PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DA RELAÇÃO
LEI PROCESSUAL
DIREITO ADJETIVO
VIOLAÇÃO DE LEI
EXAME CRÍTICO DAS PROVAS
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PROVA VINCULADA
DIREITO PROBATÓRIO MATERIAL
ERRO DE JULGAMENTO
MATÉRIA DE FACTO
IMPROCEDÊNCIA
Sumário


I - O STJ não pode controlar a prudência ou a imprudência da convicção das instâncias sobre a prova produzida, sempre que se trate de provas submetidas ao princípio da liberdade de apreciação, i.e., que assenta na prudente convicção que o tribunal tenha adquirido das provas produzidas, apenas dispondo de competência funcional ou decisória para controlar a actuação da Relação nos casos de prova vinculada ou tarifada, ou seja, quando está em causa um erro de direito.
II - O STJ dispõe também de competências de controlo sobre o uso - ou uso incorrecto - ou não uso pela Relação dos seus poderes específicos sobre a matéria de facto: o poder de correcção da decisão recorrida, o poder de controlo sobre os meios de prova e o poder de anulação da decisão impugnada.
III - Tendo a revista por único objecto o não uso ou o uso incorrecto pela Relação dos seus poderes de controlo relativamente à decisão da matéria de facto, concluindo-se pela improcedência do fundamento correspondente, aquele recurso deve, sem mais, ser julgado improcedente.

Texto Integral


Proc. 1380/20.7T8PDL.L1-A.S1

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. Relatório.

Por sentença proferida no dia 20 de Janeiro de 2023, a Sra. Juíza de Direito do Juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroísmo, do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, julgando improcedente a acção declarativa de condenação, proposta por Insco - Insular de hipermercados, SA., contra Trepa - Construção Civil, Lda., na qual foi admitida a intervenção acessória de C..., Fiscalização, Estudos e Projectos de Engenharia, Lda., decidiu:

I- Não condenar a Ré Trepa - Construção civil, Lda., a retirar as estruturas das portas identificadas na petição inicial como desconformes ea fornecer e montar, à sua custa, novas estruturas conforme descritas no artigo 10º da petição inicial e de acordo com o projecto SCIE aprovado e demais documentos inerentes à obra, fornecendo os materiais e equipamentos e serviços de montagem, indo assim totalmente absolvida de todos os demais pedidos formulados pela autora Insco - Insular de hipermercados, SA. Insco - Insular de hipermercados, SA.., bem como não lhe fixo qualquer prazo.

II - a) Julgar totalmente procedente por provada a reconvenção, e como tal, condeno a reconvinda /autora Insco - Insular de hipermercados, SA.SA., a reconhecer a extinção e proceder à devolução da garantia bancária constituída a seu favor pelo Banco BPI, SA., no valor de 69.583,99 € (sessenta e nove mil e quinhentos e oitenta e três euros e noventa e nove cêntimos), à Reconvinte /Ré Trepa - Construção Civil, Lda.

b) Devendo da mesma forma a Reconvinda/Insco-Insular ser condenada no pagamento da quantia de 715,92 € (setecentos e quinze euros e noventa e dois cêntimos), relativa aos custos da manutenção daquela garantia e que se venceram no ano de 2022.

c) Ficando a mesma forma a Reconvinda/Insco - Insular condenada no pagamento de todos os demais custos imputados pelo Banco BPI, SA., de ora em diante (ano de 2023) até à libertação definitiva/devolução desta garantia bancária à Ré, a liquidar em execução de sentença (artigo 609º/2 do CPC).

d) Condenar ainda a reconvinda/autora Insco - Insular de hipermercados, SA.SA., a pagar à reconvinte/ré Trepa - Construção civil, Lda., a quantia de 30.264,50 € (trinta mil e duzentos e sessenta e quatro euros e cinquenta cêntimos) da factura nº FT ...VI/...47, com juros a contar desde 28 de Junho de 2019 até efectivo pagamento à Reconvinte deste valor, com juros legais para as relações comerciais devendo contabilizar-se aqueles já depositados pela parte.

A autora e a interveniente interpuseram desta sentença recursos ordinários de apelação, tendo a segunda rematado a alegação do seu recurso com as conclusões seguintes:

A) No presente processo o Tribunal a quo decidiu julgar a ação improcedente absolvendo a ré dos pedidos contra ela formulados;

B) A chamada, não se conformando com a mesma dado que da factualidade dada como provada pode sobrevir contra ele direito de regresso por parte da autora, interpõe o presente recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, recurso que é de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

C) Tem a chamada interesse em agir e legitimidade para o presente recurso já que a ré embora reconhecendo que não cumpriu o contrato de empreitada, alega que o fez porque autorizada pela fiscalização, chamada aos autos e ora recorrente - o que esta não aceita;

D) Uma vez que interveio no processo, a chamada tem direito de recorrer para alterar a matéria de facto desde logo e pedir a condenação da ré na reparação dos defeitos assim se eximindo de qualquer responsabilidade pelos ditos defeitos que, segundo a chamada, não lhe são imputáveis;

E) Ao interpor o recurso, a chamada, ora recorrente, IMPUGNA TAMBÉM nos termos dos competentes normativos CPC, A DECISÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO sob os números 10, 12, 16, 18, 19, 23, 24, 28, 30, 37 e 42, seguindo-se para maior facilidade a numeração da sentença e que no seu entender, foram incorretamente julgados ao serem declarados como provados;

F) A prova produzida em audiência, nomeadamente a gravada e indicada supra a par da prova documental junta aos autos e demais razões aduzidas, mas em especial a falta de prova produzida, impõem que o Tribunal ad quem revogue nessa parte a decisão do Tribunal a quo julgando não provada a matéria dada como provada e que foi impugnada e não escritas as respostas sobre matéria conclusiva e de direito tal qual devidamente impugnadas no corpo das alegações e na conclusão E);

G) Ao julgar como provada a matéria impugnada, nos termos em que o fez, a Mmª Juíza a quo violou o artigo 607º, números 3 e 4 do CPC e ainda o artigo 342, n.º 1 do CC.

H) Devendo as respostas ser revogadas, nos termos da impugnação aqui deduzida, pelo Tribunal ad quem dando assim cumprimento aos referidos normativos e ao abrigo do poder que lhe confere o artigo 662º do CPC.

Assim,

Da matéria dada como provada (com as alterações decorrentes da impugnação da matéria de facto que se espera obtenha provimento) resulta, quanto subsunção dos factos ao direito, que,

Os factos provados permitem concluir que a ré executou defeituosamente o contrato de empreitada e por isso, é responsável, nos termos do artigo 1221 do CC pela eliminação dos defeitos.

J) Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou os artigos 1208º e 1221 do CC e ainda 342º, n.º 1 todos do CC e ainda (quanto ao julgamento da matéria de facto) o artigo 607º, n.ºs 3 e 4 do CPC e 344, nº 1 e 2 do CC.

Porém, o Tribunal da Relação de Lisboa, julgou improcedente a impugnação da decisão da matéria de facto, excepto no tocante ao ponto n.º 10, cuja redacção modificou no sentido propugnado pela interveniente, e, considerando esgotado o objecto do recurso, negou provimento a ambos os recursos.

A interveniente interpôs deste acórdão recurso ordinário de revista, normal ou comum, tendo encerrado a sua alegação com estas conclusões:

a) A chamada ora recorrente impugnou válida e tempestivamente, perante o Tribunal da Relação de Lisboa a decisão sobre a matéria de facto e decisão de direito proferidas pelo Tribunal de primeira instância;

b) O Tribunal da Relação de Lisboa, agora tribunal a quo não fez a devida, ponderada e consequente apreciação da prova produzida em sede de audiência de julgamento, nomeadamente prova documental para efeitos de uma verdadeira reapreciação da decisão sobre a matéria de facto;

c) Resulta claramente da decisão sobre a matéria de facto que da mesma constam dois sub-grupos, sendo o primeiro constituído pelos factos sob os números

d) Os factos considerados como provados sob os nºs sob os n.ºs 10, 12, 16, 18, 19, 23, 24, 28, 30, 37 e 42 estão em frontal e completa contradição e colisão com os elencados sob os números 45 a 53 todos da lista de factos dados como provados pelo tribunal de primeira instância e pelo Tribunal da RL;

e) Se, tendo em vista alterar o decidido sobre concretos factos, um Tribunal Superior, como é o Tribunal da Relação, é chamado a reapreciar meios de prova produzidos, pode/deve, se for esse o sentido da sua reapreciação/convicção, além de alterar os referidos concretos factos, produzir uma peça processual sem contradições, pelo que, deparando-se com contradições, tratando-se dum Tribunal Superior, tem que fazer prevalecer o que irradia da sua reapreciação/convicção (e não bloquear a possibilidade de sequer iniciar e proceder à reapreciação que lhe é pedida, para não entrar em “choque” com a convicção do Tribunal “Inferior”, quando é justamente esta convicção cuja reapreciação lhe é pedida).

f) Ora, no caso concreto, impunha-se ao TRL, dar cumprimento (efectivo e de modo consequente) quer ao artigo 662º, n.º 1 do CPC, quer ao nº 2, alíneas a), c) e d) quer ao nº 3, todos mesmo artigo.

g) Ao decidir como decidiu, o Tribunal da Relação de Lisboa violou o artigo 662, n.º 1, 2 alíneas a), b) e c) e nº3, artigo 2º, 5º, nº 3, 664º, 1, todos do CPC e ainda artigo 20º, nºs 1 e 4 da CRP;

h) Assim, por força da violação de tais preceitos pelo TRL, resulta que inexiste dupla conforme obstativa da admissibilidade do recurso interposto, porquanto o Tribunal da Relação não reapreciou a matéria de facto relativamente a questões que lhe foram submetidas e apesar de a decisão de primeira instância julgar como provados factos contraditórios entre si e que obstam a uma decisão escorreita e sem contradições, porque não usou (devendo fazê-lo) tais poderes-deveres atribuídos à Relação, previstos no art.º 662, que não foram utilizados, significa que esta omissão (violação da lei do processo) pode e deve ser sindicados pelo Supremo Tribunal de Justiça, verificando-se também a violação das regras relativas à força probatória material dos meios de prova, igualmente passíveis de censura por este Tribunal.

Termos em que deve o presente Recurso de Revista ser admitido, julgado procedente por provado e por via dele e da respectiva procedência, deverá:

a) ser revogado o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa ora recorrido;

b) devendo ser ordenado ao Tribunal da Relação de Lisboa que no cumprimento das disposições supra citadas em especial artigo 662º do CPC, tendo em vista a prolação de uma decisão escorreita e sem contradições, proceda à reapreciação da matéria de facto revendo e tendo em conta a prova no seu conjunto, de acordo com as regras relativas à força probatória material dos meios de prova.

Só a recorrida Trepa, Lda. respondeu ao recurso, resposta na qual – depois de obtemperar que o Tribunal da Relação confirmou e aderiu, na íntegra, à motivação aduzida pelo Tribunal de 1.ª instância, sem que houvesse voto de vencido, pelo que a revista não é admissível por virtude da dupla decisão conforme – concluiu pela sua improcedência.

A Sra. Juíza Desembargadora Relatora argumentando com a verificação, no caso, de uma conformidade de decisões, não admitiu a revista, mas o relator - reiterando uma orientação consolidada deste Tribunal Supremo, de harmonia com a qual a alegação do não uso, ou do uso incorrecto, pelo acórdão da Relação, dos seus poderes-deveres de controlo, designadamente da correcção da decisão da matéria de facto da 1.ª instância descaracteriza a dupla conforme, por a questão emergir ex-novo do acórdão da Relação1 - concedeu provimento à reclamação deduzida pela recorrente contra aquela decisão e julgou a revista admissível, decisão que não foi objecto de qualquer impugnação.

2. Admissibilidade do recurso, delimitação do seu âmbito objectivo e recorte da questão concreta controversa que importa resolver.

2.1. Admissibilidade do recurso.

A recorrida, Trepa, Lda., suscitou, na sua resposta ao recurso, a questão da inadmissibilidade da revista, com fundamento na verificação do obstáculo a essa admissibilidade representado pela chamada dupla decisão conforme, objecção que a Sra. Juíza Desembargadora Relatora julgou procedente, tendo-a rejeitado in limine. Todavia, o relator julgou procedente a reclamação deduzida pela recorrente contra a decisão de indeferimento do requerimento da interposição do recurso e, consequentemente, admitiu-o. Esta decisão do relator, proferida no confronto com todas as partes do recurso, não foi objecto de qualquer impugnação e, por isso, transitou em julgado (art.º 628.º do CPC). Mostra-se, por isso, irrepetivelmente decidido, por força do caso julgado formal constituído sobre aquela decisão do relator, que a revista é admissível (art.ºs 620.º, n.º 2, e 621.º do CPC).

2.2. Delimitação do âmbito objectivo da revista e individualização da questão concreta controversa.

Como linearmente decorre da sentença da 1.ª instância e do acórdão impugnado na revista, a controvérsia gravita em torno das obrigações que emergem de um contrato de troca para a prestação de obra: o contrato de empreitada, que é contrato pelo qual uma das partes – o empreiteiro – se obriga em relação à outra – o dono da obra – a realizar certa obra, mediante um preço (art.º 1207.º do Código Civil). Contrato no qual Insco, SA, e Trepa, Lda., ocupam as posições jurídicas de dono da obra, e de empreiteiro, respectivamente. Entre os direitos ou faculdades que integram a posição jurídica do dono da obra conta-se o direito – mas não a obrigação - de, por sua conta, fiscalizar a sua execução (art.º 1209.º, n.º 1, do Código Civil). Fiscalização que pode ser feita directamente pelo dono da obra ou por comissário, qualidade que, no caso do recurso, foi assumida pela interveniente e recorrente. O comissário poderá ter, ou não, poderes de representação; tendo-os o seu consentimento relativamente a anomalias, vale como como concordância (art.º 1209.º, n.º 2, do Código Civil). Efectivamente, há que atender ao tipo de relação estabelecida entre a entidade fiscalizadora e o dono da obra, designadamente, se há ou não atribuição à primeira de poderes de representação para agir em nome do segundo; na eventualidade de ter existido uma tal atribuição, e se o fiscal aceitar, ou impuser, expressamente, um determinado modo de executar a obra, não conforme com o convencionado no contrato inicial de empreitada, isso equivale, por aplicação das regras gerais sobre a representação, a um acordo dado pelo dono da obra. Quando isso suceda, fica precludido o direito do dono da obra de invocar qualquer direito face ao empreiteiro – sem prejuízo, no entanto, de, nos termos gerais, se poder ressarcir junto da entidade fiscalizadora, com fundamento no cumprimento defeituoso da prestação da última.

Nas obrigações, o devedor está adstrito a uma prestação. A inobservância do dever de prestar pode ocorrer por uma de duas vias: pela simples não realização da prestação, o que dá lugar ao incumprimento definitivo em sentido estrito (art.º 798.º do Código Civil); pela violação de uma situação tal que a prestação em causa não mais possa ser realizada, originando a sua impossibilidade (art.º 801.º, n.º 1, do Código Civil).

É, contudo, possível, uma terceira forma de violação do direito do credor: o cumprimento imperfeito, cumprimento defeituoso ou mau cumprimento, dito, também, violação positiva do contrato (art.º 799.º, n.º 1, do Código Civil).

De uma maneira deliberadamente simplificadora, pode dizer-se que o empreiteiro, adstrito ao dever de realizar uma obra, pode violar o seu dever de prestar por uma de duas formas: ou pelo puro e simples incumprimento ou impossibilitando a prestação (art.ºs 798.º e 801.º, n.º 1, do Código Civil). Existe, no entanto, uma terceira possibilidade, que, relativamente ao contrato de empreitada, é objecto de previsão específica: a de ter havido um cumprimento defeituoso ou inexacto (art.º 1218.º e ss. do Código Civil). O empreiteiro não está vinculado apenas à obrigação de realizar uma obra, de obter certo resultado; ele encontra-se ainda vinculado executar uma obra isenta de vícios e conforme com o convencionado, quer dizer, sem defeitos (art.ºs 1218.º, n.º 1, e 1219.º, n.º 1, do Código Civil).

Obra defeituosa é, portanto, aquela que tiver um vício ou se mostrar desconforme com aquilo que foi acordado. O vício corresponde a imperfeições relativamente à qualidade normal das prestações daquele tipo; a desconformidade representa uma discordância com respeito ao fim acordado . Quando não houver acordo das partes acerca do fim a que a obra se destina, atende-se, naturalmente, à função normal das obras da mesma categoria. Há, portanto, um padrão normal relativamente à função de cada obra: é com base nesse padrão que se aprecia a existência de vício.

Na espécie do recurso, a desconformidade ou o vicio da obra executada respeita a três portas de saída do edifício para o exterior e a controvérsia, desde logo no plano de facto, gravita em torno da aprovação ou não aprovação pelo comissório – a recorrente – das portas instaladas. A Sra. Juíza de Direito, feito o exercício da prova, assentou em que a recorrente aprovou aquelas portas; a interveniente impugnou, por erro sobre o objecto da prova e por erro na sua apreciação, designadamente, a correcção do julgamento daquele facto essencial, mas o Tribunal da Relação de Lisboa julgou improcedente a impugnação e manteve – excepto quanto a um ponto – a decisão da matéria de facto da 1.ª instância. A recorrente alega, como fundamento da revista, que:

- O Tribunal da Relação de Lisboa, não fez a devida, ponderada e consequente apreciação da prova produzida em sede de audiência de julgamento2, nomeadamente prova documental para efeitos de uma verdadeira reapreciação da decisão sobre a matéria de facto;

- Os factos considerados como provados sob os nºs sob os n.ºs 10, 12, 16, 18, 19, 23, 24, 28, 30, 37 e 42 estão em frontal e completa contradição e colisão com os elencados sob os números 45 a 53 todos da lista de factos dados como provados pelo tribunal de primeira instância e pelo Tribunal da Relação;

- O Tribunal da Relação não reapreciou a matéria de facto relativamente a questões que lhe foram submetidas e apesar de a decisão de primeira instância julgar como provados factos contraditórios entre si.

Como o âmbito objetivo do recurso é delimitado pelo objecto da acção, pelos casos julgados formados nas instâncias, pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, e pelo recorrente, ele mesmo, designadamente nas conclusões da sua alegação, é apenas uma a questão concreta controversa que importa resolver: a de saber se o Tribunal da Relação não fez uso, ou fez um uso incorrecto, das suas competências decisórias em matéria de facto, em concreto, dos seus poderes de correcção, de controlo dos meios de prova e de anulação da decisão recorrida (art.ºs 635.º n.º 2, 3 a 5, e 662.º, n.ºs 1 e 2, a) a d), do CPC).

A resolução deste problema vincula, naturalmente, à determinação do âmbito da competência decisória ou funcional do Supremo no tocante à decisão da quaestio facti das instâncias.

3. Fundamentos.

3.1. Fundamentos de facto.

As instâncias estabilizaram os factos materiais da causa nos termos seguintes:

3.1.1. Factos provados.

1- Em 4 de Fevereiro de 2019, A. e R., celebraram contrato que denominaram de contrato de empreitada, tendo por objeto a execução da obra de “Remodelação do Edifício Comercial Modelo Continente e Worten de ..., sito na Estrada ...”, e que consistia nos trabalhos constantes do caderno de encargos, programa de concurso, mapa de trabalhos e quantidades, peças desenhadas e escritas das diversas especialidades, que foram submetidas a concurso, e a proposta que a R. apresentou, na qualidade de empreiteiro.

2 - O preço global da empreitada foi de € 662.767,51 acrescido de IVA à taxa legal, de acordo com a lista de preços unitários proposta pelo empreiteiro, não estando sujeito a revisão.

3 - Logo que os trabalhos estivessem concluídos, proceder-se-ia, a pedido do empreiteiro ou por iniciativa do dono da obra, à sua vistoria para efeitos de recepção provisória, lavrando-se o respetivo auto e verificando-se pela vistoria realizada, que existiriam trabalhos que não estivessem em condições de poder ser recebidos, o empreiteiro prosseguiria os trabalhos até que tal se verificasse dentro de um prazo fixado pelo dono da obra.

4 - O prazo de garantia para quaisquer vícios que a obra viesse a apresentar foi fixado em 10 (dez) anos, contados da data da receção provisória.

5 - O empreiteiro obrigou-se ao cumprimento de todas as demais obrigações que se encontrassem em vigor e que as relacionem com os trabalhos a realizar.

6 - Entre os trabalhos que constituíram o objeto da empreitada, incluía-se a remodelação dos acessos de entrada e saída do edifício para a via pública, e acessos interiores, com a substituição das portas então existentes, por portas automáticas, fornecimento das respetivas estruturas, portas e mecanismos, e sua montagem.

7 - Naqueles trabalhos de remodelação e fornecimento e montagem de portas de acesso, interiores e exteriores, foram adjudicados os seguintes trabalhos, que se encontram referidos no documento denominado de Lista de Preços Unitários, com referência à respetiva numeração e localizados na planta de localização, com as caraterísticas descritas nos Mapas de vãos - Caraterísticas, Projeto SCIE (Segurança ContraIncêndio em Edifícios) e Projeto SCIE -Peças escritas):

A- Artigo 10.10 - Guarnecimento de vãos 10.10.1 Vãos exteriores 10.10.1.1 Fornecimento e montagem de porta automática de correr: Sistema antipânico da “manusa” modelo a-45-s4 com quatro folhas (duas folhas de correr e duas fixas), em caso de emergência as quatro folhas rebatem para o exterior; com folhas em perfil de alumínio lacado, forra da viga manusa para perfil metálico, vão superior (bandeira) em caixilho de alumínio no sistema cor-60 de “Cortizo” com rutura térmica, com acabamento lacado na cor cinza ral 7042, incluindo sistemas de pintura anti-corrosão, vidros, mecanismo, tampa do mecanismo, bateria de emergência, sensores, seletores, ligações, bem como todos os trabalhos, materiais e acessórios necessários, tudo conforme mapa de vãos, especificações do fabricante e do CE.

10.10-1-1-1 - Vão VE0.1 (com 4.24x2.20 + 4.24x0.60m) Uma unidade un* - 1 – no valor de € 10.961,61.

B - Artigo 10.10.1.3 - Fornecimento e montagem de porta automática de correr: Sistema antipânico da “manusa” modulo a45-s4 com quatro folhas (duas folhas de correr e duas fixas), em caso de emergência as quatro folhas rebatem para o exterior; com folhas em perfil de alumínio lacado, forra da viga manusa para perfil metálico existente, vão superior (bandeira) em caixilho de alumínio no sistema cor-60 de “Cortizo” com rutura térmica, com acabamento lacado na cor cinza ral 7042, incluindo sistemas de pintura anti-corrosão, vidros, mecanismo, tampa do mecanismo, bateria de emergência, sensores, seletores, ligações, bem como todos os trabalhos, materiais e acessórios necessários, tudo conforme mapa de vãos, especificações do fabricante e do CE. 10.10.1.3.1 - Vão VE 0.13 (com 4.50x2.20m + 4.50x0.60) Uma unidade un*-no valor de € 8.361,45.

C - Artigo 10.10.2.1 - Fornecimento e montagem de porta automática de correr: Sistema antipânico da “manusa” modelo a-45-s4 com quatro folhas (duas folhas de correr e duas fixas), em caso de emergência as quatro folhas rebatem para o exterior; com folhas em perfil de alumínio lacado, forra da viga manusa para perfil metálico, vão superior (bandeira) em caixilho de alumínio no sistema “cor2000” com estrutura de perfis em liga de alumínio 6063 da “cortizo”, com acabamento lacado na cor cinza ral 7042, incluindo sistemas de pintura anti-corrosão, vidros, mecanismo, tampa do mecanismo, bateria de emergência, sensores, seletores, ligações, bem como todos os trabalhos, materiais e acessórios necessários, tudo conforme mapa de vãos, especificações do fabricante e do CE. 10.10.2.1.1 Vão VI 0.1 (com 4.10x2.20 + 10x0.60) Uma unidade un* - 1 no valor de € 10.941.44.

8 - O valor desses trabalhos foi assim orçamentado em € 30.264,50 a que acresce IVA.

9 - No entanto a Ré executou os trabalhos da seguinte forma:

a) Vão VI0.1 - artigo 10.10.2.1.1 - O projeto SCIE, aprovado, define a capacidade de escoamento mínima de 6UP’s (3,6m), tendo o projeto definido a largura de 4,24m (peça desenhada n.º 015.8);

A Ré aproveitou o vão já existente na obra e instalou porta com largura útil de 2 metros (por 2,20 metros de altura), porquanto as folhas fixas das portas não rebatem para o exterior em caso de emergência, sendo antes de correr.

b) Vão VE0.1 - Artigo 10.10.1.1.1 - O projeto SCIE aprovado define a capacidade de escoamento de 6 UP’s (3,6m), tendo o projeto definido a largura de 4,24m (peça desenhada n.º 015.1);

A Ré aproveitou o vão já existente na obra e instalou porta com largura útil de 2 metros (por 2,20 metros de altura), porquanto as folhas fixas das portas não rebatem para o exterior em caso de emergência, sendo antes de correr;

c) Vão VE 0.13: Artigo 10.10.1.3.1 - O projeto de SCIE aprovado define a capacidade de escoamento de 7UP’s (4,20m), tendo o projeto definido a largura de 4,50m (peça desenhada n.º 015.3);

A Ré aproveitou o vão já existente na obra e instalou porta com largura útil de 2 metros (por 2,20 metros de altura), porquanto as folhas fixas das portas não rebatem para o exterior em caso de emergência, sendo antes de correr;

10 – “A Ré deu por concluída a obra, em data não concretamente apurada, mas que ocorreu em Junho de 2019, sendo que também em data não concretamente apurada, mas que se situa no final desse mesmo mês de Junho de 2019, veio a A., através do Eng. AA, a aperceber-se que as portas automáticas em causa não possibilitam o rebatimento das folhas fixas laterais, no sentido da saída, em caso de emergência.” (redacção dada pelo acórdão da Relação).

11 - O que foi logo reclamado à Ré.

12 -Em mensagem datada de 01/07/2019, o Eng. BB deu conta à R. na pessoa do Eng. CC, da desconformidade verificada afirmando, no seguimento de anterior proposta alternativa da R., que “era para avançares com o modelo equivalente ao caderno de encargos para não dar confusão”.

13 - Ainda foi procurada junto do projetista, solução de adaptação dos vãos e portas, hipótese que foi excluída por não respeitar o Regulamento SCIE, tendo em consideração os efetivos calculados;

14 - Em reunião realizada no dia 24 de Julho de 2019, essa desconformidade foi novamente reclamada pela A., sendo informada de que a R. estaria a estudar solução alternativa;

15 - Acontece que, a A. reteve a quantia de € 30.000,00 do preço global da obra, para garantir o custeio, pelo menos parcial, da substituição das estruturas e portas que se encontram em desconformidade com o projetado e o contratado;

16 - Todos os trabalhos efectuados pela Ré, foram sujeitos a aprovação da fiscalização contratada pela A.

17 - A obra em questão tratou-se de uma remodelação e os vãos identificados pela Autora, eram pré-existentes à obra em análise, motivo pelo qual se mantiveram com as mesmas medidas (a Ré não executou os vãos).

18 - Quanto ao rebatimento das folhas fixas laterais das portas de emergência, como decorre do facto 16, todas as peças e equipamentos a instalar em obra estavam sujeitos a aprovação prévia por parte da P..., Lda., empresa contratada pela A. para, em seu nome, fazer a fiscalização da obra.

19 - Pelo que a Ré, através do Engenheiro CC, director da obra, submeteu previamente à apreciação da P..., Lda., os modelos, acompanhados das respectivas fichas técnicas de todas a portas a instalar, através de mail enviado em 13/02/2019.

20 - Nesse pedido de aprovação, a Ré escreveu o seguinte:

“Seguem Fichas técnicas das portas a instalar. Junto envio catálogo das portas em alternativa às da Manusa.

De ter em atenção que o modelo proposto pela Manusa, é um sistema já antigo e que a maior parte dessas portas são comercializadas no mercado Espanhol e Português. Propomos o modelo alemão BO240 que é idêntico ao de Caderno de encargos e propomos uma alternativa do novo modelo SLH240ES, que não tem portas anti-pânico de abrir, mas sim a porta de correr por redundância abre sempre, porque tem duplos motores, duplas baterias, etc…”.

21 - A Ré submeteu à apreciação da A., dois modelos de portas de evacuação /emergência, um deles, idêntico ao caderno de encargos, a que chamou “modelo base” e uma “alternativa”, esclarecendo que este último não tem portas anti-pânico, mas sim porta de correr.

22 - Tendo enviado a ficha técnica de cada um dos modelos, onde estão mencionados todos os detalhes e características técnicas de cada um deles.

23 - Posteriormente, em 21/02/2019, o Engenheiro BB, técnico responsável da empresa P..., Lda., aprovou os modelos de portas evacuação/emergência submetidos pela Ré como se acabou de referir, através de mail enviado ao Eng. CC, designadamente, a fiscalização contratada pela autora aprovou a porta alternativa apresentada pela Ré.

24 - Após a submissão dos modelos e subsequente aprovação por parte da empresa responsável pela fiscalização de obra, a Ré procedeu à compra e instalação das portas identificadas como “proposta alternativa”.

25 - Estes trabalhos integraram o auto de medição do mês de Maio de 2019 e referem-se à “4ª Situação de Trabalhos Contratuais”, documento assinado quer pelo Empreiteiro, quer pela Fiscalização.

26 - A Ré faturou tais trabalhos e portas no mês de Junho de 2019, mediante a emissão da factura nº FT 19V1/190147, de 13 de Junho de 2019, à autora.

27 - Após o fim dos trabalhos, responsáveis da A. e Ré, acompanhados da fiscalização, fizeram várias vistorias à obra, com o intuito de eliminarem alguns pequenos defeitos existentes.

28 - Após a eliminação desses defeitos, em Junho de 2019, a A. recepcionou a obra, contudo nunca foi elaborado o respectivo auto de recepção provisória de obra.

29 - Na sequência do provado em 10 e 11, os responsáveis da Ré responderam que as portas tinham sido aprovadas pela fiscalização, motivo pelo qual a empreiteira declinou qualquer responsabilidade.

30 - Na sequência do provado em 14, a Ré, disponibilizou-se a procurar uma solução, o que fez apenas por cortesia profissional e sempre como intuito de cooperar com a Autora.

31 - Na sequência do provado em 1 e 2, os pagamentos à Reconvinte seriam pagos por medição mensal, através de faturação mensal apresentada pela Reconvinte e aprovada pela Reconvinda.

32 - Para garantia de perfeito acabamento da obra, foi acordado o desconto de 10% sobre o valor de cada auto de medição.

33 - Desconto esse que poderia ser substituído por garantia bancária ou seguro- caução.

34 - As partes acordaram ainda que o desconto ou a garantia bancária seriam libertados pela Reconvinda 12 meses após o auto de recepção provisória ou o levantamento das eventuais reservas formuladas no momento da recepção.

35 - A Reconvinte entregou à reconvinda garantia bancária no valor de 10% da empreitada, ou seja, garantia bancária no valor de € 69.583,99 (sessenta e nove mil e quinhentos e oitenta e três euros e noventa e nove cêntimos) e à primeira solicitação.

36 - Encontrando-se a mesma ainda activa.

37 - Em Julho de 2020, passados que estavam 12 meses sobre a recepção de obra, a Reconvinte requereu à reconvinda o levantamento da garantia.

38 - O que a Reconvinda ainda não fez.

39 - Devido a esta garantia, o Banco BPI, SA., remeteu à reconvinte as facturas nºs 004/...75 datada de 09/08/2022 no valor de 295,64 €, e a factura nº 004/...74, datada de 09/08/2022, no valor de 420,28 €, ambas relativas a despesas de comissão e imposto de selo.

40 - Na sequência do referido em 26, mediante o valor faturado, após a retenção de valor correspondente a 10% para garantia de perfeito acabamento, devia a Reconvinda pagar à Reconvinte a quantia de 167.512,19 €.

41 - Contudo, a Reconvinda pagou apenas a quantia de € 137.247,69 (cento e trinta e sete mil e duzentos e quarenta e sete euros e sessenta e nove cêntimos), por conta da supra referida fatura.

42 - Na sequência do mencionado em 23, o dito Eng. BB escreve no dito mail que “Em certas fichas que envia não é claro qual a classe ao fogo que pretendem aplicar devido à gama ampla da porta alternativa, contudo deverá ser escolhida uma gama igual ou superior à referida no projecto de segurança contra incêndio e mapa de vãos, actualizado.” e ainda no mesmo mail, mais à frente, escreve-se isto: “Deste modo aprovo os vãos corta-fogo”.

43 - A garantia bancária foi prestada pelo prazo de um ano, automaticamente renovável por igual período, salvo denúncia do Banco mediante comunicação escrita dirigida à A. com antecedência não inferior a 30 dias face ao período de validade em curso.

44 - A Reconvinda não devolveu a garantia bancária devido às desconformidades mencionadas em 9.

45 - A autora contratou a sociedade C..., Fiscalização, Estudos e Projectos de Engenharia, Lda., (P..., Lda., para fiscalizar a execução da obra objecto dos autos designadamente, o cumprimento dos projectos, disposições contratuais e legais.

46 - Assumindo assim esta sociedade a obrigação de zelar pelo cumprimento da empreitada de Remodelação do Edifício Comercial Continente e Worten da... designadamente, conformidade dos bens fornecidos, execução de trabalhos, realização de vistorias para efeitos de elaboração dos autos de medição e recepção provisória da obra, entre outros.

47 - A Ré faz referência ao PA05, ficheiro onde constam as fichas técnicas referentes às portas automáticas e que foram submetidas à fiscalização bem como, nesse mesmo PA05, existem várias outras fichas técnicas que simultaneamente foram submetidas para verificação da P..., Lda., entre as quais portas corta-fogo.

48 - Foram então submetidas a apreciação da Chamada P..., Lda., com pedido pela Ré de aprovação, um total de nove fichas técnicas para análise em ficheiro:

a) cortina pvc.pdf;

b) cortina têxtil enrolar pára-chamas.pdf;

c) grades enrolar metálicas ou alumínio.pdf;

d) portas automáticas vidro ALTERNATIVA-SLH240S.pdf; e) portas automáticas vidro BASE-BO240.pdf;

f) portas madeira corta-fogo.pdf;

g) portas metálicas corta-fogo correr.pdf; h) portas metálicas corta-fogo.pdf e,

i) portas metálicas multiusos.pdf;

49 - Assim das fichas submetidas a análise, apenas as enunciadas em f), g) e h) se tratam de portas corta-fogo em sentido técnico.

50 - As portas com essa propriedade estão claramente identificadas em projeto, quer no mapa de vãos, quer no mapa de quantidades com a designação “corta-fogo CF30C” ou “corta-fogo CF45C”, não sendo de modo algum esta propriedade atribuída aos vãos automáticos que foram instalados.

51 - Por sua vez, a inclusão dos vãos em questão na 4º Situação de Trabalhos Contratuais deve-se ao facto de estes terem sido instalados em obra durante o mês que se refere esse auto, nomeadamente em Maio de 2019.

52 - O vão normalmente não ostenta inscrita no próprio vão de forma visível, a identificação e características da porta que tenha sido montada pelo que não é possível saber em concreto naquele momento, de que marca e modelo se trata, tendo essa informação sido fornecida pela Ré apenas numa fase posterior à materialização do auto.

53 - A P..., Lda./Chamada não assinou ainda, qualquer auto de vistoria que desse como totalmente concluída a empreitada.

3.1.2. Factos não provados.

1 - Que sem a A., ter autorizado a R, executou a estrutura de acessos com vãos das portas de saída de emergência (pontos V10.1; VE0..1 e VE0.1.3, que vão assinalados na planta que se junta como documento nº 3) de largura inferior ao que consta no projetado.

2 – Estando ainda os vãos e portas antes descritas em desconformidade com o Regulamento Técnico de Segurança contra Incêndios em Edifícios (SCIE) aprovado pela Portaria nº 1532/2008, na medida do que foi projetado, tendo em consideração o efetivo de pessoas calculado (artigos 51ºe 52º), conforme projeto SCIE aprovado.

3 - Na sequência do provado em 10 e 11, não se prova que essa desconformidade foi reclamada à R, designadamente através do Eng. BB, que fizera a fiscalização da obra.

4 - Na sequência do provado em 13 e 14, bem como em 29 e 30, não se prova que a R., tenha admitido a desconformidade das portas e vãos úteis, ficando de contactar com o fornecedor para a possibilidade de adaptação dos equipamentos.

5 - É que os trabalhos que a autora identifica na sua petição inicial como defeituosamente executados pela ré foram-no não só sem qualquer aprovação por parte d a chamada para contestante, como nunca foram aprovados pela chamada e logo que detetados foram devidamente denunciados quer ao dono de obra quer à R.

6 - Inclusive não se pode deixar de realçar que a ré TREPA pela conduta assumida durante o procedimento e agora em juízo, revela um comportamento pouco sério e até com alguma astúcia tentando descaradamente exonerar-se à sua responsabilidade.

7 - Ao contrário do que alega (falsamente, diga-se) a ré TREPA, a mesma executou defeituosamente os vãos a que se refere a autora na P.I. e fê-lo com o desconhecimento, sem autorização e à total revelia da ora chamada que nunca aprovou a solução aplicada: nem antes da execução nem depois quando tomou conhecimento da aplicação dos vãos não autorizados e contrários às normas em vigor.

8 - É clara a intenção da ré de ilicitamente se ilibar das suas responsabilidades enquanto entidade executante, criando uma falsa, forçada e inaceitável interpretação do conteúdo do Pedido de Aprovação PA05 e da resposta ao mesmo por parte da P..., Lda. já que esta nunca, nem noutro momento nem na reposta a esse documento, aprovou a solução executada pela ré que é (delaré) dasua exclusiva autoria e que nunca comunicou à ora chamada C..., Fiscalização, Estudos e Projectos de Engenharia, Lda..

9 - O modelo instalado pela ré, totalmente à revelia da aqui chamada, com a referência SLH240ES, não possui esta propriedade não cumprindo então com o Caderno de Encargos.

10 - E o email de resposta da P..., Lda. é claro quanto a isso (Anexo 3), pois logo no primeiro e segundo parágrafo faz ressalvas quanto às propriedades corta-fogo e RAL, respetivamente, e no terceiro parágrafo conclui “Deste modo aprovo os vãos corta-fogo”, estando apenas a ser aprovados os itens f), g) e h).

11 - Não tendo todos os restantes merecido aprovação, pois permaneceram em análise, entre os quais o item d) que se refere às portas que foram instaladas e não estão em conformidade com o Caderno de Encargos.

12 - Do que a ré sempre esteve bem ciente.

13 - A Ré defende-se criando um pressuposto errado e que é (e que apenas existe a cabeça da ré) de que as portas automáticas instaladas são corta fogo (que não são!!!), tentando induzir todos – em especial o Tribunal – em erro, levando-nos a crer que a P..., Lda. teria dado aprovação desses itens – o que não fez em momento algum.

14 - Mais: conforme referido no artigo 19 da Petição inicial, o e-mail datado de 1 de julho, dava conta de um telefonema entre o Eng. BB, na qualidade de Diretor da Fiscalização e Eng. CC, na qualidade de Diretor de Obra, em que este último deveria (e ficou de o fazer) ter avançado com a encomenda do modelo equivalente ao Caderno de Encargos, facto que não foi até à presente data refutado por nenhuma das partes, pelo que se entende como aceite.

15 - Conforme poderá ser verificado, o Eng. BB apenas aprovou o modelo BO240 e não o SLH240ES, tendo este último sido o instalado claramente sem autorização nem aprovação da fiscalização e à revelia quer do dono do de obra quer da fiscalização - a ora chamada.

16 - Bastará analisar o histórico de respostas aos pedidos de aprovação anteriores (Anexo 5) para se concluir que a aprovação do PA05 foi parcial, a saber:

Resposta ao PA01 – “O PA01 encontra-se aprovado”; ii. Resposta ao PA02 – “O PA02 encontra-se aprovado”;

iii. Resposta ao PA03 – “O PA03 encontra-se aprovado […]”; iv. Resposta ao PA04 – “O PA04 está aprovado […]” e,

v. Resposta ao PA05 – “[…] Deste modo aprovo os vãos corta fogo.”

17 - Deste modo, e para todos os efeitos, nunca a aqui chamada suspeitou (nem tinha razões para de tal suspeitar) de que a Ré iria ou havia instalado o modelo SLH240ES não aprovado.

18 - Tanto assim que a P..., Lda., perante a inexistência de qualquer pedido de alteração de equipamentos, ficou convencida de que o que fora instalado era precisamente o modelo BO240 conforme pontos 20 a 24 deste documento e só mais tarde tendo vindo a saber - já depois da instalação - que fora instalado à revelia de todos um modelo não aprovado e que a ré censuravelmente ocultou à chamada - certamente por saber que esta nunca aprovaria aquele equipamento.

19 - Sendo que a ré quando percebeu que a autora e chamada haviam detetado o erro da ré, desde logo reconheceu que tinha instalado portas não aprovadas nem de acordo nem com o contrato nem com as normas em vigor e que tinha obrigatoriamente de as substituir.

3.2. Fundamentos de direito.

3.2.1. Poderes de controlo do Supremo relativamente à decisão da matéria de facto das instâncias.

O Supremo Tribunal de Justiça é um tribunal de revista e, portanto, não controla a decisão da questão de facto e não revoga por erro de facto, controlando apenas a decisão de direito e só revogando por erro de direito, limitação que é justificada pela função de harmonização jurisprudencial sobre a interpretação e aplicação da lei que é característica e própria dos tribunais supremos (art.ºs 46.º da LOSJ, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, e 682.º, n.º 1, do CPC). Por isso que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não constitui objecto idóneo do recurso de revista, salvo os casos de ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, portanto, exceptuados os casos de prova necessária, i.e., em que a lei exige certo meio de prova para se poder demonstrar o facto probando, ou de prova legal ou tarifada, quer dizer, em que a lei impõe ao juiz a conclusão que há-de tirar do meio de prova, respectivamente (art.ºs 364.º, 393.º do Código Civil, 568.º, d), 574.º, n.º 2, in fine, 607.º, n.º 5, 2.ª parte, e 674.º, n.º 3, do CPC).

O Supremo Tribunal de Justiça está, pois, vinculado aos factos fixados pelas instâncias e, como consequência dessa vinculação, está adstrito a uma obrigação negativa: a de não poder alterar, salvo em casos excepcionais, essa matéria (art.º 682.º, n.º 2, do CPC). Estas vinculações implicam que não pode controlar a apreciação da prova, porque uma vinculação à matéria de facto averiguada nas instâncias e a proibição de a alterar, implicam, necessariamente, a impossibilidade – e mesmo a desnecessidade – de controlar a sua apreciação. Em especial, o Supremo não pode controlar a prudência ou a imprudência da convicção das instâncias sobre a prova produzida, sempre que se trate de provas submetidas ao princípio da liberdade de apreciação, i.e., que assenta na prudente convicção que o tribunal tenha adquirido das provas produzidas (art.º 607.º, n.º 5, 1.ª parte, do CPC). Trata-se de jurisprudência absolutamente firme ou acorde3. A valoração que a Relação faz destas provas – e a convicção autónoma que delas adquira – dado que não constitui um erro em matéria de direito probatório, está inteiramente subtraída à competência decisória ou funcional do Supremo. Numa palavra: está vedado ao Supremo o conhecimento do – eventual – erro na valoração das provas e na fixação dos factos materiais da causa, apenas dispondo de competência funcional ou decisória para controlar a actuação da Relação nos casos de prova vinculada ou tarifada, ou seja, quando está em causa um erro de direito.

Mas o Supremo dispõe também de competências de controlo sobre o uso – ou uso incorrecto - ou não uso pela Relação dos seus poderes específicos sobre a matéria de facto: o poder de correcção da decisão recorrida, o poder de controlo sobre os meios de prova e o poder de anulação da decisão impugnada (art.º 662, n.ºs 1, a), e 2, a), c) e d), do CPC).

No exercício dos seus poderes de correcção da decisão proferida sobre a matéria de facto, a Relação pode alterar aquela decisão se ela for incompatível com a prova produzida em 1.ª instância: esta incompatibilidade pode decorrer de um novo juízo formulado pela Relação dado que – considerando a remissão realizada pelo art.º 662.º, n.º 3 para o art.º 607.º do CPC, a Relação tem de realizar a análise crítica das provas produzidas na 1.ª instância, extrair, se for caso disso, ilações das presunções judiciais e das presunções legais e ainda formar, nas matérias submetidas à livre apreciação da prova, uma prudente convicção autónoma – e fundamentada - sobre essas provas (art.º 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC).

Na actuação dos seus poderes de controlo dos meios de prova, a Relação pode determinar, mesmo oficiosamente tanto a renovação dos meios de prova, como a produção de novos meios de prova: pode ordenar a renovação da produção da prova quando tiver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido e intelegibilidade do depoimento; pode determinar a produção de novos meios de prova se tiver dúvida fundada sobre a prova – e não sobre o facto - produzida na 1.ª instância, i.e., quando duvidar, de modo sério, da suficiência dessa prova para dar como provado determinado enunciado de facto ou caso entenda que a prova, v.g., pelo colisão dos diversos meios de prova produzidos, não é esclarecedora sobre a veracidade ou a realidade do facto probando (art.º 662.º, n.º 2, a) e b), do CPC).

No uso dos seus poderes de anulação incumbe à Relação cassar a decisão de facto da 1.ª instância quando, não constando do processo todos os elementos que permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto (art.º 662.º, n.º 2, c), do CPC). O vício da contradição de que pode padecer a matéria de facto ocorre quando são considerados provados factos incompatíveis – desde, evidentemente, que uns não possam ser considerados factos impeditivos, modificativos ou extintivos de outros. No uso de poderes de cassação mitigados, a Relação pode também, no caso de a decisão da 1.ª instância sobre algum facto essencial não se mostrar devidamente fundamentada, ordenar àquele tribunal que a fundamente, tendo em conta os depoimentos objecto de registo (art.º 662.º, n.º 2, c), do CPC).

A Relação dispõe ainda de poderes de controlo relativamente ao objecto da prova, que deve ser constituído – apenas – por factos, e por factos controvertidos, i.e., por proposições, objecto de controversão, que descrevem um estado de coisas, devendo desconsiderar qualquer decisão, que no plano da matéria de facto, não tenha por objecto afirmações de facto.

O uso incorrecto pela Relação dos seus poderes de controlo da correcção da decisão da matéria de facto da 1.ª instância pode consistir na não apreciação, com completude exigível, de toda a decisão sobre a matéria de facto impugnada, na não apreciação, com completude exigível, das provas adquiridas para o processo, ou na falta de fundamentação, com a completude exigível, da decisão da matéria de facto impugnada, em termos que permitam, objectivamente, compreender o percurso racional subjacente à reapreciação da prova4. A estes casos há que adicionar o não uso pela Relação tanto dos seus poderes de controlo sobre os meios de prova, como dos seus poderes de anulação da decisão da decisão da matéria de facto da 1.ª instância, nos casos em que essa anulação seja necessária, por, designadamente, a contradição sobre certos pontos de facto daquela decisão não poder ser ultrapassada pelos elementos disponibilizados pelo processo (art.º 662.º, n.º 1, ex-vi, al. c), do n.º 2 do mesmo artigo).

Verificada um qualquer destas patologias, o acórdão da Relação deve ser cassado – anulado – no segmento afectado, e o processo devolvido àquele Tribunal para, com a completude exigível, fazer uso – ou um uso correcto - dos seus poderes de controlo relativamente à decisão da matéria de facto da 1.ª instância.

A apreciação da prova é matéria de facto e está excluída da competência do Supremo, mas as condições que justificam a alteração ou a confirmação da decisão da 1.ª instância pela Relação são matéria de direito e, por isso, susceptíveis de ser apreciadas no recurso de revista.

3.2.2. Concretização.

Uma leitura, ainda que pouco detida, das conclusões com que a recorrente rematou a sua alegação do recurso de revista mostra uma oscilação e, logo, uma inconsistência, sobre o vício que, em concreto, assaca ao acórdão da Relação. Assim se na conclusão f) sustenta que a relação incumpriu o disposto nas alíneas a), c) e d), do n.º 2 do art.º 662.º, n.º 2, do CPC, na conclusão imediatamente seguinte, assaca-lhe a violação do artigo 662, n.º 1, 2 alíneas a), b) e c). Todavia, lidas na sua globalidade, as conclusões da revista formuladas pela recorrente pode dizer-se, sem erro, que em caso algum está em causa o – não - uso pela Relação dos seus poderes de controlo sobre os meios de prova, dado que em lado nenhum daquelas conclusões se alega, ainda que de modo inconcludente, qualquer dúvida séria sobre a credibilidade de um qualquer depoente – e, portanto, a suspeita da falsidade do seu depoimento – nem qualquer hesitação fundada sobre o sentido e a intelegibilidade de qualquer depoimento (art.º 662.º, n.º 2, a), do CPC). Pelas mesmas razões, também não está em causa a omissão indevida, pela Relação, do exercício do seu poder de anulação da decisão da matéria de facto, com fundamento na indispensabilidade da sua ampliação, dado que a recorrente também não alega, em conclusão alguma, que a matéria de facto é insuficiente para permitir o julgamento da causa e que essa deficiência é reconduzível á falta de julgamento de certo facto que tinha sido alegado (art.º 662.º, n.ºs 2, c), in fine, e 3, do CPC).

Uma das patologias que a recorrente, no recurso de apelação, assacava à decisão da matéria de facto, consistia na circunstância de os enunciados contidos nos n.ºs 23, 24 e 28 dos factos julgados provados, deverem ser declarados não escritos. Razão: trata-se de matéria conclusiva. A Relaçáo, considerou, porém, que aqueles enunciados continham proposições de facto, como linearmente decorre destes passos do acórdão impugnado: quanto a estes factos – os contidos nos pontos 23.º e 24.º - que têm a ver com a questão fulcral da aprovação ou não aprovação, por parte da empresa de fiscalização, do pedido de alteração apresentado pela Ré, com referência às portas de emergência (...); salvo melhor opinião, afigura-se que - o ponto 28.º - não se trata de matéria conclusiva, pelo que se decide manter tal facto no elenco dos factos provados. O primeiro erro que a recorrente se imputava ao julgamento daquelas proposições não era, assim, um erro na aferição ou avaliação das provas – mas um erro sobre o objecto da prova. E quanto a este segmento da impugnação da decisão da matéria de facto é seguro que a Relação exerceu as suas competências de controlo – e de modo inteiramente correcto.

O objecto de prova deve, realmente, ser constituído, exclusivamente, por factos controvertidos, ou mais rigorosamente, por afirmações de factos, i.e., proposições que descrevem um estado de coisas, qualquer acção, evento ou situação com relevância jurídica, proposições linguísticas que tanto podem consistir em acontecimentos físicos como estados anímicos ou psíquicos (art.º 341.º do Código Civil).

Abstraindo da orientação doutrinária e jurisprudencial, que se julga correcta, da admissibilidade enquanto objecto da prova dos denominados factos conclusivos ou equivalentes 5 – juízos conclusivos, expressões conclusivas – dado que os factos jurídicos são factos com relevância jurídica mas não são factos desprovidos de qualquer sentido empírico ou valorativo, a verdade é que se não podem ter como tais as afirmações de que se aprovou os modelos de portas ou que uma obra foi recepcionada sem que tenha sido elaborado o auto de recepção provisória, contidas nos pontos de facto n.ºs 23, 24 e 28. De resto, a alegação da recorrente quanto a este ponto não é intrinsecamente coerente dado que depois de afirmar que os enunciados contidos nos pontos n.ºs 23, 24 e 28 não são factos, mas proposições conclusivas, termina por sustentar que, por equívoco na valoração das provas, foram erroneamente julgados, erro que, naturalmente, pressupõe que, afinal, se trata de factos.

No caso do recurso de apelação que tenha por objecto, principal ou concorrente, a impugnação da decisão da matéria de facto da 1.ª instância, por erro em matéria de provas, o Tribunal da Relação deve proceder, no tocante a cada um dos enunciados de facto que o recorrente reputa de mal julgados, à apreciação das provas que, segundo o impugnante, foram erroneamente valoradas ou apreciadas – apreciação que pressupõe o conhecimento do seu conteúdo, a determinação da sua relevância e a sua valoração (art.ºs 640.º, n.º 1, a c), e 662.º, n.º 1, do CPC).

De harmonia com a alegação da recorrente o error in iudicando em que o acórdão impugnado se mostra incurso não resulta, primariamente, de um qualquer erro na avaliação ou avaliação das provas – designadamente das provas pessoais produzidas oralmente na audiência final – mas da circunstância, mais radical, de não ter procedido sequer à reapreciação das provas. Realmente segundo a recorrente, a Relação não reapreciou a matéria de facto relativamente a questões que lhe foram submetidas. ou, dito doutro modo, absteve-se, indevidamente, do exercício os seus poderes de controlo da correcção da decisão da matéria de facto.

No acórdão impugnado a propósito da impugnação da decisão da matéria de facto deduzida pela recorrente no recurso de apelação, escreveu-se o seguinte:

Quer a Autora quer a Chamada impugnam a decisão quanto à matéria de facto. Ambas impugnam os pontos 23.º e 24.º da matéria de facto provada. A Chamada impugna ainda os pontos 10.º, 12.º, 16.º, 18.º, 19.º. 28.º, 30.º, 37.º e 42.º

Assim, por uma questão metodológica e de boa organização das matérias, passamos a analisar os pontos impugnados pela respectiva ordem, independentemente da parte que os impugnou (…)

O ponto 12.º da matéria provada diz o seguinte:

“Em mensagem datada de 01/07/2019, o Eng. BB deu conta à R. na pessoa do Eng. CC, da desconformidade verificada afirmando, no seguimento de anterior proposta alternativa da R., que “era para avançares com o modelo equivalente ao caderno de encargos para não dar confusão”.

A Chamada/Apelante propõe a seguinte redacção para tal facto, entendendo que assim espelha, de forma mais correcta, a realidade dos factos:

“ Em mensagem datada de 01/07/2019, o Eng. BB deu conta à R. na pessoa do Eng. CC, da desconformidade verificada relembrando ainda que seguimento do PA5 em que não tinha aprovado qualquer dos modelos propostos para as portas de emergência evacuação, que deveria avançar com o modelo equivalente ao caderno de encargos: “era para avançares com o modelo equivalente ao caderno de encargos para não dar confusão.”

Neste caso, afigura-se que deve manter-se a redacção tal como consta da decisão recorrida, pois que a versão proposta apenas acrescenta uma interpretação do facto ali contemplado. Sucede que , na fixação dos factos, importa que o Tribunal se cinja aos mesmos factos deixando a respectiva valoração para momento posterior, na fundamentação de direito. Assim, mantém-se a redacção constante da sentença.

Quanto ao ponto 16.º com o seguinte teor:

“16 - Todos os trabalhos efectuados pela Ré, foram sujeitos a aprovação da fiscalização contratada pela A.”

A Chamada/Apelante sublinha que no ponto 1.4 atinente ao CONTROLO DE QUALIDADE foi claramente estipulado (1º §) que Antes da aplicação dos equipamentos e materiais o adjudicatário deverá submetê-los à aprovação expressa da fiscalização e no 2º § dispõe-se que “ Será da inteira responsabilidade do Adjudicatário a aplicação de equipamentos sem o prévio acordo da fiscalização pelo que decorrerão por sua conta e risco quaisquer alterações e ou substituições não indicadas pela fiscalização.”

Portanto, não há dúvida de que a alteração daquilo que constava do projecto, designadamente a nível de materiais, tinha de ser previamente aprovada pela fiscalização da obra. Por conseguinte, a questão está em saber se essa autorização foi dada ou não no caso da solicitada alteração, quanto às portas de emergência que são o objecto do presente litígio.

É certo que essa alteração existiu, como resulta do confronto entre aquilo que consta do projecto e aquilo que foi executado, conforme se conclui do confronto entre a matéria constante do ponto 7.º e do ponto 9.º dos factos provados.

A questão está, pois, em saber se essa alteração foi autorizada, por escrito, pela fiscalização.

Ora, da análise da prova produzida, o Tribunal a quo chegou à conclusão de que “ambos, quer a fiscalização, quer a empreiteira falavam indistintamente em portas corta-fogo, para todas as portas abrangendo aquelas que eram de entrada e saída automáticas, cuja alteração foi pedida pela empreiteira face ao que constava do projecto de segurança”.

E cremos que tem fundamento essa convicção como se passa a demonstrar: Do pedido de aprovação n.º PA05 consta o seguinte:

“ Seguem Fichas técnicas das portas a instalar. Junto envio catálogo das portas em alternativa às da Manusa.

De ter em atenção que o modelo proposto pela Manusa, é um sistema já antigo e que a maior parte dessas portas são comercializadas no mercado Espanhol e Português.

Propomos o modelo alemão BO240 que é idêntico ao de Caderno de Encargos e propomos uma alternativa do novo modelo SLH240ES, que não tem portas anti-pânico de abrir, mas sim a porta de correr por redundância abre sempre, porque tem duplos motores, duplas baterias, etc”

Ora, em resposta a este Pedido de Aprovação de material 05, o Engenheiro BB, director de fiscalização enviou um mail datado de 21 de Fevereiro de 2019, dirigido ao Engenheiro CC que a dado passo conclui:

“Deste modo aprovo os vãos corta –fogo”.

Ora, se o pedido de aprovação se refere apenas às portas de emergência da “manusa”, não faria qualquer sentido a resposta referir-se às portas corta-fogo que não faziam parte do referido pedido de aprovação. Por conseguinte, temos de concluir que a aprovação respeita às portas a que diz respeito o pedido de aprovação e que apenas por lapso se referiu “ portas corta-fogo.”.

Com base neste argumento de ordem lógica, acompanhamos a convicção do Tribunal recorrido, não havendo qualquer meio de prova que ponha em causa a convicção do Tribunal quanto ao que consta do ponto 16,º dos factos provados que deve manter-se como provado.

A Chamada Apelante pretende que igualmente seja dado como não provado o teor do ponto n.º 18.º dos factos provados:

“Quanto ao rebatimento das folhas fixas laterais das portas de emergência, como decorre do facto 16, todas as peças e equipamentos a instalar em obra estavam sujeitos a aprovação prévia por parte da P..., Lda., empresa contratada pela A. para, em seu nome, fazer a fiscalização da obra.”

O que consta do referido ponto decorre do teor do próprio contrato de empreitada celebrado entre as partes, pelo que não existe fundamento para o alterar.

Quanto ao facto 19.º do elenco dos factos provados, também está devidamente fundamentado na prova documental, conforme resulta do ponto 20.º dos factos provados, pelo que se mantém igualmente este facto.

No que se refere aos pontos 23.º e 24.º com o seguinte teor:

“23 - Posteriormente, em 21/02/2019, o Engenheiro BB, técnico responsável da empresa P..., Lda., aprovou os modelos de portas evacuação /emergência submetidos pela Ré como se acabou de referir, através de mail enviado ao Eng. CC, designadamente, a fiscalização contratada pela autora aprovou a porta alternativa apresentada pela Ré.

24 - Após a submissão dos modelos e subsequente aprovação por parte da empresa responsável pela fiscalização de obra, a Ré procedeu à compra e instalação das portas identificadas como “proposta alternativa”.

Quanto a estes factos que têm a ver com a questão fulcral da aprovação ou não aprovação, por parte da empresa de fiscalização, do pedido de alteração apresentado pela Ré, com referência às portas de emergência, dá-se por reproduzida a argumentação que consta da apreciação do ponto 16.º da matéria de facto provada.

Na verdade, quer a Autora- dona da obra, quer a Chamada C..., Fiscalização, Estudos e Projectos de Engenharia, Lda., - empresa de fiscalização -, impugnam a decisão de dar como provados estes factos, socorrendo-se de extensos depoimentos das testemunhas, designadamente do Eng.º BB, mas que verdadeiramente não põem em causa a correcção da decisão de dar como provados tais factos. Pela razão lógica, supra mencionada, apesar de a comunicação escrita por parte do Eng.º BB fazer referência à aprovação das portas corta- fogo, tem de interpretar-se que essa menção foi feita por lapso, querendo dizer-se portas de emergência, porque eram essas que estavam mencionadas no PA 05 (Pedido de Alteração) a que o mail datado de 21 de Fevereiro de 2019, respondia.

É certo que, conforme consta do ponto 47.º dos factos provados que afinal, “nesse mesmo PA05, existem várias outras fichas técnicas que simultaneamente foram submetidas para verificação da P..., Lda.” Daí que isso possa ter dado origem a alguma imprecisão na resposta. É evidente que não queremos com isto dizer que os Engenheiros responsáveis fizessem confusão entre portas corta- fogo e portas de emergência. A deficiência situa-se apenas ao nível da comunicação.

E que assim foi, demonstra-o também o facto constante do ponto 25.º que não vem impugnado. Ou seja, “esses trabalhos [portas de evacuação/emergência] integraram o auto de medição do mês de Maio de 2019 e referem-se à “4.ª situação de Trabalhos Contratuais”, documento assinado quer pelo Empreiteiro, quer pela Fiscalização”. Nessa data, caso não tivesse ocorrido a aprovação do pedido de alteração, a Fiscalização teria detectado, imediatamente, a desconformidade entre as portas constantes do projecto e as que foram colocadas e o auto de medição não teria sido assinado pela Fiscalização. E sem o auto de medição assinado, a Ré não teria base para proceder à facturação de tais trabalhos, conforme consta do ponto 26.º dos factos provados.

Fica, pois, incompreensível que só no final do mês de Junho de 2019 a Autora se apercebesse que as portas automáticas de emergência não apresentassem as características constantes do projecto ( ponto 10.º dos factos provados.)

Mantêm-se, pois, como provados, os referidos factos.

Quanto ao ponto 28.º a P..., Lda., entende que o facto deve ser excluído do elenco dos factos provados por se tratar de matéria conclusiva.

Salvo melhor opinião, afigura-se-nos que não se trata de matéria conclusiva, pelo que se decide manter tal facto no elenco dos factos provados.

Por fim, impugna a Chamada a decisão quanto aos factos 30.º, 37.º e 42:º:

“ 30 - Na sequência do provado em 14, a Ré, disponibilizou - se a procurar uma solução, o que fez apenas por cortesia profissional e sempre como intuito de cooperar com a Autora;

37 - Em Julho de 2020, passados que estavam 12 meses sobre a receção provisória de obra, a Reconvinte requereu à reconvinda o levantamento da garantia bancária;

42 - Na sequência do mencionado em 23, o dito Eng. Sérgio Cardeira escreve no dito mail que “Em certas fichas que envia não é claro qual a classe ao fogo que pretendem aplicar devido à gama ampla da porta alternativa, contudo deverá ser escolhida uma gama igual ou superior à referida no projeto de segurança contra incêndio e mapa de vãos atualizado.”, e ainda no mesmo mail mais à frente, escreve-se isto: “Deste modo aprovo os vãos corta- fogo.””

A recorrente propõe a seguinte redacção:

“ 30 – A Ré, disponibilizou - se a procurar uma solução, o que fez, segundo ela, apenas por cortesia profissional e sempre como intuito de cooperar com a Autora;

37 - Em Julho de 2020 a Reconvinte requereu à reconvinda o levantamento da garantia bancária;

42 – Em resposta ao PA5 referido no nº 48 da matéria dada como provada, o dito Eng.BB escreve no dito mail que “Em certas fichas que envia não é claro qual a classe ao fogo que pretendem aplicar devido à gama ampla da porta alternativa, contudo deverá ser escolhida uma gama igual ou superior à referida no projeto de segurança contra incêndio e mapa de vãos atualizado.”, e ainda no mesmo mail mais à frente, escreve-se isto: “Deste modo aprovo os vãos corta- fogo.”

As alterações propostas verdadeiramente são irrelevantes para o sentido dos factos em causa pelo que não se justifica proceder a tais modificações que são indeferidas.

Em suma, reapreciada toda a prova produzida, afigura-se-nos não merecer qualquer reparo a apreciação feita pela 1.ª instância que se afigura ponderada e correcta.

Julga-se, assim, claro que Relação atuou o seu poder-dever de correcção da decisão da matéria de facto da 1.ª instância, dado que contactou com as provas, pessoais e documentais, que a recorrente reputava de mal apreciadas e as examinou criticamente, de maneira bastante, e construiu, de modo autónomo, uma convicção própria – e suficientemente fundamentada - sobre essas provas que, sendo coincidente com a exteriorizada pela decisora da 1.ª instância, determinou a improcedência da impugnação correspondente. A este propósito convém desfazer uma incompreensão muito comum quanto à latitude dos poderes da Relaçáo relativamente à decisão da matéria de facto da 1.ª instância: a actuação desses poderes não tem por finalidade um novo e extensivo julgamento daquela matéria, mas limitadamente – como é característico de um tribunal de recurso – a correcção de eventuais erros de julgamento em que, no tocante a esse objecto da causa, o tribunal de 1.ª instância tenha incorrido, sendo certo, em qualquer caso, que o objecto do recurso de apelação, como, aliás, de qualquer recurso, é a decisão recorrida e não o próprio objecto da acção.

A recorrente sustenta também que a Relação não fez a devida, ponderada e consequente apreciação da prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente prova documental. Simplesmente, o eventual equívoco da Relaçáo na aferição ou na avaliação das provas, o erro em matéria de provas, não constitui fundamento admissível da revista, ressalvados os casos – repete-se - de ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, portanto, exceptuados os casos de prova necessária, i.e., em que a lei exige certo meio de prova para se poder demonstrar o facto probando, ou de prova legal ou tarifada, quer dizer, em que a lei impõe ao juiz a conclusão que há-de tirar do meio de prova, respectivamente, violação de direito probatório que, na espécie sujeita, as conclusões com que a recorrente resumiu a sua alegação, não objectiva ou individualiza. Em boa verdade, a Relação não atribuiu a qualquer meio de prova, v.g., documental, um valor que a lei lhe não reconhece ou recusou, a qualquer prova, uma eficácia probatória que a lei lhe atribui.

O controlo do Supremo sobre a decisão da Relação sobre a matéria de facto obedece a este parâmetro: a Relação tem o dever de fazer um juízo autónomo sobre a prova produzida na 1.ª instância e é em função desse juízo que deve confirmar ou revogar a decisão recorrida. Realmente, se a Relação tem o dever de proceder ao exame crítico das provas - novas ou mesmo só renovadas – que sejam produzidas perante ela e de formar, relativamente às provas submetidas à sua livre apreciação, uma convicção prudente sobre essas provas – não há razão bastante – legal ou sequer epistemológica - para que não proceda àquele exame e à formulação desta convicção - e à sua objectivação - no caso de reapreciação das provas já examinadas pela 1ª instância (art.º 607.º, nº 5, ex-vi art.º 663.º, nº 2, do CPC). O controlo da correcção da decisão da matéria de facto da 1ª instância exige, realmente, que a Relação construa – autonomamente, embora com os limites decorrentes da sua vinculação à impugnação do recorrente - não só a sua própria convicção sobre as provas produzidas, mas igualmente que a fundamente. O Supremo pode controlar se a Relação formou a sua própria convicção sobre a prova.

Uma das provas que, no ver da recorrente, tanto a 1.ª instância como a Relação, apreciaram imprudentemente e que pediu que fosse reponderada ou reapreciada – a prova testemunhal - é uma prova livre, ou seja, uma prova que é livre – mas prudentemente – apreciada pelo tribunal (art.º 396.º do Código Civil). O mesmo sucede, aliás, com a prova por declarações de parte (art.º 466.º, n.º 3, do CPC). Decerto que a convicção, assente nestas provas pessoais de livre apreciação sobre a realidade ou inveracidade dos factos não é – não deve ser - uma convicção irracional e anímica – ex setentia animi – mas antes uma convicção alcançada com o uso da prudência, i.e., da faculdade de decidir de forma correcta, uma convicção que, sendo subjectiva é também objectiva devendo assentar num conjunto de razões que permitam afirmar que os factos cujo correcção do julgamento o recorrente controverte no recurso, se verificaram ou não. A verdade oferecida pela prova, dado que é alcançada por aplicação das normas e técnicas que valem no processo é, sempre, uma verdade contextual, obtida nas condições que a relação processual permite. Verdade que, todavia, é obtida no exercício de uma liberdade para a objectividade e não aquela que permite uma intime conviction, meramente intuitiva, mas aquela que se determina por uma intenção de objectividade, uma verdade que transcenda a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros, pois tal só pode ser a verdade do direito e para o direito. Simplesmente, a valoração que a Relação fez destas provas – e a convicção autónoma que delas adquiriu – dado que não constitui um erro em matéria de direito probatório, está subtraída, por inteiro, à competência decisória ou funcional do Supremo.

Por último – e é justamente este o fundamento conspícuo da revista – a recorrente acusa o acórdão recorrido de ter feito um mau uso ou um uso incorrecto dos seus poderes de controlo da decisão da matéria de facto da 1.ª instância dado que, ao recusar provimento à impugnação da decisão da matéria de facto, manteve a decisão de primeira instância julgar como provados factos contraditórios entre si e que obstam a uma decisão escorreita e sem contradições, porque não usou (devendo fazê-lo) tais poderes-deveres atribuídos à Relação, previstos no art.º 662, que não foram utilizados, pelo que, deve ser ordenado ao Tribunal da Relação de Lisboa que no cumprimento das disposições supra citadas em especial artigo 662º do CPC, tendo em vista a prolação de uma decisão escorreita e sem contradições, proceda à reapreciação da matéria de facto revendo e tendo em conta a prova no seu conjunto.

Um cotejo ainda que pouco especioso das conclusões produzidas pela recorrente no recurso de apelação e no recurso de revista mostra que o vício da contradição intrínseca da decisão da matéria de facto da 1.ª instância – matéria de facto que, com excepção do facto contido no ponto n.º 10, a Relaçáo manteve qua tale - não foi alegado naquele primeiro recurso, tendo sido invocada apenas no segundo. Efectivamente, relativamente à decisão da matéria de facto, o fundamento do recurso de apelação era constituído, para além do erro sobre o objecto da prova, pelo erro sobre provas, i.e., pelo error in iudicando dos enunciados de facto, considerados provados, contidos nos n.ºs 10, 12, 16, 18, 19, 23, 24, 28, 30, 37 e 42, resultante do equívoco da Sra. Juíza de Direito, na avaliação ou aferição das provas e não pelo vício da contradição intrínseca com outras afirmações de facto também julgadas provadas na sequência do exercício da prova.

A recorrente, porém, alega agora na revista que, afinal, os pontos de facto, julgados provados sob os n.ºs 10, 12, 16, 18, 19, 23, 24, 28, 30, 37 e 42 estão em frontal e completa contradição e colisão com os elencados sob os números 45 a 53 todos da lista de factos dados como provados pelo tribunal de primeira instância e pelo Tribunal da RL e, logo, que esta não actuou os seus poderes de correcção da decisão da matéria de facto, desfazendo a contradição entre os diversos enunciados de facto, harmonizando-os, ou de anulação dessa decisão, caso os elementos de prova disponíveis, não permitissem aquela correcção, i.e. a remoção daquela contradição.

Quanto a este ponto, a alegação da recorrente é, do mesmo passo, genérica e inconcludente.

Ao recorrente que invoque a contradição entre pontos de facto julgados provados é exigível, por um lado, que aponte ou especifique, de modo concretizado, a incompatibilidade e, por outro, que proceda a uma demonstração concludente da colisão alegada. A recorrente não faz nem uma coisa nem outra, limitando-se a invocar uma contradição em bloco de dois núcleos ou conjuntos de facto, sem concretizar, com um mínimo de concludência, em que é que os diversos pontos de factos são reciprocamente desarmónicos ou incompatíveis. E colocados lado a lado os diversos enunciados de facto, não há razões para concluir que são entre si contraditórios que, contenham enunciados ou proposições logicamente incompatíveis ou conflituantes. Assim, por exemplo, em que é a afirmação de facto contida no ponto n.º 16 - Todos os trabalhos efectuados pela Ré, foram sujeitos a aprovação da fiscalização contratada pela A. – colide com a afirmação, da mesma natureza, inserta no ponto n.º 45.º - A autora contratou a sociedade C..., Fiscalização, Estudos e Projectos de Engenharia, Lda., (P..., Lda., para fiscalizar a execução da obra objecto dos autos designadamente, o cumprimento dos projectos, disposições contratuais e legais ? Ou em que segmento o enunciado descrito no ponto n.º 37 - Em Julho de 2020, passados que estavam 12 meses sobre a recepção de obra, a Reconvinte requereu à reconvinda o levantamento da garantia – contradiz o referido no ponto n.º 50 - As portas com essa propriedade estão claramente identificadas em projeto, quer no mapa de vãos, quer no mapa de quantidades com a designação “corta-fogo CF30C” ou “corta-fogo CF45C”, não sendo de modo algum esta propriedade atribuída aos vãos automáticos que foram instalados ? Bem: em nada. E os exemplos da inexistência da contradição intrínseca alegada entre os vários enunciados considerados provados podiam, aliás, multiplicar-se. É certo que a exposição dos factos provados é desordenada e desconexa, não obedecendo a qualquer critério de ordem lógica ou cronológica; aquela exposição sendo pouco escorreita não é, porém, intrinsecamente contraditória.

Todas as contas feitas, a conclusão a tirar é uma só: que não há fundamento para concluir que a Relação ao julgar o recurso de apelação, não tenha usado ou tenha utilizado de modo incorrecto quaisquer dos poderes de controlo que a lei adjectiva lhe reconhece no tocante à decisão da matéria de facto da 1.ª instância. E sendo esse – como oportunamente se fez notar - o objecto ou fundamento exclusivo da revista, outra coisa não resta que negar-lhe provimento.

Expostos todos os argumentos, conclui-se, em síntese estreita:

- O Supremo não pode controlar a prudência ou a imprudência da convicção das instâncias sobre a prova produzida, sempre que se trate de provas submetidas ao princípio da liberdade de apreciação, i.e., que assenta na prudente convicção que o tribunal tenha adquirido das provas produzidas, apenas dispondo de competência funcional ou decisória para controlar a actuação da Relação nos casos de prova vinculada ou tarifada, ou seja, quando está em causa um erro de direito;

- O Supremo dispõe também de competências de controlo sobre o uso – ou uso incorrecto - ou não uso pela Relação dos seus poderes específicos sobre a matéria de facto: o poder de correcção da decisão recorrida, o poder de controlo sobre os meios de prova e o poder de anulação da decisão impugnada;

- Tendo a revista por único objecto o não uso ou o uso incorrecto pela Relação dos seus poderes de controlo relativamente à decisão da matéria de facto, concluindo-se pela improcedência do fundamento correspondente, aquele recurso deve, sem mais, ser julgado improcedente.

A recorrente sucumbe no recurso. Essa sucumbência torna-a objectivamente responsável pela satisfação das respectivas custas (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).

4. Decisão.

Pelos fundamentos expostos, nega-se a revista.

Custas pela recorrente.

2024.12.10

Henrique Antunes (Relator)

Anabela Luna de Carvalho

Maria João Vaz Tomé

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1. V.g. Acs. do STJ de 26.11.2020 (11/13), 16.12.2020 (4016/13), 08.12.18 (2639/13) e 11.10.2018 (617/14), Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª edição, Almedina, 2022, págs. 427 e 428, Miguel Teixeira de Sousa, Dupla Conforme e vícios na formação do acórdão da Relação, disponível em blogippc.blogspot.com, entrada de 01/04/2015,↩︎

2. Essa prova, de harmonia com a alegação da recorrente do recurso de apelação, é constituída pelas declarações de parte de BB, engenheiro e seu sócio-gerente, e pelo depoimento de CC, engenheiro civil e trabalhador e director de obra da demandada Trepa, Lda., declarações e depoimento de que a recorrente transcreveu largos segmentos.↩︎

3. V.g., Acs. do STJ de 14.07.2023 (19645/18), 03.11.2021 (4096/18), 14.12.2016 (2604/13), 12.07.2018 (701/14) e 12.02.2019 (882/14).↩︎

4. Ac. do STJ de 05.04.2022 (1916/18).↩︎

5. Miguel Teixeira de Sousa, “Factos conclusivos”: já não há motivos para confusões! blogippc.blospot.com, entrada de 12 de Junho de 2023. Como o Supremo observa nos Acs. de 09.11.22 (9/17) e 10.10.2023 (9039/20), a proibição dos factos conclusivos, tributária de uma concepção dicotómica artificial, tem vindo a ser abandonada por ausência de justificação actual, dado que o facto objecto da prova não pode ser separado do direito, enquanto facto juridicamente relevante, com características descritivas, qualitativas, quantitativas ou valorativas, desse mesmo facto.↩︎