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ESCOLHA DA PENA
PENA DE MULTA
PREVENÇÃO ESPECIAL
PREVENÇÃO GERAL
Sumário
Para a decisão de aplicar uma pena de multa ou de prisão só temos de atender às exigências de prevenção geral e especial. Se as anteriores condenações do arguido não tiveram nele o efeito contentor que lhes devia estar inerente, continuando o arguido a praticar crimes indiferente às sanções que já havia sofrido ou que podia vir a sofrer, não pode ser imposta ao agente uma simples pena de multa.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes da 5.º Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório
No processo sumário 64/24.1S6LSB.L1, que corre termos no Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa, Juiz 5, foi proferida sentença, datada de 31.01.2024, nos termos da qual foi decidido, entre o demais, condenar AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto, pp. pelo artigo 203.º, n.º1 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 1 (um) mês de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, acompanhado de regime de prova, assente num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos Serviços de Reinserção Social.
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Inconformado com esta decisão, veio o arguido interpor o presente recurso, apresentado motivações e concluindo do seguinte modo (transcrição): “Deve revogar-se a sentença recorrida e substituir-se por acórdão que: . condene o arguido em pena de multa, ou, quando assim se não entenda, por cautela e sem prescindir; . o condene em pena de prisão, substituída por multa, pois esta é suscetível de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ou, se também assim não se entenda, por cautela e sem prescindir; . o condene em pena de prisão até 1 ano, suspensa na sua execução, pois esta é suscetível de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
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O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
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O Ministério Publico respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção da decisão recorrida nos seguintes termos (transcrição): “Considera o Ministério Público que a sentença recorrida não merece qualquer reparo, entendendose que a pena concretamente aplicada ao arguido é adequada e proporcional, pelo que não lhe assiste qualquer razão. Vejamos. Denote-se, primeiramente, que, de acordo com o disposto no art.º 203.º, n.º 1, do Código Penal, “quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel ou animal alheios, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”. Dispõe o art.º 40.º, n.º 1 do Código Penal que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Ora, a necessidade de protecção de bens jurídicos, enquanto exigência de prevenção geral positiva, traduz a necessidade de reafirmação da validade das normas violadas, defendendo-se, desta forma, o ordenamento jurídico e devolvendo-se a segurança à comunidade, por forma a que se restabeleça a confiança e protecção pela norma violada. Por sua vez, a necessidade de reintegração do arguido na sociedade, enquanto exigência de prevenção especial, tem como propósito a socialização do agente com vista a respeitar os valores comunitários fundamentais tutelados pelos bens jurídico-criminais. De acordo com o disposto no n.º 1, do art.º 71.º, do Código Penal, a medida da pena é determinada, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, conforme prescreve o art.º 40.º, n.º 2, do mesmo Código. Sem embargo, a culpa e a prevenção residem em planos distintos. A culpa responde à pergunta de saber se, e em que medida, o facto deve ser reprovado pessoalmente ao agente, assim como qual é a pena que merece. Só então se coloca a questão, totalmente distinta da prevenção. Aqui há que decidir qual a sanção que parece apropriada para introduzir de novo o agente na comunidade e para influir nesta num sentido social-pedagógico. A culpa é a razão de ser da pena e, também, o fundamento para estabelecer a sua dimensão. A prevenção é unicamente a finalidade da mesma. Assim, tendo como referência o binómio culpa/prevenção, na determinação concreta da pena o Tribunal atenderá, em conformidade com o disposto no art.º 71.º, n.º 2, do Código Penal, nomeadamente, à ilicitude do facto, à intensidade do dolo, aos sentimentos manifestados na prática do crime e à sua motivação, às condições pessoais do agente, à sua conduta anterior e posterior aos factos, à sua falta de preparação para manter conduta licita. No caso vertente, há que ponderar o seguinte: – O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente, que se tem por moderado; – A intensidade do dolo que, in casu, foi directo e intenso, pois o arguido/recorrente actuou motivado pela sua própria vontade e imbuído de um espírito de leviandade e sentimento de impunidade, quis e conseguiu apoderar-se dos objectos em causa nestes autos; – Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, tendo-se apurado que o arguido não apresentou qualquer justificação para o seu comportamento (não invocou, por exemplo, que actuou movido por dificuldades económicas), ao que cumpre acrescentar a futilidade dos objectos em causa (uma objectiva de uma câmara fotográfica e um smartwatch), por nem sequer se tratarem de bens essenciais, como alimentos ou vestuário; – As condições pessoais do arguido e a sua situação económica, relativamente às quais se apurou que o arguido se encontra social, familiar e profissionalmente inserido; – A conduta anterior ao facto e posterior a este: o arguido tem antecedentes criminais relevantes, contando já com várias condenações, conforme resulta do seu Certificado de Registo Criminal, como sejam:
i. proc. n.º 532/08.2PCLRS, por sentença transitada em julgado em 07/01/2023, pela prática, em 01/08/2008, de um crime de coacção agravada, na pena de 7 meses de prisão, substituída por 210 dias de multa, à taxa diária de 5,00€;
ii. proc. n.º 97/13.3GBSXL, por sentença transitada em julgado em 16/04/2015, pela prática, em 14/03/2013, de um crime de furto qualificado na forma tentada, na pena de 240 dias de multa, à taxa diária de 5,00€;
iii. proc. n.º 141/11.9GASSB, por sentença transitada em julgado em 14/12/2017, pela prática, em 14/03/2011, de um crime de furto qualificado, na pena de 14 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período;
iv. proc. n.º 1079/15.6PHSNT, por sentença transitada em julgado em 11/10/2018, pela prática, em data desconhecida do ano de 2015, de um crime de receptação, na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano;
v. proc. n.º 1329/16.1PBCSC, por sentença transitada em julgado em 09/05/2019, pela prática, em 15/08/2016, de um crime de furto qualificado, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período;
vi. proc. n.º 599/14.4PMLSB, por sentença transitada em julgado em 05/11/2021, pela prática, em 12/05/2015, de um crime de detenção de arma proibida e um crime de receptação, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, ainda não extinta. São elevadas as exigências de prevenção especial, tendo em conta, por um lado, os antecedentes criminais do arguido/recorrente, e, por outro lado, a reiterada prática de crimes contra a propriedade e o património ao longo dos últimos 16 anos, e respectivas condenações, o que não o impediu de tornar a prevaricar, o que apenas é demonstrativo de que, efectivamente, não foi ainda capaz de interiorizar, de uma vez por todas, a reprovabilidade de tais condutas, tudo a exigir uma forte ressocialização. Como se viu, o arguido já sofreu várias condenações em penas de prisão suspensas na sua execução, ao que acresce que, os factos em apreço nestes autos foram praticados durante o período de suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada no âmbito do proc. n.º 599/14.4PMLSB, o que também não revelou suficiente para o coibir de voltar incorrer da prática de mais um crime contra a propriedade. Por seu turno, as exigências de prevenção geral são elevadas, na medida em que, hodiernamente, tem havido uma cada vez maior profusão do crime de furto em estabelecimento comerciais, o que em muito contribui para o recrudescimento do sentimento de insegurança que tais ilícitos geram, não só para os próprios comerciantes, como para a comunidade em si. A favor do arguido militam os seguintes factores: - o arguido confessou de forma livre, integral e sem reservas a prática dos factos que lhe vinham imputados; - demonstrou arrependimento; - encontra-se social, familiar e profissionalmente inserido. Relativamente à confissão, apraz-nos referir que o arguido lhe está a atribuir valor excessivo, atentas as circunstâncias concretas do presente caso. Há que denotar, que, “nos casos em que a infração é presenciada pelo OPC e o arguido é detido em flagrante delito, a relevância da confissão para efeitos de prova é reduzida, podendo relevar sobretudo na medida em que evidencie arrependimento do arguido” (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 22/02/2021, proc. n.º 39/20.0GTBRG.G1, relator: Armando Azevedo, disponível em www.dgsi.pt); o mesmo é dizer que, tendo o arguido sido detido em flagrante delito e atenta a matéria factual em causa, está-se perante uma situação de facilidade de prova, motivo pelo qual não terá que haver lugar a uma atenuação especial da pena conforme pretendido. Assim, deverão falecer os argumentos e a pretensão do arguido/recorrente, porquanto seria manifestamente desadequada, desproporcional e insuficiente para a acautelar as finalidades da punição que no presente caso se fazem sentir a aplicação de uma pena de multa. E muito menos ficariam salvaguardadas as expectativas da comunidade – que jamais poderia ver tal pena como uma censura, não se mostrando, pois, suficiente para reafirmar a validade da norma jurídica violada. E não se diga que tal pena de prisão deveria ter sido substituída por multa, sob pena de o arguido poder ver tal pena como uma menor censura da sua conduta, o que seria insuficiente para o demover de incorrer na prática de novos ilícitos criminais Repise-se que o arguido cometeu os factos em causa nestes autos no decurso do período de suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada no proc. n.º 599/14.4PMLSB. Assim, revela-se mister que o arguido interiorize o desvalor da sua conduta, o que somente poderá suceder com a pena que lhe foi aplicada e com sujeição a regime de prova, nos termos determinados na sentença. Ademais, a aplicação ao arguido de penas cada vez mais gravosas consubstancia uma consequência inevitável para a persistente prevaricação da sua parte e, por conseguinte, desrespeito pelos bens jurídicos violados. Contudo, não se olvide que, a pena aplicada não se afigura elevada, atenta a moldura penal abstrata aplicável. Ao invés, foi graduada perto do limite mínimo do segundo terço da moldura abstractamente aplicável. Por fim, diga-se que inexiste qualquer contradição na sentença, porquanto o juízo de prognose subjacente a uma pena de multa é, necessariamente distinto do efectuado aquando da aplicação de uma pena de prisão. É que o tribunal pode entender, e entendeu, que já não seria possível aplicar uma pena de multa ao arguido (prognose desfavorável quanto à pena de multa), mas que a pena de prisão ainda poderia ser suspensa na sua execução, com regime de prova (juízo prognose favorável, no sentido de concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição), em conformidade com o disposto no art.º 50.º, n.º 1, do Código Penal, assim se favorecendo a reinserção do arguido e não se afectando as expectativas da comunidade em ver reposta a validade da norma jurídica violada e restabelecido o sentimento de segurança e confiança. Isto posto, à luz dos critérios que se enunciaram e das considerações expendidas, julgamos justa, adequada e proporcional a pena de 2 (dois) anos e 1 (mês) meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo, acompanhado de regime de prova, assente num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos Serviços de Reinserção Social, aplicada ao arguido/recorrente pelo tribunal a quo, por responder às elevadas exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir. Destarte, cremos que não assiste qualquer razão ao recorrente, não tendo, assim, o Tribunal a quo violado qualquer preceito normativo, mormente, o disposto nos artigos 45.º, 47.º, 48.º, 58.º, 70.º, 71.ºe 203.º, n.º 1, todos do Código Penal, devendo, portanto, manter-se a pena que lhe foi aplicada”.
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Remetido o processo a este Tribunal, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer (transcrição): “O Ministério Público na 1.ª Instância, respondeu ao recurso, apreciando os argumentos invocados pelo recorrente e concluindo pela sua improcedência. Concordamos, uma vez que a sentença recorrida não merece reparo, atendendo ao enquadramento factual ali vertido e á valoração e análise crítica da prova produzida, bem como à correta aplicação do direito, assim se tendo concluído pela condenação do arguido em pena que se nos afigura como adequada e proporcional. Pelo exposto, emitimos parecer no sentido de que o recurso não merece provimento”.
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Notificado do parecer do Ministério Público junto deste Tribunal, o arguido nada veio dizer.
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Colhidos os vistos, o processo foi presente a conferência, por o recurso dever ser aí decidido, de harmonia com o disposto no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do Código de Processo Penal.
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II. Questões a decidir:
Como é pacificamente entendido tanto na doutrina como na jusrisprudência, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso1.
Atentas as conclusões apresentadas, importa decidir se a pena imposta ao recorrente deve ser alterada.
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* III. Com vista à apreciação das questões suscitada, importa ter presente os seguintes factos que foram dados como provados (transcrição parcial):
1. No dia ........2024, cerca das 15h50m, o arguido dirigiu-se ao estabelecimento comercial ..., localizado no Centro Comercial ..., sito na Av.ª ..., com o intuito de aí se apoderar de objetos existentes naquela loja e que despertassem o seu interesse.
2. Em concretização de tal desígnio, o arguido retirou dos expositores e apoderou-se dos objetos melhor descritos no talão de fls. 17, que aqui se dá por integralmente reproduzido, no valor global de 1201,98 EUR (mil duzentos e um euros e noventa e oito cêntimos), ocultando-os no bolso do casaco que trajava, tendo primeiramente arrancado os respetivos alarmes.
3. Após o arguido abandonou o referido estabelecimento comercial, na posse dos referidos artigos, sem previamente efetuar ao seu pagamento, fazendo-os coisas suas.
4. O arguido agiu com o propósito concretizado de fazer seus os mencionados objetos, bem sabendo que aqueles não lhe pertenciam e que agia contra a vontade do seu legitimo proprietário.
5. O arguido agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
6. “O arguido confessou de forma livre integral e sem reservas toda factualidade acima descrita.
7. O arguido vive em casa própria, com o seu cônjuge e com três filhos com um, cinco e oito anos de idade, sendo que, relativamente à habitação, paga uma prestação de cerca de 360.00 euros mensais, a uma instituição financeira, tem o correspondente em Portugal, ao 9.º ano de escolaridade, tem como seu único meio de transporte, um veículo de marca Opel ... ..., de matrícula do ano de ..., e aufere mensalmente da sua atividade profissional, cerca de 1.000.00 euros líquidos, que é a sua única fonte de rendimento.
8. Do certificado de registo criminal do arguido, consta que este foi condenado, e respetivamente, os factos de 01/08/2008, 14/03/2013, 14/03/2011, no ano de 2015, 15/08/2016 e 12/05/2015, respetivamente, com decisões proferidas, em 19/06/2012, 02/03/2015, 27/10/2016, 15/03/2017, 04/09/2018 e 04/05/2021, respetivamente com trânsito em julgado em 29/01/2013, 16/04/2015, 14/12/2017, 11/10/2018, 09/05/2019 e por fim 05/11/2021 e, respetivamente, pela prática dos crimes de coação agravada, furto qualificado tentado, furto qualificado, recetação, furto qualificado, sendo que na última situação são dois crimes de detenção de arma proibida e recetação.
9. As penas respetivamente são as seguintes: - 7 meses de prisão substituída por 210 dias de multa, à taxa diária de 5.00 euros, cuja extinção ocorreu no dia 24-06-2014, 240 dias de multa à taxa diária de 5.00 euros, cuja extinção ocorreu no dia 11-08-2016, 14 meses de prisão, suspensa por igual período de tempo com extinção em 26/09/2019, 9 meses de prisão, suspensa por 1 ano, com extinção em 16/10/2019, 1 ano e 4 meses de prisão, suspensa por igual período de tempo, com extinção em 09/09/2020, e por último 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período de tempo, sendo esta a pena única”.
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IV. Do Mérito do Recurso
IVb) Da pena aplicada
Não tendo sido contestada a matéria de facto nem a qualificação jurídica efetuada pela 1.ª instância, passemos à questão suscitada no recurso que se prende com a pena concreta imposta ao recorrente.
O crime de furto simples é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa – cf. artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal -, tendo-lhe sido aplicada uma pena de 2 anos e 1 mês de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo, com condições (que o recorrente não contesta).
De acordo com o recorrente este deve ser condenado numa pena de multa; se assim não se entender, numa pena de prisão substituída por multa ou, caso assim também não se entenda, que seja condenado numa pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução.
O crime em análise é punido com pena de prisão ou com pena de multa.
De acordo com o disposto no artigo 70.º do Código Penal: “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Confere, assim, o legislador, prevalência à pena não privativa da liberdade, sempre que esta seja suscetível de realizar a recuperação social do delinquente e particulares exigências de prevenção não imponham a aplicação de uma pena detentiva.
Como escrevem Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette2 “o STJ tem decidido, pois, que «a moderna tendência do direito criminal, de cariz nitidamente ressocializador, vai no sentido de evitar, na medida do possível, as penas privativas de liberdade, atento o carácter infamante da prisão e os seus efeitos perniciosos, em especial quando se trata de prisão de curta duração» (ac. de 26 de Abril de 1990, CJ, XV, 3/5). Não há dúvida de que deste modo se formula e exprime, em síntese feliz, o pensamento basilar do Código. As «finalidades da punição», cujo respeito a lei exige, «...são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação» (FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal, II, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, 331). Na verdade, «a função da culpa exerce-se no momento da determinação quer da medida da pena de prisão (necessária como pressuposto da substituição), quer da medida da pena alternativa ou de substituição; ela é essencialmente estranha, porém, às razões históricas e político-criminais que justificam as penas alternativas e de substituição, não tendo sido em nome de considerações de culpa, ou por força delas, que tais penas se constituíram e existem no ordenamento jurídico» (ibidem, 97). Mais agarrado à culpa se mostra, entretanto, CAVALEIRO DE FERREIRA, a atribuir às «exigências de prevenção de futuros crimes» uma posição subalterna de acréscimo subordinado em face da «reprovação do crime» (Lições, II, 97). Só que, contudo, sem embargo de a culpa ser fundamento e limite da pena, a mera reprovação do crime não tem mais a força que já teve, não se encontra hoje no texto da lei - movida, em nome doutra filosofia, por orientação essencialmente preventiva -, e, além do mais, a sua saída da letra do Código (pois constava da versão de 1982) aponta, a todos os títulos, decididamente, para o rigor da doutrina de FIGUEIREDO DIAS”.
Daqui resulta que a decisão de aplicar uma pena de multa ou de prisão se prende apenas com as necessidades de prevenção geral e de prevenção especial.
A prevenção geral refere-se ao interesse na conservação e estabilização da vida social, são as exigências que a comunidade entende necessárias à tutela das suas expetativas na validade das normas violadas.
A prevenção especial, por seu lado, é encarada como a necessidade de socialização do agente, no sentido de o preparar para no futuro não cometer outros crimes.
No caso em apreço, cremos que as exigências de prevenção geral são muito significativas, pois o crime em apreço é dos mais praticados no nosso país, reclamando a comunidade rigor punitivo.
E também são muitos elevadas às exigências de prevenção especial. Com efeito, não podemos olvidar o vasto rol de antecedentes criminais do arguido - já sofreu condenações pela prática de crimes de condução sem habilitação legal, ameaça, roubo, roubo agravado, furto simples, falsidade de depoimento ou declaração, falsificação de documento e introdução em lugar vedado ao público - e o facto de o crime em análise ter sido cometido durante o período de uma pena suspensa. As circunstâncias de o arguido ter confessado os factos e estar inserido socialmente não são suficientes para deixar de se considerar que as exigências de prevenção especial são muito elevadas atento o seu passado criminal.
Aqui chegados, sabendo nós que para a decisão de aplicar uma pena de multa ou de prisão só temos de atender às exigências de prevenção geral e especial, cremos ser evidente que as anteriores condenações do arguido não tiveram nele o efeito contentor que lhes devia estar inerente, continuando o arguido a praticar crimes indiferente às sanções que já havia sofrido ou que podia vir a sofrer. É deveras relevante o facto do arguido ter praticado o crime em apreciação no período de suspensão de uma pena de prisão, que, mais uma vez, não o impediu de cometer o crime dos autos.
Flui, então, do exposto, que a pena de multa prevista se afigura insuficiente para a ressocialização da agente, não se esquecendo que também são elevadas as exigências de prevenção geral, razão pela qual concluímos que bem andou a 1.ª instância quando optou sanção detentiva (ainda que suspensa na sua execução).
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Vejamos, agora, a concreta pena de prisão a aplicar ao arguido e análise se a mesma deve ser substituída por multa nos termos requeridos.
Preceitua o n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.”
Culpa e prevenção constituem o binómio com auxílio do qual há de ser construído o ... da medida da pena.
De acordo com a lição de Figueiredo Dias, “através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências de prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária de punição do facto concretamente praticado pelo agente e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena; com a consideração da culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime - ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente - limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção.”3
A culpa constitui, pois, o pressuposto-fundamento da validade da pena e tem, ainda, por função estabelecer o limite máximo da pena concreta. Forçoso é, assim, concluir que não há pena sem culpa, não podendo a medida da pena ultrapassar a da culpa, tal como dispõe o n.º 2 do artigo 40.º do Código Penal.
Estabelece, ainda, o artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal que, na determinação da medida concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, as que aí resultam especificadas nas alíneas a) a f).
No caso concreto, como já referido, as exigências de prevenção geral são elevadas, realçando-se que os furtos em estabelecimentos comerciais são muito frequentes, o que reforça a ideia que só com algum rigor punitivo se pode desincentivar o seu cometimento.
Também se nos afiguram relevantes as exigências de prevenção especial, atendendo aos antecedentes criminais do arguido por crimes da mesma natureza, ainda que se tenha em conta a inserção social do arguido e a sua confissão.
O dolo é direto na sua forma mais gravosa.
Cremos, assim, que a pena imposta em 1ª instância se mostra adequada para a situação concreta em análise.
Pretende o recorrente que a pena imposta seja substituída por multa, nos termos do artigo 45.º, n.º 1 do Código Penal. Nos termos desta norma: “A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, exceto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes”.
Tendo sido aplicada uma pena superior a 1 ano de prisão a mesma não pode ser substituída por multa.
Assim, improcede na totalidade o recurso interposto pelo arguido.
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V. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, mantendo-se na integra a decisão recorrida.
Notifique.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC´s.
Lisboa, 5 de dezembro de 2024
Ana Lúcia Gordinho
Manuel Advínculo Sequeira
Rui Coelho
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1. De acordo com o estatuído no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995. Cf. também Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, e Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 7ª ed., pág. 89.
2. In Código Penal Anotado e Comentado, Quid Iuris, 2008, pág. 214 e 215.
3. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português - Parte Geral – As consequências jurídicas do crime, II, Coimbra, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, §281.