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LIBERDADE CONDICIONAL
Sumário
I. A circunstância de o arguido manter um discurso desculpabilizante, atribuindo a prática dos atos ao consumo de estupefaciente e de álcool, continuando a mostrar-se recetivo ao consumo deste último, não pode ser minimizada, sendo antes fator de apreensão quanto à eventual adoção de comportamentos idênticos após o retorno ao meio livre. 2. A evolução que o recluso regista não oferece ainda segurança bastante de modo a sustentar um juízo de prognose favorável acerca da sua capacidade para, em meio livre, conseguir orientar o seu comportamento de forma socialmente responsável, sem cometer crimes. 3. Não estando verificados os pressupostos da concessão da liberdade condicional, nomeadamente o previsto na alínea a) do nº 2, do artigo 61.º do Código Penal, tem de manter-se a decisão de não concessão da liberdade condicional ao recluso, porquanto respeitou os critérios legais e não violou as normas legais invocadas pela mesma.
Texto Integral
Em conferência, acordam os Juízes na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – Relatório
1. No Juízo de Execução de Penas de Ponta Delgada foi proferida decisão a 04.04.2024, que negou a concessão de liberdade condicional ao condenado AA, melhor identificado nos autos, em reclusão no ....
2. Recurso Ministério Público
O Ministério Público não se conformou com o sentido daquela decisão e dela recorreu, finalizando a motivação do recurso com as seguintes conclusões (transcrição):
1. - O recluso AA, encontra-se a cumprir a pena de 5 anos e 6 meses de prisão, no âmbito do Processo nº 370/19.7JAPDL, do Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada - Juiz 1, pela prática de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171º, nº 1, do Código Penal.
2. - O condenado iniciou o cumprimento da pena, em 12.06.2019 (início ficcionado), o meio da pena operou em 12.03.2022, os dois terços da pena foram atingidos em 12.02.2023 e, o termo a pena, está previsto ocorrer em 12.12.2024.
3. - O Conselho Técnico, prestou os necessários esclarecimentos e emitiu, por maioria, parecer favorável à concessão da liberdade condicional.
4. - O Ministério Publico pronunciou-se, no sentido de ser concedida, ao recluso, a liberdade condicional, atingidos que foram os dois terços da pena.
5. - A Mma. Juiz “a quo”, na decisão proferida sobre a liberdade condicional do recluso, no marco dos dois terços da pena, decidiu não lhe conceder tal medida, tendo baseado a sua decisão, em resumo, no facto do recluso, 5.1.- “Não dispor de recursos próprios nem de perspetivas de emprego concreto, sendo certo que o percurso laboral do recluso sempre foi inconstante, oscilando entre períodos longos de inatividade e períodos de ocupação precária. 5.2.- Existir fragilidade perante consumos ilícitos e abusivos (estupefacientes e álcool), atento o historial de consumos e recaídas. - Inclusivamente, durante o gozo de uma LSJ (gozada entre 11 e 16/07/2023), o recluso consumiu bebidas alcoólicas em excesso (regressou ao EP com uma TAS de 0,79g/l), defraudando a confiança que em si vinha vindo a ser depositada, o que implicou um retrocesso no percurso prisional. 5.3.- Não se poder/dever desvalorizar o consumo de álcool em excesso durante o gozo de uma licença de saída jurisdicional, pois tal comportamento evidencia uma relevante desconsideração das regras a que está obrigado em função dos seus interesses pessoais (e que tem de cumprir num período de tempo curto). Além do que, consumos desta natureza potenciam, de forma relevante, o risco de cometimento de novos factos ilícitos. - Ora o recorrente não pode conformar-se com tal decisão, porquanto:
6. - Neste estádio da pena, o recluso já assume a prática do crime que motivou a sua reclusão, e reconhece, a ilicitude do seu comportamento, referindo que foi um erro que cometeu e que está arrependido. - E, embora tenha tendência para se desculpabilizar, com os efeitos dos consumos de estupefacientes e do álcool, que considera, possam ter sido o fator determinante para cometer o crime, que, diz, não cometeria se estivesse sóbrio, refere que não compreende o que aconteceu, por forma a ter cometido tal conduta, alegando ter dificuldades em recordar a sequência dos acontecimentos, mas manifesta arrependimento e é capaz de compreender as consequências para as vítimas diretas e indiretas do seu comportamento, isto é, para a criança, para a sua mãe e restantes familiares da criança.
7. - Por seu turno, o recluso apresenta uma postura empática, perante a situação.
8. - Em relação à data da sua entrada no Estabelecimento Prisional e no período que se seguiu, em que eram evidentes as dificuldades que apresentava, na interiorização do desvalor da ação, verifica-se, que, atualmente, existe o registo de uma evolução significativa, na interiorização do desvalor da sua conduta criminal.
9. - E, em contexto prisional, do seu registo disciplinar, constam três infrações, duas das quais pertencentes a processo de instaurado em dezembro de 2020, por comportamento incorreto, com a sanção de 7 dias de privação do uso e posse de objetos pessoais não indispensáveis. - Recentemente, em 16.07.2023, existe registo de uma nova infração aquando chegada de uma LSJ, por se apresentar no Estabelecimento Prisional, com uma taxa de alcoolemia no sangue, de 0,79g/litro. - Neste seguimento, foi sancionado com uma repreensão escrita, que lhe foi aplicada em 21.07.2023, (pelo que, perante esta situação em concreto, se pode ponderar a verificação de um retrocesso no seu percurso seu prisional).
10. - O certo é que, beneficiando o condenado de RAI, desde o dia 07.03.2023, este regime não lhe foi suspenso e/ou cessado, pela direção do Estabelecimento Prisional ..., após a supra referida punição, assentando a não revogação do RAI, na convicção criada nos elementos de acompanhamento e de autoridade desse estabelecimento prisional, de que, perante o incidente em causa, o recluso não repetirá tal comportamento, pois que, ficou claro para o mesmo, “de que não poderá fazer qualquer ingestão de bebidas alcoólicas”.
11. - Estando, aliás, proposta a sua colocação em RAE, ao abrigo de Protocolo do E.P, com o Município de ....
12. - Paralelamente, no Estabelecimento Prisional, onde se encontra recluso, o condenado tem ocupado maioritariamente a sua ocupação laboral, como faxina, sendo frequente voluntariar-se para dar apoio à receção/entregas de cantina aos reclusos.
13. - E, na área laboral, em meio livre, e ao invés do que está descrito na decisão em crise, o recluso embora tendo apresentado um percurso pouco consistente, entre os anos de 2014 e 2017, iniciou atividade laboral, na área da construção civil, em 2017/2018, atividade que desenvolveu até à data da prática dos factos que motivaram a sua prisão, sendo que, nessa data (da sua reclusão), o condenado trabalhava na área da jardinagem para particulares.
14. - Pelo que, quanto ao seu projeto de futuro laboral, pese embora o condenado não tenha ainda uma proposta concreta de trabalho, o que não se revela despiciendo, considerando os seus parcos momentos no exterior, por forma a poder levar a efeito uma procura eficaz, com vista à sua colocação laboral, após a sua saída do E.P, em liberdade condicional , o certo é que o mesmo perspetiva a possibilidade concreta, de conseguir trabalho na área da construção civil, na ilha do … ou em ..., ou como camponês. - No EP, o condenado tem vindo a demonstrar interesse e motivação para se inserir profissionalmente, beneficiando de várias colocações laborais, a última das quais, iniciada em abril de 2023 e a decorrer atualmente enquanto ....
15. - O condenado aceita a pena, pela qual foi condenado, sendo que o seu percurso prisional é pautado pelo ajuste comportamental, evidenciado na forma como interage e se relaciona com os pares e figuras de autoridade, cordial e assertiva.
16. - Frequentou com sucesso o “Programa de Intervenção Técnica”, dirigido a condenados por delitos estradais - “Estrada Segura”, ministrado no ano de 2020.
17. - Trata-se de um recluso primário, no sistema prisional, que assume a prática do crime cometido e pelo qual cumpre pena de prisão e que reconhece, o impacto do seu comportamento nas vítimas, pelas quais apresenta empatia. - Encontra-se em RAI, desde 07.03.2023. - Beneficiou de 2 LSJ e 3 LCD, avaliadas, todas elas, de forma positiva. - Assim, e em face das conclusões acima, verifica-se que:
18. - Alcançados que foram os dois terços da pena, com um mínimo absoluto de seis meses (cfr. artigo 61º, nº 3, do Código Penal) e obtido o consentimento do recluso, como é o caso, o legislador abranda as exigências de defesa da ordem e paz social e prescinde do requisito da prevenção geral, considerando que o condenado já cumpriu uma parte significativa de prisão, e que, por conseguinte, tais exigências já estarão minimamente garantidas.
19. - Aos dois terços da pena, o único requisito material exigido, é a expectativa de que o condenado, em liberdade, conduzirá a sua vida responsavelmente, sem cometer crimes, ou seja, importa que se atente na prevenção especial, na perspetiva de ressocialização (positiva) e na prevenção da reincidência (negativa).
20. - Assim, e no que respeita aos fins das penas, subsiste apenas a finalidade de ajuda ao recluso na mudança e regeneração (ressocialização) e na prevenção de cometimento de novos crimes.
21. - Na avaliação da prevenção especial negativa o julgador tem de formular um juízo de prognose sobre o que irá ser a conduta do recluso, no que respeita a reiteração criminosa e ao seu comportamento futuro, a aferir, pelas circunstâncias do caso, antecedentes, personalidade e evolução durante o cumprimento da pena.
22. - E, nesta perspetiva, parece-nos que o recluso AA, sendo um indivíduo que apresenta um percurso de vida limitado e pouco estimulado, indissociável de um processo de socialização, marcado pela falência das componentes familiares e educativa, que se traduziu numa baixa escolaridade, num percurso profissional incipiente e no início do consumo de substâncias psicoativas aos 17 anos de idade, a verdade é que:
23. - Dispõe de suporte familiar, por parte do agregado familiar da irmã e dos progenitores, os quais lhe vão garantir os meios económicos para assegurar a sua subsistência, lhe asseguram a sua habitação, bem como lhe garantem ainda, a sua estabilidade pessoal e emocional.
24. - O recluso embora não deixando de se legitimar no consumo de substâncias aditivas, como é o facto de ter consumido bebidas alcoólicas quando do gozo da última Licença de Saída Jurisdicional, que lhe veio, nesta sequência, a ser revogada,
25. - o certo é que apresenta uma clara melhoria ao nível da consciência critica, perante o crime praticado, e demonstra ter interiorizado o desvalor da sua conduta criminal.
26. - E, estando o condenado, no último estágio do seu percurso e do seu tratamento penitenciário, cuja pena termina em já dezembro do corrente ano - em 17.12.2024 (considerando o acréscimo dos 5 dias, decorrente da revogação da LSJ) - pois que sendo a sua pena inferior a 6 anos de prisão, não beneficia da obrigatória saída do E.P, (obtido que seja o seu consentimento) aos 5/6 da pena, parece-nos que a determinação da sua manutenção intramuros, poderá redundar num percurso descendente regressivo, ao contrário da pretendida consolidação do seu percurso prisional, e cujo efeito, poderá ser antagónico ao que foi preconizado até ao presente.
27. - Efetivamente, ao ser concedida a liberdade condicional ao recluso, entendemosque as suas ainda verificadas fragilidades, poderão beneficiar, com o seu acompanhamento em liberdade condicional, pela Equipa de Reinserção Social competente, que, para além de abranger a educação para o direito e para os valores jurídicos fundamentais, antes de atingir a sua liberdade definitiva, poderá e deverá ainda destinar-se a orientar o condenado a manter-se abstinente do consumo de estupefacientes e de bebidas alcoólicas em excesso,
28. - para além de o sujeitar, a um processo de avaliação psicológica e/ou psiquiátrica e ao cumprimento das orientações que da mesma resultarem, nomeadamente, a sua sujeição a acompanhamento psicoterapêutico individualizado, como forma de consolidar a estabilidade emocional.
29. - Com a libertação condicional do condenado AA, o que aqui está em causa não é qualquer “certeza”, mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda, devendo, o tribunal, encontrar-se disposto a correr um certo risco, fundado e calculado - sobre a manutenção do agente em liberdade.
30. - Refere-se, por seu turno, que a liberdade condicional, não é uma medida de clemência ou de recompensa de boa conduta, dada ao recluso, mas é algo que visa criar um período de transição, entre a prisão e a liberdade, durante o qual o condenado possa reconhecer o sentimento de orientação social que se presume enfraquecido, em razão da reclusão, e que, necessariamente, deve ser posto à prova, caso a caso, até para o colocar perante si e de o responsabilizar pelos seus atos e pela gestão, em liberdade, desses mesmos atos.
31. - Efetivamente, a liberdade condicional é o prolongamento da pena de prisão, embora em liberdade, e com o carácter responsabilizante do arguido.
32. - E só deve ser concedida quando se considerar que o condenado, uma vez em liberdade, irá conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes e quando se considerar que a libertação se irá revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social e, ainda quando se considerar que, apesar de tudo, a ressocialização do arguido será mais fácil e mais rápida, confrontando-o com uma responsabilização pela sua liberdade, do que, com uma reclusão que o tornará ainda mais rebelde e tendencialmente delinquente, ou descrente num sistema de justiça que o condenou e lhe exigiu um preço por uma conduta violador dos princípios pelos quais se rege a sociedade e o meio a que pertence.
33. - No nosso caso concreto, o risco de reincidência está especialmente mitigado, considerando que já estão ultrapassados os 2/3 da pena, à ausência de antecedentes criminais, ao apoio familiar e ao escrutínio social, e à perspetiva concreta do condenado de se inserir no mercado de trabalho.
34. - Sendo que, o recluso não pode beneficiar da saída obrigatória aos 5/6 da pena (com o seu expresso consentimento), considerando que a sua pena de prisão é inferior a 6 anos.
35. - E, embora não se desconheça, que as agressões sexuais em crianças, estão entre aquelas que provocam maior preocupação social, podendo um único caso de recidiva levar a que se questione a forma como os tribunais avaliam o perigo, não pode, sem mais, considerar-se que relativamente a todos os agressores sexuais existe um elevado risco de reiteração do comportamento criminoso.
36. - A negação deste crime, ou a apresentação de fatores desculpantes (como é o caso), constituem atitudes normais, que, muitas vezes, têm a ver com a auto-estima e com a vergonha pela conduta levada a efeito e visam preservar o infrator da reação negativa das pessoas que lhe são queridas.
37. - Diferente desta perspetiva, seria sim, se o recluso tivesse uma atitude legitimadora do seu anterior comportamento, o que inegavelmente constituiria um fator de risco.
38. - O facto de o condenado não conseguir explicar a motivação do seu comportamento, atribuindo-o aos seus consumos aditivos, de álcool e/ou de produtos estupefacientes, parece-nos não assumir relevância para o juízo de prognose.
39. - Pois que a prática de crimes sexuais deriva da conjugação de uma pluralidade de fatores, não sendo exigível, em nosso entendimento (bem como da jurisprudência já generalizada) que o próprio agente consiga explicar o seu comportamento. E, mesmo que uma explicação dada, possa traduzir numa atitude de mitigação da sua responsabilidade, entende-se que essa conduta, não é idónea, por si só, a demonstrar-se como um fator premonitório, de uma eventual recidiva.
40. - O risco da reincidência, no caso em apreço, está claramente contrabalançado pelo comportamento prisional do recluso, que a partir do meio da pena de prisão adquiriu uma dimensão adequada e conforme às regras e normas prisionais, pelos seus hábitos de trabalho, pelas suas ocupações laborais no estabelecimento prisional e pelo êxito da medidas de flexibilização - 2 LSJ e 3 LSCD - de que beneficiou, pese embora a última LSJ - de 5 dias, que por ele gozada em julho de 2023 - lhe tivesse sido revogada, na sequência do já acima descrito (por ter dado entrada no EP, após o regresso da medida, com uma TAS de 0,79g/l de álcool no sangue).
41. - E, ao contrário da decisão em crise, entende-se que o condenado ao ingerir bebidas alcoólicas no gozo da referida LSJ, efetivamente desvalorizou o facto de saber que não o devia fazer, durante o gozo dessa medida de flexibilização, todavia, o seu comportamento não se revelou idóneo a evidenciar uma relevante desconsideração pelas regras a que estava obrigado a cumprir, em função dos seus interesses pessoais, tanto mais, que a sua conduta, no exterior, e perante a comunidade em que esteve inserido, durante o gozo da LSJ se revelou adequada e em conformidade com as normas e as regras devidas em sociedade.
42. - O condenado, revelou sim, uma certa atitude de descuido e de não perseverança perante os malefícios que a ingestão de bebidas alcoólicas lhe poderiam trazer, como trouxeram, quando da ponderação da sua libertação condicional, convicção, aliás, criada nos elementos de acompanhamento e de autoridade do Estabelecimento Prisional, onde o condenado se encontra recluso, no sentido de que, perante tal situação, não repetirá tal comportamento, pois tem agora a noção precisa “de que não poderá fazer qualquer ingestão de bebidas alcoólicas’’, motivo pelo qual, não só não lhe revogaram o RAI, como aguarda a sua colocação em RAE.
43. - A avaliação realizada, permite-nos evidenciar a existência de recursos, com os quais o AA, poderá contar, quer ao nível familiar, habitacional e económico, quer a par da evolução pessoal evidenciada no decurso do período de cumprimento da pena, que se configuram como fatores positivos, a reforçar, na ótica da sua reinserção social e do sucesso das medidas de flexibilização.
44. - Ao não conceder a liberdade condicional ao recluso, a decisão recorrida violou os pressupostos materiais da liberdade condicional, atrás mencionados e, consequentemente, incorreu na violação do disposto nas alíneas a) e b), do nº 2, do artigo 61º, do Código Penal.
45. - E violou ainda, tal decisão, o disposto no artigo 42º, nº 1, do Código Penal.
46. - Nestes termos e em face do acima exposto, deverá dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se a sua substituição por outra decisão, que conceda a liberdade condicional ao recluso AA, mediante obrigações e regras de conduta, nomeadamente as que abaixo se descrevem
a. - Fixar residência, que não poderá alterar, por prazo superior a 8 dias, sem a prévia autorização deste Tribunal de Execução das Penas, na Rua ..., ..., sendo esta morada a considerar nos autos para futuras notificações do mesmo;
b. - Contactar com os Técnicos da Equipa de Reinserção Social, no prazo de 8 dias após a sua libertação e, aceitando a sua tutela, cumprir as ordens legais e recomendações que lhe sejam transmitidas;
c. - Comparecer às entrevistas marcadas pelo Técnico da Equipa de Reinserção Social com a periodicidade e no local que lhe sejam determinados, aceitar a respetiva tutela, aceitar as deslocações e os contactos do Técnico aos locais tidos como relevantes para o acompanhamento da medida, cumprir as ordens legais e as recomendações que lhe sejam transmitidas pela DGRSP, no âmbito do acompanhamento da liberdade condicional, justificar à DGRSP quaisquer faltas perante a mesma, comunicando-as previamente, se possível, e apresentando, em qualquer caso, documento comprovativo da justificação no prazo de 5 dias úteis, facultar à DGRSP os contactos de pessoas do seu meio familiar ou outro, bem como informações e documentos comprovativos tidos como relevantes e receber o Técnico no meio residencial ou outro, considerado pertinente e prestar informação sobre eventuais alterações de endereço(s);
d. - Confirmar, perante o Tribunal de Execução das Penas, o seu local de residência e o seu domicílio profissional com periodicidade semestral;
e. - Manter-se abstinente do consumo de produtos estupefacientes e do consumo de bebidas alcoólicas, realizando testes de despiste com a periodicidade indicada e sujeitar-se a consultas, em caso de recaída, à medida que forem sendo agendadas, cumprindo com as orientações dos profissionais de saúde;
f. - Sujeitar-se processo de avaliação psicológica e/ou psiquiátrica e ao cumprimento das orientações que da mesma resultarem, nomeadamente, a sua sujeição a acompanhamento psicoterapêutico individualizado, como forma de consolidar a estabilidade emocional;
g. - Exercer atividade profissional/ocupacional regular e/ou formativa, e na sua impossibilidade, fazer prova das diligências efetuadas para o efeito, nomeadamente inscrição no Centro de Qualificação e Emprego da área de residencial;
h. - Não abandonar um posto de trabalho, sem ter outra alternativa credível, e sem antes informar previamente o técnico de reinserção social responsável pela supervisão da medida;
i. - Manter uma conduta socialmente responsável, de acordo com os valores e as regras vigentes;
j. - Fazer prova, junto da Equipa de Reinserção Social, sempre que solicitado, do cumprimento das obrigações impostas;
k. - Abster-se de permanecer em locais, zonas ou em espaços frequentados por pessoas conotadas com o tráfico / consumo de estupefacientes;
l. - Não acompanhar com pessoas conotadas com a problemática aditiva nem ligadas à prática de atividades ilícitas (designadamente, de tráfico / consumo de estupefacientes e consumos de álcool) e que, de algum modo, possam contribuir para colocar em risco o seu processo de reinserção social;
m. - Não praticar crimes nem quaisquer outros atos ilícitos.
3. A defesa do recluso não apresentou resposta.
4. Parecer
Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, não secundando a opinião do Ministério Público em 1.ª instância, antes perfilhando a decisão do tribunal recorrido, sendo tanto nos seguintes termos: “E assim é porque entendemos que o recluso não reúne condições pessoais para que lhe seja a liberdade condicional no marco dos dois terços da pena. A questão de saber se o recluso reúne ou não aquelas condições prende-se com a personalidade e as circunstâncias de vida do recluso antes de preso, e com a evolução do processo de assunção da responsabilidade pelo crime cometido, atenta a sua natureza. Com efeito, não nos podemos esquecer que o recorrente praticou os atos sexuais, pelos quais foi condenado em 5 anos e 6 meses de prisão, num menor de 7 anos de idade, que reside próximo da habitação para onde pretende residir quando em liberdade. Não nos podemos igualmente esquecer que o recluso, quanto à assunção da responsabilidade pelos atos por si cometidos, muito embora o decurso do tempo, mantém um discurso desculpabilizante, atribuindo a prática dos atos ao consumo de álcool e de estupefaciente, e manifestando não ter sido sua intenção praticá-los, desconhecendo como tal aconteceu, querendo fazer crer que aqueles consumos alteraram o seu estado de consciência [veja-se o Auto de Audição, de 08/03/2024, que antecedeu a prolação da decisão recorrida]. Este discurso não permite considerar que o recluso interiorizou o desvalor da sua conduta, entendeu os seus efeitos sobre a vítima e que está arrependido, pois que não existe uma autêntica assunção de responsabilidade. Tal como o Tribunal a quo refere na decisão recorrida, o recluso não demonstra sequer a vontade, ou interesse, de compreender o que o levou a praticar atos tão graves como aqueles pelos quais foi condenado, o que poderia contribuir para prevenir a sua reincidência. Ademais, o consumo de álcool tem acompanhado o recluso ao longo do seu percurso de vida, mostrando-se permeável ao seu consumo, quando em liberdade, como sucedeu aquando do gozo da terceira LSJ que, por essa razão, veio a ser revogada com o desconto dos 5 dias que gozou no cumprimento da pena. Ora, atribuindo o recluso a prática dos atos sexuais ao consumo de álcool, para os quais não encontra outra explicação, e sendo permeável ao seu consumo em liberdade, o perigo de vir a consumir este produto é muito elevado, tal como o é o perigo de vir a praticar atos sexuais sobre menores, tanto mais que estará próximo da vítima e irá habitar na morada da irmã, que tem dois filhos menores. Por último, o recluso não tem um projeto de mudança em meio livre e o suporte familiar de que dispõe não é contentor. A falta de assunção da responsabilidade dos atos cometidos, a permeabilidade ao consumo de álcool e, a ausência de um projeto de mudança em meio livre, constituem elevados fatores de risco de práticas antijurídicas e anti sociais, donde não se mostrar possível a formulação de um juízo de prognose favorável no sentido de que o condenado, em liberdade, conduzir a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes. Não se mostra preenchido o requisito substancial da concessão da liberdade condicional previsto na al. a) dos n.ºs 2 e 3 do art.º 61.º, do CP.”
5. Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (adiante designado CPP), não foi apresentada resposta.
6. Foram os autos à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
1. Objeto do recurso
De acordo com o estatuído no art.º 412.º do CPP e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem deve apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no art.º 410.º n.º 2 do CPP.
No caso concreto, face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso interposto, está em questão a concessão de liberdade condicional ao recluso, após o marco de 2/3 da pena de 5 anos e 6 meses de prisão em que o mesmo se mostra condenado.
2. Da decisão recorrida (transcrição parcial): O CASO CONCRETO DOS AUTOS Com relevo para a decisão a proferir, resulta da(s) certidão(ões) da(s) decisão(ões) condenatória(s), da(s) liquidação(ões) de pena(s), da ficha biográfica e do certificado de registo criminal, dos relatórios juntos ao processo elaborados pelos serviços prisionais e pelos serviços de reinserção social, dos esclarecimentos prestados em conselho técnico e das declarações do(a) recluso(a), aquando da sua audição e da certidão referente à decisão do incidente de incumprimento de LSJ (fls. 178 a 181 verso): 1 – Quanto aos pressupostos formais concessão da liberdade condicional: 1.1 – Cumprimento de 2/3 da pena e no mínimo 6 meses de prisão, 12 meses após a última apreciação da liberdade condicional (art.º 61º, nº 3 do Código Penal e art.º 180º, nº 1 do CEPMPL): O recluso iniciou o cumprimento da pena por referência ao dia 12/06/2019 (início ficionado), com ½ a operar em 12/03/2022, 2/3 em 12/02/2023 e termo em 17/12/2024. 1.2 – Consentimento (art.º 61º, nº 1 do Código Penal): O recluso consentiu na liberdade condicional. * Assim, no que se reporta aos pressupostos formais da concessão de período liberdade condicional, podemos concluir pelo seu preenchimento. 2 – Quanto aos requisitos substanciais (ou materiais) da concessão da liberdade condicional: 2.1 – Juízo de prognose favorável quanto ao comportamento do condenado em liberdade – ser fundadamente de esperar que, uma vez em liberdade, o condenado conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes (art.º 61º, nº 2, al. a) do Código Penal e art.º 173º, nº 1, als. a) e b) do CEPMPL), atendendo a: 2.1.1 – Circunstâncias do caso: O condenado encontra-se a cumprir a pena de 5 anos e 6 meses de prisão (Proc. nº 370/19.7JAPDL, do Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada – Juiz 1), pela prática de 1 crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo art.º 171º, nº 1 do Código Penal, de que foi vítima um menor de 7 anos de idade: no dia 03/06/2019, depois da criança se abeirar do recluso, num terreno agrícola, este disse ao menor para o acompanhar para uma zona do terreno com canas altas para o ajudar a apanhar ervas e para ver os coelhos, assim se ocultando da vista de qualquer transeunte. Acto contínuo, o arguido abeirou-se da criança, baixou-lhe os calções e a roupa interior que envergava e baixou as suas próprias calças e roupa interior, exibindo o seu pénis erecto à criança. O recluso virou então a criança completamente de costas para si, envolveu os seus braços no tronco do menor, baixou-se, flectindo os joelhos, e colocou o seu pénis erecto entre as nádegas da criança, pressionando-o e tentando, por diversas vezes, penetrar o ânus da criança com o pénis erecto sem preservativo. Por força de tal insistência, a criança sofreu dor naquela zona, chorou e pediu ao recluso que parasse. O recluso, não logrando conseguir a penetração, acabou por desistir de tal intento. O recluso virou ainda o menor de frente para si, agarrou-lhe o braço esquerdo, colocou a mão da criança a envolver o seu pénis erecto e, posicionando a sua mão sobre a da criança, fê-la mexer para a frente e para trás, em movimentos masturbatórios. A criança mais uma vez pediu-lhe para “ir ver os coelhinhos” pelo que o recluso largou a mão da criança sem ter ejaculado, após o que abandonou o local. 2.1.2 – Vida anterior do condenado: a) Situação económico-social e familiar: O recluso, de 38 anos de idade, é natural da ilha de ... e é o mais velho de 3 elementos da fratria. É oriundo de um agregado descrito pelo próprio como coeso, sendo a relação familiar identificada como gratificante, apesar da problemática aditiva (álcool) de que o progenitor padecia, sem haver, no entanto, registo de qualquer impacto negativo na comunidade. O recluso nunca se autonomizou do agregado de origem. Apesar do apoio familiar de que beneficiava em meio livre, os progenitores não foram capazes de colmatar as fragilidades do recluso. Estabeleceu algumas relações de namoro, a mais duradoura foi de cerca de 8 meses (período que antecedeu aos factos pelos quais foi condenado no âmbito do processo referido no ponto 2.1.1). No passado, regista algumas fases de instabilidade comportamental ao longo do seu desenvolvimento, principalmente, desde a adolescência, altura em que estabeleceu contacto com substâncias psicoactivas, situação com algumas repercussões na dinâmica familiar. As figuras parentais adoptaram uma atitude de desculpabilização dos comportamentos do próprio, mantendo-se apoiantes deste, mesmo nas fases de maior desajuste comportamental. À data da reclusão, residia com os progenitores, na freguesia de ..., na ilha de .... Desde que deu entrada no EP, apenas recebeu, no mês de Dezembro de 2021, a visita de familiares que residem na ilha de .... Realiza chamadas telefónicas diárias para a família. b) Saúde: O recluso situa o início da problemática aditiva entre os 13 anos, com início de consumos de canabinóides e hábitos etílicos, com escalada para heroína e cocaína aos 17 anos. Efectuou um internamento aos 21/22 anos de idade, para tratamento da problemática aditiva, do qual saiu por abandono, tendo recaído decorrida uma semana. Em 2014, integrou o programa de tratamento com opiáceos de substituição (metadona), o qual terminou em 2017. Após o tratamento com metadona, intensificou-se a sua problemática etílica. Em meio prisional, obteve sempre resultado negativo a consumos em testes de despiste toxicológico. Paralelamente ao tratamento com opiáceos de substituição, deu início à ingestão abusiva de bebidas alcoólicas, sob efeito das quais assumia, por vezes, postura desadequada na habitação com os familiares. Quando deu entrada no EP de ... (em 16/06/2020), tinha sintomas de abstinência de álcool (tremores finos) e fez medicação. Anteriormente, foi diagnosticado com Hepatite C, tendo sido submetido a tratamento com resultados positivos. Faz medicação sonífera diariamente. É está referenciado para a especialidade de Oftalmologia (miopia e hipermetropia), aguardando consulta no hospital e acompanhamento em Estomatologia. Não demonstrou interesse em beneficiar de acompanhamento psicológico individual com o objectivo de desenvolver competências. c) Antecedentes criminais: Tem outros antecedentes criminais pela prática dos seguintes crimes, cujas penas se encontram extintas: 1 crime de ameaça agravado (21/08/2012 – Proc. nº 250/12.7PCPDL) e 1 crime de resistência e coacção sobre funcionário (14/07/2017 – Proc. nº 211/17.0PCPDL), sendo esta a sua 2ª reclusão. d) Processos pendentes: nada consta. 2.1.3 – Personalidade do condenado e evolução desta durante a execução da(s) pena(s) de prisão: a) Comportamento prisional: Em contexto prisional, o recluso apresenta um comportamento globalmente normativo. Tem registadas 3 infrações disciplinares, devidamente punidas, a última das quais praticada em 16/07/2023. Nada consta quanto a louvores. Faz uma gestão financeira adequada. b) Qualificação escolar/Formação profissional: O recluso iniciou o percurso escolar na idade normal, mas o mesmo foi pautado por desmotivação para as tarefas escolares e absentismo. Saiu do sistema de ensino aos 13 anos de idade, com o 4º ano de escolaridade (grau de ensino abaixo do nível adequado à sua idade), com dificuldades de leitura/escrita. Apesar de se ter matriculado no ano lectivo 2020/2021 para frequência do 2º ciclo, o recluso desistiu logo no início das aulas, alegando dificuldades de visão e não se detecta verdadeira motivação para desenvolver as suas qualificações. c) Perspectiva laboral: Após a saída do ensino escolar, trabalhou em … e, por volta dos 15 anos de idade, no sector … por conta de particulares, sem vínculo laboral ou regalias, trabalhando ao dia. Apresenta um percurso laboral pouco consistente, com um período prolongado de desemprego de 2014 a 2017. Em 2017/2018, trabalhou na área da … e, à data dos factos, trabalhava na área da … para particulares. Em meio prisional, o recluso tem revelado, desde o início, motivação para se inserir profissionalmente e, antes de obter colocação laboral, era frequente voluntariar-se para apoio à recepção/entrega de cantina aos reclusos. Entretanto, já esteve integrado laboralmente, várias vezes, a última das quais desde 08/01/2024. d) Programas: Frequentou com sucesso o “Programa de Intervenção Técnica dirigidos a condenados por delitos estradais – Estrada Segura”, ministrado no ano de 2020. e) Actividades socioculturais e desportivas: Em meio prisional, reparte o tempo entre a cela (onde vê TV e joga playstation) e a sala de convívio (jogos de tabuleiro), frequentando mais irregularmente o polidesportivo do EP para jogar futsal. f) Competências pessoais e emocionais: Em meio livre, o recluso tendia a agir de modo impulsivo, o que se agravava quando se encontrava sob o efeito de substâncias psicoactivas. Revelava limitações ao nível das competências pessoais e frágil interiorização das regras e valores sociais vigentes, apresentando um percurso de vida marcado pela dificuldade em assumir as responsabilidades próprias de um adulto. Actualmente, o recluso demonstra um pensamento mais coerente e sequencial, mas mantém dificuldades ao nível das competências pessoais, designadamente, falta de vontade para a mudança, assumindo ainda uma atribuição causal externa, revelando dificuldades em assumir a responsabilidade pelos seus actos. g) Relação do recluso com o(s) crime(s) cometido(s): O recluso consegue, aparentemente, apresentar alguma consciência crítica, referindo que foi um erro que cometeu e que está arrependido. Tem dificuldade em reconhecer os eventuais impactos do crime na vítima e tem alguma dificuldade em colocar-se no lugar do outro, referindo, contudo que tem sobrinhos e não gostava que lhe fizessem o mesmo. Desculpabiliza-se com os efeitos dos consumos de estupefacientes e de álcool, que considera, possam ter sido o factor determinante para cometer o crime, que não cometeria se estivesse sóbrio, referindo “Não sabe como isso aconteceu”. h) Medidas de flexibilização de pena: - RAI – beneficia desde 07/03/2023; - LSJ – beneficiou de 2 LSJ, uma com avaliação positiva e outra com avaliação negativa (a LSJ de 5 dias que foi gozada em Julho de 2023 foi revogada por o recluso ter apresentado uma TAS de 0,79g/l no regresso ao EP); - LSCD – beneficiou de 3 LSCD, com avaliação positiva. i) Perspectivas de enquadramento familiar, social e profissional: Em liberdade, pretende residir na ... (que se situa na freguesia contígua à freguesia onde residem os pais do recluso e onde ocorreu o crime), com a irmã BB, com o cunhado (ambos laboralmente activos) e dois sobrinhos de 10 e 6 anos de idade (com idades próximas à da vítima à data dos factos) ou, com os pais, na ... (perto da casa da vítima). Dispõe de suporte familiar, por parte do agregado familiar da irmã e dos progenitores, os quais se mostram pouco críticos e contentores face ao comportamento do recluso. Na freguesia do agregado de origem, o recluso é identificado pela ligação ao mundo dos consumos de estupefacientes e álcool bem como pelo crime praticado. Em meio livre, o recluso não dispõe de autonomia financeira, pelo que a satisfação das necessidades básicas do condenado será assegurada, numa fase inicial, pela irmã e pelos progenitores. Profissionalmente, pretende ir trabalhar na área de construção civil ou como camponês.
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3. Apreciando
Em causa está a concessão de liberdade condicional ao recluso, após o marco de 2/3 da pena de 5 anos e 6 meses de prisão em que o mesmo se mostra condenado.
A liberdade condicional assume a natureza de um incidente de execução da pena de prisão, mostrando-se prevista nos artigos 61.º a 64.º do Código Penal e 173.º a 188.º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, sendo certo que, tal como resulta do ponto 9 do preâmbulo do Código Penal, “definitivamente ultrapassada a sua compreensão como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, a libertação condicional serve, na política do Código, um objetivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.”
Conforme estatuído no artigo 61.º do Código Penal a concessão de liberdade condicional, aos dois terços da pena, está dependente da verificação dos seguintes pressupostos:
- Que o recluso tenha cumprido dois terços da pena e, no mínimo, 6 meses de prisão - n.º 3;
- Que aceite ser libertado condicionalmente - n.º 1;
- Que exista a formulação de um juízo de prognose favorável, no sentido de que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes - n.º 2, al. a) (encontrando-se ultrapassado o marco de 2/3 da pena, já não releva o propósito de prevenção geral a que alude a al. b) do n.º 2 do art.º 61.º do Código Penal).
Os dois primeiros pressupostos, de índole formal e que respeitam ao consentimento do condenado e ao período de prisão já cumprido, não se mostram em crise nos presentes autos.
Porém, o mesmo, já não se verifica relativamente ao pressuposto dito substancial ou material, previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 61.º do Código Penal, aplicável por remissão do n.º 3 do mesmo preceito legal, sendo este que assegura uma finalidade de prevenção especial, de socialização
Desta feita, no caso dos autos a concessão da liberdade condicional mostra-se dependente da verificação cumulativa deste último pressuposto, que o tribunal a quo, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do recluso, a sua personalidade e evolução desta durante a execução da pena de prisão, entendeu não estar verificado, o que fundamentou do seguinte modo: “Em suma, quanto às circunstâncias do caso, há que valorar negativamente a natureza e gravidade do crime praticado e pelo qual cumpre pena, abuso sexual de criança, de que foi vítima um menino de 7 anos de idade, cujo ânus o recluso tentou penetrar várias vezes, sem preservativo, depois de o levar para um sítio com canas altas, ocultando-se da vista de qualquer transeunte sob o pretexto de ir ver “coelhinhos”, tendo a criança chorado e pedido que o recluso parasse por sentir dor. Uma vez que não conseguiu, o recluso posicionou a mão da criança no seu pénis e fê-la mexer para frente e para trás em movimentos masturbatórios. Quanto à vida anterior do recluso, além dos factos dados como provados, referentes à sua situação económico-social e familiar e para os quais se refere, cumpre referir que o mesmo tem outros antecedentes criminais, pela prática de 1 crime de ameaça agravado e de 1 crime de resistência e coacção sobre funcionário, o que evidencia a reiteração de comportamentos anti-jurídicos. Quanto à personalidade do condenado e sua evolução durante a execução da pena de prisão, cumpre referir que, actualmente, o recluso demonstra um pensamento mais coerente e sequencial, mas mantém dificuldades ao nível das competências pessoais, designadamente, falta de vontade para a mudança, assumindo ainda uma atribuição causal externa, revelando dificuldades em assumir a responsabilidade pelos seus actos. No que se refere à relação do recluso com o crime cometido, o mesmo consegue, aparentemente, apresentar alguma consciência crítica, referindo que foi um erro que cometeu e que está arrependido. Tem dificuldade em reconhecer os eventuais impactos do crime na vítima e tem alguma dificuldade em colocar-se no lugar do outro, referindo, contudo que tem sobrinhos e não gostava que lhe fizessem o mesmo. Desculpabiliza-se com os efeitos dos consumos de estupefacientes e de álcool, que considera, possam ter sido o factor determinante para cometer o crime, que não cometeria se estivesse sóbrio, referindo “não sabe como isso aconteceu”. No entanto, a assunção dos factos sem desculpabilização e a reflexão autocrítica sobre a conduta criminosa são indispensáveis para uma cabal interiorização do desvalor da conduta e, como tal, essenciais para que se conclua que o condenado está munido de um relevante inibidor endógeno. Sem interiorização cabal da responsabilidade, dificilmente será possível alterar comportamentos. Como se disso, o recluso referiu que “não sabe como isso aconteceu” e, pelo que é dado a perceber ao Tribunal, também não está interessado em saber, designadamente,compreender o que o levou a praticar factos tão graves como os que estão em causa, até com vista a prevenir a sua reincidência. Desde logo, porque não demonstrou interesse em beneficiar de acompanhamento psicológico individual com o objectivo de desenvolver competências. Além disso, apesar do recluso se mostrar bem integrado em meio prisional, este não apresenta qualquer projeto de mudança, no que diz respeito a meio livre. Inclusivamente, em meio prisional, desistiu da frequência escolar. Com efeito, sendo apenas detentor do 4º ano de escolaridade, não manifestou real interesse em investir no incremento das suas competências académicas, o que potenciaria o desenvolvimento das suas capacidades cognitivas e intelectuais e, eventualmente, debelar de crenças disfuncionais e distorções cognitivas que se mantenham. De referir ainda que, em liberdade, o recluso não dispõe de recursos próprios nem de perspetivas de emprego concreto, sendo certo que o percurso laboral do recluso sempre foi inconstante, oscilando entre períodos longos de inactividade e períodos de ocupação precária. Por outro lado, existe fragilidade perante consumos ilícitos e abusivos (estupefacientes e álcool), atento o historial de consumos e recaídas. Inclusivamente, durante o gozo de uma LSJ (gozada entre 11 e 16/07/2023), o recluso consumiu bebidas alcoólicas em excesso (regressou ao EP com uma TAS de 0,79g/l), defraudando a confiança que em si vinha vindo a ser depositada, o que implicou um retrocesso no percurso prisional. Este comportamento do recluso assume especial gravidade, não só por ter sido praticado quando estava a ser testado em meio livre (para verificar se em meio menos contentor conseguia manter uma conduta normativa e cumprir as injunções e proibições inerentes, o que não conseguiu), mas também atenta a elevada TAS detectada. Além disso, no nosso entender, não se pode/deve desvalorizar o consumo de álcool em excesso durante o gozo de uma licença de saída jurisdicional, pois tal comportamento evidencia uma relevante desconsideração das regras a que está obrigado em função dos seus interesses pessoais (e que tem de cumprir num período de tempo curto). Além do que, consumos desta natureza potenciam, de forma relevante, o risco de cometimento de novos factos ilícitos. Inclusivamente, foi o próprio recluso que afirmou, na sua audição (vide fls. 187), que, no momento da prática do crime de abuso sexual de criança pelo qual cumpre a pena de prisão em execução, se encontrava sob o efeito de bebidas alcoólicas. Como tal, não pode deixar de se entender que o comportamento do recluso assumiu gravidade, como se disse. Acresce que, depois do incumprimento, o recluso continuou a evidenciar parca autocrítica, desvalorizando a gravidade da sua conduta, referindo que nem se sentia embriagado quando regressou ao EP. Além disso, em meio livre, o recluso dispõe de suporte familiar por parte do agregado familiar da irmã e dos progenitores, os quais se mostram pouco críticos e contentores face ao comportamento do recluso. Com efeito, os factores referidos evidenciam significativas exigências de prevenção especial pois apontam ainda no sentido de existir um relevante risco de reincidência que o Tribunal não aceita sujeitar a sociedade por via da libertação antecipada.
Ora, se é certo que a decisão recorrida não deixa de realçar como positivo o comportamento do recluso em meio prisional, bem como a circunstância de beneficiar de algum apoio familiar no exterior (“Isto posto e sem prejuízo de se julgar positivo que o recluso tenha um comportamento em meio prisional globalmente normativo (sendo certo que o bom comportamento prisional não é nada que não seja exigível a um recluso), denote hábitos de trabalho no EP, tenha frequentado com sucesso o “Programa de Intervenção Técnica dirigidos a condenados por delitos estradais – Estrada Segura” e beneficie de algum apoio familiar no exterior”), considera, porém, que as razões de prevenção especial identificadas não permitem concluir no sentido de se mostrarem asseguradas as finalidades de socialização.
Da nossa parte, e para além das circunstâncias do caso que falam por si, não vemos em que medida poderia o tribunal a quo ter concluído de forma diversa em face das fragilidades ainda demonstradas pelo recluso.
Verdadeiramente, e no essencial, não só o arguido mantém um discurso desculpabilizante, atribuindo a prática dos atos ao consumo de álcool e de estupefaciente, como também, de forma preocupante, continua a mostrar-se recetivo ao seu consumo, sendo disso suficientemente demonstrativo o sucedido aquando de uma LSJ de 5 dias, que foi gozada em julho de 2023 e que foi revogada por o recluso ter apresentado uma TAS de 0,79g/l no regresso ao EP.
Na nossa perspetiva, tal não pode nem deve ser minimizado, sendo antes fator de apreensão quanto à eventual adoção de comportamentos idênticos após o retorno ao meio livre.
É que como bem refere a Exma. Procuradora-Geral Adjunta no parecer emitido nos autos junto deste Tribunal da Relação, “atribuindo o recluso a prática dos atos sexuais ao consumo de álcool, para os quais não encontra outra explicação, e sendo permeável ao seu consumo em liberdade, o perigo de vir a consumir este produto é muito elevado, tal como o é o perigo de vir a praticar atos sexuais sobre menores, tanto mais que estará próximo da vítima e irá habitar na morada da irmã, que tem dois filhos menores.”
Ou seja, a evolução que o recluso regista não oferece ainda segurança bastante de modo a sustentar um juízo de prognose favorável acerca da sua capacidade para, em meio livre, conseguir orientar o seu comportamento de forma socialmente responsável, sem cometer crimes.
Finalmente, como escreve JOAQUIM BOAVIDA (A Flexibilização da Prisão, Almedina, 2018, pág. 137) “Na dúvida, a liberdade condicional não será concedida. É sabido que na fase de julgamento, a dúvida sobre a realidade de um facto é resolvida a favor do arguido, em decorrência do princípio «in dubio pro reo». Na fase de execução da pena de prisão e da consequente apreciação da liberdade condicional esse princípio não tem aplicação. A lei exige, na alínea a) do nº 2 do artigo 61º do Código Penal, para que o condenado seja colocado em liberdade, que seja possível concluir por um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro sem reincidência, ou seja, exige um juízo positivo e só nesse caso a medida será aplicada. Portanto, em caso de dúvida séria, que não possa ser ultrapassada, sobre o caráter favorável da prognose, o juízo deve ser desfavorável e a liberdade condicional negada.”
Tendo presentes estas considerações, e sendo essa também a leitura que fazemos do caso dos autos, a libertação antecipada do recluso, aos dois terços da pena, não se afigura possível.
Em consequência, não estando verificados os pressupostos da concessão da liberdade condicional, nomeadamente o previsto na alínea a) do nº 2, do artigo 61.º do Código Penal, tem de manter-se a decisão de não concessão da liberdade condicional ao recluso, porquanto respeitou os critérios legais e não violou as normas legais invocadas pela mesma.
Improcede, pois, o recurso.
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III – Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso apresentado pelo Ministério Público, confirmando a decisão recorrida.
Sem custas, por delas estar isento o recorrente.
Notifique.
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Lisboa, 5 de dezembro de 2024 (texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal)
Ester Pacheco dos Santos
Manuel José Ramos da Fonseca
Ana Lúcia Gordinho