ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
REVISTA EXCECIONAL
DUPLA CONFORME
PRESSUPOSTOS
SUCUMBÊNCIA
ALÇADA
OBJETO DO RECURSO
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
NULIDADE DE ACÓRDÃO
Sumário


I. A admissibilidade do recurso de revista a título excepcional visa afastar o impedimento à apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos da Relação que confirmem, sem voto de vencido e com a mesma fundamentação essencial, a sentença de primeira instância.
II. Não sendo o acórdão impugnado recorrível nos termos gerais por o valor da acção ser inferior a metade do valor da alçada da Relação e não ser caso em que o recurso é sempre admissível, dele não cabe recurso de revista seja pela via “normal” do artigo 671.º n.º 1 do Código de Processo Civil seja a título excepcional.

Texto Integral

Revista7/24.2YLPRT.E1.S1

EM NOME DO POVO PORTUGUÊS acordam em Conferência os Juízes Conselheiros da 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça


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RELATÓRIO

1) “Zip Reoco Resi Portfolio, Sicafi, S.A.”, com sede em Lisboa, instaurou procedimento especial de despejo junto do Balcão Nacional do Arrendamento contra AA e BB, pedindo o despejo imediato da fração autónoma designada pela letra “H”, correspondente ao ....º andar frente, com entrada pelo lote 2 da ..., ..., do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na freguesia de ... – ..., com fundamento em extinção do contrato de arredamento, por válida e tempestiva comunicação de oposição à renovação, pedindo a sua entrega, livre e devoluto de pessoas e de bens.

2) Tendo os requeridos deduzido oposição foram os autos remetidos ao Juízo Cível de situação do imóvel (Juízo Local Cível de ...), ao abrigo do artigo 15.º-H da Lei 6/2006, de 27 de fevereiro (NRAU).

Alegaram os requeridos, em síntese, que a senhoria não manifestou tempestivamente a intenção de oposição à renovação do contrato de arrendamento, o qual se mantém em vigor, devendo ser declarado ilícito o processo especial de despejo e válido o contrato de arrendamento.

3) Por sentença proferida em primeira instância o Juízo Local Cível de ... julgou improcedente a oposição deduzida pelos requeridos e condenou-os a, no prazo de 30 (trinta) dias, entregar à requerente o locado, livre e devoluto de pessoas e bens.

A improcedência da oposição assentou no seguinte fundamento:

O contrato a que os autos se referem é de arrendamento para fins habitacionais, tendo as partes estipulado que o contrato teria a duração de cinco anos com início em 1 de dezembro de 2013, com possibilidade de renovação por sucessivos períodos de um ano.

A senhoria enviou comunicação aos inquilinos tendo em vista fazer cessar o contrato em 30 de novembro de 2023, observando a antecedência legal de 120 dias prevista no artigo 1097.º do Código Civil, sendo ineficaz a oposição deduzida por eles deduzida.

Na sentença foi fixado o valor da acção em € 10.800 euros (dez mil e oitocentos euros).

4) De tal decisão interpuseram os requeridosBB e AA recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora, restrito a alegado erro de direito na aplicação do artigo 1096.º do Código Civil na redação dada pela lei 13/2019, de 12 de fevereiro.

Por seu acórdão de 27 de junho de 2024 o Tribunal da Relação de Évora, com base no mesmo núcleo essencial da fundamentação da sentença proferida em primeira instância e sem qualquer declaração de voto divergente, julgou improcedente a apelação.

5) Notificados de tal decisão os requeridos apresentaram requerimento em que, além do mais, interpuseram recurso de revista pelo Supremo Tribunal de Justiça, invocando ser ela admissível nos termos gerais, por não ocorrer dupla conforme, e subsidiariamente, ser a revista admissível a título excepcional, tendo indicado em abono da admissibilidade de revista excepcional pelo Supremo Tribunal de Justiça, o disposto no artigo 672.º n.º 1 alíneas a), b) e c) do Código de Processo Civil.

Sobre o requerimento de interposição do recurso foi proferido despacho que, considerando estar verificados os pressupostos gerais de admissibilidade excepcional da revista, ordenou a subida dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça.


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6) São do seguinte teor as conclusões das alegações de revista apresentadas pelos recorrentes:

1 - Não existe dupla conforme nos casos em que é imputado ao Acórdão da Relação, como é o caso dos autos, a violação de normas de direito no que concerne à apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância, nomeadamente as previstas nos arts. 640º e 662º, e por omissão de pronúncia as dos art. 674º, n.º 1, al. a), e c, todas do CPC, daí a admissibilidade da Revista.

2 - Os recorrentes imputam ao Acórdão da Relação vícios decisórios, na medida em que esta não terá consignado todos factos constantes dos autos, alegados e necessários para se obter uma decisão na Apelação, i.e. uma resposta quanto à questão de saber se existe ou não Reconheça o direito à validade e vigência do contrato de arrendamento urbano por renovação do mesmo em 30 de Novembro de 2021, por três anos nos termos e com os efeitos do artigo 1096º, n.º 1 do Código Civil, até 30 de Novembro de 2024 .”

3 - Nesta estrita medida e uma vez que as questões são suscitadas pela primeira vez perante a Relação, no âmbito do recurso de apelação, invocando a violação de preceitos de natureza adjetiva e de natureza substantiva, no que concerne à delimitação dos factos provados e não provados, não se pode afirmar que, relativamente a esse segmento do Acórdão recorrido, se verificou uma situação de dupla conformidade.

4 - Ora o que discute em sede da Revista é a violação da obrigação do Tribunal da Relação de considerar todos os factos dos autos, nomeadamente aqueles que lhe foram apontados pela recorrente na apelação que se encontram assentes e, a omissão de pronúncia.

5 - Caso a Relação tivesse considerado a matéria de facto que lhe foi apresentada na Apelação teria, certamente decidido, como se concluiu na motivação do recurso que A(s) questão(ões) jurídica(s) em causa, refere(m)se concretamente à interpretação do artigo 1096.º, n.º 1, do Civil, na redação que lhe foi introduzida pela Lei n.º 13/2019, que ocorreu em 13.02.2019 (art.º 16.º da Lei), a qual devia ter sido interpretada no sentido que:

a) Caso seja convencionada uma cláusula de renovação automática, terá de obedecer ao disposto neste normativo, ou seja, o contrato sofre (de forma imperativa) uma renovação automática de 3 anos”.

b) Se prevista a sua renovação automática, o arrendamento durará pelo menos três anos.

c) Esta situações resultam da interpretação conjugada dos arts. 1095º, nº 2, 1096º, n º 1, e 1097º, nº 3, do Código Civil.

d) Em síntese, o tribunal “a quo” errou ao não ter equacionado a entrada em vigor da Lei n.º 13/2019 de 12.02, que veio estatuir um prazo de renovação do contrato nunca inferior a 3 anos.

e) Em conformidade, que por força da nova redação do artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil dada pela Lei n.º 13/2019, de 12.02, após o prazo inicial de cinco anos, o contrato de arrendamento em causa renovou-se, sucessivamente, por mais três anos, ou seja, até 30 de novembro de 2021 e, depois, até 30 de novembro de 2024, pelo que só cessará a sua vigência nesta última data.

6 - O Tribunal da Relação limitou-se a reproduzir a fundamentação da sentença recorrida, manifestando a concordância com a 1ª instância sem apreciar as questões e argumentos que lhe foram colocados, daí o vício.

7 - (quanto à admissibilidade da Revista Excecional)

A(s) questão(ões) jurídica(s) em causa no presente Recurso de Revista excecional, refere(m)se concretamente à interpretação do artigo, 1096-º do Código Civil, o qual deveria ter sido interpretado no sentido que:

a) A identidade da questão que determina a alegada contradição é manifesta e óbvia na interpretação do art.º 1096.º, n.º 1, do Código Civil dada pela Lei n.º 13/2019, de 12.02, na doutrina e fundamentação subjacente, e nos factos que são similares (contrato de arrendamento com prazo de cinco anos, renovável por períodos sequenciais de um ano) como se pode aferir do confronto entre os acórdãos recorrido e fundamento, este último que se reproduz na sua essência e se identifica, juntando em anexo no final.

b) Tal questão reveste interesses de particular relevância social, porque respeita a generalidade da população que em Portugal tem arrendamentos transmitidos pelos Fundos de Arrendamento dos Bancos, a Empresas Financeiras cujo interesse é o despejo dos inquilinos para vendas lucrativas dos fogos que adquiriram, sem cumprir a legislação vigente.

8- Para além da discussão doutrinária que a fundamentação da Sentença, do Acórdão e do Recurso demonstram, para efeitos da melhor aplicação do direito e sua clara necessidade, a relevância jurídica será de considerar porquanto a solução da(s) questão(ões) jurídica(s) supra referida(s) postula(m) uma análise profunda, em busca da obtenção de “um resultado que sirva de guia orientadora a quem tenha interesse jurídico ou profissional na sua resolução”, existindo a necessidade de apreciação pois que das mesmas resulta uma repercussão do problema jurídico em causa e respetiva solução na sociedade em geral, para além daquela que sempre terá, em maior ou menor grau, nos interesses das partes no processo, pois que põe em causa interesses mais vastos, como a legitima confiança dos agentes económicos nas normas emanadas pelo Estado de Direito no domínio das transações comerciais/bancárias e especialmente na confiança depositada nos Institutos Jurídicos em que assentam os referidos contratos, em concreto o da reclamação dos créditos deles emergentes e a validade e exequibilidade das garantias que são habitualmente associadas e donde flui um normal e saudável comércio jurídico que se repercute na sociedade em geral.

9 - (os fundamentos da Revista )

O efeito positivo interno do caso julgado tem por objeto os enunciados decisórios contidos na parte dispositiva de um despacho ou de uma sentença (cf. artigo 607.º, n.º 3, in fine). Dito de outro modo, a força obrigatória é a do enunciado em que o tribunal julga procedente ou não procedente o pedido ou, mais genericamente, impõe ou nega certo efeito jurídico a certo sujeito da ordem jurídica – por regra, as partes.

10 - Por seu lado, os fundamentos da parte dispositiva, tomados por si mesmos, não vinculam, seja os destinatários, seja o tribunal.

11- (Reclamação para A Conferencia/Relação de Évora)

A requerente submeteu a apreciação judicial, em sede de conclusões as seguintes questões a que o Tribunal não respondeu:

a) E, em consequência, não serem relevantes para a decisão por se encontrarem desfasados no tempo de validade do contrato de arrendamento os factos provados n.ºs 9 a 12 da sentença.

b)Porque melhor não saberíamos dizer , invocamos os acórdãos que têm acolhimento jurisprudencial e proferidos nesta matéria por essa Relação e outras, nomeadamente: vide acórdão da Relação de Guimarães, de 11.02.2021, processo 1423/20.4T8GMR.G1; acórdão da Relação de Guimarães, de 08.04.2021, processo 795/20.5T8VNF.G1; acórdão da Relação de Évora, de 10.11.2022, processo 983/22.OYLPRT.E1; acórdão da Relação de Évora, de 10.11.2022, processo 126/21.7T8ABF.E1; acórdão da Relação de Évora, de 25.01.2023, processo 3934/21.5T8STB.E1 (com um voto de vencido); acórdão da Relação do Porto, de 23.3.2023, processo 1824/22.3T8VCT.G1; acórdão da Relação do Porto, de 04.05.2023, processo 1598/22.8YLPRT.P1.

c) E, bem assim o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo 3966/21.3T8GDM.P1.S1 Relator JORGE LEAL, Sessão de 20Setembro2023.

12 - O Tribunal da Relação limitou-se a reproduzir a fundamentação da sentença recorrida, manifestando a concordância com a 1ª instância sem apreciar as questões e argumentos que lhe foram colocados, daí o vício do Acórdão que incorreu em violação de lei, nos termos e para os efeitos do art. 674º, n.º 1, al. a), e c, do CPC, por omissão de pronúncia, de que resulta a nulidade que se invoca.

13- O Tribunal da Relação eximiu-se de analisar e reapreciar as questões suscitadas, o que, na verdade, consubstancia verdadeiro obstáculo, injustificado, ao direito geral dos cidadãos de recorrerem das decisões judiciais que os afectem, nomeadamente da recorrente, unanimemente considerado como uma imanência do direito fundamental de acesso ao direito e de tutela jurisdicional efetiva, que, na nossa Constituição, tem consagração expressa no seu artigo 20º.

Por erro de interpretação ou omissão, foram violadas as disposições legais que supra se indicaram nas peças processuais em causa, nomeadamente o disposto no art.s 640º e 674º, n.º 1, al. a), e 2 no sentido que foi dado no Acórdão e sentença recorridas, à norma ínsita no artigo 1096.º 1096.º, n.º 1, do Código Civil dada pela Lei n.º 13/2019, de 12.02 as quais deviam ter sido interpretadas no sentido que se expõe nas conclusões atrás enunciadas.

Pelo que deve ser proferido despacho que admita o presente Recurso de Revista ou, por cautela, o de Revista excecional e seguidamente Acórdão que revogue a decisão recorrida e de seguida a sentença da 1ª instância, ordenando-se o prosseguimento dos autos.”

7) O Juiz Conselheiro relator, por se lhe afigurar não ser admissível o recurso de revista interposto seja nos termos gerais seja a título excepcional, deu cumprimento ao disposto no artigo 655.º do Código de Processo Civil, do que resultou a notificação dos recorrentes para se pronunciarem, querendo, sobre a possibilidade de não ser admitido o recurso de revista interposto.

É do seguinte teor a fundamentação de tal despacho:

“O recurso de revista interposto pelos ora recorrentes não é, contudo, legalmente admissível pela via normal ou excepcional.

Explicando.

O mecanismo da revista excepcional previsto no artigo 672.º do Código de Processo Civil destina-se a, em casos excepcionais pela sua relevância jurídica ou social das questões em debate ou como forma de suscitar e obter a uniformização possível da jurisprudência dos Tribunais Superiores, eliminar o obstáculo à apreciação do recurso pelo Supremo Tribunal de Justiça que resulta da chamada dupla conforme, isto é, do facto de o Tribunal de Segunda Instância confirmar, sem voto de vencido nem fundamentação essencialmente diferente, a decisão tomada em primeira instância.

Mas a admissibilidade da revista a título excepcional não afasta a exigência da verificação de todos os demais pressupostos do recurso de revista e da intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no conhecimento do recurso.

Daí que o artigo 671.º n.º 3 do Código de Processo Civil declare que, salvaguardando os casos em que o recurso é sempre admissível, não seja admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem votos de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida em primeira instância.

A circunstância de a admissão do recurso de revista ser requerida a título excepcional, como ferramenta processual destinada a superar a conformidade decisória entre as decisões das instâncias, não tem como efeito que não sejam exigíveis todos os demais pressupostos gerais de admissibilidade do recurso de revista, tal como o valor da acção, a legitimidade dos recorrentes, o pagamento da taxa de justiça que seja devida ou a tempestividade de interposição do recurso.

7) Quanto à admissibilidade da revista a título excepcional, o artigo 672.º do Código de Processo Civil constitui a forma que o legislador encontrou de afastar o obstáculo à interposição do recurso derivado da dupla conformidade entre as decisões das instâncias consignada no artigo 671.º n.º 3 do Código de Processo Civil.

Mas a natureza excepcional das circunstâncias em que é possível a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, como uma instância recursória extraordinária não tem aplicação aos casos em que o legislador processual civil, por qualquer razão ou por pura opção política de racionalidade de gestão de recursos constitucionalmente tolerável que não a dupla conformidade decisória, limita o direito ao recurso de revista.

É esse o caso do regime das alçadas e da atribuição de competências em matéria de apreciação dos recursos aos tribunais superiores.

8) O regime de admissibilidade excepcional do recurso de revista invocado pelo recorrente só tem aplicação quando o recurso de revista não seja admissível por força do impedimento gerado pela dupla conforme nos termos do artigo 671.º n.º 3 do Código de Processo Civil, mas não é aplicável quando, independentemente dele, o recurso não seja admissível segundo as regras gerais do artigo 671.º n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil.

Repete-se: a via de admissibilidade excepcional do recurso visa apenas eliminar o impedimento decorrente da dupla conformidade decisória das instâncias.

9) O que sucede no caso presente?

A presente acção tem o valor de € 10.800,00 (dez mil e oitocentos euros) que lhe foi atribuído, sem contestação, na sentença de primeira instância.

Ora segundo a regra geral constante do artigo 629.º n.º 1 do Código de Processo Civil “o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada for desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal …”.

O recurso de revista é um recurso ordinário (artigo 627.º n.º 2 do Código de Processo Civil).

Nos termos do artigo 44.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, a alçada do Tribunal da Relação é de € 30.000,00 (trinta mil euros), pelo que o valor atribuído à causa é inferior a metade do valor da alçada do Tribunal recorrido.

Da decisão judicial proferida na acção para desocupação do locado cabe, independentemente do valor da causa e da sucumbência, recurso de apelação (artigo 15.º-Q do NRAU), inexistindo norma que especificamente estabeleça como sempre admissível o recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, independentemente do valor da causa e da sucumbência.

Por outro lado, ainda, o acórdão recorrido não versa sobre matéria relativamente à qual a lei admita sempre a sua impugnação por via de recurso de revista (artigo 671.º n.º 2 alínea a) do Código de Processo Civil) nem está em causa a contradicção de julgamento em relação a qualquer outra decisão do Supremo Tribunal de Justiça ou das Relações (artigo 671.º n.º 2 alínea b) e 629.º n.º 2 alínea d) do Código de Processo Civil).

10) Afigura-se, portanto, que o recurso de revista interposto não é legalmente admissível, seja qual for a via de admissibilidade invocada.”

8) Os recorrentes responderam manifestando a sua discordância em relação ao projecto de decisão singular 1, por ter sido desconsiderado o teor da contradição do acórdão recorrido com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de setembro de 2023 proferido na revista 3966/21.3T8GDM.P1.S1, sendo suficiente para se decidir pela admissibilidade do recurso de revista “as imperiosas razões de grande relevância jurídico social” e a contradição de julgamento com uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça, na interpretação do artigo 1096.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

Reiteram o entendimento de que a revista deve ser admitida a título excepcional.

9) No despacho a que se alude no ponto anterior foi de novo explicado o fundamento da inadmissibilidade do recurso interposto.

Relembrando.

8) O regime da admissibilidade a título excepcional do recurso de revista previsto no artigo 672.º do Código de Processo Civil destina-se a, em casos que justifiquem, pela relevância jurídica ou social das questões em debate ou como forma de obter a uniformização possível da jurisprudência dos Tribunais Superiores, a remoção do obstáculo à apreciação do recurso pelo Supremo Tribunal de Justiça que resulta da chamada dupla conforme, isto é, do facto de o Tribunal de Segunda Instância confirmar, sem voto de vencido nem fundamentação essencialmente diferente, a decisão tomada em primeira instância.

Mas a admissibilidade da revista a título excepcional não afasta a exigência da verificação de todos os demais pressupostos do recurso de revista e os requisitos legais da intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no conhecimento do recurso.

Daí que o artigo 671.º n.º 3 do Código de Processo Civil declare que, salvaguardando os casos em que o recurso é sempre admissível, não seja admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida em primeira instância.

A circunstância de a admissão do recurso de revista ser requerida a título excepcional, como ferramenta processual destinada a superar a conformidade decisória entre as decisões das instâncias, não tem como efeito que não sejam exigíveis todos os demais pressupostos gerais de admissibilidade do recurso de revista, tal como o valor da acção, a legitimidade dos recorrentes, o pagamento da taxa de justiça que seja devida ou a tempestividade de interposição do recurso.

9) Ou seja, o regime de admissão do recurso de revista a título excepcional constitui uma válvula de escape à impossibilidade de interposição do recurso derivada da dupla conformidade entre as decisões das instâncias consignada no artigo 671.º n.º 3 do Código de Processo Civil, mas a natureza excepcional das circunstâncias em que assenta não tem aplicação aos casos em que o legislador limitou o direito ao recurso de revista, por qualquer outra razão que não a dupla conformidade decisória.

Sublinhando: a via de admissibilidade excepcional do recurso visa apenas eliminar o impedimento decorrente da dupla conformidade decisória das instâncias e não revogar os pressupostos de admissibilidade do recurso, nomeadamente, os conexos com o regime das alçadas e a atribuição de competências em matéria de apreciação dos recursos aos tribunais superiores.

10) A presente acção tem o valor de € 10.800,00 (dez mil e oitocentos euros) que lhe foi atribuído, sem contestação, na sentença de primeira instância.

Segundo a regra geral constante do artigo 629.º n.º 1 do Código de Processo Civil “o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada for desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal …”.

O recurso de revista é um recurso ordinário (artigo 627.º n.º 2 do Código de Processo Civil).

Nos termos do artigo 44.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, a alçada do Tribunal da Relação é de € 30.000,00 (trinta mil euros), pelo que o valor atribuído à causa é inferior a metade do valor da alçada do Tribunal recorrido.

Da decisão judicial proferida na acção para desocupação do locado cabe, independentemente do valor da causa e da sucumbência, recurso de apelação (artigo 15.º-Q do NRAU), inexistindo norma que especificamente estabeleça como sempre admissível o recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, independentemente do valor da causa e da sucumbência.

Por outro lado, ainda, o acórdão recorrido não versa sobre matéria relativamente à qual a lei admita sempre a sua impugnação por via de recurso de revista (artigo 671.º n.º 2 alínea a) do Código de Processo Civil) nem está em causa a contradicção de julgamento em relação a qualquer outra decisão do Supremo Tribunal de Justiça ou das Relações (artigo 671.º n.º 2 alínea b) e 629.º n.º 2 alínea d) do Código de Processo Civil).

10) No requerimento para intervenção da Conferência os requerentes discordam do excerto da decisão singular do relator que considerou não estar em causa contradição jurisprudencial em relação a decisão do Supremo Tribunal de Justiça ou das Relações (artigo 671.º n.º 2 e 629.º n.º 2 d) do Código de Processo Civil).

Importa, portanto, decidir se os recorrentes invocaram uma tal contradição e se o recurso deve ser admitido nos termos gerais ou se é admissível a título excepcional e, para o efeito presente à Formação de Juízes Conselheiros a que alude o artigo 672.º n.º 3 do Código de Processo Civil.


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FUNDAMENTAÇÃO

11) Com todo o respeito, que sempre merece o meritório trabalho desenvolvido pelos advogados em defesa dos cidadãos seus clientes, não pode deixar de se anotar que o requerimento de interposição do recurso de revista não prima pela clareza quanto aos fundamentos da recorribilidade do acórdão impugnado, demandando agora a sua apreciação esclarecimentos complementares.

Tanto quanto, revisitando os autos, e em especial as conclusões das alegações de recurso, que se analisaram com redobrada atenção, se pode concluir, em parte alguma é invocada a regra contida no artigo 629.º n.º 2 d) do Código de Processo Civil enquanto fundamento específico da recorribilidade, nos termos gerais, do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora.

Os recorrentes defendem a admissibilidade do recurso de revista nos termos gerais (conclusões 1 a 6) com base na omissão de pronúncia sobre a decisão da matéria de facto como se o recurso de apelação assentasse na impugnação da decisão sobre a matéria de facto – que não era objecto do recurso – ou como se a Relação tivesse deixado de cumprir oficiosamente o dever de controle sobre a matéria de facto consignado no artigo 662.º do Código de Processo Civil.

Conforme salientam os recorrentes – e tem sido aceite pelo Supremo Tribunal de Justiça – a ocorrência de uma tal nulidade do acórdão tornaria inoperante o obstáculo consistente na dupla conformidade decisória (artigo 671.º n.º 3 do Código de Processo Civil), abrindo a porta à discussão sobre a questão de direito da definição do prazo de antecedência mínima de oposição à renovação do contrato de arrendamento para fins habitacionais com prazo inicial de cinco anos sucessivamente renovável (artigo 1096.º do Código Civil) após a entrada em vigor da Lei 13/2019, de 12 de fevereiro.

12) No caso presente, mesmo que, por hipótese, o acórdão padecesse de nulidade por omissão de pronúncia – e tal não sucede – sempre ficaria por afastar o impedimento à admissibilidade do recurso de revista derivado do valor da acção.

Para que a revista fosse admissível independentemente do valor da causa e da sucumbência, importaria invocar expressamente a previsão normativa do artigo 629.º n.º 2 d) do Código de Processo Civil e o respectivo suporte factual.

Ora para justificar a admissibilidade da revista nos termos gerais os recorrentes nada alegam a respeito da contradição de julgados, limitando-se a invocar erro na interpretação do artigo 1096.º do Código Civil.

Daí que, como foi mencionado na decisão singular ora reclamada [(ver alínea 10 desse despacho parcialmente transcrito no antecedente ponto 9)], o recurso de revista interposto pelos requerentes não seja admissível face ao disposto no artigo 629.º n.º 1 do Código de Processo Civil tendo em conta o valor atribuído à acção e o valor da alçada do Tribunal da Relação.

O que se reafirma nesta sede.

13) E quanto à admissibilidade do recurso de revista a título excepcional, via liminarmente aceite pelo Tribunal recorrido?

É sabido que a verificação dos pressupostos a que alude o artigo 672.º n.º 1 do Código de Processo Civil cabe à Formação de Juízes Conselheiros a que alude o n.º 3 do mesmo preceito.

Tal não significa que a recorribilidade da decisão impugnada não deva ser aferida, liminarmente, no tribunal recorrido nos termos do artigo 641.º do Código de Processo Civil e pelo Juiz relator nos termos do artigo 652.º n.º 1 do mesmo corpo de normas, rejeitando-o, nomeadamente quando ocorram as hipóteses previstas no artigo 672.º n.º 2 do Código de Processo Civil.

Foi no âmbito dessa competência que o Juiz Conselheiro relator, constatando que os requerentes não identificaram de forma adequada nas conclusões do recurso de revista interposto qualquer contradição de julgados ou norma de que resultasse ser a revista, “sempre admissível” – antes alegando apenas que a interpretação do artigo 1096.º do Código Civil feita no acórdão recorrido era contrária à de um outro acórdão do Supremo Tribunal de Justiça – teve por não admissível o recurso interposto.

14) Conforme ficou expresso na decisão singular do relator, a admissibilidade do recurso de revista a título excepcional prevista no artigo 672.º n.º 1 do Código de Processo Civil tem por escopo garantir a possibilidade de apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça das decisões de que não possa haver recurso ordinário por efeito da dupla conformidade decisória prevista no artigo 671.º n.º 3 do Código de Processo Civil.

No caso presente ocorre dupla conformidade decisória na medida em que o acórdão da Relação confirmou sem voto de vencido e com fundamentação de idêntico teor, a sentença proferida em primeira instância.

Mas não estamos perante nenhum dos casos em que a lei processual prevê seja sempre admissível recurso, já que o recurso de revista (normal) não se fundamenta no artigo 629.º n.º 2 d) do Código de Processo Civil, mas em erro de direito na interpretação do artigo 1096.º do Código Civil.

E o valor da causa é de € 10.800 (dez mil e oitocentos euros).

15) “A revista excepcional pressupõe obviamente a verificação de todos os pressupostos gerais de recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça”. 2

O acórdão do Tribunal da Relação de Évora ora impugnado não é recorrível face ao disposto no artigo 629.º n.º 1 do Código de Processo Civil, já que o valor atribuído à acção é inferior a metade do valor da alçada do tribunal recorrido, não tendo sido interposto com o fundamento em qualquer das hipóteses previstas no artigo 629.º n.º 2 do Código de Processo Civil.

Desse modo não é de considerar a sua admissibilidade a título excepcional ao abrigo do artigo 672.º do Código de Processo Civil, porque não está em causa simplesmente afastar o impedimento que constituiria a dupla conformidade decisória.

16) A invocação para justificar a admissão da revista a título excepcional, de qualquer dos fundamentos previstos no artigo 672.º n.º 1 do Código de Processo Civil, seja a contradição de julgados seja a relevância jurídica da questão colocada para uma melhor aplicação do direito ou a existência de interesses de particular relevância social não tem, em si mesma, a virtualidade de eliminar a exigência de verificação simultânea dos demais pressupostos legais de admissibilidade do recurso, a começar pelo valor da causa, na sua relação com o valor da alçada do tribunal de que se recorre.




Em conclusão, não se alcança razão para alterar o sentido da decisão de considerar inadmissível o recurso ordinário de revista interposto pelos recorrentes AA e BB, seja como recurso de revista “normal” seja como revista “excepcional”.

Confirma-se em conferência não ser admissível o recurso de revista interposto.



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DECISÃO

Termos em que, indeferindo a reclamação apresentada para decisão em conferência, se confirma a decisão singular do Juiz Conselheiro relator que não admitiu o recurso de revista interposto pelos recorrentes AA e BB tendo por objecto o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora em 27 de junho de 2024 por legalmente inadmissível segundo as regras gerais de admissibilidade da revista face ao valor atribuído à acção.

Os recorrentes suportarão as custas do incidente a que deram causa, fixando-se no mínimo a taxa de justiça devida.

D. N.

Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 10 de dezembro de 2024

Manuel José Aguiar Pereira (Relator)

Maria João Romão Carreiro Vaz Tomé

Henrique Ataíde Rosa Antunes

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1. Na decisão singular fez-se constar, por lapso, que os recorrentes nada tinham dito na sequência do cumprimento do artigo 655.º do Código de Processo Civil.↩︎

2. In “A dupla conforme” – Cadernos do Supremo Tribunal de Justiça – Secções Cíveis- Edição do Supremo Tribunal de Justiça a página 16.↩︎