10.2012, in Proc. 1796/10.7TXCBR-H.P1, relatado pelo Juiz Desembargador Vaz Pato e Ac. Rel. Lisboa, de 12.07.2023, in Proc. n.º 6803/10.0TXLSB-AG.C1, relatado pelo Juiz Desembargador Pedro Lima, in www.dgsi.pt).
Adianta-se, contudo, desde já, que concorda-se com a decisão recorrida ao considerar que “quanto às circunstâncias do caso, há que valorar negativamente a natureza, número e gravidade dos crimes praticados pelo recluso; Quanto à vida anterior do recluso, além dos factos dados como provados referentes à sua situação económico-social e familiar, cumpre referir que é especialmente censurável o facto de o recluso já ter vários outros antecedentes criminais (também referentes a crimes contra as pessoas), o que revela a ausência de impacto que as anteriores condenações tiveram na mudança do seu comportamento.
Quanto à personalidade do condenado e sua evolução durante a execução da pena de prisão, cumpre referir que o recluso apresenta lacunas nas suas competências pessoais e emocionais, pois apresenta alguma rigidez cognitiva e pouca flexibilização de raciocínio, com dificuldades de descentração e na resolução de problemas, usando um estilo predominantemente manipulador. Evidencia alguma evolução, designadamente, em admitir novas ideias, na forma correcta de interagir com os outros e na maior ponderação na tomada de decisões. No entanto, revela uma consciência crítica muito superficial, sem reconhecer a consequência dos seus actos e o impacto destes na vítima e sem manifestar sentimentos de empatia para com esta.
Salienta-se o seguinte na decisão recorrida “No que se refere à relação do recluso com o crime cometido, o recluso nega veementemente a prática dos crimes pelos quais foi condenado, assumindo-se como inocente e referindo que, em liberdade, pretende repor a verdade e reabilitar o seu nome. Culpabiliza a vítima pela condenação, verbalizando que a mesma inventou os factos. Responsabiliza ainda a vítima pela falência da relação, atribuindo-lhe consumos de droga.
(…)Nesta sede, cumpre fazer um juízo de prognose sobre o comportamento futuro do recluso e na falta de qualquer “bola de cristal”, que nos permita adivinhar o futuro por artes mágicas, temos de atentar na evolução que o recluso fez até este momento. E, o que temos, é que o recluso, depois de cumprir 2/3 da pena e até depois de ter frequentado o Programa dirigido a Agressores de Violência Doméstica (VIDA) durante cerca de 1 ano, continua não só a negar a prática dos crimes, afirmando-se como inocente, mas a inverter o sentido da culpa para a vítima. Com efeito, na sua versão, a vítima é que consumia droga, a vítima é que inventou tudo para se vingar dele por ele ter outra namorada passado pouco tempo e para receber dinheiro de uma indemnização.
Neste caso, não se trata apenas de não assumir a prática dos crimes e não revelar arrependimento (o que já seria um sinal de perigo do cometimento de novos crimes). No caso concreto, há mais do que isso: o recluso atribui à vítima a culpa, inverte por isso, o sentido da culpa. Na sua versão, ele é que é a vítima. Nem se compare esta atitude ao direito ao silêncio, que em nada é equiparado a esta situação, porquanto o recluso não se limita a negar os factos, apresenta uma versão completamente oposta dos mesmos, colocando- se a ele no lugar de vítima e a vítima no lugar de culpada.
Não há aqui um laivo de autocrítica, um mínimo de consciência que agiu mal, nem um resquício de empatia pelo outro (vítima), mesmo estando em causa crimes graves (4 crimes de violação, além de 1 crime de violência doméstica).
(…)In casu, não pode entender-se que o recluso esteja munido de um relevante inibidor interno. A relação manifestada pelo recluso com os crimes cometidos revela que são significativas as exigências de prevenção especial, pois evidenciam uma deformação interior significativa do condenado, que o recluso ainda não alterou, e apontam ainda no sentido de elevarem a ponderação de risco imposta ao Tribunal, pois, quanto mais sensíveis e carecidos de proteção os bens jurídicos ameaçados por uma possível reincidência, menor é a margem de risco a que o Tribunal aceita sujeitar a sociedade por via da libertação antecipada.
Por sua vez, a melhoria do comportamento do recluso, o seu empenho em incrementar a sua formação académica, manter hábitos de trabalho e participar em actividades ocupacionais no estabelecimento prisional, não debelam as fragilidades acima mencionadas, já que consubstanciam factores essencialmente exteriores, insuficientes para colmatar aquele factor interior. Inclusivamente porque, além da violência doméstica, ainda estão em causa quatro crimes sexuais, sendo certo que neste tipo de crimes deva ainda mais ser atribuída especial relevância à atitude face ao crime.
(…)Enfim, não basta o tempo que o recluso já passou na prisão, era necessário que esse tempo tivesse operado uma mudança na atitude de autocrítica e de responsabilização por parte do recluso perante os crimes que cometeu e a vítima dos mesmos e, neste momento, parece-nos que o recluso ainda não atingiu esse patamar necessário para que possamos fazer um juízo de prognose favorável quanto ao seu comportamento futuro.
Com efeito, os factores referidos evidenciam significativas exigências de prevenção especial pois apontam ainda no sentido de existir um relevante risco de reincidência que o Tribunal não aceita sujeitar a sociedade por via da libertação antecipada(…)”
É verdade que o recluso não assume a prática dos crimes pelos quais foi condenado. Logo, por não os assumir, naturalmente não tem, em relação aos mesmos, qualquer tipo de juízo autocrítico.
A assunção da prática dos crimes, isoladamente considerada, até pode ser no caso compreensível face à postura que o recorrente sempre manteve de que está inocente, como é reconhecido na sentença. (assim, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de Outubro de 2012 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Julho de 2016, já supra citados, ambos in www.dgsi.pt.)
Porém, ao contrário do que o recorrente/ recluso pretende transmitir da leitura que fez da decisão recorrida e dos fundamentos vertidos na mesma e que conduziram ao indeferimento da sua pretensão, o acento tónico principal desta decisão reconduz-se não ao facto de não ter prestado declarações, de considerar ter sido injustamente condenado, de pretender limpar a sua imagem ou de não ter confessado, mas sim ao seguinte “…5º.2. - o que temos, é que o recluso, depois de cumprir 2/3 da pena e até depois de ter frequentado o Programa dirigido a Agressores de Violência Doméstica (VIDA) durante cerca de 1 ano, continua não só a negar a prática dos crimes, afirmando-se como inocente, mas a inverter o sentido da culpa para a vítima. Com efeito, na sua versão, a vítima é que consumia droga, a vítima é que inventou tudo para se vingar dele por ele ter outra namorada passado pouco tempo e para receber dinheiro de uma indemnização.
5º.2.1 - Neste caso, não se trata apenas de não assumir a prática dos crimes e não revelar arrependimento (o que já seria um sinal de perigo do cometimento de novos crimes). No caso concreto, há mais do que isso: o recluso atribui à vítima a culpa, inverte por isso, o sentido da culpa. Na sua versão, ele é que é a vítima.
Não há dúvida na valorização das necessidades de prevenção especial (mais concretamente prevenção especial positiva), que o caso suscita em função da natureza dos crimes em questão nos autos ao que acresce a ausência de interiorização do desvalor da sua conduta que o condenado revela nas suas atitudes face aos crimes praticado e às suas consequências, e, em especial, como salientado pela decisão recorrida, à culpabilização da vítima, e mais do que isso, que os factos constituem invenção da própria vítima.
A postura interior que o recorrente manifesta quanto a esses factos mostra-se, de facto, preponderante para a aferição dessa prognose, dado que o condenado, inverte o sentido de culpa para a vítima.
Não se concorda com o Ministério Público quando afirma nas suas motivações de recurso que “…o recluso, ao não admitir a prática dos crimes pelos quais se encontra em cumprimento de pena prisão - um crime de violência doméstica e quatro crimes de violação, na pessoa da sua ex-companheira BB - e, considerando a natureza destes ilícitos penais…possa … ter interiorizado, até de forma plenamente inconsciente que a culpa partiu da vítima e não dele próprio…” porquanto o condenado nem sequer assume que os praticou, ou que os mesmo ocorreram, referindo que se tratou de uma “invenção”, pelo que, se, para o condenado, não ocorreram, nem se pode falar em interiorização inconsciente de que a culpa partiu da vítima.
Ademais, igualmente da leitura da decisão recorrida não se retira, como afirma o Ministério Público nos pontos 32.º e 41.º das conclusões, que tenha sido apenas por o condenado não assumir o crime, negando a sua prática, não interiorizar a culpa e não demonstrar arrependimento que não foi concedida pelo Juiz do Tribunal de Execução das Penas, mas acima de tudo por inverter o sentido da culpa para a vítima… atribuir à vítima a culpa, inverter o sentido da culpa. Na sua versão, ele é que é a vítima.
No sentido de que uma pessoa condenada por crimes sexuais, quando ela não tenha interiorizado a pena, não deve ser concedida liberdade condicional facultativa aos 2/3 da pena vai o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13.09.2016 in CJ XLI, 4, 118 citado por Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, 6.ª edição atualizada UCP Editora pág. 381.
Em suma, a natureza dos delitos graves em presença, a falta de interiorização crítica, as dificuldades de descentração, quer do crime quer da pena, a inversão do sentido da culpa para a vítima, atribuindo-lhe a culpa, referindo ter-se tratado de “invenção” são factores que revelam significativas exigências de prevenção especial e nos criam a dúvida séria, que não nos é possível ultrapassar, sobre o carácter favorável da prognose, o que inviabiliza a concessão da liberdade condicional.
Tudo ponderado, a dúvida conduz-nos à conclusão de não ser, neste momento, ainda possível fazer juízo positivo, uma vez em liberdade, quanto à evolução da personalidade do recluso e, quanto à sua futura capacidade para conduzir a sua vida, mantendo comportamento socialmente responsável e isento da prática de crimes.
Deste modo, não se encontra preenchido o requisito a que alude a alínea a) do nº 2 do art. 61º do Cód. Penal.
Concordando, pois, com os fundamentos da decisão recorrida que se mostram equilibrados, justificados, ponderados e criterioso, somos de confirmar a mesma, sendo, por conseguinte, o recurso de improceder.
IV – Dispositivo
Face ao exposto, acordam os Juízes que integram a 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento aos recursos interpostos pelo arguido AA e pelo Ministério Público, e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
*
Condenar o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC nos termos dos art.ºs 513º n. º1 e 514.º, do Código de Processo Penal, 8º/9.º do Regulamento das Custas Processuais (DL n.º 34/2008, de 26 de fevereiro) e Tabela III anexa a este último diploma.
Notifique.
*
Lisboa, 05.12.2024
(Texto elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelos seus signatários)
Maria de Fátima R. Marques Bessa
Paula Cristina Bizarro
Ana Paula Guedes