I – Nas competências do Supremo Tribunal de Justiça cabe verificar se a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto levada a cabo pelo Tribunal da Relação respeitou as normas de direito probatório aplicáveis (arts. 674º/1/b/3, e 682º/3, do CPCivil).
II – Daí que não possa censurar a convicção a que as instâncias chegaram sobre a matéria de facto submetida ao princípio geral da prova livre, a que alude o art. 607º/5, do CPCivil.
RECURSO DE REVISTA1,2,3,4,5 | 622/20.3T8MCN.P1.S1 |
RECORRENTES6 | – AA – BB |
RECORRIDA7 | CONSTRAVESSADAS - CONSTRUÇÕES, LDA |
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I – Nas competências do Supremo Tribunal de Justiça cabe verificar se a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto levada a cabo pelo Tribunal da Relação respeitou as normas de direito probatório aplicáveis (arts. 674º/1/b/3, e 682º/3, do CPCivil). II – Daí que não possa censurar a convicção a que as instâncias chegaram sobre a matéria de facto submetida ao princípio geral da prova livre, a que alude o art. 607º/5, do CPCivil. |
1. RELATÓRIO
CONSTRAVESSADAS - CONSTRUÇÕES, LDA, intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra AA e marido BB pedindo a condenação destes a pagarem-lhe a quantia de 30 779,23 €, acrescida de juros de mora vencidos no montante de 251,75€ e juros vincendos, à taxa legal para as obrigações comerciais, sobre a importância de 30 527,48 até integral e efetivo pagamento.
Foi proferida sentença em 1ª instância que:
- Julgou a ação totalmente procedente e condenou os réus, AA e BB, a pagarem à autora, CONSTRAVESSADAS - CONSTRUÇÕES, LDA., a quantia global de 30 527,48€, acrescida dos juros de mora, à taxa devida para as operações comerciais, desde a data de vencimento de cada uma das faturas até integral e efetivo pagamento;
- Julgou a reconvenção/pedidos de ampliação parcialmente procedentes e condenou a autora, CONSTRAVESSADAS - CONSTRUÇÕES, LDA., em relação à fração A) dos réus, a corrigir as humidades na casa do gás e a proceder à correção do muro divisório entre as moradias da fachada principal, na parte que está deslocado do muro da rua, no prazo de 60 dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão, absolvendo a autora/reconvinda do demais peticionado pelos réus.
Os réus interpuseram recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação do Porto proferido acórdão que negou provimento ao recurso e, em consequência, confirmou a decisão recorrida.
Inconformados, vieram agora os réus interpor recurso de revista deste acórdão, tendo extraído das alegações11,12 que apresentaram as seguintes
2ª- A assinalada violação da norma ocorre quanto à reapreciação critica da decisão de facto que consta do aresto, relativamente aos factos tidos por provados sob os nºs 2º, 4º, 6º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º e 17º, e aos factos tidos por não provados das alíneas C), G) e H), como se explicita nesta alegação, aqui reproduzida.
3ª- O que incluiu a omissão pelo Tribunal da Relação de uma apreciação crítica dos meios de prova indicados pelos recorrentes, e, como tal, impediu uma concreta formação de convicção própria e autónoma relativamente à matéria de facto.
4ª- O douto aresto em crise incorre na ofensa de disposições expressas da lei que fixam a força probatória dos indicados meios de prova, concretamente daquelas – artigos 356º e 358º, 373º a 375º, nºs 1 e 2 do artigo 376º do Código Civil e nº4 do artigo 607º do C.P.C. - relativas à força probatória do acordo das partes, dos documentos particulares e da confissão reduzida a escrito e espontânea feita em articulado e quanto aos factos tidos por provados sob os nºs 2º, 4º, 6º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º e 17º, e aos factos tidos por não provados das alíneas C), G) e H).
5ª- O que determinará - assim impetram a V.Exªs - a baixa dos autos ao Tribunal da Relação, para que este tribunal recorrido se pronuncie, de forma efetiva, sobre a impugnação da matéria de facto com observância da força probatória dos meios de prova dos autos, designadamente daqueles indicados pelos recorrentes, que deverão ser sindicados.
Violou, pois, o douto acórdão as acima enunciadas normas no sentido acabado de expor14.
A recorrida contra-alegou, pugnando pela improcedência da revista e a manutenção do acórdão recorrido.
Colhidos os vistos15, cumpre decidir.
Emerge das conclusões de recurso apresentadas por AA e, BB, ora recorrentes, que o seu objeto está circunscrito à seguinte questão:
1.) Saber se a matéria de facto deve ser alterada por violação de lei reguladora de direito probatório material.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. FACTOS PROVADOS NA 1ª E 2ª INSTÂNCIA
1. A autora é uma sociedade comercial que tem por objeto a construção de edifícios residenciais e não residenciais; construção de outras obras de engenharia civil; atividades de engenharia e técnicas afins; construção de estradas e pistas de aeroportos; construção de vias férreas; construção de pontes e túneis; construção de redes de transporte de águas, de esgotos e de outros fluídos; construção de redes de transporte e distribuição de eletricidade e redes de telecomunicações; compra e venda de bens imobiliários e revenda dos adquiridos para esse fim; atividades de Mediação Imobiliária; promoção Imobiliária e desenvolvimento de projetos de edifícios, atividade que exerce de forma sistemática e habitual e com fins lucrativos.
2. No exercício dessa sua atividade comercial, a autora foi contactada pelos réus para apresentar orçamento para proceder à construção de uma habitação bifamiliar de rés-do-chão e primeiro andar, em prédio daqueles, sito na Av. ..., ..., ..., que consta dos documentos 1 a 6, que já contêm e são referentes a alterações efetuadas no decurso da obra, cujo teor aqui se dá aqui como integralmente reproduzido.
3. Em 21.04.2017, a autora apresentou orçamento, com mapa discriminativo dos trabalhos a executar, cujo valor global ascendia a 111.577.71 €, a que acrescia IVA à taxa legal em vigor, conforme documento 7, cujo teor aqui se dá aqui como integralmente reproduzido.
4. Na sequência desse orçamento, os réus pretenderam excluir os trabalhos e materiais discriminados no mesmo nas rubricas 12.1; 12.3; 13.1; 16.1 e 16.2, bem como parte do 12.2 e 16.4, conforme documentos 7 e 8 da PI, cujo teor aqui se dá por integramente reproduzido.
5. Tendo em 02.05.2017 sido celebrado um contrato de empreitada, pelo qual se obrigou à construção da dita habitação bifamiliar, pelo preço global de 95.901,11 €, conforme documento 8, cujo teor aqui se dá aqui como integralmente reproduzido.
6. A autora obrigou-se a executar os trabalhos definidos no contrato e orçamento e sempre sob as ordens, direção e fiscalização do réu marido, que acompanhava a obra e era quem definia os pormenores construtivos e decidia caso a caso os materiais a utilizar e as obras a executar.
7. A obra sofreu diversos atrasos na construção quer por falta de licença de obras válida, quer por falta de ligação elétrica, quer por atrasos na concessão de licença para construção de muro a confrontar com a Estrada Nacional e por alterações posteriores introduzidas ao nível da frente e telhados da habitação.
8. A autora executou todas as obras a que estava obrigada pelo contrato e orçamento anexo, tendo concluído e entregue a mesma no início de maio de 2020.
9. À medida que iam sendo executados os trabalhos, autora e réus procediam à contabilização dos trabalhos executados.
10. Relativamente ao contrato, os réus não liquidaram a última fatura, n.º ...34, datada de 08 de junho de 2020, no valor de 11.956,83 €, que respeitava a trabalhos de pintura interiores e construção de muros exteriores e se vencia na data da sua emissão, conforme documento 9, cujo teor aqui se dá aqui como integralmente reproduzido.
11. Durante a execução da obra, os réus solicitaram à autora que, além do orçamentado e contratado, fornecesse materiais e executasse os seguintes trabalhos:
- 2 sacos de cimento e areia para aplicação de bases
- 2 sacos de cimento e areia para as caixas do jardim
- 20 sacos de cimento e 1,5 m3 areia para fossas e casas de banho
- 2 tubos pvc para ar condicionado
- Rematar focos teto
- Colocar alçapões de acesso ao sótão
- Abrir rotas e colocar tubos para o quintal
- Fornecimento e aplicação de tela pitonada
- Executar bancadas para os recuperadores de calor, incluindo areia, cimento e tijolo
- Assentar apainelados nos WC
- Compor azulejos nas zonas das misturadoras (após os terem partido)
- Fornecimento e aplicação de pedras para os passos e patamar e arear espelhos
- Fornecimento e aplicação de guias de remate à tijoleira (da varanda)
- Fornecimento de aplicação de pedra, incluindo impermeabilização (executados a mais 77,41 m2 que o orçamentado)
- Fornecimento e aplicação de muros laterais, encher escadas em betão, aplicar pedra e arear espelhos
- Execução de muros de bloco (executados a mais 65,90 m2 que o orçamentado)
- Execução areados nas duas faces do muro (executados a mais 64,31 m2 que o orçamentado)
- Execução de sapatas e pilares para muros
- Execução de muros de betão (frente aos portões da garagem)
- Demolição de parte existente, construção de pilares, vigas e lage, assentamento de blocos e revestimento em reboco, capoto e pintura
- Execução de rebaixamento do terreno atrás da casa e abertura e tapamento das fossas e colocação de argolas, conforme documento 10, cujo teor aqui se dá aqui como integralmente reproduzido.
12. Os réus solicitavam o fornecimento dos materiais e a execução dos trabalhos, ao que a autora fornecia estimativa de custo e aqueles ordenavam a sua execução.
13. Esses materiais e trabalhos foram faturados através da fatura n.º ...35, de 08.06.2020, no valor de € 18.570,65 com IVA, com vencimento imediato, conforme documento 11, cujo teor aqui se dá aqui como integralmente reproduzido, que apesar de solicitado, os RR. não procederam ao seu pagamento.
14. Não obstante no contrato de empreitada figurar como contraente somente a ré mulher, o certo é que o mesmo foi negociado com ambos os réus, que se obrigaram pelo mesmo, sendo o réu marido quem negociava, contratava e pagava, tendo as obras decorrido num bem do casal, que ficou valorizado em consequência das mesmas.
15. O Engenheiro CC auxiliou os RR. na elaboração do último projeto para a obra em causa.
16. A obra teve licença de construção e eletricidade em alguns dos períodos da sua execução, como consta dos documentos 4 e 5 a 7 da contestação, cujo teor aqui se dá aqui como integralmente reproduzido.
17. Entre a A. e os RR. houve troca de correspondência, como consta dos documentos 8 e 11 a 16 da contestação, cujo teor aqui se dá aqui como integralmente reproduzido.
18. Dos trabalhos contratados estavam excluídos trabalhos de eletricidade, pichelaria, carpintaria e serralharia (alumínios).
19. O carpinteiro e serralheiro só concluíram a sua parte da obra em meados de 2019, o que impediu a R. de concluir de imediato a obra, nomeadamente com aplicação de tijoleiras, pinturas e remates finais.
20. Para executar o muro que confrontava com a Estrada Nacional (ponto 15.3 do orçamento) era necessária a autorização/licença das Infraestruturas de Portugal, sendo que a sua obtenção competia aos RR., que só a obtiveram em 13/12/2019, conforme doc. 1 da réplica, cujo teor aqui se dá aqui como integralmente reproduzido e só a partir dessa data a A. poderia construir esse muro e o lateral que rematava com o mesmo.
21. Foram introduzidas alterações ao nível da parte frontal da habitação e telhados, com alteração do projeto, que implicou a demolição do já construído.
22. As terras sobrantes foram depositadas em terrenos dos RR. por ordem e indicação do R..
23. Os armários em chapa e divisão de depósito não estavam incluídos no contrato.
24. Os RR. deram a obra por concluída junto da Câmara Municipal do ..., utilizaram as vivendas, sendo uma delas habitada pela sua filha e seu agregado familiar e tendo vendido a outra habitação, como consta do doc. junto a 09/11/2021, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
25. Dos trabalhos realizados pela A. é necessário corrigir as humidades na casa do gás da fração A e proceder à correção do muro divisório entre as moradias da fachada principal, na parte que está deslocado do muro da rua.
2.2. FACTOS NÃO PROVADOS NA 1ª E 2ª INSTÂNCIA
A. O engenheiro CC tinha na sua posse o contrato e os valores acordados entre as partes.
B. Os muros contratados são os que constam da planta de implantação junta como doc. 1 da contestação e doc. junto em acta de 15/11/2023.
C. Previamente à outorga do contrato, a R. fez a entrega à A. de todos os documentos relativos à obra, designadamente, cópia integral do projeto aprovado e especialidades para execução dessa obra.
D. A R. não procedeu ao pagamento da fatura...34, porque a A. não concluiu os trabalhos, nem corrigiu os defeitos na sapata, em parte demasiado alta, bem como no muro de vedação em betão a vista de dupla face, que teria de ser rebocado.
E. O muro a confrontar com a EN foi objeto de um outro contrato de empreitada e não existiram alterações ao nível da frente e telhados da habitação.
F. Os RR. não autorizaram verbalmente os trabalhos a mais que, de qualquer forma, estão contidos no orçamento.
G. Ainda hoje a autora não findou os trabalhos de execução da empreitada, designadamente (a) as terras sobrantes não foram a vazadouro, pois estão depositadas em terrenos contíguos à obra donde devem ser retiradas, e (b) a colocação de armários em chapa (exterior) e a divisão do depósito das garrafas com o balão, que eram atos de execução de empreitada que competiam à autora dentro do ponto 14.1 do orçamento, não estão executados.
H. Existem trabalhos mal executados que importam: a retificação das pinturas exteriores das moradias, ao nível do 1º andar, e as interiores ao nível do r/c e 1º andar, por se mostrarem danificadas; a execução de um muro lateral às sapatas para corrigir o desnível relativamente à zona de pavimentação; a demolição, nas partes salientes, das sapatas das moradias na zona dos logradouros, com reboco das paredes afetadas pela intervenção; a execução dos remates de todos os cerâmicos aplicados nas moradias; a correção das fissuras existentes nos muros traseiros/posteriores das moradias, o que a autora não fez até hoje e impedem a conclusão da obra.
I. Os réus sempre destinaram as frações deste imóvel, cuja edificação contrataram à autora, ao mercado de arrendamento, com vista a angariarem rendimentos que melhorem a sua qualidade de vida na velhice.
J. A fim de obviar à vandalização da obra abandonada e inacabada pela autora, a ré viu-se na necessidade de pedir à sua filha que estabelecesse temporariamente residência dela e do agregado familiar dela numa das frações do imóvel, para o que ela teve de abandonar a sua residência habitual, com os inerentes prejuízos a reclamar em ação própria.
K. Por força da atuação da A., os réus ficaram impossibilitados de dar de arrendamento a terceiro as duas habitações do imóvel, e com isso auferir da contrapartida da cedência desse uso, gozo e fruição, o que acontece desde 22-2-2018 e até hoje.
L. As frações não estão concluídas nesta data e não têm licença de utilização.
M. À data de 22-2-2018 e ainda hoje, cada uma das duas frações do imóvel em apreço tem um valor locativo mensal de, pelo menos, €800,00.
N. Os trabalhos/materiais referidos nos documentos juntos a 21/08/2023 e 29/01/2024, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, eram da responsabilidade da A. e estavam incluídos no orçamento/contrato.
2.3. O DIREITO
Importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso19 (não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto).
1.) SABER SE A MATÉRIA DE FACTO DEVE SER ALTERADA POR VIOLAÇÃO DE LEI REGULADORA DE DIREITO PROBATÓRIO MATERIAL.
Os recorrentes alegaram que “O Tribunal da Relação não levou a cabo uma apreciação crítica dos meios de prova indicados pelos recorrentes, e, como tal, não formou uma convicção própria e autónoma relativamente à matéria de facto”.
Mais alegaram que “Houve omissão pelo Tribunal da Relação de uma apreciação crítica dos meios de prova por si indicados, e, como tal, impediu uma concreta formação de convicção própria e autónoma relativamente à matéria de facto”.
Assim, concluíram que “O douto aresto incorre na ofensa de disposições expressas da lei que fixam a força probatória dos indicados meios de prova, concretamente daquelas – artigos 356º e 358º, 373º a 375º, nºs 1 e 2 do artigo 376º do Código Civil e nº4 do artigo 607º do C.P.C. - relativas à força probatória do acordo das partes, dos documentos particulares e da confissão reduzida a escrito e espontânea feita em articulado e quanto aos factos tidos por provados sob os nºs 2º, 4º, 6º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º e 17º, e aos factos tidos por não provados das alíneas C), G) e H)”.
Vejamos a questão.
Fora dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito – art. 46º, da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26-08.
Confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária – art. 352º, do CCivil.
A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal – art. 389º, do CCivil.
A força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal – arts. 396º, do CCivil.
O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão – art. 466º/3 do CPCivil.
Ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor – art. 574º/1, do CPCivil.
Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito; a admissão de factos instrumentais pode ser afastada por prova posterior – art. 574º/2, do CPCivil.
O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova – art. 674º/3, do CPCivil.
A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.º – art. 682º/2, do CPCivil.
Pontos 6º e 14º da matéria de facto provada
Os recorrentes alegaram que “Os factos tidos por provados contradizem o que resulta do acordo das partes que celebraram o contrato de empreitada, assente também por acordo e revelado nos respetivos depoimentos prestados em julgamento”.
O tribunal de 1ª instância deu como provado que:
- A autora obrigou-se a executar os trabalhos definidos no contrato e orçamento e sempre sob as ordens, direção e fiscalização do réu marido, que acompanhava a obra e era quem definia os pormenores construtivos e decidia caso a caso os materiais a utilizar e as obras a executar (facto provado nº 6);
- Não obstante no contrato de empreitada figurar como contraente somente a ré mulher, o certo é que o mesmo foi negociado com ambos os réus, que se obrigaram pelo mesmo, sendo o réu marido quem negociava, contratava e pagava, tendo as obras decorrido num bem do casal, que ficou valorizado em consequência das mesmas (facto provado nº 14).
Para tal, fundamentou a sua decisão de facto, v.g., “no depoimento de parte da ré, AA, que acabou por confirmar que era o marido que tratava de tudo e que os papéis constam em nome dela, porque o terreno estava em nome dela e, no depoimento da testemunha DD, condutor manobrador, depôs de forma credível e isenta; da testemunha CC”.
Pontos 2º, 4º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 15º, 17º da matéria de facto provada
Os recorrentes alegaram que “o pedido de modificação assenta no acordo das partes que resulta dos depoimentos de parte em que a ré AA teve efetiva intervenção unicamente no contrato de empreitada, apesar de não ter qualquer intervenção nas negociações prévias a esse contrato e em tudo quanto ocorreu durante a execução da obra pela autora”.
O tribunal de 1ª instância, quanto a estes factos, fundamentou a sua decisão de facto, v.g., “No orçamento junto como documentos 7 da PI e 3 da contestação que, como explicado em audiência de julgamento, não só pelo legal representante da A., como pela testemunha CC, foi elaborado a mando do R., que o entregou à A., que só colocou os valores; Nas imagens juntas como docs. 1 a 6 da PI, sendo certo que as mesmas dizem respeito a uma altura da obra posterior à inicial, como referido pela testemunha CC, já com as alterações introduzidas na obra; Contrato de empreitada celebrado entre as partes; Fatura junta como doc. 9 da PI, relativamente a parte da obra realizada no âmbito do contrato e que os RR. Não pagaram; A carta e fatura juntas como documentos 10 e 11 da PI, relativamente aos trabalhos extra peticionados verbalmente pelos RR. E que não pagaram; Documentos 8 e 11 a 16, relativamente à correspondência trocada entre as partes, numa fase de discordância, afastando sempre a A. quer os defeitos invocados, quer a alegada resolução contratual dos RR. Sem motivação efetiva; Relatório pericial junto aos autos a fls. 144 e ss. e os esclarecimentos de fls. 163 e ss; Depoimento da testemunha EE, funcionária de escritório da autora, que depôs com credibilidade e conhecimento direto dos factos; da testemunha FF que depôs de forma credível, confirmando os trabalhos que realizou na obra dos réus e, da testemunha GG”.
Ponto 8º da matéria de facto provada
Os recorrentes alegaram que “fundam o pedido de alteração no que as partes estão de acordo em resultado até da perícia”.
O tribunal de 1ª instância deu como provado que:
- A autora executou todas as obras a que estava obrigada pelo contrato e orçamento anexo, tendo concluído e entregue a mesma no início de maio de 2020 (facto provado nº 8).
O tribunal de 1ª instância fundamentou a sua decisão de facto, v.g., “Nas faturas de carpintaria e serralharia, juntas pelos réus a 17/09/2023, comprovam também a versão da autora, de que essas especialidades se atrasaram e que sem elas não era possível concluir a obra, pois só depois disso é possível fazer certos serviços, nomeadamente as pinturas finais interiores; no depoimento da testemunha CC, engenheiro civil, que teve um depoimento coerente, isento (sendo amigo de ambas as partes, o que não foi contrariado em audiência de julgamento) e conhecedor da matéria”.
Pontos C); G) e H), da matéria de facto não provada
Os recorrentes alegaram que “fundam o pedido de alteração no ponto 5. e clausula terceira do contrato de empreitada que está aceite pelas partes”.
O tribunal de 1ª instância fundamentou a sua decisão de facto, v.g., “No que diz respeito aos factos B) e C), ninguém confirmou tal matéria com credibilidade, resultando provada matéria oposta; Quanto à alínea G) e aos alegados trabalhos não realizados, também nenhuma prova se produziu nesse sentido, tendo resultado provada matéria diversa; Quanto aos alegados defeitos da alínea H), os mesmos não foram comprovados nem pela prova testemunhal, nem pela prova documental ou pericial junta aos autos”.
O Supremo Tribunal de Justiça não pode modificar a decisão da matéria de facto, com exceção dos casos em que exista ofensa de lei expressa que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (art. 674º/3)20,21, 22,23,24.
O Supremo só pode censurar o assentamento factual operado pelas instâncias quando esteja em causa a violação de regras de direito probatório material, ou seja, das normas que regulam o ónus da prova (estabelecendo as respetivas regras distributivas), bem como a admissibilidade e a força probatória dos diversos meios de prova. Isto é: apenas poderá imiscuir-se (sindicar) a matéria de facto dada como assente pelas instâncias se vier invocada pelas partes ou se se verificar (ex-ofício) a existência ou a necessidade de recurso a meios com força probatória plena25,26,27,28,29,30,31.
Decorre da lei que o Supremo Tribunal de Justiça apenas pode sindicar o conhecimento da matéria de facto fixada pela 2.ª instância quando esta considerar como provado um facto sem produção da prova por força da lei indispensável para demonstrar a sua existência ou se tiver desrespeitado as normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos no ordenamento jurídico32.
Não pode, assim, em princípio, e por ex., o Supremo censurar a convicção formada pelas instâncias sobre a matéria de facto submetida ao princípio geral da prova livre a que se reporta o art. 607º33,34,35,36,37,38,39,40.
Temos, pois, que sindicar o modo como o Tribunal da Relação fixou os factos materiais só pode ocorrer no âmbito do recurso de revista se aquele Tribunal deu por provado um facto sem produção do tipo de prova que a lei exige como indispensável para demonstrar a sua existência, ou, se tiver incumprido os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova.
Concluindo, como decorre da leitura conjugada do disposto nos arts. 674.º/3 e 682.º/2, ambos do CPCivil, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
Ao tribunal de revista compete assegurar a legalidade processual do método apreciativo efetuado pela Relação, mas não sindicar o eventual erro desse julgamento nos domínios da apreciação e valoração da prova livre nem da prudente convicção do julgador.
Ora, por um lado, o depoimento testemunhal está sujeito à livre apreciação do julgador (art. 396º, do CCivil), que o valorará tendo em conta todos os factos que abonam ou, pelo contrário, abalam a credibilidade da testemunha, quer por afetarem a razão de ciência invocada pela testemunha, quer por diminuírem a fé que ela possa merecer (art. 521º, do CPCivil), e no confronto com todas as outras provas produzidas (art. 607º-5, 1ª parte; cf., em especial, art. 523º)41.
Por outro, regra basilar no campo da defesa é o ónus de impugnação que impende sobre o réu, querendo isso significar que este há de “tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor” 42.
Porém, a norma do art. 574º/2, do CPCivil, não exige qualquer espécie de prova para a existência de um determinado facto, nem tão-pouco a regulação da força de qualquer meio de prova, pois a mesma respeita apenas à admissão por acordo de factos que não forem impugnados, nem que estejam em oposição com a defesa considerada no seu conjunto.
Por sua vez, o valor probatório da prova por declarações de parte, tal como o de qualquer outro meio de prova livre, encontra-se sujeito à livre apreciação do tribunal, isto é, à prudente convicção formada pelo juiz (arts. 466º/3 e, 607º/5)43.
Também a força probatória das respostas dadas pelo perito, é fixada livremente pelo tribunal a quo e, apreciada em conjunto com as demais provas segundo a livre convicção do julgador (arts. 389º, do CCivil e, 489º, do CPCivil )44,45.
A exibição dum documento particular encerra (implicitamente) a afirmação, pelo apresentante, de que o documento provém do respetivo subscritor; mas essa afirmação pode ser posta em crise pela parte contrária, seja por negação dessa autoria ou subscrição, seja pela alegação de desconhecimento sobre se a assinatura é da pessoa a quem a autoria do documento é imputada (arts. 374º/1, do CC e 444º/CPC)46 (os recorrentes invocam a violação deste meio de prova quanto aos factos provados 11º, 12º e 13º e não provado da alínea C), mas sem concretizarem em que se traduziu tal violação).
A confissão consiste numa declaração de ciência, traduzida no reconhecimento da realidade de um facto, intrinsecamente distinta das declarações constitutivas, dispositivas ou negociais, que incorporam um ato de vontade47 (os recorrentes invocam a violação deste meio de prova, quanto ao facto provado 2º, mas sem concretizarem em que se traduziu tal violação).
No caso sub judice, a Relação não fixou os factos materiais dando-os por provados sem produção do tipo de prova que a lei exige como indispensável para demonstrar a sua existência, assim como não incumpriu os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova (nem os recorrentes concretizam as violações de regras de direito probatório material).
Temos, pois, que a Relação não ofendeu qualquer norma que exija certa espécie de prova de qualquer facto relevante, nem desconsiderou a força probatória de qualquer documento e, não se vê que tenha feito mau uso dos seus poderes de reapreciação da matéria de facto (nem tal é concretamente indicado pelos recorrentes, mas de uma forma genérica).
O que os recorrentes pretendem é que o Supremo interfira no juízo da Relação sustentado na reapreciação de meios de prova sujeitos ao princípio da livre apreciação, como são os depoimentos testemunhais e documentos sem força probatória plena (os documentos particulares não têm força probatória plena).
A Relação, no acórdão recorrido, não extravasou dos seus poderes no que à apreciação a matéria de facto respeita (art. 662º do CPC), atuando no âmbito do objeto do recurso de apelação, procedendo à reapreciação de meios de prova sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova e, portanto, à livre convicção do julgador.
Acresce ainda dizer que a Relação fundamentou adequada e exaustivamente a matéria de facto, referindo, de forma crítica, a prova em que se alicerçou48.
O tribunal deve enunciar os meios probatórios que hajam sido determinantes para a emissão do juízo decisório, bem como pronunciar-se: - relativamente aos factos provados, sobre a relevância deste ou daquele depoimento (de parte ou testemunhal), designadamente quanto ao seu grau de isenção, credibilidade, coerência e objetividade49.
O tribunal deve concretizar o meio de prova cuja produção gerou a sua convicção (v.g., o depoimento das testemunhas X e Y; o relatório dos peritos, o conteúdo de determinado documento). Isto sem prejuízo de a motivação poder ser conjunta: o tribunal pode, na verdade, motivar em conjunto as respostas dadas a mais do que um facto da base instrutória, sempre que esses factos se apresentem ligados e sobre eles tenham sido admitidos e produzidos essencialmente os mesmos meios de prova50.
Esta obrigatoriedade da menção das razões justificativas da convicção do julgador num certo meio de prova significa mencionar as razões ou os motivos por que relevaram ou mereceram credibilidade certos meios de prova (v.g., certas testemunhas, o exame ao local) no espírito do julgador, em detrimento de outro ou outros51.
É, pois, necessário que, dessa fundamentação, se alcance, a razão de ser das respostas dadas.
Ora, na motivação da decisão de facto, a Relação concretizou os meios de prova em que fundamentou os pontos de facto impugnados, analisando “criticamente as provas” e, especificando os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.
Assim, a fundamentação tem um grau de concretização suficiente para que os destinatários possam conhecer na íntegra o processo lógico da decisão do julgador, bem como os elementos probatórios a que ele se ateve para concretização de cada ponto de facto, não faltando, também, a enunciação das razões pelas quais determinou a conclusão de terem sido demonstrados.
Verifica-se, pois, que a Relação fundamentou devidamente as respostas à matéria de facto, referindo, de forma crítica, a prova em que se alicerçou, sendo esta análise e conclusão o resultado encontrado segundo o princípio da livre convicção e apreciação da prova, que aqui não cabe censurar.
Concluindo, mostrando-se devidamente fundamentada a decisão quanto à matéria de facto e, não havendo violação de lei expressa que fixe a força probatória de determinado meio de prova, a matéria de facto dada por assente pela 2ª instância, não pode ser sindicada por este Supremo Tribunal.
Destarte, improcedendo as conclusões do recurso de revista, há que confirmar o acórdão recorrido.
3. DISPOSITIVO
3.1. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (1ª) do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente a revista e, consequentemente, em confirmar-se o acórdão recorrido.
3.2. REGIME DE CUSTAS
Custas52 pelos recorrentes/ (na vertente de custas de parte, por outras não haver53), porquanto a elas deram causa por terem ficado vencidos54.
(Nelson Borges Carneiro) – Relator
(Anabela Luna de Carvalho) – 1º adjunto
(Manuel Aguiar Pereira) – 2º adjunto
_____________________________________________
1. As decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos – art. 627º/1, do CPCivil.↩︎
2. Recursos, «em sentido técnico-jurídico, são os meios específicos de impugnação das decisões judiciais, através dos quais se obtém o reexame da matéria apreciada pela decisão recorrida» – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 463.↩︎
3. No nosso sistema processual (no que à apelação e à revista) predomina o «esquema do recurso de reponderação»: o objeto do recurso é a decisão impugnada, encontrando-se à partida, vedada a produção defeitos jurídicos ex-novo. Através do recurso, o que se visa é a impugnação de uma decisão já ex-ante proferida que não o julgamento de uma qualquer questão nova. Uma relevante exceção ao modelo de reponderação é a que se traduz nas questões de conhecimento oficioso: o tribunal superior pode sempre apreciar qualquer dessas questões ainda que não suscitadas perante o tribunal a quo – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 468.↩︎
4. Os recursos são ordinários ou extraordinários, sendo ordinários os recursos de apelação e de revista e extraordinários o recurso para uniformização de jurisprudência e a revisão – art. 627º/2, do CPCivil.↩︎
5. A lei estabelece uma divisão entre recursos ordinários e recursos extraordinários a partir de um critério formal ligado ao trânsito em julgado da decisão. Enquanto os recursos ordinários pressupõem que ainda não ocorreu o trânsito em julgado, devolvendo-se ao tribunal de recurso a possibilidade de anular, revogar ou modificar a decisão, os recursos extraordinários são interpostos depois daquele trânsito – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 777.↩︎
6. Aquele que interpõe o recurso – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 477.↩︎
7. Aquele contra quem se interpõe o recurso – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 477.↩︎
8. O juiz que lavrar o acórdão deve sumariá-lo – art. 663º/7, do CPCivil.↩︎
9. O sumário não faz parte da decisão, consistindo tão só numa síntese daquilo que fundamentalmente foi apreciado com mero valor de divulgação jurisprudencial. Por tais motivos, o sumário deve ser destacado do próprio acórdão, sendo da exclusiva responsabilidade do relator – ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, p. 301.↩︎
10. O acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º – art. 663º/2, do CPCivil.↩︎
11. Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões (art. 639º/1) – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503.↩︎
12. As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 639º/3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 795.↩︎
13. O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art. 639º/1/2 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil.↩︎
14. Depois de formular conclusões, o recorrente termina deduzindo um pedido de revogação, total ou parcial, de uma decisão judicial – RUI PINTO, Manual do Recurso Civil, Volume I, AAFDL Editora, Lisboa, 2020, p. 293.↩︎
15. Na sessão anterior ao julgamento do recurso, o processo, acompanhado com o projeto de acórdão, vai com vista simultânea, por meios eletrónicos, aos dois juízes-adjuntos, pelo prazo de cinco dias, ou, quando tal não for tecnicamente possível, o relator ordena a extração de cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes para a apreciação do objeto da apelação – art. 657º/2 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil.↩︎
16. Todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas, não podendo de elas conhecer o tribunal de recurso.↩︎
17. Vem sendo entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.↩︎
18. O Tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas (isto é, questões que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” – ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, 7ª edição, p. 139.↩︎
19. Relativamente a questões de conhecimento oficioso e que, por isso mesmo, não foram suscitadas anteriormente, deve ser assegurado o contraditório, nos termos do art. 3º/3, do CPCivil.↩︎
20. ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 849.↩︎
21. O Supremo Tribunal de Justiça é um tribunal de revista que, salvo nos casos excecionais contemplados no nº 3 do artigo 674º do CPC, aplica definitivamente o regime jurídico aos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido, consistindo as exceções referidas “na ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova”, como dispõe o nº 3 do artigo 674º do C.P.C. (prova vinculada) – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-09-27, Relator: RAMALHO PINTO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
22. Os poderes do STJ, em sede de apreciação/alteração da matéria de facto, são muito restritos. Em regra, ao Supremo Tribunal de Justiça apenas está cometida a reapreciação de questões de direito (art. 682º, nº 1, do NCPC), assim se distinguindo das instâncias encarregadas também da delimitação da matéria de facto e modificabilidade da decisão sobre tal matéria. Esta restrição, contudo, não é absoluta, como decorre da remissão que o nº 2 do art. 682º faz para o art. 674º, nº 3, do NCPC, norma que atribui ao Supremo a competência para sindicar o desrespeito de lei no que concerne à violação de norma expressa que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2016-09-15, Relator: ANTÓNIO LEONES DANTAS, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
23. O STJ, e salvo situações de exceção legalmente previstas, só conhece matéria de direito, sendo que, no âmbito do recurso de revista, o modo como a Relação fixou os factos materiais só é sindicável se foi aceite um facto sem produção do tipo de prova para tal legalmente imposto ou tiverem sido incumpridos os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2007-07-12, Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS, http:// www.dgsi.pt/jstj.↩︎
24. Os poderes do STJ em sede de apreciação/alteração da matéria de facto são muito restritos, cingindo-se às hipóteses contidas nos arts. 722.º, n.º 2, e 729.,º, n.ºs 2 e 3, do CPC, das quais fica excluído o erro na análise das provas livremente apreciáveis pelo julgador – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-10-24, Relator: JOÃO TRINDADE, http:// www.dgsi.pt/jstj.↩︎
25. FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 594.↩︎
26. O STJ só pode conhecer da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto se estiver em causa ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência de um facto, ou que fixe a força de determinado meio de prova (art.s 729.º, n.º 2 e 3 e 722.º, n.º 2, do CPC) – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2007-12-05, Relator: MÁRIO PEREIRA, http://www.dgsi. pt/jstj.↩︎
27. A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no tocante à decisão sobre a matéria de facto é residual, sendo apenas admissível no recurso de revista apreciar a (des)conformidade com o Direito probatório material, nos termos do artigo 674.º, n.º 3, do CPC, e o modo de exercício, pelo Tribunal recorrido, dos poderes-deveres que lhe são atribuídos pelo artigo 662.º do CPC – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-09-14, Relatora: CATARINA SERRA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
28. Face ao disposto no art. 674.º, n.º 3, do CPC, a intervenção do STJ, no que concerne ao controlo da decisão da matéria de facto, circunscreve-se a aspetos em que se tenha verificado a violação de normas de direito probatório material (por, nessa hipótese, estarem em causa verdadeiros erros de direito), já não abrangendo, porém, questões inerentes à decisão da matéria de facto quando esta foi precedida da formulação de um juízo assente na livre apreciação da prova formulado pelas instâncias – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-02-24, Relatora: MARIA DA GRAÇA TRIGO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
29. No domínio do erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais, segundo o n.º 3 do artigo 674.º do CPC, a revista só pode ter por fundamento “a ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe força de determinado meio de prova – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-12-20, Relator: TOMÉ GOMES, http://www.dgsi. pt/jstj.↩︎
30. Sempre que essa reapreciação é feita e se move no domínio da livre apreciação da prova, na qual a lei não prescreve juízos de prioridade de certos meios de prova sobre outros, sem se vislumbrar que se tenha desrespeitado a força plena de qualquer meio de prova, imposta por regra vinculativa extraída de regime do direito probatório, e cumprindo o dever de fundamentação especificada e motivação crítica que os nºs 4 e 5 do art. 607º do CPC e os princípios reitores do art. 662º, 1, do CPC impõem, essa atuação é insindicável em sede de revista, nos termos conjugados dos arts. 662º, 4, e 674º, 3, 1.ª parte, do CPC – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-11-02, Relator: RICARDO COSTA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
31. A matéria de facto é, em princípio, da exclusiva competência das Instâncias, porém, face ao disposto no art. 674.º/3/2.ª parte do CPC, o STJ não está totalmente tolhido no que diz respeito ao controlo da decisão da matéria de facto, ainda que aqui a sua intervenção se circunscreva a aspetos em que se haja verificado a violação de normas de direito probatório; ou em relação a factualidade plenamente provada (por documento ou confissão) que assim não foi considerada pelas Instâncias ou a factualidade que o confronto dos articulados revele a existência de acordo das partes – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-11-02, Relator: ANTÓNIO BARATEIRO MARTINS, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
32. A força atribuída pelo art. 376.º, n.º 1 do CC às declarações documentadas limita-se à sua materialidade e não à sua exatidão – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-10-24, Relator: JOÃO TRINDADE, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
33. FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, pp. 594/95.↩︎
34. O Supremo Tribunal de Justiça só pode censurar as respostas dadas à matéria de facto pelas instâncias quando esteja em causa a violação de regras legais sobre direito probatório material. Daí que não possa censurar a convicção a que as instâncias chegaram sobre a matéria de facto submetida ao princípio geral da prova livre, a que alude o n.º 1, do art. 655.º do CPC – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2007-07-12, Relator: MÁRIO PEREIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
35. A fixação dos factos baseados em meios de prova livremente apreciados pelo julgador está fora do âmbito do recurso de revista – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2006-11-29, Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
36. Sempre que essa reapreciação foi feita sem omissão ou lacuna e se move no domínio da livre apreciação da prova, sem se vislumbrar que se tenha desrespeitado a força plena de qualquer meio de prova, imposta por regra vinculativa extraída de regime do direito probatório, e ainda que a dispensa de realização de novas diligências probatórias se encontra justificada e coerente, essa atuação regida pelo art. 662º, 1 e 2, do CPC é insindicável em sede de revista, nos termos conjugados dos arts. 662º, 4, e 674º, 3, 1.ª parte, do CPC – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-10-17, Relator: RICARDO COSTA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
37. Está fora das atribuições do STJ, enquanto Tribunal de revista, sindicar o modo como a Relação reapreciou os meios de prova sujeitos a livre apreciação, fora dos limites do art.º 674.º, n.º 3, do CPC – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-09-27, Relator: RAMALHO PINTO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
38. Como decorre do n.º 3 do artigo 674.º o objeto do recurso de revista não abrange o alegado erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais na causa quando está em jogo prova sujeita à livre apreciação do Tribunal da Relação – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-09-27, Relator: JÚLIO GOMES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
39. O STJ, na qualidade de tribunal de revista, só conhece de matéria de direito, não lhe sendo lícito interferir no juízo decisório empreendido pela Relação com base na reapreciação dos meios de prova sujeitos ao princípio da livre apreciação – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-09-14, Relator: RIJO FERREIRA, http://www.dgsi.pt/ jstj.↩︎
40. A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça na decisão da matéria de facto está limitada às situações ínsitas nos arts. 674º, nº 3 e 682º, nº 3, do CPC, donde se exclui a possibilidade de interferir no juízo firmado pela Relação com base na reapreciação de meios de prova sujeitos ao princípio da livre apreciação, como são os depoimentos testemunhais e documentos sem força probatória plena ou o uso de presunções judiciais – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-11-30, Relator: FERNANDO BAPTISTA, http://www.dgsi.pt/ jstj.↩︎
41. LEBRE DE FREITAS, A Acão Declarativa Comum, Á Luz do código de Processo Civil de 2013, 4ª edição, p. 330.↩︎
42. ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 672.↩︎
43. FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 353.↩︎
44. A prova pericial é sempre livremente apreciada pelo tribunal, juntamente com as restantes provas que forem produzidas sobre os factos que dela são objeto – LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum, À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 4ª ed., p. 344.↩︎
45. O laudo dos peritos não pode ser reapreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça, por se tratar de matéria de facto, excluída, pelo art. 729º/2 do CPCivil, dos poderes de decisão deste Tribunal – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2004-01-15, Relator: BETTENCOURT DE FARIA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
46. FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 275.↩︎
47. ANTUNES VARELA, Manual de Processo Civil, pp. 518/519.↩︎
48. “Tendo presentes estes elementos probatórios e demais motivação, ouvida que foi a gravação dos depoimentos prestados em audiência, vejamos então se, na parte colocada em crise, a referida análise crítica corresponde à realidade dos factos ou se a matéria em questão merece, e em que medida, a alteração pretendida pelos Réus/reconvintes apelantes. Insurgem-se os Recorrentes contra tal decisão por entenderem que o Tribunal a quo valorou erradamente a prova oferecida nos segmentos fácticos em causa. Entendemos, porém, que a Senhora Juiz a quo fundamentou a sua decisão de forma rigorosa, bem sistematizada, não contornando as questões que se colocavam, invocando sempre com ponderação as regras da experiência comum e o juízo lógico-dedutivo, sendo de salientar a forma exaustiva com que a analisa e fundamenta a sua convicção. De resto, ouvida a prova, afigura-se-nos que a sua apreciação, efectivada no contexto da imediação da prova, surge-nos como claramente sufragável, com iniludível assento na prova produzida e em que declaradamente se alicerçou, nada justificando, por isso, a respectiva alteração, excepto relativamente a um pequeno lapso que merece rectificação. Com efeito, a actividade dos Juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter, necessariamente, um sentido crítico. Para se considerarem provados factos não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o Juiz necessariamente aceite esse sentido ou essa versão. Os Juízes têm necessariamente de fazer uma análise crítica e integrada dos depoimentos com os documentos e outros meios de prova que lhes sejam oferecidos. Conforme atrás referimos, no caso ajuizado, a Apelante pretende que a matéria de facto seja alterada nos pontos atrás referidos, que vamos iniciar por analisar nos seus grupos essenciais. Assim, pretendem os Apelantes a alteração da redacção dos pontos 6 e 14 dos factos provados conforme atrás referido. A este respeito, impõe-se referir que não se encontra em sintonia, com as regras da lógica e da experiência comum, a argumentação dos Recorrentes na parte em que procuram fazer crer que os Réus, um casal unido pelo matrimónio e em plena comunhão de vida, vivem como estranhos entre si e obrigam-se de forma perfeitamente autónoma. Além disso, tratando-se da construção de duas moradias bifamiliares, em terreno que era da Ré, com o destino que alegavam pretender conferir-lhes, afigura-se-nos mais estranho que, no referido contexto, a Ré se mantivesse completamente alheia ao evoluir dos trabalhos. Ademais, os Apelantes fundam o pedido de alteração da matéria de facto, em trechos isolados dos depoimentos da Recorrente AA e do legal representante da Recorrida HH, que transcrevem, sendo certo que a formação da convicção não pode resultar de partículas probatórias, mas tem necessariamente de provir da análise global do conjunto de toda a prova produzida e do teor integral de cada depoimento. Como atrás referimos, a análise da prova impõe uma análise crítica de todos os elementos probatórios produzidos nos autos e a sua apreciação e valorização de forma conjugada, relacionando-os reversivamente (testando a compatibilidade entre uns e outros), à luz das regras da normalidade, da experiência da vida e dos ensinamentos da ciência. Ora, da audição integral das declarações da Recorrente AA, conclui-se que a convicção do Tribunal se mostra adequada e correcta, devendo manter-se a resposta dada aos referidos pontos da matéria de facto. Sucede, ainda, que, na sequência do anteriormente exposto, também a pretensa alteração do ponto 17 dos factos provados carece de razão, impondo-se, apenas, rectificar o referido ponto no que tange aos documentos aí mencionados, que são os documentos “8 e 11 a 13”, e não “11 a 16” como, por lapso, se refere. Além disso, da análise global da prova conclui-se que a troca de correspondência se verificou com os Apelantes. Ou seja, as cartas eram assinadas pela Recorrente/mulher, a resposta era endereçada e recebida pela Apelante/mulher e era o Recorrente/marido quem promovia a resposta. Assim, não vislumbramos, a esta luz, igualmente fundamento para eliminar a referência à Ré AA nos pontos 4, 9, 10 e 15 dos factos dados como provados. Aliás, idêntica aquilatação se impõe quanto ao ponto 2 dos factos dados como provados. Com efeito, em nenhum momento a Apelada confessou ou admitiu que os fotogramas juntos sob os n.ºs 1 a 6 e 8 correspondam à versão para a qual apresentou orçamento, antes afirma que o orçamento era para proceder à construção da habitação bifamiliar, cujo projecto foi objecto de alterações no decurso da obra. De resto, a resposta dada ao referido ponto da matéria de facto encontra-se em sintonia com o livro de obra junto pela Câmara Municipal em 18-10-2023, com o processo de obras anexo aos autos, do qual resulta que o aditamento ao processo de obras data de 02-02-2018, bem como com o depoimento prestado pela testemunha CC. Ademais, também não acompanhamos os Apelantes na sua discordância relativamente à factualidade dada como provada nos pontos 11, 12 e 13, cuja eliminação pretendem. Com efeito, resulta de forma patente dos autos que a Apelada orçamentou a obra no dia 21 de abril de 2017 e firmou o contrato com os Recorrentes em 02 de maio de 2017. De resto, o projecto existente e aprovado pela Câmara Municipal de ... foi profundamente alterado e o aditamento ao projecto data de 02-02-2018, tendo sido aprovado em 24-05-2018. Assim, resulta para nós claro que existiram alterações ao projecto, promovidas pelos Apelantes e que implicavam necessariamente trabalhos não orçamentados. De resto, o livro de obras junto aos autos em 18-10-2023, preenchido e assinado também pela recorrente mulher, leva-nos também a extrair idêntica conclusão.
Com efeito, do mesmo constam os seguintes extractos, que pela sua especial acutilância aqui se dão por reproduzidos: “20.06.2017 - Na presente data encontram-se a decorrer os trabalhos de execução das alvenarias exteriores da habitação. A obra apresenta qualidade satisfatória. Em reunião de obra com todas as partes envolvidas no processo foram definidas algumas alterações sendo que irá haver lugar a um aditamento ao projeto, e por essa razão as alvenarias e trabalhos a seguir identificados vão ser executados tendo em conta essas alterações aprovadas pelo dono da obra e pelos técnicos responsáveis autores dos projetos. 08.01.2018 - À data houve reunião da obra para planeamento dos trabalhos em falta. Como estamos perto da data de termino do alvará de obras, o dono da obra decidiu avançar com o aditamento das obras junto da Câmara Municipal, pelo que a obra irá ficar parada aguardando pela nova licença de obra. 24.07.2018 - Reunião em obra com todos os intervenientes. Dono de obra, fiscalização e empreiteiro. Após diferimento do projeto de aditamento junto da Câmara Municipal e emissão do alvará de obras de construção - Aditamento n.º ...2018, os trabalhos irão retomar no início do próximo mês de agosto de 2018.” Ou seja, a alegação dos Apelantes é, assim, contrariada pelos documentos juntos aos autos, sendo certo que o orçamento é prévio à alteração dos projectos num período temporal que excede os 6 meses. Além disso, também perece razão aos Apelantes na pretensa alteração da redacção da alínea C) dos factos não provados. Na realidade, não poderiam os Apelantes, previamente à outorga do contrato de empreitada (02-05-2017), ter entregado a cópia integral do projecto aprovado e especialidades para execução da obra, uma vez que os projectos de arquitectura e especialidades só foram elaborados a partir de 08-01-2018 e apenas foram submetidos a licenciamento em 02-02-2018. É certo que os Recorrentes sustentam, ainda, que a Recorrida não concluiu as obras, mas consta do livro de obras, assinado pela Apelante, que em 12.07.2019 a obra foi concluída. Com efeito, na referida data foi lavrado termo de encerramento - assinado pela Recorrente - em que consta que “À data, a habitação encontra-se concluída, estando executada de acordo com os projectos aprovados com as condições impostas pelo licenciamento e com o uso previsto na licença de construção”. Acresce que, consta do licenciamento municipal anexo ao processo, que os Apelantes solicitaram a emissão de licença de habitabilidade, considerando a obra concluída, sendo, ainda, certo que os Recorrentes alienaram uma das habitações. De resto, quanto à questão dos atrasos e à responsabilidade da recorrida pelos mesmos, os recorrentes alegam que a obra deveria estar concluída em 22-02-2018. Resulta, porém, dos documentos que a este respeito instruíram os autos, que, apenas no mês de janeiro de 2018 os Recorrentes decidiram apresentar um aditamento ao processo de licenciamento, o que sucedeu em 02-02-2018, tendo o mesmo sido deferido em 17-07-2018. De resto, mediante análise comparativa do projecto inicial e do aditamento apresentado conclui-se que os mesmos são distintos, sendo que o aditamento só foi aprovado em 24.05.2018 e o alvará emitido em 17.07.2018. Assim, impõe-se concluir que os Apelantes pretendiam que a Recorrida concluísse uma obra ainda antes da mesma estar idealizada, projectada e licenciada, o que não se mostra realista e em sintonia com a prova documental. De resto, à luz da referida prova e do atrás referido, também não se vislumbra qualquer fundamento probatório que justifique a alteração/rectificação das respostas dadas aos pontos 8º e 24º dos factos provados. Além disso, também não nos merece credibilidade o depoimento da testemunha II quanto à factualidade vertida nas alíneas I) e M), pelo que na ausência de prova se deve quedar por não provada. De resto, não só a filha dos Apelantes e respectivo agregado familiar foram morar para uma das habitações porque assim quiseram, como nunca estiveram os Recorrentes impedidos do que quer que fosse em relação às moradias, tendo mesmo vendido a um terceiro a outra moradia. Por fim, relativamente aos pontos impugnados da factualidade provada e não provada, designadamente G) e H), a que, ainda, não havíamos feito referência expressa, não podemos deixar de reproduzir o seguinte extracto da convicção do Tribunal relativamente à prova pericial e aos esclarecimentos do Sr. Perito, que acompanhamos na íntegra e que pela sua especial acutilância aqui se dá, de novo, por reproduzido: “O relatório pericial junto aos autos a fls. 144 e ss. e os esclarecimentos de fls. 163 e ss. (para prova, designadamente, de parte dos factos provados sob os n.ºs 2º a 5º, 11º, 13º, 18º a 25º e als. B), G), H), K), L), N) dos factos não provados), que foi posteriormente confirmado e explicado em audiência de julgamento pelo sr. perito, de onde é possível aferir, designadamente, os trabalhos realizados a mais, por confronto entre o que não estava previsto no orçamento e o que consta no local (o que foi bem explicitado no relatório, em esclarecimentos pelo sr. perito, pelas testemunhas trabalhadores da A., além do seu legal representante e da testemunha comum, engenheiro CC, comprovando-se integralmente o facto 11º dado como provado), com excepção de algumas partes que não conseguiu ver, mas que se admitem tecnicamente, como as sapatas e outras como argolas nas fossas (por estarem fechadas) e se houve necessidade de alguma demolição (por a ela não ter assistido), mas que foram elementos confirmados por outras testemunhas (tal como referido), além de algumas das medidas efectuadas irem além do peticionado na factura dos trabalhos extra, mas que não invalida, como é óbvio (e antes pelo contrário), a realização dos mesmos (designadamente quanto aos areados e considerando que quanto a parte do muro em betão, em frente às garagens, tal medida e trabalho extra foi mesmo aceite pelos RR. em audiência de julgamento de 26/09/2023). Explicou-se, ainda, que os trabalhos das especialidades condicionam o trabalho do empreiteiro, nomeadamente quanto à finalização da obra, como as pinturas e remates finais. Quanto às deficiências imputáveis ao empreiteiro, confirmou as infiltrações de água nas paredes do local da instalação do gás, assim como a deslocação do muro divisório do de betão da parte da frente. No mais, quanto aos remates de pintura, não foi possível aferir se eram contemporâneos do termo da obra ou ocorridos posteriormente (não só pelo que consta das fotografias em causa, mas também porque aquando da recepção da obra nada se alegou) e, da mesma forma, as microfissuras dos muros não podem ser consideradas como defeito de obra ou má execução da mesma, quer pela explicação que deu em julgamento, quer pelo que é considerado pelas legis artis, devendo-se, designadamente, ao processo natural de secagem dos produtos e que faz parte da sua posterior manutenção. Da mesma forma, não tendo sido contratada a colocação de pingadeira na parte exterior da varanda, os escorridos são algo de ocorrência habitual, quando se opta por esta técnica construtiva. E quanto ao murete/muro de granito junto do muro de vedação, não sendo da responsabilidade da A. a alteração das cotas, também não poderá ser responsável pelo seu pagamento (conforme se afere do depoimento esclarecedor e isento do engenheiro CC, que acompanhou a obra e tem boa relação quer com a., quer com os RR., quando refere que as cotas não estavam definidas). No que respeita aos remates do cerâmico, o sr. perito não detectou defeitos, que era a única matéria peticionada quanto aos mesmos (nos remates e não na parte que refere que alguns soam a oco), além de que quanto à falta de limpeza de alguns, também não foi possível aferir se isso se deveu à sua aplicação, ou às restantes artes que lá operaram (daí essa parte da matéria dada como não provada). (…) Em esclarecimentos, o sr. perito, JJ (para prova, designadamente, de parte dos factos provados sob os n.ºs 2º a 5º, 11º, 13º, 18º a 25º e als. B), G), H), K), L), N) dos factos não provados), engenheiro civil, teve um depoimento esclarecedor, com conhecimentos técnicos adequados, tendo realizado a análise do primeiro projecto e do posterior e daquilo que encontrou na obra, confirmando (parte dos trabalhos a mais, cujo preço foi explicado pelo legal representante da A. e pela testemunha sua funcionária, KK, quanto à forma como são realizados os orçamentos/facturas): as alterações ao nível do alçado frontal (depois peticionado como extra, tendo, aliás, as testemunhas funcionários da A., assim como o engenheiro CC, confirmado a parte da obra que teve de ser demolida, e a que os RR., como é óbvio, não podiam ser alheios); assim como a inexistência de referência a cotas do terreno; que no projecto não constavam os muros que se fizeram dentro do terreno (sem ser os muros delimitadores da propriedade) e as escadas, e que esse muro tem de ter fundações (embora não estejam visíveis), senão estaria com fissuras (porque quando referiu microfissuras era do reboco, o que é diferente de uma fissura); quanto à tela pitonada no tardoz dos muros de aterro diz que tem; que há muros areados das duas faces e um deles só por um lado (no que se pode ver); muros de betão em frente à garagem das casas (que é diferente do muro para a rua), que não constavam do projecto inicial (acabando depois o R., em julgamento, por aceitar a parte desse muro em betão que foi construída a mais e consta da factura ...35: 13 metros a € 60,00 a que acresce o IVA; na verdade, os trabalhos a mais que, como se verá, foram solicitados pelos RR., não estavam nem no mapa de quantidades ou orçamento, porque nem sequer havia o projecto dessa parte, como confirmado pela testemunha CC). No mais, o sr. perito confirmou o relatório pericial por si apresentado.”. Ora, como é sabido, a perícia é um meio de prova e a sua finalidade é a percepção de factos ou a sua valoração de modo a constituir prova atendível. O perito é um auxiliar do juiz, chamado a dilucidar uma determinada questão com base na sua especial aptidão técnica e científica para essa apreciação. O juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador; o julgador está amarrado ao juízo pericial, sendo que sempre que dele divergir deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação. Embora o relatório pericial esteja fundamentado em conhecimentos especiais que o juiz não possui, é este que tem o ónus de decidir sobre a realidade dos factos a que deve aplicar o direito. No caso vertente, o rigor do relatório pericial junto aos autos pelo Sr. Perito, elogiado por ambas as partes, conforme resulta da audição das alegações de recurso, leva-nos, igualmente, a concluir pela bondade da apreciação da prova realizada pela Sr.ª Juiz a quo, que, aliás, fundamentou devidamente a sua convicção nos pontos que não foram percepcionados pelo Sr. Perito. Além disso, analisou devidamente e com rigor a extensa prova documental junta aos autos e expressou devidamente a sua convicção relativamente aos factos provados e não provados, que extraiu dos diversos meios de prova produzidos, pelo que não nos merece reparo, excepto quanto ao lapso a retificar referente ao ponto 17.º. Em face do que vem de ser exposto, improcede o recurso sobre a decisão da matéria de facto, sendo rectificado o lapso que consta do ponto 17º nos termos atrás assinalados” – Acórdão do Tribunal da Relação.↩︎
49. FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 413.↩︎
50. REMÉDIO MARQUES, Acão Declarativa à Luz do Código Revisto (Pelo DL n.º 303/2007, de 24/08), p. 410.↩︎
51. REMÉDIO MARQUES, Acão Declarativa à Luz do Código Revisto (Pelo DL n.º 303/2007, de 24/08), p. 411.↩︎
52. A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito – Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 303/2010, de 2010-07-14, Relator: VÍTOR GOMES e, nº 708, de 2013-10-15, Relatora: MARIA JOÃO ANTUNES, https://www.tribunalconstitucional.↩︎
53. Como o conceito de custas stricto sensu é polissémico, porque é suscetível de envolver, nos termos do artigo 529º/1, além da taxa de justiça, que, em regra, não é objeto de condenação – os encargos e as custas de parte, importa que o juiz, ou o coletivo de juízes, nos segmentos condenatórios das partes no pagamento de custas, expressem as vertentes a que a condenação se reporta – SALVADOR DA COSTA, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 7ª ed., p. 8.↩︎
54. A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito – art. 527º/1, do CPCivil.↩︎
55. A assinatura eletrónica substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais – art. 19º/2, da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09.↩︎
56. Acórdão assinado digitalmente – certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.↩︎