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PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
LEGISLAÇÃO COVID-19
Sumário
I – A prescrição do procedimento criminal interrompe-se com a constituição de arguido (art.º 121.º, n.º 1, al. a), do Código Penal) e não com a falta, mesmo que injustificada, para uma diligência de constituição de arguido. II – O Tribunal Constitucional, na decisão sumária n.º 256/2023, não julgou inconstitucional a norma extraível do artigo 7.º, n.ºs 2, 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, interpretados no sentido de que a causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal aí prevista é aplicável aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respetiva vigência, vigorando até ao termo da situação excecional de infeção epidemiológica por SARS-COV-2 e doença COVID-19. III - A especialíssima legislação – Leis n.º 1-A/2020, de 19 de Março, e n.º 4-B/2021, de 01.02, - foi implementada num período particularmente severo da pandemia, que obrigou as pessoas a permanecer em casa, em confinamento, sendo muito apertadas as excepções em que dela podiam sair. As pessoas estiveram impedidas de se deslocar aos tribunais e aos serviços administrativos, excepto em situações de manifesta urgência. Esta situação sanitária de extrema excepcionalidade justifica que a suspensão dos prazos de prescrição que vigoraram desde 9 de março de 2020 até 3 de junho de 2020 e de 22 de janeiro e 6 de abril de 2021 (cfr. art.ºs 6.º-A, 7.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, e 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril) se aplique a todos os processos, mesmo os já pendentes à data do início do confinamento e relativos a factos anteriores. Se as pessoas não se podem deslocar aos tribunais e serviços, não é possível realizar diligências probatórias, instruir, cumprir e fazer tramitar processo físicos. Por isso, desde que os processos estejam pendentes, são aplicáveis tais prazos de suspensão da prescrição.
Texto Integral
Acordam na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa:
I - Relatório
No Juiz 3 do Juízo Local Criminal de Cascais, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, foi proferido o seguinte despacho: “Douta promoção exarada em acta a 12.5.2023:
Através da douta promoção que antecede, veio o Digno Magistrado do Ministério Público promover a extinção do procedimento criminal por prescrição.
Cumpre apreciar:
Da análise dos presentes autos, afere-se que, por despacho de acusação particular junto aos autos a 7 de setembro de 2021, foi imputado ao arguido AA a prática, no dia 6 de novembro de 2018, de um crime de difamação, p. e p. pelo art.º 280.º do CP, o qual é punido com pena de prisão até 6 meses.
Ora, decorre do disposto do art.º 119.º do Código Penal que o prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado.
No que toca a prazos de prescrição, prevê o art.º 118.º do Código Penal que:
“1 - O procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido os seguintes prazos: (…)
d) Dois anos, nos casos restantes.”
Por sua banda, prevê-se no art.º 120.º do Código Penal:
“1 - A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
a) O procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal;
b) O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo;
c) Vigorar a declaração de contumácia; ou
d) A sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência;
e) A sentença condenatória, após notificação ao arguido, não transitar em julgado;
f) O delinquente cumprir no estrangeiro pena ou medida de segurança privativas da liberdade.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior a suspensão não pode ultrapassar 3 anos.
3 - No caso previsto na alínea c) do n.º 1 a suspensão não pode ultrapassar o prazo normal de prescrição.
4 - No caso previsto na alínea e) do n.º 1 a suspensão não pode ultrapassar 5 anos, elevando-se para 10 anos no caso de ter sido declarada a excecional complexidade do processo.
5 - Os prazos a que alude o número anterior são elevados para o dobro se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional.
6 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão.”
Por sua vez, estatui o art.º 121.º do Código Penal que:
“1 - A prescrição do procedimento criminal interrompe-se:
a) Com a constituição de arguido;
b) Com a notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, com a notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou com a notificação do requerimento para aplicação da sanção em processo sumaríssimo;
c) Com a declaração de contumácia;
d) Com a notificação do despacho que designa dia para audiência na ausência do arguido.
2 - Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.
3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 118.º, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade. Quando, por força de disposição especial, o prazo de prescrição for inferior a dois anos o limite máximo da prescrição corresponde ao dobro desse prazo.”
Ora, da análise dos autos afere-se o arguido foi apenas constituído nessa qualidade no dia 10 de novembro de 2020, ou seja, 4 dias após o dia 6 de novembro de 2020, data em que ocorreu a prescrição do procedimento criminal.
Pelos fundamentos de facto e de direito supra explanados, declaro extinto, por prescrição, o procedimento criminal movido contra AA nos presentes autos.
Oportunamente, arquive os autos.
Sem custas.”
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Inconformado, o assistente BB interpôs recurso, concluindo do seguinte modo: “A. Ao declarar extinto, por prescrição, o procedimento criminal, em 06/11/2020, o douto despacho recorrido não observou o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 121.º do CP e nos n.ºs 3 e 4 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março. Senão vejamos: B. O Arguido vem acusado da prática, em 06/11/2018, de um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180.º do CP, punido com pena de prisão até 6 meses, pelo que é de 2 anos o prazo de prescrição do procedimento criminal aplicável (cf. alínea d) do n.º 1 do artigo 118.º do CP), o qual começou a correr desde o dia em que o facto se consumou (cf. n.º 1 do artigo 119.º do CP). C. Porém, ocorreram causas de interrupção e de suspensão da prescrição, que o douto Tribunal da 1.ª Instância não considerou no despacho recorrido. D. Com efeito, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 121.º do CP, a prescrição do procedimento criminal interrompe-se com a constituição de Arguido, prevendo-se no n.º 2 do mesmo artigo, que depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição. E. Acontece, que o então Denunciado foi pessoalmente notificado para comparecer na EIC da PSP de ..., em 14/10/2020, a fim de ali ser constituído Arguido (cf. folhas 138), todavia, aquele, licenciado em direito e conhecedor das regras legais, furtou-se a apresentar-se na mencionada diligência, com o único propósito de evitar a sua constituição como Arguido e a interrupção do prazo de prescrição. F. Tanto assim foi, que o Arguido não apresentou qualquer justificação para a sua falta de comparência (cf. o artigo 117.º, do CP e folhas 140), pelo que foi o mesmo condenado em multa e tiveram de ser emitidos mandados de detenção para o fazer comparecer junto do MP para realização da dita diligência (cf. Despacho de 04/11/2020, com a ref.ª Citius n.º 127570994). G. Ora, tais factos, designadamente a falta injustificada à diligência tendente à constituição de Arguido, que determinou a prolação do despacho que ordenou a emissão dos mandados de detenção, deverão ter-se por suficientes para interromper a prescrição do procedimento criminal, nos termos e para os efeitos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 121.º do CP, porquanto, se assim não fosse, estar-se-ia a premiar uma forma de fuga à Justiça, por comportamentos imputáveis ao Arguido, em especial quando este, licenciado em direito, não compareceu na referida diligência, com o claro e exclusivo propósito de que o procedimento criminal contra si instaurado prescrevesse, de forma a furtar-se às suas responsabilidades e à Justiça. H. Acresce, por outro lado, que o artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, aprovada em resposta à situação epidemiológica provocada pelo Coronavírus SARS-COV-2, estabeleceu nos seus n.ºs 3 e 4, que a situação excecional de suspensão dos prazos ali implementada abrangia os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos, esclarecendo o legislador que tal norma prevalecia sobre quaisquer regimes que estabelecessem prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorasse a situação excecional. I. Ora, tal regime vigorou entre 09/03/2020 e 03/06/2020, por 87 dias (cf. artigo 5.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, e artigos 8.º e 10.º da Lei n.º 16/2000 de 29 de Maio), pelo que, dúvidas não restam de que o prazo de prescrição do procedimento criminal nos presentes autos foi objeto de suspensão, introduzida pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março.2 - Neste sentido, pronunciaram-se, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11/02/2021, proferido no proc. n.º 89/10.4PTAMD-A.L1-9, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16/03/2021, proferido no proc. n.º 309/20.7YUSTR.L1, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 05/04/2022, proferido no proc. n.º 472/21.0Y5LSB.L1-5, bem como o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17/03/2022, proferido no proc. n.º 806/21.7T9PBL.C1. J. Por tudo isto, o prazo de prescrição do procedimento criminal foi interrompido e suspenso por razões de interesse público, nomeadamente porque com a sua actuação o Arguido, que evitou a todo o custo a sua constituição como tal, afectou de sobremaneira a capacidade do Estado para realizar a aplicação do Direito, bem como pelo advento da pandemia, que determinou a aplicação de um conjunto de medidas destinadas a conter o risco de contágio e propagação de doenças. K. Conclui-se, pois, que o douto despacho recorrido deve ser revogado, por inobservância das normas previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 121.º do CP e nos n.ºs 3 e 4 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, devendo, em sua substituição, ser proferida decisão que declare que o presente procedimento criminal não se encontra prescrito, ordenando a designação de novas datas para a continuação da realização da audiência de discussão e julgamento, de forma a que o Arguido seja julgado pelos factos e disposições constantes da Acusação, que se dão aqui por integralmente reproduzidos.”
O Ministério Público veio responder, sob as seguintes conclusões: “1. Vem o assistente interpor o presente recurso interposto do despacho proferido nos presentes autos no dia 28 de junho de 2024, o qual declarou extinto, por prescrição, o procedimento criminal movido contra o arguido AA. 2. Nos presentes autos o assistente deduziu acusação particular, no dia 7 de setembro de 2021, contra o arguido AA, imputando-lhe a prática de um crime de difamação, previsto e punido pelo disposto no artigo 180.º, n.º 1, do Código Penal, por factos ocorridos no dia 6 de novembro de 2018. 3. O Ministério Público não acompanhou a referida acusação. 4. O arguido AA foi constituído como arguido, interrogado nessa qualidade e prestou termo de identidade e residência no dia 10 de novembro de 2020. 5. O prazo de prescrição do procedimento criminal no caso concreto é de 2 (dois) anos, nos termos do disposto no artigo 118.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal, e começa a contar desde o dia em que o facto se tiver consumado, nos termos daquilo que dispõe o artigo 119.º, n.º 1, do Código Penal. 6. Desde o dia 6 de novembro de 2018 até 6 de novembro de 2020 não se verificaram quaisquer causas de interrupção ou suspensão da prescrição do procedimento criminal previstas nos artigos 120.º e 121.º, ambos do Código Penal. 7. O prazo de prescrição do procedimento criminal verificou-se no dia 6 de novembro de 2020. 8. Não obstante a previsão de períodos de suspensão motivados pela situação de pandemia provocada pela doença COVID-19 e determinados pela Lei n.º 1- A/2020, alterada pela Lei n.º 4-A/2020, e pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, entendemos que os mesmos não deverão ter aplicação ao caso dos presentes autos, por acolhermos a jurisprudência plasmada nos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa datados de 21 de julho de 2020 (processos n.º 76/15.6SRLSB.L1-5), 24 de julho de 2020 (processo n.º 128/16.5SXLSB.L1-5), 9 de março de 2021 (processo n.º 207/09.5PAAMD-A.L1-5) e do Tribunal da Relação de Évora, datado de 23 de janeiro de 2024 (processo n.º 6/23.1T8FTR.E1). 9. Sem prescindir, ainda que se considerasse que os referidos períodos de suspensão da prescrição determinados pela Lei n.º 1- A/2020, alterada pela Lei n.º 4-A/2020, e pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro teriam aplicação no caso concreto, a verdade é que o prazo de prescrição sempre se teria verificado no caso sub judice, no dia 15 de abril de 2022. 10. Considerando-se o período de suspensão da prescrição entre os dias 09 de março de 2020 e o dia 03 de junho de 2020 (num total de 86 [oitenta e seis] dias), o prazo de prescrição nos presentes autos ocorreria (por princípio) no dia 31 de janeiro de 2021. 11. Não obstante, nesse caso, teria de considerar-se que tal prazo de prescrição se havia interrompido no dia 10 de novembro de 2020, data em que AA foi constituído arguido, nos termos do disposto no artigo 121.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, e data a partir da qual começaria a correr novo prazo de prescrição, nos termos do disposto no artigo 121.º, n.º 2, do Código Penal. 12. Por outro lado, haveria de considerar-se o período de suspensão da prescrição entre os dias 22 de janeiro de 2021 até ao dia 06 de abril de 2021 (num total de 74 [setenta e quatro] dias). 13. Ora atendendo a tais períodos de suspensão da prescrição, o novo prazo de prescrição que começou a correr no dia 10 de novembro de 2020 aquando da constituição como arguido sempre se verificaria no dia 15 de abril de 2022 (atento o limite previsto no artigo 121.º, n.º 3, do Código Penal correspondente ao decurso do prazo normal de prescrição acrescido de metade e ressalvado o período de suspensão), porquanto a dedução de acusação particular, pelo assistente, no dia 7 de setembro de 2021 – a qual não foi acompanhada pelo Ministério Público – não tem a virtualidade de suspender ou interromper o prazo de prescrição do procedimento criminal, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 120.º, n.º 1, alínea b) e 121.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código Penal. 14. Conforme tem sido entendido pelos nossos Tribunais superiores, a dedução de acusação particular pelo assistente não acompanhada pelo Ministério Público é insuscetível de suspender ou de interromper o decurso do prazo de prescrição do procedimento criminal, nos termos do disposto nos artigos 120.º, n.º 1, alínea b) e 121.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código Penal (cf. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 12 de outubro de 2020, proferido no âmbito do processo n.º 157/15.6GDGMR.G2; acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 5 de fevereiro de 2019, proferido no âmbito do processo n.º 727/15.2T9TNV.E1; e acórdão n.º 445/2012, de 16 de novembro, do Tribunal Constitucional).”
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O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Uma vez remetido a este Tribunal, o Exmº Senhor Procurador-Geral Adjunto deu parecer no sentido da prescrição da pena que o recorrente está a cumprir.
Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do CPP.
Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.
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II – Objecto do recurso
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência dos vícios indicados no nº 2 do art.º 410º do Cód. Proc. Penal.
Fundamento do recurso: (i) não prescrição do procedimento criminal.
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III – Fundamentação
Apreciando, sustenta, desde logo, o recorrente, que “a falta injustificada à diligência tendente à constituição de Arguido, que determinou a prolação do despacho que ordenou a emissão dos mandados de detenção, deverão ter-se por suficientes para interromper a prescrição do procedimento criminal, nos termos e para os efeitos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 121.º do CP, porquanto, se assim não fosse, estar-se-ia a premiar uma forma de fuga à Justiça, por comportamentos imputáveis ao Arguido, em especial quando este, licenciado em direito, não compareceu na referida diligência, com o claro e exclusivo propósito de que o procedimento criminal contra si instaurado prescrevesse, de forma a furtar-se às suas responsabilidades e à Justiça.
Este argumento não tem qualquer fundamento legal.
Foram dois os anos para a prescrição. Desde os factos, ocorridos em 06.11.2018, a 06.11.2020, muitos foram os dias para a constituição de arguido. Não conta apenas o que se passou no dia 04.10.2020. Antes e depois houve tempo para a interrupção da prescrição.
A prescrição do procedimento criminal interrompe-se com a constituição de arguido (art.º 121.º, n.º 1, al. a), do Código Penal) e não com a falta, mesmo que injustificada, para uma diligência de constituição de arguido.
Prosseguindo, vejamos o artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, que determinou que “a situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos”.
Muito se passou desde a publicação da lei mencionada Lei, que visou responder à situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19.
Mostra-se, entretanto, consolidada, dizemos, a jurisprudência do Tribunal Constitucional e deste Tribunal da Relação de Lisboa quanto à aplicação daquela causa de suspensão aos procedimentos criminais.
Quanto ao Tribunal Constitucional, temos a recente decisão sumária n.º 256/2023, de 24.04.2023, com a seguinte fundamentação: “No Acórdão n.º 500/2021, como se viu, o Tribunal assumiu como parâmetro de controlo o princípio da legalidade criminal na dimensão correspondente à exigência de lei prévia, tendo concluído que a norma extraída dos n.ºs 3 e 4 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, interpretados no sentido de que a causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento aí prevista é aplicável aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respetiva vigência, não se encontra abrangida nem pela letra, nem pela ratio da proibição da retroatividade in pejus a que a Constituição, no seu artigo 29.º, n.ºs 1, 3 e 4, sujeita a aplicação das leis que definem as ações e omissões puníveis e fixam as penas correspondentes. Não foi este, contudo, o exato ângulo de análise selecionado no despacho recorrido. Deste resulta que o Tribunal a quo situou a incompatibilidade que entendeu existir entre a norma sindicada e o «princípio da legalidade previsto no artigo 29.º, n.º 1 da CRP» em duas distintas dimensões deste princípio, mais concretamente nas correspondentes à exigência de lei certa e à exigência de lei estrita, considerando, ao que se depreende, ambas violadas «por a norma não referir expressamente que a causa de suspensão do prazo de prescrição é aplicável ao procedimento criminal, para além de não se encontrar delimitada no tempo». Para melhor compreender o que pode estar em causa, há que começar por distinguir as duas dimensões do princípio da legalidade criminal em que se apoiou o juízo positivo de inconstitucionalidade formulado na decisão recorrida. Em apertada síntese, a exigência de lei certa traduz-se num comando dirigido ao legislador ordinário, impondo-lhe que, ao criar ou agravar responsabilidade criminal, especifique suficientemente os factos que integram o tipo legal de crime (ou que constituem os pressupostos da aplicação de uma pena ou medida de segurança) e defina as penas (e as medidas de segurança) que lhe correspondam; já a exigência de lei estrita tem por destinatário o intérprete-aplicador da lei penal, impondo-lhe o respeito pelo texto da lei e vedando-lhe a possibilidade do recurso à analogia como fundamento da criação ou agravação de responsabilidade. Tendo em conta as razões invocadas no despacho recorrido, apenas a exigência de lei certa parece apta a fundamentar o juízo positivo de inconstitucionalidade que ali se alcançou. Com efeito, tal juízo apoia-se na ideia de que, «ao não definir expressamente a que processos e procedimentos se aplica», por um lado, e ao «não se encontrar delimitada no tempo», por outro, a causa de suspensão da prescrição prevista no n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 constará de lei incerta e, como tal, não pode ser aplicada sem violação do n.º 1 do artigo 29.º da Constituição. Nenhuma das razões é procedente. Quanto à primeira, não se vê como possa considerar-se afetada a exigência de determinabilidade imposta à Lei n.º 1-A/2020, nos termos em que a sinalizou o Tribunal a quo. No n.º 3 do artigo 7.º, a referida Lei é expressa e inequívoca ao estipular que a causa de suspensão dos prazos de prescrição aí prevista se aplica a «todos os tipos de processos e procedimentos», fórmula que obviamente compreende todos os procedimentos que se encontrem sujeitos a prazos prescricionais, como é o caso dos procedimentos de natureza criminal. É certo que se trata de uma causa de suspensão da prescrição tipificada em norma parlamentar que não integra o Código Penal. Todavia, se é esta a circunstância que afinal serve de base ao juízo positivo de inconstitucionalidade formulado na decisão recorrida, bastará recordar, como fez o Acórdão n.º 500/2021, que o princípio da legalidade, na sua dimensão de lei certa, «não requer que todas as causas de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal estejam previstas na mesma norma legal. Apenas pode postular que a norma que preveja cada uma (ou várias) daquelas causas seja suficientemente precisa e seja emitida pela Assembleia da República ou pelo Governo, no uso da indispensável autorização legislativa [artigo 198º, n.º 1, alínea b), da Constituição]» (Acórdão n.º 449/2002). Por último, não deixará de notar-se que, caso o Tribunal recorrido tivesse levado até às últimas consequências a afirmação de que a norma que «considera aplicável aos prazos definidos no Código Penal» a causa de suspensão prevista no n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 «não integra o texto da lei» - isto é, não se encontra abrangida pela fórmula «todos os tipos de processos e procedimentos» -, teria aplicado, e não desaplicado, o referido preceito legal e, em obediência à exigência de lei estrita, ter-lhe-ia negado esse sentido interpretativo possível justamente por transcender «o texto da lei» interpretanda. A segunda razão apontada no despacho recorrido diz à incerteza da lei sobre o términus da causa de suspensão do prazo de prescrição. Segundo o Tribunal a quo, ao não delimitar o âmbito temporal de vigência da causa de suspensão, a norma sindicada «suspende indefinidamente o prazo de prescrição do procedimento criminal», o que consubstancia mais uma linha de colisão com o princípio da legalidade criminal, consagrado no n.º 1 do artigo 29.º da Constituição. Basta atentar no quadro legal relevante para verificar que assim não é. Para além do próprio artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 prever que o regime constante do respetivo n.º 3 vigoraria «pelo período de tempo em que vigora[sse] a situação excecional» (n.º 4), «cessando em data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional» (n.º 3), os dados normativos subsequentes vieram confirmar essa previsão, com a revogação do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 pelo artigo 8.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, que a alterou. O que, diga-se ainda, foi igualmente sublinhado no Acórdão n.º 500/2021, onde se sublinhou tratar-se de uma «causa de suspensão da prescrição que não somente é transitória, como se destinou a vigorar apenas e só durante o período em que se mantivesse - se manteve - o condicionamento à atividade dos tribunais determinado pela situação excecional de emergência sanitária e pelo concomitante imperativo de proteção da vida e da saúde dos operadores e utentes do sistema judiciário». É incontestável que a Lei n.º 1-A/2020 não fixou, ela própria, um termo final certo ao período de suspensão da prescrição motivado pela causa tipificada no n.º 3 do artigo 7.º. Ao invés, limitou-se a estabelecer que a suspensão da prescrição perduraria «pelo período de tempo em que vigora[sse] a situação excecional», cuja cessação seria declarada por ato legislativo subsequente, como veio a suceder. Mas isso não põe em causa a certeza da lei. O que faz é colocar o termo final do período de suspensão da prescrição na dependência de um determinado acontecimento futuro, certo quanto à sua superveniência, mas incerto quanto ao momento da sua verificação. Em termos que, aliás, não são muito diferentes daqueles em que, antes da revisão levada a cabo pela Lei n.º 19/2013, de 21 de fevereiro, o artigo 120.º do Código Penal modelava a causa de suspensão da prescrição que continua a prever na alínea c) do respetivo n.º 1, ao determinar que a prescrição do procedimento criminal se suspenderia por todo o tempo em que vigorasse a declaração de contumácia. Note-se que, enquanto esta solução poderia conduzir, de facto, a «suspende[r] indefinidamente o prazo de prescrição do procedimento criminal» — no limite, até à extinção do procedimento por efeito da verificação de uma outra causa (como a amnistia ou a morte do agente) —, a causa de suspensão da prescrição prevista no n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 é por inerência transitória, tendo-se comprovado que a respetiva «vigência não excedeu o lapso temporal durante o qual se verificou a afetação ou condicionamento da atividade dos tribunais» (Acórdão n.º 500/2021). Seja como for, o que importa essencialmente reter é que, num caso como no outro, a ausência de fixação de um termo final certo ao período de suspensão da prescrição não põe em causa a exigência de tipificação das causas de suspensão da prescrição do procedimento criminal que decorre do princípio da legalidade criminal, na dimensão de lei certa”.
Para concluir: “Não julgar inconstitucional a norma extraível do artigo 7.º, n.ºs 2, 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, interpretados no sentido de que a causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal aí prevista é aplicável aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respetiva vigência, vigorando até ao termo da situação excecional de infeção epidemiológica por SARS-COV-2 e doença COVID-19”.
E dois recentes acórdãos deste Tribunal da Relação: - “A consagração das causas de suspensão da prescrição introduzidas pelo art.º 7º, nº 3 da Lei nº 1-A/2020 de 19 de março e pelo art.º 6º-B nº 3 e 4 da Lei nº 4-B/2021 de 1 de fevereiro, não decorreu de um qualquer objetivo de politica criminal, mas antes de uma situação de emergência sanitária que originou a quase total paragem da atividade judiciária e a que se impunha responder para salvaguarda de todos, incluindo os arguidos. Surgindo, pois, em tal contexto e com tal objetivo inexiste qualquer violação do princípio da confiança dos cidadãos e da comunidade e das expectativas eventualmente criadas, já que a situação absolutamente excecional que levou à sua consagração legal, era imprevisível à data da prática dos factos, e a resposta dada pela Assembleia da República, através das mencionadas normas visou, precisamente, reagir a tal gravidade e excecionalidade. Neste contexto, as causas de suspensão da prescrição estabelecidas no n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março e no art.º 6º-B, nº 3 e 4 da Lei 4-B/2021 de 1 de fevereiro apenas se encontrariam aptas a cumprir tal função se pudessem aplicar-se aos procedimentos pendentes por factos anteriores ao início da sua vigência e durante o período temporal durante o qual se verificou o referido condicionamento da atividade nos tribunais, como efetivamente ocorreu. Deste modo, estas causas de suspensão da prescrição não se encontram abrangidas, nem pela letra, nem pela ratio da proibição da retroatividade in pejus a que a Constituição, no seu artigo 29.º, n.ºs 1, 3 e 4, sujeita a aplicação das leis que definem as ações e omissões puníveis e fixam as penas correspondentes, como já decidido pelo Tribunal Constitucional” – Acórdão n.º 4/20.7GDMFR.L1-5, de 20.02.2024, dgsi.pt. - “Ou seja, estamos efetivamente perante uma causa de suspensão do prazo de prescrição inserida no Ordenamento Jurídico por lei posterior à data dos factos mas, tendo em conta o carácter totalmente imprevisível dos acontecimentos que a determinaram, não se pode afirmar que a sua aplicação aos procedimentos pendentes coloque em causa expectativas legítimas do agente do ilícito contemporâneas da prática do facto, que frustre a exigência de previsibilidade das consequências da violação da norma penal a que responde a proibição da retroatividade in pejus. Trata-se, pois, de uma situação de retroactividade de segundo grau (artigo 12º, n.º 2, segunda parte, do Código Civil), "retroactividade inautêntica" ou "retrospectividade”. O princípio da confiança não reclama que se materialize a possibilidade de serem conhecidas todas as causas de suspensão do prazo de prescrição no momento da consumação do crime. Se assim não fosse, estaria retirado ao Estado a possibilidade de reagir em emergência perante situação física portadora de particular gravidade e, obviamente, imprevisível no momento dessa consumação. Assim, a aplicação da nova causa de suspensão não viola o art.º 29º da CRP, pois não ultrapassou a necessidade gerada pela situação de crise sanitária que se viveu nem houve excesso nem desproporção na definição do tempo da suspensão do prazo prescricional” - Como já referimos (o relator é o mesmo do presente acórdão) em Ac. RL de 05-04-2022, in www.dgsi.pt: I – A especialíssima legislação – Leis n.º 1-A/2020, de 19 de Março, e n.º 4-B/2021, de 01.02, - foi implementada num período particularmente severo da pandemia, que obrigou as pessoas a permanecer em casa, em confinamento, sendo muito apertadas as excepções em que dela podiam sair. As pessoas estiveram impedidas de se deslocar aos tribunais e aos serviços administrativos, excepto em situações de manifesta urgência. III - Esta situação sanitária de extrema excepcionalidade justifica que a suspensão dos prazos de prescrição que vigoraram desde 9 de março de 2020 até 3 de junho de 2020 e de 22 de janeiro e 6 de abril de 2021 (cfr. art.ºs 6.º-A, 7.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, e 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril) se aplique a todos os processos, mesmo os já pendentes à data do início do confinamento e relativos a factos anteriores. Se as pessoas não se podem deslocar aos tribunais e serviços, não é possível realizar diligências probatórias, instruir, cumprir e fazer tramitar processo físicos. Por isso, desde que os processos estejam pendentes, são aplicáveis tais prazos de suspensão da prescrição.” - Acórdão n.º 4/20.7GDMFR.L1-5, de 20.02.2024, dgsi.pt.
Jurisprudência que se acolhe.
Nesta medida, a prescrição esteve suspensa entre 9 de março de 2020 e 3 de junho de 2020 – 86 dias.
Porém, como refere o Ministério Público, o procedimento já está prescrito.
Vejamos.
Com a suspensão do prazo entre 09.03.2020 e 03.06.2020, o procedimento criminal não se mostrava prescrito no dia 10 de Novembro de 2020, quando teve lugar a constituição de arguido.
E com esta constituição, interrompeu-se o prazo, começando a correr novo prazo de prescrição.
Prazo que se iniciou a 10.11.2020 e esteve suspenso entre 22.01.2021 e 06.04.2021 (Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro) – 74 dias.
Tudo visto, atento o prazo máximo de três anos de interrupção do prazo de prescrição (desde 06.11.2018), previsto no art.º 121.º, n.º 3, do CP, acrescido dos dias de suspensão (86+74), temos o dia 15.04.2022 como verificada a prescrição.
Resta dizer que o Acórdão n.º 445/2012 do Tribunal Constitucional, de 26.09.2012, não julgou inconstitucional a norma do dos artigos 120.º, n.º 1, alínea b) e 121.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código Penal (CP), na interpretação segundo a qual a prescrição do procedimento criminal não se suspende, nem interrompe com a notificação da acusação particular, se esta não for acompanhada pelo Ministério Público. Que foi o sucedeu no caso em apreço. Não se verificou, assim, posterior causa de suspensão da prescrição.
Face ao exposto, embora com diverso fundamento, nega-se provimento ao recurso.
*
IV – Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso, declarando-o totalmente improcedente.
Custas pelo recorrente, fixando-se em 3 UC’s a taxa de justiça.
Lisboa, 05 de Dezembro de 2024
Paulo Barreto
Ana Lúcia Gordinho
Manuel Advínculo Sequeira