SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PENA DE EXPULSÃO
Sumário

Não há que suspender a execução de pena de prisão e deve ser expulso do território nacional, cidadão estrangeiro, embora residente, com ténues laços à comunidade, que cometeu um crime de homicídio na forma tentada, que tinha antecedentes criminais por um outro crime contra as pessoas (ofensa à integridade física qualificada), sancionados ambos com penas de prisão – ameaça grave para a ordem pública.

Texto Integral

Acordam, em conferência, os juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
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No âmbito dos autos de Processo Comum Colectivo supra ids., que correm termos na Comarca de Lisboa Oeste – Juízo Central Criminal de Sintra – Juiz 4, foi o arguido AA condenado pela prática de um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pela conjugação dos artigos 131.º, 22.º, 23.º e 73.º, todos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão. Mais foi condenado na pena de expulsão do território nacional, com consequente interdição de entrada pelo período de 5 anos (artigo 151º, nº 1 da Lei nº 23/2007, de 4 de julho).
Inconformado com o teor de tal decisão interpôs aquele arguido o presente recurso pedindo que seja suspensa a execução da pena que lhe foi aplicada e que não se determine a sua expulsão do território nacional.
Apresentou para tal as seguintes conclusões:
A) AA, arguido nos autos à margem identificados, foi condenado numa pena efectiva de 4 anos e 6 meses de prisão e foi ordenada a sua expulsão de território nacional com a consequente interdição de entrada pelo período de 5 anos.
B) O arguido não concordou com o acórdão; daí o presente recurso.
C) O presente recurso tem a ver com o facto da condenação não ser suspensa na sua execução, e pelo facto de ser ordenada ao arguido a expulsão do território nacional com a consequente interdição da entrada, pelo período de 5 anos.
D) O arguido não vai por em causa a matéria de fato dada como provada.
E) A sua discordância tal como se disse prende-se, em primeiro lugar com o fato da condenação não ser suspensa na sua execução.
F) O arguido tem antecedentes criminais, mas tal não obsta a que não tenha uma derradeira oportunidade.
G) Mandar o arguido para cumprimento de pena não vai favorecer o arguido em termos de ressocialização, bem pelo contrário.
H) O arguido até concorda com a medida da pena, só considera que a mesma deveria ser suspensa na sua execução.
I) O arguido é tido no seio familiar como uma pessoa calma, e, atendendo à sua tenra idade e ao facto de ter confessado todos os factos e assumir que estava alcoolizado o Tribunal a quo deveria ter dado uma chance ao arguido, como derradeira chance, embora o sujeitasse a apertado regime de prova.
J) Acresce que o arguido não é primário, mas deveria ter uma derradeira oportunidade.
K) Mais, o arguido tem família, está enquadrado familiar e socialmente, o seu padrasto está na disposição de o a ajudar em termos laborais.
L) Segundo o art.º 50º do Cód. Penal - O Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias posta irremediavelmente em causa, a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, o que, no caso do recorrente se não verifica. Sendo que a decisão do tribunal ora em crise ao optar pela aplicação da pena efectiva de 4 anos e 6 meses de prisão em detrimento duma pena suspensa na sua execução, foi clara e manifestamente proferida ao arrepio tanto do anteriormente exposto como da doutrina e da jurisprudência.
M) Sem olvidar que, a pena suspensa na sua execução, não perde a sua virtualidade enquanto elemento dissuasor da prática de novos crimes que é, pois todo e qualquer arguido sujeito a uma pena suspensa na respectiva execução sabe que se prevaricar a suspensão é revogada, além de ser objeto de apertado acompanhamento através do regime de prova.
N) Quanto à medida de expulsão o Tribunal a quo limitou-se a aplicar a lei, não atendendo aos factos do arguido.
O) O arguido perdeu o seu pai tinha um ano e meio; a sua revolta é grande
P) O seu padrasto tenteou educa-lo, mas na fase de adolescência é sempre uma revolta pela perda do pai.
Q) O arguido teve alguns problemas com o padrasto na sua adolescência.
R) Aquando da vinda para Portugal, o mesmo vivia com a sua mãe, seu padrasto e dois irmãos, actualmente com 22 anos e 19 anos de idade.
S) Mandar o arguido para ... é metê-lo numa situação de sem-abrigo, sem apoio familiar sem trabalho etc. É que o arguido não tem quaisquer familiares em ....
Nestes termos deve o arguido ser inserido no ambiente familiar em que se encontra, não devendo ser expulso para ... uma vez que não tem lá nenhum familiar.
O Tribunal a quo ao decidir como decidiu violou, entre outros os Artºs 70º, 71º, 72º, 73º, 77º, nº 2 e o Artº 50º, todos do Cód. Penal.
Respondeu o MP, pugnando pela improcedência do recurso, tendo para tal formulado as seguintes conclusões:
I - Por acórdão proferido no dia 7 de maio de 2024, data em que se procedeu à respetiva leitura e depósito foi o arguido AA condenado, pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pela conjugação dos artigos 131.º, 22.º, 23.º e 73.º, todos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, bem como na pena acessória de expulsão do território nacional do arguido AA, com consequente interdição de entrada pelo período de 5 anos (artigo 151º, nº 1 da Lei nº 23/2007, de 4 de julho); 
II - Inconformado com esta condenação, dela veio o arguido interpor o presente recurso, limitado a questões de direito relacionadas com a decisão de não suspensão da execução da pena de prisão e com a decisão de expulsão do arguido do território nacional.
III - Entende o Ministério Público que a conduta adotada pelo arguido, os seus antecedentes e a sua postura processual demonstraram um desprezo grave pelos bens jurídicos tutelados pela norma penal e uma especial falta de interiorização do desvalor da ação.
IV - O Tribunal ao decidir não suspender a execução da pena de prisão do arguido AA não violou qualquer dispositivo legal, designadamente o artigo 50.º do Código Penal, devendo, em consequência, improceder, nesta parte, o recurso do arguido.
V - Não havendo dúvida de que o recorrente se trata de um estrangeiro com residência permanente, ainda que com título de residência caducado, a aplicação da pena acessória encontra-se, dependente além das condições definidas no n.º 2 do artigo 151.º da Lei n.º 23/2007, também da verificação do pressuposto previsto no n.º 3 do mesmo artigo e diploma - que a sua conduta constitua perigo ou ameaça graves para a ordem pública, a segurança ou a defesa nacional.
VI - Ao contrário do que o recorrente pretende fazer o seu eventual grau de integração familiar e profissional no país da sua nacionalidade não constitui qualquer pressuposto legal que deva ser considerado no âmbito da ponderação de aplicação da pena acessória de expulsão.
VII - Também ao decidir expulsar o arguido do território nacional, o tribunal não violou qualquer dispositivo legal, tendo efetuado uma correta interpretação do artigo 151.º da Lei n.º 23/2007, devendo também nesta parte improceder o recurso do arguido AA.
É o seguinte o teor do acórdão recorrido, na parte que ora releva:
II. Fundamentação
A) De Facto
1. No dia ...-...-2020, pelas 23h40, o arguido CC deslocou- se à Avenida..., perto do posto de abastecimento de combustível … aí existente.
2. Aí chegado, o arguido CC encontrou-se com BB, iniciando uma conversa com o mesmo na via pública.
3. Nessas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido AA, deslocou-se à Avenida ....
4. Aí chegado, o arguido AA avistou CC, com o qual se encontrava desavindo.
5. O arguido AA dirigiu-se na direcção de CC, sendo que tinha na sua posse um objecto cortante não concretamente apurado, mas semelhante a uma faca.
6. Aproximou-se de CC, tendo iniciado com este uma discussão verbal.
7. No decurso da mesma, o arguido AA retirou de um dos bolsos das calças que vestia o aludido objecto, semelhante a uma faca, e com ele desferiu um golpe no braço esquerdo de CC.
8. Ao ser golpeado CC colocou-se em fuga em direccão ao aludido posto de abastecimento da … aí existente.
9. Alguns minutos depois, o arguido AA voltou a encontrar CC no posto de abastecimento da … e, de imediato, voltou a abordá-lo.
10. Ao abordá-lo, o arguido AA iniciou nova discussão com CC, que lhe repetia que não queria qualquer confronto ou discussão com ele.
11. Todavia, o arguido AA, mantendo o seu propósito, continuou a confrontar CC, colocando-se à sua frente.
12. A determinado momento da discussão verbal, o arguido AA empunhou o dito objecto cortante que trazia, e com ele desferiu um golpe na direcção do pescoço de CC, zona onde sabia estarem alojadas artérias principais do sistema circulatório, essenciais à vida deste.
13. Ante a execução deste golpe, CC logrou agarrar com força o próprio objecto cortante que o arguido AA empunhava, segurando-o e desviando-o do pescoço, evitando, assim, ser atingido nessa zona do corpo.
14. Os dois permaneceram nesta situação por algum tempo, mormente, o arguido AA tentando atingir o pescoço de CC e este segurando o objecto cortante com as suas mãos, até que CC, com um movimento rápido, logrou retirar o objecto cortante das mãos de AA.
15. Nesse momento, vendo-se despojado do objecto cortante, AA encetou fuga, correndo na direcção oposta àquela em que o arguido CC se encontrava, vindo o arguido CC a correr no seu encalço.
16. Todavia, durante a fuga, AA tropeçou e caiu ao solo.
17. De imediato, o arguido CC alcançou AA que permanecia caído no solo e desferiu-lhe golpes na zona do abdómen, atingindo-o.
18. Após, o arguido CC foi impedido de prosseguir os seus intentos por terceiros, nomeadamente por DD, que se encontravam no local, que o imobilizaram e afastaram-no de AA.
19. Em seguida, o arguido CC abandonou o local com uns amigos que o socorreram e o transportaram para os Bombeiros para procurar tratamento médico.
20. Durante a situação descrita em 14 supra, o arguido AA, também logrou desferir um golpe no ombro de CC.
21. Em consequência directa e necessária dos golpes infligidos, AA sofreu dores e lesões, apresentando traumatismo tóraco-abdominal de natureza cortoperfurante, com ferida penetrante do terço superior da face anterior do hemitorax esquerdo com cerca de 4-5 (cinco) centímetros, 2 (duas) feridas centimétricas na fossa ilíaca esquerda e flanco direito e ferida no braço esquerdo e apresentava ainda pneumotórax volumoso à direita e ligeiro derrame pleural basal revelador de hemotórax, com desvio contralateral das estruturas mediastínicas, tendo sido necessário a colocação de dreno torácico à esquerda, resultando como consequências permanentes, cicatrizes face às dimensões e localização das feridas descritas.
22. Tais lesões determinaram 24 (vinte e quatro) dias para consolidação médico-legal, com 5 (cinco) dias de afectação grave de trabalho geral e de 24 (vinte e quatro) dias de afectação grave da capacidade para trabalho profissional.
23. Em virtude das lesões que lhe foram causadas, AA foi imediatamente assistido pelos serviços de emergência médica que se deslocaram ao local e transportado de imediato para o Serviço de urgência do Hospital ..., e por isso não teve consequências mais gravosas para a sua saúde, corpo e vida, evitando- se, desta forma, que das lesões sofridas lhe adviesse a morte e lesões permanentes de maior gravidade.
24. Nessa sequência, AA esteve internado desde o dia ...-...-2020 até ao dia ...-...-2020.
25. Em consequência directa e necessária dos golpes infligidos, CC sofreu dores e lesões, apresentando traumatismo e três feridas sangrantes do membro superior esquerdo, nomeadamente, ferida incisa profunda do braço esquerdo, de cerca de 4,5 (quatro virgula cinco) a 6 (seis) centímetros de profundidade, em sentido ascendente, aparentemente sem atingir planos tendinosos e ou arterial, ferida incisa a nível do ombro esquerdo e ferida situada na mão esquerda num dos dedos, o que lhe provocou como consequências permanentes, as cicatrizes nas zonas do corpo acima mencionadas.
26. Tais lesões determinaram 17 (dezassete) dias para consolidação médico-legal, com 13 (treze) dias de afectação de trabalho geral de CC.
27. Ao actuar do modo descrito de 1 a 14 e 20, o arguido AA agiu, com o propósito de desferir vários golpes no corpo de CC, admitindo como possível, ao desferi-los junto à zona do pescoço, a qual contém estruturas orgânicas e vasos sanguíneos essenciais à vida daquele, e que os mesmos seriam idóneos a produzir o resultado morte, resultado este que o arguido pelo menos previu e com o mesmo se conformou.
28. Ao agir do modo descrito de 1 a 14 e 20, o arguido AA bem sabia que a zona do pescoço que visava atingir, estavam alojados estruturas orgânicas e vasos sanguíneos essenciais à vida daquele, passível de causar a morte de CC, o que não aconteceu, mormente por este se ter conseguido desviar dos golpes desferidos, não logrando assim atingir estas zonas do corpo CC.
29. Ao agir do modo descrito de 15 a 18, o arguido CC agiu, com o propósito de desferir, vários golpes corpo de AA, admitindo como possível, ao desferi-los junto à zona do abdomén, a qual contem órgãos essências à vida daquele, e que os mesmos eram idóneos a produzir o resultado morte, resultado este que o arguido pelo menos previu e com o mesmo se conformou.
30. Ao agir do modo descrito de 15 a 18, o arguido CC bem sabia que a zona do abdómen que visava atingir, estavam alojados órgãos essenciais à vida, passível de causar a morte de AA, o que não ocorreu, mormente por este ter sido rapidamente conduzido para instituição hospitalar onde lhe foi prestada assistência médica rápida que lhe permitiu salvar a vida e evitar lesões de maior gravidade.
31. Ao agirem do modo descrito, os arguidos AA e CC agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as referidas condutas eram proibidas e punidas por lei, tendo capacidade para se determinarem de acordo com esse conhecimento.
Antecedentes criminais do arguido AA:
32. O arguido AA foi condenado pela prática de:
a. Um crime de consumo de estupefacientes, no âmbito do Processo Comum Singular n.º 347/17.7PGAMD - Juízo Local Criminal da Comarca de Lisboa Oeste - Juiz 4, por sentença datado de 13.03.2019, transitado em julgado em 25.03.2019, por factos praticados nos dias 06.05.2017, em pena de multa já extinta.
b. Um crime de ofensa à integridade física qualificada, p e p. pelos art.º 145º, n.º 1, al. a), por ref. ao art.º 143º e art.º 132º, n.º 2, al. al l) do Cód. Penal no âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 527/21.0PCSNT - Juízo Central Criminal da Comarca de Lisboa Oeste - Juiz 3, por acórdão de 25-01-2022, transitado em julgado em 25-02-2022, por factos praticados no dia ........2021, na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período.
(Porquanto, no dia ... de ... de 2021, cerca das 18:20h, na via pública, junto ao n.º 1  da Avenida..., em ..., o arguido AA e um indivíduo de identidade não apurada, dirigiram-se a EE que ali se encontrava na esplanada do estabelecimento comercial "...", interpelando-o, tendo este solicitado que o respeitassem pois teria idade para ser pai deles.
Em seguida, e sem que nada o fizesse prever, o arguido AA recolheu e partiu uma garrafa de vidro que se encontrava depositada no caixote do lixo ali existente e com ela desferiu vários golpes sobre o corpo e rosto do ofendido EE.
Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, o ofendido EE sofreu as lesões infra descritas e dores nas zonas atingidas: i. uma ferida incisa na região inter-escapular (dorso), lateralizada à direita, com 5 centímetros, superficial nos 4 centímetros superiores e mais profunda nos 2 centímetros, sem secção muscular; ii. Uma ferida incida na região deltoideia esquerda (ombro), com cerca de 5 centímetros de comprimento e 4 centímetros de profundidade, com secção dos planos musculares do deltóide; iii. Uma ferida na zona cervical com cerca de 2 centímetros, com trajecto oblíquo inframedial com exposição da veia jugular externa sem lesão vascular, com extenso enfisema nas partes moles da região supraclavicular esquerda, com extensão à região cervical homolateral e bolhas de enfisema parasseptais com predomínio nos lobos superiores; iv. Uma ferida na face, região piramidal, com perda de substância e exposição de cartilagem, com fractura com discreto desalinhamento dos ossos próprios do nariz;
Em consequência de tais ferimentos, o ofendido teve necessidade de receber tratamento hospitalar urgente no Hospital ....
Tais lesões evoluíram para consolidação médico-legal, sendo o período de doença fixado em 40 (quarenta) dias, todos sem afectação de capacidade de trabalho profissional e 3 (três) dias com afectação grave da capacidade de trabalho geral.
O ofendido sofreu ainda as seguintes lesões de carácter permanente: a. cicatriz na pirâmide nasal, discretamente hipercromática, com tecido fino, mas não friável, não aderente, com eixo maior oblíquo para baixo e para a esquerda, com 4x1 centímetros de maiores dimensões, com queixas álgicas à sua manipulação e pressão dos ossos próprios do nariz, sem crepitação; b. cicatriz na base do pescoço, na face ântero-esquerda, hipercromática, com linear, oblíqua para baixo e para a frente/direita, espessada, com 3 centímetros de comprimento, com vestígios de sutura; c. cicatriz eucromática na extremidade lateral do bordo superior do ombro esquerdo, linear, arciforme de concavidade inferior, com 6 centímetros de comprimento; d. cicatriz discretamente na face posterior do hemitórax direito, para dentro do bordo medial da omoplata, linear, oblíqua para baixo e para a direita, com 3 centímetros de comprimento.
Após os factos, o arguido foi interceptado por agentes da Polícia de Segurança Pública, apresentando vestígios de sangue nas mãos e no vestuário.
Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido AA, trazia consigo duas navalhas, tipo canivete, uma com a inscrição "…" com lâmina de 6 cm de comprimento e cabo com 9,5 cm de comprimento e outra, de cor preta, com lâmina de 5,5 cm de comprimento e cabo com 8 cm.
Enquanto os agentes policiais procediam à sua detenção, o arguido, dirigiu-se ao ofendido e proferiu a expressão: "(...) sim, eu esfaqueei, e vou-te apanhar e vai ser pior" e "vou-te matar".
Ao actuar da forma supra descrita, o arguido AA agiu com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde do ofendido EE, resultado que quis e conseguiu.
O arguido bem sabia que ao desferir os golpes no corpo e rosto do ofendido utilizando uma garrafa de vidro partida, lhe poderia causar lesões graves que o desfigurariam de forma permanente, como veio a suceder, resultado que quis e conseguiu.
Ainda, ao proferir as expressões referidas em 9), o arguido agiu com o propósito concretizado de criar no ofendido EE um fundado receio que pudesse vir a concretizar tais intentos, levando a que aquele temesse pela sua integridade física e até pela sua vida.
O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei e tendo capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.)
c. Um crime de ofensa à integridade física qualificada, p e p. 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 e 132.º, n.ºs 1 e n.º 2, al. l) do Cód. Penal, no âmbito do Processo Comum Singular n.º 1609/22.7PCSNT - Juízo Local Criminal da Comarca de Lisboa Oeste - Juiz 3, por sentença de 16-05-2023, transitado em julgado em 2-10-2023, por factos praticados no dia ...-...-2022, na pena de 8 meses de prisão em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica, subordinado a obrigação de acompanhamento.
Condições pessoais (relatório social) do arguido AA:
33. À data dos factos o arguido AA integrava o agregado constituído pela mãe, pelo padrasto e por dois irmãos, actualmente com 22 e 19 anos de idade, na morada dos autos, em habitação própria da família adquirida com recurso a empréstimo bancário.
34. O arguido é filho único da relação dos pais, tendo o pai falecido quando ele tinha cerca de um ano e meio. No contexto familiar, AA é descrito como adequado, respeitador e cumpridor das regras, embora adoptasse um estilo relacional tendencialmente reservado na partilha das suas emoções e experiências vivenciais. Apesar do enquadramento familiar actual ser referido como normativo e adequado, o arguido esteve sujeito na infância, ainda no país de origem (...), a um modelo parental punitivo, caracterizado por comportamentos de agressividade que o padrasto lhe infligia, sentindo-se preterido em relação aos outros elementos da fratria. Esta situação é desvalorizada pela figura materna que minimiza e justifica alguns dos comportamentos do padrasto em relação ao arguido por questões culturais.
35. O arguido encontra-se actualmente em reclusão em prisão preventiva à ordem de outro processo, desde 29/09/2023, sendo que em momento anterior mantinha-se activo, desenvolvendo atividade como … há cerca de cinco meses, sem vínculo contratual, deslocando-se diariamente com o patrão para ... para o exercício dessas funções laborais, auferindo um rendimento diário de 40 EUR. A situação financeira do agregado registava estabilidade, dependendo do ordenado mínimo da mãe enquanto ... num hotel e do padrasto em entrega de correspondência, no valor de cerca de 1000 EUR, contribuindo o arguido para a economia da família.
36. Em termos escolares, AA concluiu o sexto ano de escolaridade em ... e prosseguiu em Portugal um curso de formação profissional na área da fotografia, que conferiria equivalência ao 9º ano, mas que não viria a concluir por abandono.
37. O arguido foi mantendo actividade laboral indiferenciada a partir dos 20 anos, tendo desenvolvido funções numa empresa de alumínio, na construção civil, na eletricidade, nas limpezas, numa perfumaria e no hipermercado ... assim como em ..., onde permaneceu durante cerca de três meses, na colocação de berreiras de segurança em autoestradas em 2019. Decorrente de um acidente de trabalho manteve-se durante vários meses inativo antes de se ter integrado nas últimas funções laborais que desenvolvia à data da actual prisão preventiva.
38. Nos tempos de lazer, AA convivia com a namorada e com amigos, referindo a prática de actividades desportivas (andar de patins) e de diversão, mantendo hábitos aditivos (haxixe) em contexto de convívio social, que motivaram intervenção anterior por parte dos serviços de saúde no âmbito do cumprimento de uma injunção.
39. O arguido mantém uma relação de namoro que perdura há cerca de oito anos, embora com alguns períodos de instabilidade e de desadequação de ambos na interação verbal, que decorre de um registo de dependência afectiva, embora ambos afirmem estabilidade relacional em período anterior à reclusão, perspetivando no futuro viver em união de facto e constituir agregado.
40. Em termos de características pessoais, sobressai um jovem adequado, embora tendendo a assumir uma atitude passiva e inibida na interacção, evidenciando dificuldades em adoptar um estilo relacional assertivo na resolução de problemas, que pode comprometer respostas adaptadas em contextos emocionalmente mais exigentes e de tensão.
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Outros:
51. Os arguidos confessaram parcialmente os factos e disseram estar arrependidos.
52. O arguido AA é cidadão nacional de ..., portador do título de residência n.º ... atribuído em ........2020 e válido até ........2022.
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B) Fundamentação de direito:
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Da medida da pena
Cumpre, agora, determinar, em concreto, o quantum da pena a aplicar aos arguidos.
Como ensina Figueiredo Dias esta operação importa três fases distintas, a saber: a delimitação da medida legal ou abstrata da pena aplicável ao caso; determinação, dentro daquela moldura legal abstrata, da medida concreta da pena a aplicar; escolha, de entre as penas postas à disposição no caso, da espécie de pena que efetivamente deve ser cumprida, através dos mecanismos das penas de substituição ou das penas alternativas (fase eventual, visto nem todas as penas oferecerem esta possibilidade).
Da moldura abstracta da pena
A moldura penal abstrata que devemos ponderar para o crime de homicídio simples é a de prisão de 8 a 16 anos.
No entanto, sendo o crime de homicídio praticado pelo arguido meramente tentado, o artigo 23.º do Código Penal implica que se lhe atenue especialmente a pena. A atenuação especial operará com os critérios consagrados no artigo 73.º do mesmo Código, sendo o limite máximo da pena reduzido de um terço e o limite mínimo reduzido a um quinto.
Operando tal atenuação, temos uma moldura penal abstrata de prisão de 1 ano 7 meses e 6 dias a 10 anos e 8 meses.
Da medida da pena
O ordenamento jurídico-penal português consagra uma concepção preventivo-ética da pena, ao definir no art.ºs 40s do Código Penal que "a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade", desempenhando a culpa somente o papel de pressuposto ("conditio sine qua non") e de limite da pena".
É com recurso à disciplina do art.º 71º do Código Penal que se retiram os critérios para a sua determinação, a saber:
■ a culpa do agente (que nos termos do art.º 40, n.º 2 CP é o seu tecto máximo ao definir que "em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa";
■ as exigências de prevenção (cf. art.º 71, n.º 1 do Código Penal);
■ E todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo do crime, deponham a favor ou contra si (cf. art.º 71, n.º 2 do Código Penal), aqui se atendendo a considerando:
❖ O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
❖ A intensidade do dolo ou da negligência;
♦♦♦ Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
❖ As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
❖ A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
♦♦♦ A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Assim, e no cumprimento desta tarefa deverá "dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa”. (...) Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados."
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Debrucemo-nos sobre a tarefa seguinte de definição da pena de prisão concretamente a aplicar.
No caso presente, são de sopesar as elevadas exigências de prevenção geral, no sentido de repor a confiança dos cidadãos na validade das normas jurídicas violadas com o comportamento lesivo dos bens jurídicos protegidos, na face do sentimento geral de insegurança na sociedade e tendo presente que estamos perante criminalidade gravíssima que cria forte sentimento de insegurança, repúdio e alarme na comunidade e que esta deposita e exige dos tribunais uma efectiva aplicação de penas que defendam e se ajustem aos bens jurídicos em causa, nomeadamente, quanto ao crime de homicídio.
Assim, e relativamente ao arguido AA, importa considerar que as exigências de prevenção especial estão aumentadas atento o seu histórico criminal com duas condenações pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, em 2021 e 2022 (vide facto 32 provado), revelador de um comportamento agressivo e desajustado na interacção com terceiros, sem mecanismos de autocontrolo e autocensura.
Ainda a atender:
- a culpa do arguido que é agente que é elevada;
- O grau de ilicitude dos factos, que é elevado, anotando-se a persistência na abordagem ao ofendido, esfaqueando-o uma primeira vez e, num segundo momento, uma segunda vez, sendo estes golpes os potencialmente causadores do resultado morte, apesar da fuga por parte do ofendido num primeiro momento, e de este ter tentado evitar o confronto num segundo momento.
- O dolo eventual;
- O grau de violação do bem jurídico protegido pela norma, bem como as consequências daí resultantes, mormente, as lesões causadas à vítima tais como a dor, angústia e sofrimento causados à vítima (cf. facto 25 e 26 provados).
- A existência de antecedentes criminais registados pelo arguido por crimes contra as pessoas;
- As condições económicas, sociais e culturais do arguido, de onde se destaca, estar actualmente em prisão preventiva à ordem de outro processo (vide factos 33 a 40 provados).
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Por todo o exposto, entende o Colectivo de Juízes adequada a aplicação aos arguidos, das seguintes penas:
- ao arguido AA, pela prática de um crime de homicídio, na forma tentada, previsto e punido, pelos artigos 10.º, n.º 1, 14.º, n.º 3, 22.º, n.º1 e nº 2, alínea b), 23.º, n.ºs 1 e 2, 26.º, 72.º, 131.º, todos do Código Penal, a pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.
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Substituição da Pena de Prisão: Suspensão da Execução da Pena de Prisão
Disciplina o artigo 50.º n.º 1 do Código Penal que o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Ou seja, o Tribunal, perante a determinação de uma medida da pena de prisão não superior a cinco anos, terá sempre de fundamentar especificamente a denegação da suspensão da execução da pena de prisão nomeadamente no que toca:
a) Ao carácter desfavorável da prognose (de que a censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição); e
b) Às exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico (na base de considerações de prevenção geral),
A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da execução da pena de prisão é clara no sentido de visar o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes. A par deste as necessidades de prevenção geral do caso devem permitir essa suspensão tendo em atenção o impacto dos mesmos na sociedade e, bem assim, por reporte ao um grau diminuído da ilicitude e da culpa.
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Já no caso do arguido AA, conjugadas as necessidades de prevenção especial que são reconhecidas, os antecedentes criminais pela prática de crimes contra as pessoas e penas aplicadas, a gravidade dos factos praticados e a própria dinâmica dos mesmos por si, (insistentemente, despoletados), a par das necessidades de prevenção geral que, como vimos, se estimam elevadas e o alarme social que este tipo de ilícito gera na sociedade, considera este Colectivo de que se impõe o cumprimento efectivo da pena de prisão aplicada, sendo de afastar a suspensão da sua execução.
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Da expulsão do arguido
Requer o Ministério Público que ao arguido AA, de nacionalidade ..., seja aplicada pena acessória de expulsão do país em consonância com o disposto no 151.º nºs 2 e 3 da Lei n.º 23/2007, de 04 de julho.
Preceitua este normativo que “A pena acessória de expulsão pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro não residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a seis meses de prisão efetiva ou em pena de multa em alternativa à pena de prisão superior a seis meses.
2 - A mesma pena pode ser imposta a um cidadão estrangeiro residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a um ano de prisão, devendo, porém, ter-se em conta, na sua aplicação, a gravidade dos factos praticados pelo arguido, a sua personalidade, eventual reincidência, o grau de inserção na vida social, a prevenção especial e o tempo de residência em Portugal.".
A pena acessória de expulsão do território nacional tem essencialmente, ao contrário da pena principal, características preventivas.
Esta pena não resulta como efeito necessário e automático da condenação na pena principal.
In casu, o arguido AA, é cidadão …, tendo-lhe sido aplicada uma pena de prisão efectiva superior a um ano de prisão.
Importa ponderar desde logo que o crime de homicídio (tentado), pelo qual o arguido veio a ser condenado, atenta contra a ordem pública e bons costumes e causa elevadíssimo alarme social.
Acresce que o arguido já tem antecedentes criminais graves, tendo sido já condenado por crimes contra as pessoas praticados em 2021 e 2021, impondo-se salientar a gravidade da conduta e consequências dos actos apreciados no processo 527/21.0PCSNT Juízo Central Criminal da Comarca de Lisboa Oeste - Juiz 3. E pese embora estas condenações, teve novo contacto com o sistema da justiça estando em prisão preventiva.
Assim, anotando-se o elevado grau de ilicitude dos factos aqui em apreciação e dos antecedentes criminais do arguido levam este tribunal a considerar a aplicação desta pena acessória, proposta pelo Ministério Público, porquanto a conduta imputada a este arguido consubstancia "ameaça grave para a ordem pública, a segurança ou a defesa nacional".
A par dos antecedentes criminais o arguido deixou de trabalhar, por força da prisão preventiva e a autorização para permanecer em Portugal estava válida até ........2022
O arguido esteve precariamente integrado em termos laborais em Portugal e fora de Portugal, não nasceu em Portugal concluiu o sexto ano de escolaridade em ... e prosseguiu em Portugal um curso de formação profissional na área da fotografia, que conferiria equivalência ao 9º ano, pelo que não se pode concluir que tenha feito neste país o seu percurso de desenvolvimento da personalidade. Também não tem filhos em Portugal a seu cargo.
Assim, não se encontra em nenhuma das condições limitativas da expulsão a que alude o artigo 135º da Lei nº 23/2007, de 4 de julho.
A expulsão do arguido mostra-se, assim, proporcional e adequada à prática dos factos pelos quais o arguido vai condenado e à sua perigosidade.
Por todo o exposto, decretar-se-á a expulsão do arguido AA do território nacional.
Decretada a sua expulsão, após cumprimento da pena, o arguido fica interdito de regressar ao país por cinco anos (art.º 144.º).
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III. Decisão
Por todo o exposto, acordam os Juízes que constituem o Tribunal Coletivo do Juízo Central Criminal de Sintra, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, em:
A) Julgar a acusação do Ministério Público parcialmente procedente por provada e, em consequência:
1. Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pela conjugação dos artigos 131.º, 22.º, 23.º e 73.º, todos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.
1.1. Ordenar a expulsão do território nacional do arguido AA, com consequente interdição de entrada pelo período de 5 anos (artigo 151º, nº 1 da Lei nº 23/2007, de 4 de julho).
A Digna PGA junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões, é: saber se deve ou não ser suspensa a execução da pena aplicada ao recorrente; se o mesmo deve ou não ser expulso do território nacional.
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Pretende o arguido/recorrente, antes de mais, que lhe seja suspensa a pena de prisão que lhe foi aplicada. Vejamos:
De acordo com o art. 50º, 1, C. Pen., a suspensão da execução da pena, para além da consideração da situação e das condições pessoais do agente, não pode contender com a realização adequada das finalidades da punição.
Ora, uma das finalidades da punição é precisamente a protecção dos bens jurídicos, ou seja, a prevenção geral do tipo de crime (art. 40º, 1, C. Pen.) e, consabidamente, os crimes contra as pessoas (vida, integridade física…) são dos mais geradores de enorme insegurança e alarme social, atenta a sua gravidade e repercussão no tecido social e o seu incremento, ainda que moderado (segundo as estatísticas da segurança interna) impondo-se prementemente o seu desencorajamento e a afirmação ante a comunidade da eficácia do ordenamento jurídico-penal em face das situações em apreço.
O art. 50º, C. Pen., para além de exigir formalmente que a pena aplicada não seja superior a 5 anos de prisão, impõe também que se atenda à personalidade do agente, às suas condições de vida e conduta anterior e posterior ao crime, implicando a formulação de um juízo de prognose positivo, no sentido de se concluir que simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Sucede que, desde logo, aquele juízo de prognose positivo não pode, de modo algum, ser realizado, ante o passado criminal do recorrente, nomeadamente, por crime contra as pessoas, em data próxima da dos presentes autos.
Acresce que, como se aduz acertadamente no acórdão recorrido, o arguido AA demonstra um comportamento agressivo e desajustado na interação com terceiros, não dispondo de mecanismos de autocontrole a autocensura. Exemplo de tal é a sua ostensiva persistência criminosa, provocando e agredindo o CC em duas ocasiões distintas e sucessivas.
Por outro lado, a prática de um crime contra a vida, nos moldes descritos nos presentes autos é motivo de elevado alarme social desencadeado, em parte pelas crescentes estatísticas atinentes ao tipo de crime em causa, proporcionando um clima de insegurança com inelutáveis repercussões negativas no tecido social.
Não estão, pois, reunidos os pressupostos da suspensão da execução da pena aplicada ao arguido.
Relativamente à pena de expulsão do território nacional do arguido recorrente, que, consabidamente, não é de aplicação automática, aderimos plenamente ao expendido no acórdão recorrido, posto que a ligação do mesmo ao território nacional é ténue e não impeditiva da aplicação daquela pena acessória, como adiante melhor se explicitará.
Refira-se adrede que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal Constitucional anteriormente firmada, veio entretanto dispor a Lei nº 23/2007, de 4-7, que constitui, entre outros, fundamento da expulsão de cidadão estrangeiro do território nacional, a prática por este de acto atentatório da segurança nacional ou da ordem pública, não podendo, contudo, ser expulso quem tenha filhos menores de nacionalidade portuguesa ou não, a residir em Portugal e para cujo sustento contribuam. Para além disso, devem ser tomadas em conta: a duração da residência no território; a idade da pessoa em questão; as consequências para essa pessoa e para os seus familiares; e os laços com o país de residência ou a ausência de laços com o país de origem – arts. 134º a 136º da cit. lei -.
“Para além da análise da origem e limites do poder de expulsão – como emanação da soberania estadual -, convirá compreendê-lo melhor, agora na perspectiva das funções das penas. Na ótica da prevenção geral, especialmente na sua dimensão negativa, a pena de expulsão parece encontrar a sua justificação à luz da necessidade de “exorcizar” a “ameaça” que os estrangeiros poderiam constituir para a segurança e ordem pública. Isto porque a pena de expulsão pode causar inconvenientes muito maiores do que uma pena somente privativa de liberdade. Quanto às exigências de prevenção especial, sobretudo no que respeita à ressocialização, a nossa perplexidade é grande. Assim e se numa perspectiva de neutralização do agente, ou seja, de prevenção especial negativa, a expulsão parece bastante eficaz, visto que, ao afastar o indivíduo, estará ele, naturalmente, impedido – ao menos, até expirar o prazo de afastamento – de praticar outros crimes, no território nacional, já na ótica da prevenção especial positiva, de ressocialização, resultará mais ou menos óbvia a irrelevância desta finalidade, pois ao afastar o delinquente da sociedade de acolhimento, não se perseguirá, aparentemente, qualquer objetivo de reintegração social” - Varela, João Athayde; Ferreira, Caio de Melo; Sereno, Diogo Santos; Raupp, Otávio Figueiredo. “A Pena Acessória de Expulsão (Pressupostos; Limites e Finalidades) – Parte III”. NOVA Refugee Clinic Blog, Setembro 2021 -.
Como se expõe no acórdão recorrido, o arguido AA, é cidadão …, tendo-lhe sido aplicada uma pena de prisão efectiva superior a um ano de prisão. O crime de homicídio (tentado), pelo qual o arguido veio a ser condenado, atenta contra a ordem pública e bons costumes e causa elevadíssimo alarme social. Acresce que o arguido já tem antecedentes criminais graves, tendo sido já condenado por crimes contra as pessoas praticados em 2021 e 2021, impondo-se salientar a gravidade da conduta e consequências dos actos apreciados no processo 527/21.0PCSNT Juízo Central Criminal da Comarca de Lisboa Oeste - Juiz 3. E pese embora estas condenações, teve novo contacto com o sistema da justiça estando em prisão preventiva.
Assim, anotando-se o elevado grau de ilicitude dos factos aqui em apreciação e dos antecedentes criminais do arguido levam este tribunal a considerar a aplicação desta pena acessória, proposta pelo Ministério Público, porquanto a conduta imputada a este arguido consubstancia "ameaça grave para a ordem pública, a segurança ou a defesa nacional".
O arguido esteve precariamente integrado em termos laborais em Portugal e fora de Portugal, não nasceu em Portugal concluiu o sexto ano de escolaridade em ... e prosseguiu em Portugal um curso de formação profissional na área da fotografia, que conferiria equivalência ao 9º ano, pelo que não se pode concluir que tenha feito neste país o seu percurso de desenvolvimento da personalidade. Também não tem filhos em Portugal a seu cargo.
Assim, não se encontra em nenhuma das condições limitativas da expulsão a que alude o artigo 135º da Lei nº 23/2007, de 4 de julho.
Acresce que o recorrente mantém uma relação de mero namoro, classificada como instável.
Por outro lado, como se observou, as possíveis condições de vida do recorrente em ..., não constituem óbice à sua expulsão para aquele país, verificados que sejam os requisitos supra elencados.
A expulsão do arguido mostra-se, assim, proporcional e adequada à prática dos factos pelos quais o arguido vai condenado e à sua perigosidade.
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Pelo exposto:
Acordam, em conferência, os juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso, confirmando-se na íntegra o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se em 3 UCs a taxa de justiça devida.

Lisboa, 5-12-24
Carlos Espírito Santo
Rui Poças
Alexandra Veiga