I – O recurso de revista subordinado está sujeito à regra da inadmissibilidade do recurso em caso de dupla conforme, estabelecida no art. 671.º/3, não sendo aplicável, neste caso, o disposto no art. 633.º/5, ambos do CPCivil.
II – A figura da “dupla conforme” que se encontra plasmada no art. 671º/3, do CPCivil, que obsta ao recurso de revista normal, pressupõe que haja um acórdão da Relação que confirme a decisão (recorrida) da primeira instância e que essa confirmação ocorra sem qualquer voto de vencido e sem uma fundamentação essencialmente diferente.
III – O dano biológico não constitui uma nova categoria de dano à pessoa, mas constitui sua própria essência; a inovação está na sua reparabilidade em qualquer caso e independentemente das consequências morais e patrimoniais que, da redução da capacidade laborativa, dele possam derivar.
IV – Se no caso concreto não existir o dano biológico, não há dano ressarcível; se existe um dano biológico, então deve ser ressarcido e eventualmente deverá ser ressarcido também o dano patrimonial em razão de redução da capacidade laborativa, no caso de ficar demonstrada a sua existência e sua relação causal com aquele.
V – O dano biológico derivado de incapacidade geral permanente, de cariz patrimonial, é suscetível de justificar a indemnização por danos patrimoniais futuros, independentemente de o mesmo se repercutir na vertente do respetivo rendimento salarial, já que constitui um dano de esforço, porquanto o sujeito para conseguir desempenhar as mesmas tarefas e obter o mesmo rendimento, necessitará de um maior empenho, de um estímulo acrescido.
VI – A lesão corporal sofrida em consequência de um acidente de viação constitui em si um dano real ou dano-evento, designado por dano biológico, na medida em que afeta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do bem “saúde”.
VII – Nas situações em que não ocorre uma perda efetiva de ganho, mas o lesado tem de fazer um maior esforço para obter o mesmo rendimento, no cálculo da indemnização não deve ser relevado o vencimento anual do lesado.
VIII – Tendo o autor 27 anos de idade à data do acidente, e fixado em 41 pontos o défice funcional permanente da sua integridade físico-psíquica, quantificado por referência a um indicie 100, e não ocorrendo uma perda efetiva de ganho, mas em que o lesado tem de fazer um maior esforço para obter o mesmo rendimento, ao longo da sua expetativa de vida de cerca de 50 anos, é justa e adequada a fixação de indemnização, a título de dano biológico, no montante de 205 00,00 €.
IX – Na determinação do quantum da compensação por danos não patrimoniais deve atender-se à culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, à flutuação do valor da moeda e à gravidade do dano, tendo em conta as lesões, as suas sequelas e o sofrimento físico-psíquico experimentado pela vítima, sob o critério objetivo da equidade, envolvente da justa medida das coisas, com exclusão da influência da subjetividade inerente a particular sensibilidade humana.
X – Relativamente a lesado que sofreu sérias e extensas sequelas físicas, mentais e intelectuais, fixadas no défice funcional permanente de 41% que o acompanharão pelo resto da sua vida, dores quantificáveis em grau 5 numa escala de 7 valores, danos estéticos de grau 2 também numa escala de 7 valores, que passou a padecer de, depressão, ansiedade, disfunção eréctil, perda de autoestima e alegria na sua vida quotidiana, tristeza e frustração, considera-se equitativo uma compensação no valor de 80 000,00€ (oitenta mil euros), para a reparação dos danos não patrimoniais.
RECURSO DE REVISTA1,2,3,4,5 | 8415/17.9T8LSB.L1.S1 |
RECORRENTE6 | AA |
RECORRIDA7 | FIDELIDADE COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.. |
I – O recurso de revista subordinado está sujeito à regra da inadmissibilidade do recurso em caso de dupla conforme, estabelecida no art. 671.º/3, não sendo aplicável, neste caso, o disposto no art. 633.º/5, ambos do CPCivil. II – A figura da “dupla conforme” que se encontra plasmada no art. 671º/3, do CPCivil, que obsta ao recurso de revista normal, pressupõe que haja um acórdão da Relação que confirme a decisão (recorrida) da primeira instância e que essa confirmação ocorra sem qualquer voto de vencido e sem uma fundamentação essencialmente diferente. III – O dano biológico não constitui uma nova categoria de dano à pessoa, mas constitui sua própria essência; a inovação está na sua reparabilidade em qualquer caso e independentemente das consequências morais e patrimoniais que, da redução da capacidade laborativa, dele possam derivar. IV – Se no caso concreto não existir o dano biológico, não há dano ressarcível; se existe um dano biológico, então deve ser ressarcido e eventualmente deverá ser ressarcido também o dano patrimonial em razão de redução da capacidade laborativa, no caso de ficar demonstrada a sua existência e sua relação causal com aquele. V – O dano biológico derivado de incapacidade geral permanente, de cariz patrimonial, é suscetível de justificar a indemnização por danos patrimoniais futuros, independentemente de o mesmo se repercutir na vertente do respetivo rendimento salarial, já que constitui um dano de esforço, porquanto o sujeito para conseguir desempenhar as mesmas tarefas e obter o mesmo rendimento, necessitará de um maior empenho, de um estímulo acrescido. VI – A lesão corporal sofrida em consequência de um acidente de viação constitui em si um dano real ou dano-evento, designado por dano biológico, na medida em que afeta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do bem “saúde”. VII – Nas situações em que não ocorre uma perda efetiva de ganho, mas o lesado tem de fazer um maior esforço para obter o mesmo rendimento, no cálculo da indemnização não deve ser relevado o vencimento anual do lesado. VIII – Tendo o autor 27 anos de idade à data do acidente, e fixado em 41 pontos o défice funcional permanente da sua integridade físico-psíquica, quantificado por referência a um indicie 100, e não ocorrendo uma perda efetiva de ganho, mas em que o lesado tem de fazer um maior esforço para obter o mesmo rendimento, ao longo da sua expetativa de vida de cerca de 50 anos, é justa e adequada a fixação de indemnização, a título de dano biológico, no montante de 205 00,00 €. IX – Na determinação do quantum da compensação por danos não patrimoniais deve atender-se à culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, à flutuação do valor da moeda e à gravidade do dano, tendo em conta as lesões, as suas sequelas e o sofrimento físico-psíquico experimentado pela vítima, sob o critério objetivo da equidade, envolvente da justa medida das coisas, com exclusão da influência da subjetividade inerente a particular sensibilidade humana. X – Relativamente a lesado que sofreu sérias e extensas sequelas físicas, mentais e intelectuais, fixadas no défice funcional permanente de 41% que o acompanharão pelo resto da sua vida, dores quantificáveis em grau 5 numa escala de 7 valores, danos estéticos de grau 2 também numa escala de 7 valores, que passou a padecer de, depressão, ansiedade, disfunção eréctil, perda de autoestima e alegria na sua vida quotidiana, tristeza e frustração, considera-se equitativo uma compensação no valor de 80 000,00€ (oitenta mil euros), para a reparação dos danos não patrimoniais. |
1. RELATÓRIO
AA, intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra FIDELIDADE COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 410 369,06€ (quatrocentos e dez mil trezentos e sessenta e nove euros e seis cêntimos), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida do pagamento de procuradoria, juros legais em dobro, vencidos e vincendos, e no pagamento de custas, bem como a quantia a apurar em liquidação referente a danos futuros, incapacidade permanente parcial, incapacidades, tratamentos, consultas, assistência médica, medicamentosa, ajuda de 3ª pessoa e perdas salariais, que venham a verificar-se necessárias como consequência do acidente.
Foi proferida sentença em 1ª instância que condenou a ré a pagar ao autor a quantia de 352 273,44€ (trezentos e cinquenta e dois mil duzentos e setenta e três euros e quarenta e quatro cêntimos), acrescida de juros moratórios computados no dobro da taxa legal para obrigações civis (i.e., à taxa de 8% ao ano), desde a data de propositura da ação e até integral pagamento, a título de compensação pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais da perda biológica que sofreu, incluindo dores sofridas, bem como pelas despesas médicas e medicamentosas que suportou, bem como na quantia de 368 000,00€ (trezentos e sessenta e oito mil euros), acrescida de juros moratórios à taxa legal (4% ao ano), desde a presente data e até integral pagamento, correspondente aos danos patrimoniais e não patrimoniais, despesas médicas e medicamentosas futuros.
Irresignada com a decisão, a ré interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa proferido acórdão que julgou parcialmente procedente o recurso, revogando a decisão recorrida, que substituiu por outra a condenar a ré a pagar ao autor as quantias de 2890,23€ (dois mil e oitocentos e noventa euros e vinte e três cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescido dos respetivos juros de mora, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a presente data e até integral e efetivo pagamento; 209 000,00 (duzentos e nove mil euros), a título de indemnização por danos patrimoniais de cálculo equitativo, acrescido dos respetivos juros de mora, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da presente decisão e até integral e efetivo pagamento; 60 000,00€ (sessenta mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescido dos respetivos juros de mora, contados à taxa legal de 4%, desde a data da presente decisão e até integral e efetivo pagamento, bem como nos juros de mora contados à taxa sancionatória de 8% ao ano, incidentes sobre o montante de 196 890,23€, devidos desde 26-01-2017 e até à data da presente decisão.
Inconformado, veio o autor interpor recurso de revista deste acórdão, tendo extraído das alegações11,12 que apresentou as seguintes
II. Defende o ora recorrente que face aos factos provados e às disposições legais aplicáveis, justifica-se a condenação da Ré ora recorrida no montante global peticionado de € 410.369.06 (quatrocentos e dez mil trezentos e sessenta e nove euros e seis cêntimos), que aliás, peca por defeito, face á magnitude dos danos do Autor ora recorrente.
III. Assim, entende o ora recorrente merecer reparo a sentença recorrida, na fixação dos valores indemnizatórios por danos patrimoniais de cálculo equitativo, nomeadamente no montante arbitrado de € 201 500,00, respeitante ao dano biológico futuro na vertente patrimonial.
IV. Tal valor se mostra – se manifestamente insuficiente, face à jurisprudência mais recente, pelo que deverá ser fixado no valor de peticionado 321.546,00 € (291.546,000 + 30.000,00 €) ao invés dos € 201.500,00 sentenciados.
V. Entendeu o douto tribunal da Relação, adequado a ressarcir o dano biológico futuro, na vertente patrimonial, o montante de € 201.500,00 relativamente ao Autor que tinha 27 anos à data do evento lesivo, frequentava ensino universitário que ia cumulando com atividades remuneradas, auferindo uma remuneração próxima do salário mínimo nacional, e que ficou afetado por um défice funcional permanente de 41 pontos, com impacto nas vertentes de conclusão do ensino universitário, obtenção e manutenção da sua ocupação profissional, progressão de carreira e melhoria da posição profissional e remuneratória.
VI. A indemnização arbitrada pelo Tribunal a quo a título de dano biológico futuro na vertente patrimonial , não comporta, mal, salvo melhor opinião, a reparação pela grave perda corporal, pela lesão da sua integridade física e psíquica e da saúde do Autor, incluído tão somente o impacto que o défice funcional permanente de 41% teve na perda de capacidade de ganho, nas vertentes de conclusão do ensino universitário, obtenção e manutenção da sua ocupação profissional, progressão de carreira e melhoria da posição profissional e remuneratória.
VII. Ora este dano, salvo melhor entendimento, não se circunscreve às consequências sobre a capacidade de trabalho ou sobre a capacidade de obtenção de rendimentos, pelo que tem de ser entendido numa perspetiva global de ofensa à saúde e à integridade física e psíquica, enquanto direito inviolável do homem à plenitude da vida física.
VIII. O acidente dos autos no qual o Autor não teve qualquer responsabilidade, qualquer culpa foi apurado que este lhe causou, imediatamente, um conjunto de danos, tendo sido identificados a nível hospitalar um total de dezanove: 1 - Politraumatismo; 2 - Hematoma extra-axial occipital supra e infra territorial; 3 – Fratura de escama occipital com extensão ao rochedo e côndilo occipital esquerdo; 4 - Foco de contusão cerebral frontal paramediano esquerdo milimétrico; 5 - Fratura da parede inferior, interna e externa, da órbita direita e da parede inferior da órbita esquerda; 6 - Fratura do terço médio do úmero esquerdo; 7 - Fratura do terço médio da clavícula direita; 8 - Fratura do 1.º arco costal direito; 9 - Contusão pulmonar – segmento apical e anterior do lobo superior direito e lobo médio; 10 - Pneumotorax discreto bilateral; 11 – Fratura coaptada de ramo ascendente direito da mandíbula; 12 - Fratura coaptada da arcada zigomática direita; 11 - Múltiplos traços de fratura das paredes dos seios maxilares bilaterais com hemosinus; 14 - Fraturas descoaptadas dos ossos próprios do nariz e septo nasal; 15 – Fratura bilateral das apófices pterigoideias; 16 - Ferida incisa sangrante do terço externo da pálpebra inferior; 17 - Hemorragia subconjuntival do olho direito; 18 - Laceração do Canal Auditivo Externo esquerdo e, 19 - Infeção respiratória
IX. Ficou a padecer de disfunção eréctil e de lacrimejo quando se alimenta.
X. O dano biológico constitui, nesta medida, “um dano base ou dano central, um verdadeiro dano primário, sempre em caso de lesão da integridade físicopsíquica,e sempre lesivo do bem saúde”; e se, para além desse dano, se verifica um concreto dano à capacidade laboral da vítima- como o foi no caso em apreço - , este já é um “dano sucessivo ou ulterior e eventual; não um dano evento mas um dano consequência”, representando “um ulterior coeficiente ou plus de dano a acrescentar ao dano corporal
XI. Ora, conforme se constata dos factos provados, em consequência dos impactos sofridos no crânio devido ao acidente, o autor passou a sofrer de limitação marcada da sua capacidade mental, com dificuldades de memória, lentidão de raciocínio, limitação geral das capacidades intelectuais e afetação de funções motoras, designadamente ao nível sexual (62);
XII. Tal limitação cognitiva, associando uma perturbação permanente da atenção e da memória, perda relativa da iniciativa e da autocrítica, incapacidade de gestão das situações complexas e défices sensitivo-motores evidentes, corresponde à tipologia de incapacidade referida sob o código Na 0404 da Tabela Nacional de Incapacidades (TNI) (63);
XIII. Tal diminuição deve ser quantificada em 41 pontos nos termos da TNI, correspondendo a uma diminuição da capacidade orgânica geral do autor quantificável em 41% (64);
XIV. o acidente e as sequelas que em consequência ficou a padecer, retiraram ao ora recorrente capacidade cognitiva para concluir o curso superior que iniciara e, com isso, retiraram-lhe a oportunidade de abrir outras perspetivas profissionais, mais realizadas e com expetativa consistente de serem mais bem remuneradas.
XV. Retiraram-lhe a possibilidade progredir profissionalmente e até de lhe retiraram as competências intelectuais e comportamentais necessárias a manter uma atividade profissional regular e estável, mesmo tratando-se de trabalho não qualificado e com baixas exigências técnicas.
XVI. O acidente retirou ao autor a capacidade de exercer, de forma estável, qualquer atividade profissional, mesmo de baixa qualificação.
XVII. E igualmente lhe retirou a sua saúde, a sua integridade física a sua capacidade funcional.
XVIII. A fim de determinar o quantum indemnizatório respeitante a tão gravoso dano, o Tribunal a quo lançou mão de juízos de equidade - artigo 566º nº 3 do CC.
XIX. para o efeito considerou os seguintes fatores:
- A atual idade da reforma de 66 anos e quatro meses
- tendo o Autor 27 anos, tem 39 anos de vida ativa
- trabalhando o Autor auferiria pelo menos o salário mínimo mensal, que atualmente é de € 820,00, mas como irá aumentar elegeu o montante remuneratório mensal de € 1.000,00 como dado de cálculo
- Reduzindo o valor a obter em 10% considerando a duração da antecipação do capital, e a possibilidade de o lesado rentabilizar o capital.
Assim, conjugando todos os referidos fatores, realizou-se o seguinte cálculo:
(€ 1.000x14=€ 14.000) x41%=€ 5.740 (valor anual);
€ 5.740x39 anos= € 223.860;
€ 223.860x0,90=€ 201.474, que se arredonda para € 201.500,00
XX. Ora com tal montante, não concorda nem aceita o Autora ora recorrente, entendendo, salvo melhor opinião que deveria ter sido atendida e valorizada a esperança média de vida – no homem 81 anos - uma vez que este dano se repercutirá por toda a sua vida e nos rendimentos previsíveis da reforma contributiva e não apenas a sua vida ativa e considerado eleito um montante remuneratório mensal próximo do salário médio mensal e não do salário mínimo.
XXI. Por outro lado, em relação à quantia de indemnização de “dano biológico” não há que fazer qualquer dedução (a fim de, alegadamente, se evitar um enriquecimento injustificado resultante do recebimento antecipado de valores que o Autor apenas receberia ao longo da vida), uma vez que se trata de indemnização fixada segundo a equidade (n.º 3 do art. 566.º do CC) e não de indemnização calculada de acordo com a fórmula da diferença (n.º 2 do art. 566.º do CC)”.
XXII. O Autor vítima de um acidente para o qual não contribui nem teve qualquer culpa, ficou incapaz de conclui o seu curso superior, viu os seus projetos de vida e profissionais destruídos, a capacidade de ganho aniquilada.
XXIII. E para reparar tão gravoso dano, deve ser eleito um montante remuneratório que se aproxime do salário médio mensal.
XXIV. Face ao acima exposto pugna-se pela condenação da Ré peticionado 321.546,00 € (291.546,000 + 30.000,00 €).
XXV. Defende igualmente o Recorrente que o valor fixado de 60.000,00 € a título de danos não patrimoniais é manifestamente insuficiente face aos danos sofridos pelo Autor, pelo que se entende parcimonioso montante não inferior a 78.400,00 € (setenta e oito mil e quatrocentos euros).
XXVI. O dano moral do Autor é extremamente elevado devido a diversos fatores:
Desde logo porque sofreu lesões muito graves que o afetaram fisicamente e definitivamente que se traduz num prejuízo não patrimonial per si, e ainda as sequelas psicológicas do sinistro, a perda da sua auto estima, a depressão, tudo que deixou de poder fazer.
XXVII. O recorrente tem um quantum doloris de grau 5 numa escala de 7, o que equivale a uma escala elevada de dor. Ficou a padecer de um dano estético num grau 2 de uma escala de 7, de uma repercussão permanente nas atividades desportivas ou de lazer fixável em grau 3, numa escala até 7 e de Repercussão permanente na atividade sexual fixável em grau 5, numa escala até 7 (devido à apurada incapacidade de ereção, sem afetação da genitália. Após tal data de alta definitiva, o autor continua a sentir dor à palpação da mandibula esquerda; dor à palpação na face interna do terço médio do braço esquerdo; dor à extensão forçada do cotovelo esquerdo e dor à palpação do terço distal da face posterior calcanhar da perna direita.
XXVIII. Após o acidente o Autor deixou de frequentar o ginásio. Em consequência das lesões sofridas no acidente e da alteração na sua vida que esta implicou, o autor perdeu autoestima e alegria na sua vida quotidiana.
XXIX. Antes do acidente, o autor era uma pessoa de trato fácil, compreensiva e de humor alegre. Em consequência do acidente, o autor apresenta alterações de humor frequentes, comportamento ansioso e depressivo.
XXX. O Autor sente tristeza e frustração por não ter conseguido terminar o seu curso superior e poder prosseguir um percurso profissional na área da educação física e do desporto;
XXXI. Note-se ainda, a quantidade de traumas, o tipo de traumatismo que padeceu identificados a nível hospitalar um total de dezanove as lesões resultantes, os tratamentos efetuados (incluindo duas intervenções cirúrgicas) e o longo período de recuperação funcional (cerca de três anos).
XXXII. Foi atribuída ao Autor uma desvalorização de 41%, assente quase na sua totalidade na perda de faculdades mentais e domínio de funções comportamentais e executivas, com incidência em perda de função sexual ao nível do comando executivo, constituem danos não patrimoniais muito graves proporcionalmente superiores a um prejuízo motor equivalente.
XXXIII. O Autor em consequência do acidente sofre “prejuízo de afirmação pessoal e social” (familiar, profissional, sexual, afetiva, recreativa, cultural e cívica).
Saliente-se aqui o avultando o dano da dor e o défice de bem-estar do autor, a sua frustração do viver em pleno a primavera da vida.
XXXIV. Pese embora, o Autor tenha reclamado na Petição Inicial o valor de 60.000,00€ a título de danos não patrimoniais, este valor aos dias de hoje é indigno para fazer face a todo o sofrimento físico e psíquico, à dor de alma, às dores que o Recorrente já sofreu e, não obstantes os anos decorridos desde o acidente, a vida do Recorrente não melhorou só piorou.
XXXV. Por isso, o montante peticionado a título de danos não patrimoniais há mais de sete anos é escasso, pelo que deve ser fixado em conformidade e, assente em critérios de igualdade e justiça do caso concreto, enquadrado no contexto jurisprudencial mais recente considerado, para este tipo de danos.
XXXVI. Importa referir que, como bem o tem entendido a nossa jurisprudência, em sede de condenação, quando dentro de um pedido indemnizatório global o Autor discrimina parcelas integrativas do mesmo, o tribunal tem apenas que respeitar o limite global do pedido e não o das parcelas concretas, nos termos do artº 661 nº 1 C.P.C. Vd. neste sentido, entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/02/93, in. Coletânea de Jurisprudência dos Acórdão do S.T.J., tomo I, pág. 128.
XXXVII. O douto acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por douto acórdão que, no tocante ao valor indemnizatório do dano biológico patrimonial futuro arbitre uma indemnização fixada ao montante de € 331 936,23 e no tocante ao dano não patrimonial fixe uma indemnização não inferior a 78 400,00 €, o que se requer, com as legais consequências.
XXXVIII. A douta decisão recorrida viola, entre outras normas e princípios de direito, o disposto nos artigos 494.º, 496.º, n.ºs 1 e 3, 499.º e 566.º, todos do Código Civil.
NESTES TERMOS, E nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e de acordo com as presentes conclusões14.
A ré interpôs recurso subordinado de revista, tendo extraído das alegações15,16 que apresentou as seguintes
2 – Ao ter fixado a indemnização referida na conclusão precedente em tais valores o Tribunal da Relação de Lisboa, pecou por excesso, não tendo feito a correta aplicação da lei, designadamente dos artigos 494º, 496º, nºs 1 e 3, 499º e 566º do Código Civil.
3 - Para quantificar a indemnização arbitrada a título de danos patrimoniais fixados de forma equitativa no valor global de € 209.000,00 o tribunal considerou um prazo de 39 anos de vida ativa e o montante remuneratório mensal de € 1.000,00, considerando que o salário mínimo nacional, que atualmente corresponde a € 820 (Decreto-Lei nº 107/2023, de 17 de novembro), certamente irá aumentar nos próximos anos, e a incapacidade de que o A. ficou a padecer na sequência do acidente dos autos.
Contudo,
4 – O tribunal deveria ter atendido à remuneração líquida correspondente ao salário mínimo nacional à data do acidente (2013) ou, no máximo, ao salário mínimo nacional à data de consolidação das lesões, ocorrida em 2016, uma vez que na petição inicial o Autor alegou para o cálculo da indemnização um rendimento anual bruto de € 9.248,80 (660,00 x 14).
5 – Além de ter atendido a uma remuneração líquida muito superior à que o A. auferia, o tribunal condenou ainda a R. no pagamento de juros contados desde antes da citação, o que não deveria ter feito.
De facto,
6 – Na decisão sob recurso o Tribunal utilizou um critério atualizado para o cálculo da indemnização (€ 1.000,00/mensal, considerando que o valor atual do salário mínimo nacional é de € 820,00 e que ainda irá evoluir) e fixou juros sobre a indemnização arbitrada, efetuando uma dupla correção monetária, no que andou mal.
7 – Acresce ainda que, para o cálculo de perdas de rendimento deveria ter sido considerado o rendimento líquido de impostos e contribuição para a segurança social, pelo que o montante mensal de € 1.000,00 (até mesmo os € 820,00) levado em conta pelo Tribunal para determinação da indemnização fixada a este título se considera manifestamente excessivo.
8 – Da prova produzida nos autos não resulta que o A. haja sofrido uma efetiva perda de ganhos futuros, uma vez que ficou provado que o A. nos anos mais recentes de 2018 a 2021 auferiu rendimentos muito próximos do montante de € 1.000,00, continuando a contribuir para a sua carreira contributiva.
9 - Para o cálculo da indemnização deverá ser tomado em conta o critério “esperança média de vida à nascença”, conforme recente acórdão de 29/02/2024 o Supremo Tribunal de Justiça.
10 – Não pode, por isso, ter provimento o peticionado pelo A., de que seja considerado no presente caso os 81 anos de vida como limiar para cálculo da indemnização.
11 - Tendo o Autor nascido em .../01/1986, a sua esperança de vida à nascença não ultrapassa os 69,90 anos (sexo masculino), ou seja, mais 39 anos, considerando a idade do Autor de 30 anos e 2 meses à data da consolidação das lesões, e deverá ser este, e nenhum outro o prazo considerado para efeitos de cálculo da indemnização a que tem direito.
12 - O valor da indemnização arbitrada ao A., no valor de €209.000, a título de compensação pelos danos patrimoniais futuros de cálculo equitativo é manifestamente excessivo.
13 – Mais excessivo ainda, tendo em conta a matéria de facto dada como provada e sedimentada nos autos, se somado ao valor de € 60.000 a danos não patrimoniais em que a R. foi condenada pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
14 - Pelas razões aduzidas entende a R. que o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa violou o disposto nos artigos 494º, 496º, nºs 1 e 3, 499º e 566º do Código Civil, devendo ser substituído por outro que condene a R. no pagamento de quantia global não superior a € 200.000, a título de compensação pelos danos patrimoniais e não patrimoniais.
15 - Ao invés do que foi considerado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, a proposta de indemnização efetuada em 26/01/2017 no valor de € 75.000,00 (€49.000 de danos patrimoniais e €26.000 de danos não patrimoniais) teve já em conta o teor da avaliação de psiquiatria efetuada em 14/11/2016.
16 - Na verdade, caso a R. tivesse feito uma aplicação cega dos critérios definidos na chamada “Portaria da Proposta Razoável” e tivesse considerado o défice de apenas 15 pontos, o valor por ponto situar-se-ia no intervalo entre € 1.282,50 e € 1.338,93, pelo que o montante do dano biológico ascenderia no máximo a € 20.083,95 (€ 1.338,93 x 15), valor substancialmente inferior ao que a R. propôs ao A…
17 - Considerando os critérios para valores da compensação do aí denominado dano biológico, nos termos constantes do Anexo IV à Portaria n.º 679/2009, onde são definidos os critérios aos quais as seguradoras têm de ater-se em fase pré-contenciosa, no âmbito da chamada “proposta razoável”, e os elementos que apontariam no sentido de uma maior incapacidade, não cumulável, no entender da R. com as demais sequelas anteriormente admitidas, então ao seu dispor, partindo de uma défice de 30 pontos e da idade do A. à data do acidente (27 anos), e aplicando o disposto na Portaria, o valor a que a R. estaria adstrita oscilaria ente os € 1.492,83 e € 1.554,39 por ponto.
18 - Encontrando um valor médio apurado de cerca de € 1.500,00 por ponto atribuído, multiplicado pelos 30 pontos de défice, chegar-se-ia ao valor de € 45.000,00.
19 - Para além dos citados €49.000,00, já superiores ao valor resultante da aplicação dos critérios objetivos a que se encontrava adstrita, a R. ofereceu ao A. o valor de mais € 26.000,00, num total de € 75.000,00, cumprindo as suas obrigações legais, e indo até além do que lhe era imposto, ao invés do que resulta da decisão sob recurso.
20 - A indemnização fixada nos autos para compensar o A. pelos danos patrimoniais de cálculo equitativo no valor de € 209.000 e pelos danos não patrimoniais no valor de € 60.000 foi determinada com recurso à equidade, pelo que sobre tal valor, ou como se pretende, sob o valor alterado que seja nos termos propugnados no presente recurso para montante global não superior a €200.000,00, deverão tão-somente recair juros contados apenas a partir da data da prolação da sentença.
21 - A R. não só cumpriu os critérios e procedimentos previstos na citada Portaria, como, na verdade, propôs ao A. valor até superior ao que teria resultado da aplicação à letra de tais critérios e procedimentos, pelo que, deve ser alterada a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, consignando-se que sobre os valores arbitrados a título de danos patrimoniais de cálculo equitativo e de danos não patrimoniais, deverão ser contados juros desde a data da decisão, à taxa legal supletiva, para os juros civis, atualmente em 4%.
22 – O teor das precedentes conclusões encontra respaldo em vasta jurisprudência – para a qual, com a devida vénia, se remete – (jurisprudência essa referenciada no corpo das presentes alegações) que, aplicada ao caso dos autos redundará, necessariamente na revisão da decisão iníqua que, a este título, foi tomada pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
Como corolário do que se deixa alegado entende a R., que deve ser negado provimento ao recurso de revista interposto pelo A., julgado procedente o recurso subordinado interposto pela R. e, em consequência alterada a decisão proferida nos termos propugnados.
Colhidos os vistos18, cumpre decidir.
Emerge das conclusões de recurso apresentadas por AA, ora recorrente, que o seu objeto está circunscrito às seguintes questões:
1.) Saber se será admissível recorrer de revista do acórdão proferido pelo tribunal a quo quanto ao segmento decisório que condenou a ré no pagamento de juros em dobro.
2.) Saber do quantum de compensação a atribuir ao autor a título de dano biológico.
3.) Saber do quantum de compensação a atribuir ao autor a título de danos não patrimoniais.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. FACTOS PROVADOS NA 1ª E 2ª INSTÂNCIA
Acidente de viação e urgência hospitalar:
1. No dia ... de agosto de 2013, pelas ...horas e ... minutos, na Avenida …, em …, …, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes os veículos com matrícula ..-NT-.. e ..-..-LC;
2. O NT, um automóvel ligeiro de passageiros, era conduzido por BB;
3. O LC, um motociclo, era conduzido pelo autor;
4. A artéria é constituída por uma faixa de rodagem com 6 vias de trânsito, três em cada sentido, com separador central;
5. A velocidade máxima permitida no local é de 50km/h;
6. O ligeiro NT circulava no sentido Este-Oeste, na via central;
7. O motociclo LC circulava no mesmo sentido, mas na via da esquerda;
8. No cruzamento com o acesso proveniente do IP7, a condutora do NT pretendia mudar de direção à esquerda;
9. Já o autor pretendia seguir em frente;
10. Sem sinalização prévia, ao chegar àquele cruzamento, o NT que circulava ligeiramente à frente do LC, mudou repentina e bruscamente de direção à esquerda e invadiu a via de trânsito em que este circulava;
11. Desta manobra resultou a colisão entre a frente do LC e o motociclo NT;
12. Ato contínuo, o motociclo LC tombou e o autor foi projetado ao solo, alguns metros à frente e para a esquerda, atento o seu sentido de marcha, ficando imobilizado junto à 3ª via do lado direito do sentido oposto;
13. No local onde o autor caiu ficou no solo uma mancha de sangue;
14. O autor foi assistido, imobilizado e sedado, sendo transportado por viatura médica de emergência e reanimação (VMER) ao Hospital de …, em …;
15. Deu entrada no Hospital de … em … pelo serviço de urgência, com indicação de politraumatismo craniofacial, afetação dentária e visual, traumatismo torácico e traumatismo dos membros;
16. No hospital, sofrendo hemorragia na face sem identificação do ponto sangrante, com persistência da epistaxis (hemorragia das fossas nasais), o sangue foi aspirado, bem como retirados coágulos de ambas as fossas nasais;
17. No hospital foi efetuado o tamponamento de ambas as fossas nasais com tampão designado como tipo merocel, com indicação para o manter durante 3 a 5 dias e cobertura antibiótica;
18. Em consequência do embate, o autor teve perda de conhecimento, sendo sedado e ventilado;
19. Em bloco do Serviço de Urgência Central, foi colocado em plano duro, com colar cervical e apoios laterais;
20. Examinado, designadamente com recurso a Tomografia Axial Computorizada (TAC) e Raio X, foi revelado foco de contusão frontal, fratura da escama do occipital, com extensão do côndilo occipital, sendo seguido em neurocirurgia;
21. Observado em ortopedia apresentava também fratura do terço médio do úmero esquerdo, que foi imobilizado;
22. Apresentava ainda otorragia esquerda (hemorragia no ouvido), com lesão cutânea;
23. A nível torácico apresentava lesão torácica e pneumotórax;
24. Ao nível dentário apresentava fratura dos dentes 24 e 36;
25. O autor repetiu TAC doze 12 horas depois, que revelou aumento do hematoma, tendo sido indicado aos familiares do autor que este poderia perder a vida, tendo ficado em vigilância;
26. O autor apresentava ainda extenso hematoma da zona inguinal, com hematúria;
27. O autor durante o internamento apresentou infeção nosocomial pulmonar (infeção manifestada após internamento em unidade hospitalar);
28. No período de internamento hospitalar verificou-se que sofria as seguintes lesões:
- Politraumatismo;
- Hematoma extra-axial occipital supra e infra territorial;
- Fratura de escama occipital com extensão ao rochedo e côndilo occipital esquerdo;
- Foco de contusão cerebral frontal paramediano esquerdo milimétrico;
- Fratura da parede inferior, interna e externa, da órbita direita e da parede inferior da órbita esquerda;
- Fratura do terço médio do úmero esquerdo;
- Fratura do terço médio da clavícula direita;
- Fratura do 1.º arco costal direito;
- Contusão pulmonar – segmento apical e anterior do lobo superior direito e lobo médio;
- Pneumotorax discreto bilateral;
- Fratura coaptada de ramo ascendente direito da mandíbula;
- Fratura coaptada da arcada zigomática direita;
- Múltiplos traços de fratura das paredes dos seios maxilares bilaterais com hemosinus;
- Fraturas descoaptadas dos ossos próprios do nariz e septo nasal;
- Fratura bilateral das apófices pterigoideias;
- Ferida incisa sangrante do terço externo da pálpebra inferior;
- Hemorragia subconjuntival do olho direito;
- Laceração do Canal Auditivo Externo esquerdo;
- Infeção respiratória.
29. O autor recuperou lentamente, após extubação e 10 dias em coma/sedação;
30. Em ... de agosto de 2013, foi transferido para o Hospital …, na …, unidade da área de residência, onde apenas veio a ser aceite no seguinte;
31. O autor foi submetido a intervenção cirúrgica ao membro superior, por diáfise do úmero, com encavilhamento, tendo sido recomendada aplicação de gelo local, imobilização de Gerdy e marcação de consulta para retirar agrafos e toma de medicamentos, designadamente paracetamol para as dores;
Partes; contrato de seguro e comunicações com a ré antes do presente litígio:
32. O autor nasceu em .../1/1986;
33. Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...76, a ré declarou assumir a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo ligeiro NT, acima referido (cópia junta aos autos e aqui dada por integralmente reproduzida);
34. Participado o sinistro à ré, esta assumiu a responsabilidade pelo mesmo;
35. Na sequência, foi prestando assistência clínica ao autor e pagando despesas médicas por este suportadas;
36. Em 26/1/2017, a ré enviou escrito ao autor, que o recebeu, declarando propor-se indemnizá-lo pelos danos sofridos em €75 000,00, sendo €49 000 de danos patrimoniais e €26 000 de danos não patrimoniais;
37. O autor recusou tal proposta;
38. A ré adiantou ao autor, por conta da indemnização final, a quantia de €1000,00 (mil).
A reabilitação do autor; sequelas físicas do acidente:
39. O autor teve alta hospitalar do Hospital … a 13 de setembro de 2013, com indicação para reabilitação e acompanhamento em consultas;
40. Após tal alta, o autor continuou a ser seguido em consultas de Ortopedia, Urologia, Cirurgia Maxilo-Facial e Neurocirurgia no Hospital de …, em …;
41. Iniciou tratamentos de reabilitação e passou a ser seguido também no Hospital da …, em …;
42. E foi seguido em Psicologia, designadamente por apresentar, após o acidente e devido a este, um quadro sintomatológico depressivo e ansioso;
43. Continuando em consultas no hospital da ..., em 13/11/2014 foi novamente operado para retirada do material da cavilha no úmero;
44. Após esta cirurgia, foi efetuada a mobilização do membro superior esquerdo, aplicação de gelo na zona da ferida e toma de analgésicos;
45. E foi realizada avaliação em Neurocirurgia, sendo indicada necessidade de realização de programa de reabilitação de duração não inferior a 1 ano, cujo custo anual foi estimado em 2640,00€;
46. O autor manteve tratamentos de recuperação consistentes em fortalecimento muscular, laserterapia, mobilização articular e ultrassons;
47. Em março de 2016, foi consultado pelos serviços clínicos da ré, aí tendo sido indicada que a consolidação médico-legal das suas lesões ocorreu em 7/3/2016 (correspondente à data em que o processo de reabilitação médica deixaria de ser apto a produzir uma evolução positiva);
48. Em consulta com a psicóloga CC, sob indicação da ré, foi concluído pela presença de défice nas capacidades de atenção sustentada e dividida, de iniciativa verbal, de aprendizagem e na evocação espontânea de informação recente, quadro compatível com um Síndrome Frontal de etiologia pós-traumática;
49. O autor realizou, por período não apurado, terapêutica de estimulação cognitiva;
50. O autor foi avaliado pelos serviços clínicos indicados pela ré (entidade identificada como GADAC), em 23/3/2016, sendo-lhe aí atribuída Incapacidade Permanente Parcial (IPP) de 15 pontos, um Quantum Doloris de grau 4 (em 7), um Dano Estético de grau 2 (em 7) e um Prejuízo de Afirmação Pessoal de grau 3 (em 5);
51. Na avaliação antes referida não lhe foi atribuída nenhuma incapacidade mental-cognitiva, com correspondência na TNI;
52. Posteriormente, em 21/6/2016, o autor foi submetido a avaliação de dano corporal, a seu pedido, pelo médico DD;
53. Nessa avaliação foi-lhe sido atribuída uma incapacidade, só a nível mental, de 35 pontos (código na 0303 da TNI), além de um quantum doloris de 5 (em 7), um prejuízo de afirmação pessoal de 5 (em 5) e um dano estético de 1 (em 7);
54. Subsequentemente, a 9/11/2016, foi realizada, a solicitação da ré, avaliação do autor em Psiquiatria, junto de entidade também indicada pela ré - Legismente – Psiquiatria e Psicologia Forense, avaliação conduzida pela especialista EE;
55. Nessa avaliação psiquiátrica foi concluído que o autor padecia de perturbação mental devido a lesão e disfunção cerebral, previsto na Tabela Nacional de Incapacidades como Perturbação Cognitiva – Síndrome Frontal, descrita nessa Tabela sob o código 0303, correspondente a uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP), só a nível psiquiátrico, de 21 a 35 pontos (relatório junto aos autos e aqui dado por integralmente reproduzido);
56. Nessa consulta obteve aconselhamento no sentido de dever iniciar programa para tratamento com medicamento estabilizador do humor e tomar medicação;
57. Após o acidente, o autor passou a sofrer disfunção eréctil, não tendo qualquer afetação física do sistema genital;
58. Tal disfunção traduz-se na incapacidade de, em situação vígil, manter uma ereção peniana completa;
59. A disfunção eréctil de que passou a padecer em virtude do acidente causa ao autor um sentimento de vergonha e diminuição;
60. Durante a alimentação, o autor apresenta lacrimejo recorrente;
61. Em consequência de ter perdido dois dentes no acidente, o autor substituiu-os por próteses, cujo valor ascendeu a 2795,00€;
62. Em consequência dos impactos sofridos no crânio devido ao acidente, o autor passou a sofrer de limitação marcada da sua capacidade mental, com dificuldades de memória, lentidão de raciocínio, limitação geral das capacidades intelectuais e afetação de funções motoras, designadamente ao nível sexual;
63. Tal limitação cognitiva, associando uma perturbação permanente da atenção e da memória, perda relativa da iniciativa e da autocrítica, incapacidade de gestão das situações complexas e défices sensitivomotores evidentes, corresponde à tipologia de incapacidade referida sob o código Na 0404 da Tabela Nacional de Incapacidades (TNI);
64. Tal diminuição deve ser quantificada em 41 pontos nos termos da TNI, correspondendo a uma diminuição da capacidade orgânica geral do autor quantificável em 41%;
65. Em consequência do acidente, o autor ficou com as seguintes afetações na estética corporal:
- Desvio aparente do septo nasal;
- Cicatriz arroxeada de 2x1 cm no terço distal da face posterior do braço esquerdo;
- Cicatriz arroxeada de 6x1 cm na face posterior do terço distal do braço e cotovelo;
- 3 (três) cicatrizes normocrómicas lineares, mais proximal 1 cm, intermédia 3cm e mais distal com 4cm na face anterior do antebraço;
66. Estas afetações estéticas devem ser quantificadas em grau 2, numa escala de 2 a 7, de acordo com a TNI;
67. O autor sofreu fortes dores no período até à data de consolidação das lesões na face, tórax e membros, quantificável em grau 5, numa escala até 7;
68. Após tal data de alta definitiva, o autor continua a sentir dor à palpação da mandibula esquerda; dor à palpação na face interna do terço médio do braço esquerdo; dor à extensão forçada do cotovelo esquerdo e dor à palpação do terço distal da face posterior calcanhar da perna direita;
69. Em consequência do acidente, o autor apresenta alterações de humor frequentes, comportamento ansioso e depressivo;
70. Necessitará de acompanhamento em psicologia, psiquiatria e neurocirurgia, com periodicidade não apurada, para o resto da vida;
71. A patologia sequelar do autor impõe supervisão clínica futura em psicologia, psiquiatria e neurocirurgia, com necessidade de medicação e tratamentos para o resto da vida;
72. Em consequência das lesões sofridas no acidente e da alteração na sua vida que esta implicou, o autor perdeu autoestima e alegria na sua vida quotidiana;
73. Antes do acidente, o autor era uma pessoa de trato fácil, compreensiva e de humor alegre;
A situação profissional do autor:
74. Em 5 de dezembro de 2013, o autor assinou um contrato de trabalho a termo certo, com a sociedade B...Lda., com duração de um ano;
75. No âmbito de tal contrato, o autor exerceu funções no espaço de ... no Centro Comercial ... com a categoria profissional de operador de animação, auferindo uma retribuição mensal ilíquida de 500,00€, acrescida de subsídio de alimentação diário no valor de 6,40€;
76. Em tal trabalho, o autor desempenhava tarefas de venda e entrega de bilhetes aos utilizadores do espaço de ...;
77. Anteriormente, e desde 14-07-2006, o autor exercera funções no Centro Comercial ..., nessa mesma área de ..., encontrando-se, porém, desempregado e a auferir subsídio de desemprego desde abril de 2013 até dezembro de 2013.
78. A retribuição mensal auferida pelo autor nesse período correspondia ao salário mínimo nacional;
79. Em 13/11/2014, o autor iniciou um período de licença sem vencimento em razão de intervenção médica a que foi submetido nessa altura, regressando à atividade laboral em 20/12/2014;
80. O autor deixou de trabalhar no início de dezembro do ano de 2015, não tendo a sua entidade patronal renovado o seu contrato de trabalho.
81. Entre os anos 2016 e 2021, o autor prestou trabalho para cinco entidades patronais diferentes, sendo três delas empresas de trabalho temporário, tendo estado desempregado e a receber subsídio em dois períodos, sendo que no ano de 2018 o autor declarou auferir o rendimento bruto de € 13 417,44, em 2019 declarou ter auferido o rendimento de € 17 916,33 e em 2020 declarou que auferiu o rendimento de € 9802,68, tendo ainda auferido em maio de 2021 as remunerações base de € 653,10 e € 266,00, e nos meses de junho a dezembro de 2021 a remuneração base de € 933,00.
82. Em consequência do acidente, o seu desempenho profissional foi sensivelmente prejudicado pela diminuição das suas faculdades mentais, apresentando muitas dificuldades e falhas na realização de tarefas que impliquem uso da memória ou de raciocínio.
O curso superior de ... e outras limitações pessoais:
83. No ano letivo de 2012/2013, o autor foi trabalhador-estudante, tendo frequentado o 1º ano do curso Superior de ... no ...; e em 24 de agosto de 2024 foi matriculado no 2º ano daquele mesmo curso;”
84. À data do acidente, o autor havia concluído, no ano letivo 2012-2013, as doze disciplinas do 1.º ano, com aproveitamento;
85. Após o acidente, o autor inscreveu-se nos anos letivos 2013-2014; 2014-2015 e 2015-2016, tendo concluído nesses três anos um total de cinco disciplinas, de um total não apurado e não inferior a trinta, tendo reprovado ou anulado as demais;
86. Após o ano de 2016, o autor abandonou definitivamente o curso superior;
87. A diminuição sensível da sua capacidade de memória e de raciocínio impediu o autor de assimilar as matérias mais exigentes em termos cognitivos;
88. Antes do acidente o autor frequentava o ginásio e por causa deste deixou de o fazer.
89. O autor sente tristeza e frustração por não ter conseguido terminar o seu curso superior e poder prosseguir um percurso profissional na área da educação física e do desporto;
Despesas médicas apuradas:
90. O autor suportou, além de outras não apuradas, despesas de consultas e exames realizados no Hospital da …, sendo €80 de consulta de ortopedia; €65 de consulta de psicologia; €45 de exame realizado; €72 e €94,50 de consultas de urologia;
91. E suportou, entre outras não apuradas, €12,79 de farmácia; €7,75 consulta no Centro Hospitalar e …; €70 de consulta particular de neuropsicologia realizada em 23/9/14 e €60 consulta particular de psicologia realizada em 15/9/14.
2.2. FACTOS NÃO PROVADOS NA 1ª E 2ª INSTÂNCIA
- O autor tenha iniciado tratamento psiquiátrico, com toma de medicamentos e consultas, junto de médico da especialidade;
- Seja possível uma redução do grau de incapacidade psiquiátrica do autor;
- A incapacidade do autor se irá agravar ao longo dos anos;
- Nos 923 dias subsequentes ao acidente, o autor não tenha auferido qualquer quantia, com exceção do período de 13-11-2014 a 20-12 2014, em que esteve na situação de licença sem vencimento;
- Nesses 923 dias, o autor se tenha confrontado, todos os dias, com dores;
- Em consequência do acidente, o autor tenha a sua vida afetiva prejudicada;
- O autor tenha pesadelos onde revive de forma persistente e muito real o acidente;
- O autor tenha sido, antes do acidente, um aluno com notas médias de 14/15 valores numa escala de 0 a 20;
- Antes do acidente o autor dava massagens, era treinador pessoal (PT – personal trainer), o que depois do acidente e por causa deste deixou de fazer.
2.3. O DIREITO
Importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso22 (não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto).
1.) SABER SE SERÁ ADMISSÍVEL RECORRER DE REVISTA DO ACÓRDÃO PROFERIDO PELO TRIBUNAL A QUO QUANTO AO SEGMENTO DECISÓRIO QUE CONDENOU A RÉ NO PAGAMENTO DE JUROS EM DOBRO.
A ré interpôs recurso subordinado de revista quanto ao segmento decisório que a condenou no pagamento de juros em dobro, para tanto alegando que “não só cumpriu os critérios e procedimentos previstos na Portaria n.º 679/2009, como, na verdade, propôs ao autor valor até superior ao que teria resultado da aplicação à letra de tais critérios, pelo que, deve ser alterada a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, consignando-se que sobre os valores arbitrados a título e danos patrimoniais de cálculo equitativo e de danos não patrimoniais, deverão ser contados juros desde a data da decisão, à taxa legal supletiva, para os juros civis, atualmente em 4%”.
Vejamos a questão.
Se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável, podendo o recurso, nesse caso, ser independente ou subordinado – art. 633º/1, do CPCivil.
Se o recurso independente for admissível, o recurso subordinado também o será, ainda que a decisão impugnada seja desfavorável para o respetivo recorrente em valor igual ou inferior a metade da alçada do tribunal de que se recorre – art. 633º/5, do CPCivil.
Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos – art. 671º/1, do CPCivil.
Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte – art. 671º/3, do CPCivil.
Enquanto meios de impugnação das decisões judiciais, em processo civil há três tipos de recursos ordinários das decisões: o recurso independente, o recurso subordinado e a ampliação do objeto do recurso.
O recurso é independente quando a parte que fica vencida, total ou parcialmente, reage recorrendo dessa decisão desfavorável, isto é, quando há decaimento, que se afere tendo em conta a posição assumida no processo em confronto com o resultado da decisão, sendo-lhe lícito recorrer autonomamente dessa parte da decisão que lhe seja desfavorável.
Embora possa interpor recurso independente, a lei faculta a uma das partes que decaiu, isto é, que não viu atendida a totalidade das suas pretensões, fazer depender a sua atuação recursiva da posição adotada pela parte contrária: optando por se abster, temporariamente, de recorrer na parte em que a decisão lhe é desfavorável, ainda que dela discorde, reservando-se, no entanto, a interposição de recurso para a eventualidade da parte contrária, também vencida, interpor recurso. É o recurso subordinado.
No entanto, o recurso de revista subordinado está sujeito à regra da inadmissibilidade do recurso em caso de dupla conforme, estabelecida no art. 671º/3, não sendo aplicável, neste caso, o disposto no art. 633º/5, ambos do CPCivil.
Havendo dupla conforme, e na ausência de norma em contrário, o recurso subordinado de revista está sujeito à regra (genérica) da inadmissibilidade em caso de dupla conforme, estabelecida no art. 671º/3, do CPCivil23.
Face ao disposto na parte final do art. 633º/5, do CPCivil, a ocorrência de dupla conforme, nos termos e para os efeitos previstos no art. 671º/3, do mesmo Código, mantém-se como requisito de inadmissibilidade do recurso de revista subordinado24.
A questão acabou por ser resolvida pelo AUJ nº 1/20: “O recurso subordinado de revista está sujeito ao n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, a isso não obstando o n.º 5 do artigo 633.º do mesmo Código”25.
Assim, em casos em que a parte pretenda recorrer subordinadamente se defronte com uma situação de dupla conforme, a admissibilidade do recurso de revista terá de passar pelo mecanismo excecional previsto no art. 672º26.
Ora, consagra o art. 671º/3, do CPCivil, a figura chamada de «dupla conforme», traduzida numa pronúncia com o mesmo sentido decisório proferido pelas (duas) instâncias hierarquicamente inferiores27.
Tal “desconformidade” terá, pois, sempre de reporta-se a matérias integradas na competência decisória (ou seja, nos poderes de cognição) do Supremo Tribunal de Justiça28.
Como requisitos para a existência dessa figura processual (inibitória do recurso de revista), três requisitos, os dois primeiros de natureza positiva e o terceiro de natureza negativa, a saber: a) confirmação pela relação, do sentido decisório (condenatório ou absolutório do pedido ou da instância) adotado pela 1ª instância; b) decisão confirmativa da Relação tirada sem qualquer voto de vencido; c) a fundamentação (jurídica) da decisão essencialmente diferente da decisão de 1ª instância29.
Se a fundamentação de ambas as decisões forem essencialmente idênticas, há dupla conforme e, portanto, é inadmissível a revista; se forem essencialmente (substancialmente) diferentes, inexiste “dupla conforme”, sendo admissível a revista30.
No caso, quanto ao segmento decisório respeitante ao pagamento de juros em dobro, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a decisão recorrida, sem voto de vencido, pelo que, prima facie, quanto a esta questão, não será admissível recurso de revista subordinado31,32.
E, a fundamentação de ambas as decisões será essencialmente idêntica e, deste modo, pela existência de dupla conforme, obstativa da admissibilidade da revista33,34,35,36,37.
Ora, quanto ao segmento decisório (condenação de juros em dobro), a sentença de 1ª instância entendeu que “Nos termos do n.º 3 do art.º 38.º do DL n.º 291/2007, de 21 de agosto, ante a omissão de apresentação de proposta razoável para compensação pelos danos de acidente deve a seguradora ser condenada no pagamento de juros em dobro. Tal pedido é fundado nos autos. A ré apresentou proposta indemnizatória em 26/1/2017, propondo-se compensar o autor em indemnização do valor de 75.000,00€, sendo €49.000 de danos patrimoniais e €26.000 de danos não patrimoniais. Assentou tal proposta na avaliação realizada, a seu pedido, que concluiu por um prejuízo biológico ao autor quantificável em 15 pontos. Se estes elementos poderiam dar alguma sustentação à arguição de razoabilidade de tal proposta, fica claro que a avaliação em causa não considerou qualquer prejuízo ao nível da capacidade mental/cognitiva do autor, o que, sendo desconforme com diversos outros elementos disponíveis e conhecidos, era frontalmente desconforme com avaliação psiquiátrica promovida pela própria ré e realizada em novembro de 2016, antes da apresentação de tal proposta. Tal avaliação conclui claramente por afetação das funções cerebrais, enquadrada sob o código Na 0303 que, no limite, corresponderia a uma incapacidade de 21 pontos que, computando as demais sequelas do acidente que considerou, nunca poderia levar a uma proposta assente numa base inferior a 30 pontos de incapacidade. A proposta apresentada não satisfez, assim, os requisitos mínimos para ser qualificada como razoável, não sendo justificação para tal irrazoabilidade a circunstância, conhecida da ré, de a mais grave consequência biológica sofrida pelo autor se situar ao nível do órgão mais elevado do sistema nervoso central, o cérebro e, portanto, não se apresentar como tão evidente e manifesta numa observação superficial. Não podendo concluir-se que a ré pretendeu dolosamente aproveitar-se desse carater mais oculto das lesões para tentar eximir-se à parte mais relevante da sua responsabilidade indemnizatória, pode manifestamente concluir-se pela irrazoabilidade da proposta apresentada, por desconsideração da lesão na integridade cerebral e mental do autor, que a ré necessariamente conhecia, à data. O momento a quo de contagem, limitado pelo pedido, é o da propositura da ação”.
Quanto a este segmento decisório (condenação de juros em dobro), o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa também entendeu que “Na sentença recorrida condenou-se a ré no pagamento de juros em dobro, considerando-se que a proposta de € 75.000 apresentada pela ré ao autor (ponto 36. Da factualidade provada), por desconsideração da lesão na integridade cerebral e mental do autor, que necessariamente conhecia à data (cfr. ponto 55. da factualidade provada), se revelou irrazoável. E, de facto, a ponderação, na realização dessa proposta pela ré, apenas da taxa de 15 pontos, quando já estava medicamente estabelecida a referida lesão na integridade cerebral e mental do autor, quantificável em pelo menos 21 pontos (totalizando o défice de pelo menos 36 pontos – 15+21), traduz uma evidente violação das regras da Portaria nº 377/2008, de 26 de maio. E mesmo que assim se não entendesse, concordamos com a posição do Acórdão da Relação do Porto de 23-02-202123, segundo o qual as seguradoras passaram tomar “à letra” os critérios da Portaria nº 377/2008, de 26 de maio, que são meramente orientadores e não vinculativos, apresentando “propostas miserabilistas em nada contribuindo para o desiderato da almejada proposta razoável de indemnização. A pretendida resolução extrajudicial do litígio fica comprometida e proliferam as ações instauradas em tribunal onde não é discutida a dinâmica do acidente (pois a seguradora assume a responsabilidade pela obrigação de indemnizar o lesado) mas apenas os danos e essencialmente o quantum indemnizatório. A solução jurídica defendida pelo apelante se baseia em factualidade que não se encontra provada, não se encontrando assente que tenha procedido ao pagamento da totalidade do preço do bem vendido, concretamente do remanescente de € 27 672 peticionado É confrangedor verificar que as seguradoras, sabendo que os valores da Portaria não são vinculativos e que a jurisprudência os tem reiteradamente considerado desadequados por demasiado escassos, persistem em invocá-los. É neste quadro que temos de avaliar o que é uma proposta manifestamente insuficiente”. Ora, não atingindo a proposta apresentada sequer 30% do valor indemnizatório agora fixado, deve ser aplicada a mencionada sanção.
E assim sendo, concorda-se com a sentença recorrida neste segmento, devendo a ré ser condenada no pagamento de juros de mora no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso (logo, 8%), sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no n.º 1 até à data da decisão judicial ou até à data estabelecida na decisão judicial. Porém, analisando o dispositivo da sentença, constata-se que esta norma sancionatória não foi adequadamente aplicada, pelo que se procederá à sua correção/substituição” (sub. nosso).
Concluindo, neste segmento decisório, a fundamentação de ambas as decisões foram essencialmente idênticas, pois ambas consideraram serem devidos juros em dobro.
Temos, pois, que o núcleo essencial da fundamentação jurídica nos segmentos decisórios, é idêntico em ambas as instâncias, não havendo divergências quanto aos fundamentos das decisões38,39,40,41,42.
Isto porque, só se pode considerar existente uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na relação tenha assentado, de modo radical ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença recorrida.
Só quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1.ª instância, é que se pode considerar existir uma fundamentação essencialmente diferente, o que não se verificou no caso sub judice.
Destarte, não se admite o recurso subordinado de revista quanto a segmento decisório que condenou a ré no pagamento de juros em dobro, pelo que, dele não se conhece, por não poder integrar o objeto do presente recurso de revista.
2.) SABER DO QUANTUM DE COMPENSAÇÃO A ATRIBUIR AO AUTOR A TÍTULO DE DANO BIOLÓGICO.
O recorrente/autor alegou que “A indemnização arbitrada pelo Tribunal a quo a titulo de dano biológico futuro na vertente patrimonial , não comporta, mal, salvo melhor opinião, a reparação pela grave perda corporal, pela lesão da sua integridade física e psíquica e da saúde do Autor, incluído tão somente o impacto que o défice funcional permanente de 41% teve na perda de capacidade de ganho, nas vertentes de conclusão do ensino universitário, obtenção e manutenção da sua ocupação profissional, progressão de carreira e melhoria da posição profissional e remuneratória”.
Mais alegou que “Ora este dano, salvo melhor entendimento, não se circunscreve às consequências sobre a capacidade de trabalho ou sobre a capacidade de obtenção de rendimentos, pelo que tem de ser entendido numa perspetiva global de ofensa à saúde e à integridade física e psíquica, enquanto direito inviolável do homem à plenitude da vida física”.
Assim, concluiu que “pugna-se pela condenação da Ré pelo valor peticionado de 321.546,00 € (291.546,000 + 30.000,00 €)”.
Alegou ainda que “Tendo o Autor nascido em .../01/1986, a sua esperança de vida à nascença não ultrapassa os 69,90 anos (sexo masculino), ou seja, mais 39 anos, considerando a idade do Autor de 30 anos e 2 meses à data da consolidação das lesões, e deverá ser este, e nenhum outro o prazo considerado para efeitos de cálculo da indemnização a que tem direito”.
Assim, concluiu que “O valor da indemnização arbitrada ao A., no valor de €209.000, a título de compensação pelos danos patrimoniais futuros de cálculo equitativo é manifestamente excessivo”.
Vejamos a questão.
Dano biológico (conceito)
Por dano biológico deve entender-se qualquer lesão da integridade psicofísica que possa prejudicar quaisquer atividades, situações e relações da vida pessoal do sujeito, não sendo necessário que se refira apenas à sua esfera produtiva, abrangendo igualmente a espiritual, cultural, afetiva, social, desportiva e todas as demais nas quais o indivíduo procura desenvolver a sua personalidade43,44.
A lesão à saúde constitui prova, por si só, da existência do dano. O dano biológico constitui, nesta medida, ”um dano base ou dano central, um verdadeiro dano primário, sempre presente em caso de lesão da integridade físico-psíquica, e sempre lesivo do bem saúde"; se, para além desse dano, se verifica um concreto dano à capacidade laboral da vítima, este já é um "dano sucessivo ou ulterior e eventual; não um dano evento, mas um dano consequência", representando "um ulterior coeficiente ou plus de dano a acrescentar ao dano corporal”45.
Assim, mais do que a afetação da capacidade de ganho, suscetível de se repercutir numa perda de rendimento, importa considerar o dano corporal em si, o sofrimento psicossomático que afeta a disponibilidade do autor para o desempenho de quaisquer atividades do seu dia-a-dia46.
Trata-se, pois, de indemnizar o dano corporal sofrido a se, quantificado por referência a um índice 100 (integridade físico-psíquica total), e não qualquer perda efetiva de rendimento ou da concreta privação da capacidade de angariação de réditos.
É este o entendimento que tem vindo a prevalecer na doutrina e na jurisprudência47.
Daí a afirmação de que o dano biológico não constitui uma nova categoria de dano à pessoa, mas constitui sua própria essência; a inovação está na sua reparabilidade em qualquer caso e independentemente das consequências morais e patrimoniais que, da redução da capacidade laborativa, dele possam derivar48.
Em suma, se não existir o dano biológico no caso concreto, não há dano ressarcível; se existe um dano biológico, então deve ser ressarcido e eventualmente deverá ser ressarcido também o dano patrimonial em razão de redução da capacidade laborativa, no caso de ficar demonstrada a sua existência e sua relação causal com aquele biológico e sendo a saúde um direito fundamental do cidadão, previsto expressamente no art. 25º da Constituição, o qual é tutelado pelo direito, contra qualquer tipo de agressão.
Dano biológico (categoria)
No ordenamento jurídico português, inexiste um consenso sobre a categoria em que deve ser inserido e, consequentemente, ressarcido, o dano biológico.
Enquanto uma parte da jurisprudência (talvez maioritária) o configura como dano patrimonial, reconduzindo-o, por vezes, ao dano patrimonial futuro, outra parte, admite que pode ser indemnizado como dano patrimonial ou compensado como dano não patrimonial, em função da análise concreta de cada caso.
Assim, em função das consequências da lesão (entre patrimoniais e não patrimoniais) variará também o próprio dano biológico49.
Existe também uma terceira posição que o qualifica como dano base ou dano-evento que deve ser ressarcido autonomamente50,51.
Mas, sendo o dano biológico um dano, importa proceder à sua integração, ou na categoria do dano patrimonial, ou na classe dos danos não patrimoniais.
A conceção que considera o dano biológico, de cariz patrimonial, entende que, mesmo não havendo uma repercussão negativa no salário ou na atividade profissional do lesado, não se estando perante uma incapacidade para a sua atividade profissional concreta, pode verificar-se uma limitação funcional geral que terá implicações na facilidade e esforços exigíveis, o que integra um dano futuro previsível, segundo o desenvolvimento natural da vida, em cuja qualidade se repercute52,53.
O entendimento que defende que o ressarcimento do dano biológico deve ser feito, em sede de dano não patrimonial, considera, desde logo, que o exercício de qualquer atividade profissional se vai tornando mais penoso com o decorrer dos anos e o desgaste natural da vitalidade (paciência, atenção, perspetivas de carreira, desencantos…) e da saúde, tudo implicando um crescente dispêndio de esforço e energia, agravando-se ou potenciando-se estes condicionalismos naturais, em consequência de uma maior fragilidade adquirida, a nível somático ou psíquico54.
Assim sendo, desde que este agravamento se não repercuta, direta ou indiretamente, no estatuto remuneratório profissional ou na carreira, em si mesma, e não se traduza, necessariamente, numa perda patrimonial futura ou na frustração de um lucro, por parte do lesado, traduzir-se-á num dano não patrimonial.
Deste modo, o chamado dano biológico, tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como compensado, a título de dano não patrimonial, devendo a situação ser apreciada, casuisticamente, verificando-se se a lesão originará, no futuro, durante o período ativo do lesado ou da sua vida, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, uma afetação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade.
Ora, não parece oferecer grandes dúvidas o entendimento de que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia traduz mais um sofrimento psicossomático do que, propriamente, um dano patrimonial55,56,57.
Seja como for, o dano biológico agrega e refere-se a uma lesão da integridade psicofísica, suscetível de avaliação médico-legal e de compensação, estando a integridade psicofísica da pessoa tutelada, designadamente, pelo art. 25º/1, da Constituição (“a integridade moral e física das pessoas é inviolável”) e, pelo art. 70º/1, do CCivil.
Na sistematização da Portaria nº 377/2008, de 26-05, o dano biológico é definido como “o dano pela ofensa à integridade física e psíquica de que resulte ou não perda de capacidade de ganho” (art. 3º/b), com fixação tabelar de indemnização – nos termos de proposta razoável – segundo o Anexo IV.
Poder-se-á, pois, qualificar como um dano não patrimonial objetivo ou comum a todas as pessoas, do que se distinguem os danos não patrimoniais subjetivos que são específicos de cada um58.
Os danos enumerados na referida Portaria podem ser enquadrados nos seguintes termos:
i. Danos patrimoniais futuros resultantes da incapacidade laboral específica e genérica (art. 3º/a) ou apenas incapacidade laboral genérica (artigo 4º/f);
ii. Outros danos patrimoniais (arts. 3º/c/e, 10º);
iii. Dano biológico ou danos não patrimoniais objetivos (art. 3º/b);
iv. Outros danos não patrimoniais ou danos não patrimoniais subjetivos (art. 4º/a/b/c/e)59.
Assim sendo, a indemnização a título de dano biológico é equivalente para todas as vítimas, variando apenas em função da idade e do grau de gravidade da lesão.
Dano biológico (cálculo do montante indemnizatório)
Quanto ao cálculo do dano em que os lesados não sofram uma efetiva diminuição dos rendimentos profissionais (quer porque estes não ficam diminuídos, quer porque estão em causa estudantes, desempregados ou reformados), havendo antes a necessidade de maiores esforços para obtenção dos mesmos rendimentos, não há razão alguma para tratamentos diferenciados por referência ao salário ou rendimento habitual60.
Só se justificará atender aos rendimentos quando estes sofram uma diminuição efetiva por causa da incapacidade, pois só aí é que o tratamento desigual dos lesados terá lugar.
Nas situações em que não ocorre uma perda efetiva de ganho, mas o lesado tem de fazer um maior esforço para obter o mesmo rendimento, no cálculo da indemnização não deve ser relevado o vencimento anual do lesado61.
Impondo o art. 566.º/3, do CCivil, que, na impossibilidade de averiguação do valor exato dos danos, o tribunal julgue equitativamente dentro dos limites que tiver por provados, é imperativo o recurso à equidade, sendo meramente indicativo o valor que se apure através de fórmulas ou outros critérios tidos como razoáveis.
A lei, no que a tal respeita, dá-nos as orientações constantes do art. 564º/2, do CCivil - atendibilidade dos danos futuros previsíveis - e do art. 566º/3, do mesmo Código -, recurso à equidade se não puder ser averiguado o valor exato dos danos62,63.
Antes de mais, há que referir que a Portaria nº 377/08, de 26-05, com as alterações introduzidas pela Portaria nº 679/2009, de 25-6, não vincula os tribunais64,65,66.
Tais tabelas não se aplicam aos tribunais nem limitam minimamente os direitos das pessoas67.
Embora seja comumente aceite que aqueles valores não são vinculativos para os tribunais, para partir de uma base objetiva que diminua, dentro do possível, a existência de decisões muito dispares na quantificação do dano biológico, a jurisprudência tem vindo a utilizar as tabelas financeiras e as fórmulas matemáticas, como base de cálculo. Assim se procura conciliar o tratamento igualitário das vítimas com o objetivo de justiça68,69,70.
Para efeito do cálculo da indemnização por tais danos a jurisprudência tem procurado definir critérios de apreciação e de cálculo, assentando fundamentalmente nas seguintes ideias-força:
1) A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida;
2) No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável;
3) As tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade;
4) Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia;
5) E deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida ativa da vítima, a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma71,72,73,74,75,76.
Está provado que:
– No dia ... de agosto de 2013, pelas ... horas e ...minutos, na Avenida …, em …, …, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes os veículos com matrícula ..-NT-.. e ..-..-LC – facto provado nº 1.
– O LC, um motociclo, era conduzido pelo autor – facto provado nº 3.
– Tal diminuição deve ser quantificada em 41 pontos nos termos da TNI, correspondendo a uma diminuição da capacidade orgânica geral do autor quantificável em 41% – facto provado nº 64.
Na fixação do quantum indemnizatório, o Tribunal da Relação lançou mão de juízo de equidade (arts. 496º/3 e 566º/3, do CCivil), pelo que não cabe ao Supremo Tribunal de Justiça, por não envolver a resolução de uma questão de direito, sindicar os valores exatos dos montantes indemnizatórios concretamente arbitrados, “cingindo-se a sua apreciação ao controle dos pressupostos normativos do recurso à equidade e dos limites dentro dos quais deve situar-se o juízo equitativo, nomeadamente os princípios da proporcionalidade e da igualdade conducentes à razoabilidade do valor encontrado”77,78.
No caso sub judice, vejamos qual o percurso argumentativo feito pelo tribunal a quo para fixar a indemnização atribuída ao autor por dano biológico:
“A este propósito, consideram-se os seguintes factos provados: - Em consequência dos impactos sofridos no crânio devido ao acidente, o autor passou
a sofrer de limitação marcada da sua capacidade mental, com dificuldades de memória,
lentidão de raciocínio, limitação geral das capacidades intelectuais e afetação de funções
motoras, designadamente ao nível sexual; - O autor padece de diminuição da capacidade orgânica geral quantificável em 41%; - A sua apurada situação profissional, já acima mencionada, da qual se pode concluir que tem vindo a estar empregado e desempregado, alterando entre as duas situações, recebendo subsídio de desemprego e retribuições, respetivamente, de valores que variam entre o salário mínimo nacional e o montante de € 933; - Em consequência do acidente, o seu desempenho profissional foi sensivelmente prejudicado pela diminuição das suas faculdades mentais, apresentando muitas dificuldades e falhas na realização de tarefas que impliquem uso da memória ou de raciocínio; - O acidente afetou o percurso escolar do autor, inviabilizando a obtenção de maior grau de formação profissional. Da conjugação de todos estes dados factuais, cremos ser de afirmar a previsibilidade do dano futuro traduzido em perda de capacidade de ganho, nas modalidades de obtenção de ocupação profissional, manutenção de ocupação profissional, progressão de carreira, obtenção de melhor posição profissional e melhoria salarial ou remuneratória. Tudo isto se integrando no já acima caracterizado dano biológico. Estamos, pois, perante um dano futuro previsível, embora indeterminável em momento anterior à sua (futura e previsível) ocorrência. Daí que se revele forçoso lançar mão de juízos de equidade, como aliás efetuado na sentença recorrida – artigo 566º, nº 3, CC. Deste modo, para determinar o quantum indemnizatório com recurso à equidade, serão considerados os seguintes fatores: - Atualmente, a idade legal de reforma é de 66 anos e quatro meses, por aplicação da Portaria nº 292/2022, de 9 de dezembro; - Revela-se, por isso, previsível que o autor pretenda trabalhar até essa idade (e tenha do o fazer para se sustentar), durante 39 anos de vida ativa; - Trabalhando, o autor auferiria pelo menos o salário mínimo nacional, que atualmente corresponde a € 820 (Decreto-Lei nº 107/2023, de 17 de novembro), mas que certamente irá aumentar nos próximos anos, razão pela qual se elege o montante remuneratório mensal de € 1.000 como dado de cálculo. Para além disso, não se deverá esquecer que o montante a fixar (sendo certo que se solicitou a entrega de um capital, e não de uma renda) constitui um adiantamento de determinadas quantias que só seriam recebidas pelo lesado em data posterior (ao longo de vários anos), pelo que a redução relacionada com tal benefício de antecipação de capital, visando evitar “(…) o seu enriquecimento indevido, só se justifica em termos moderados e apenas se a materialidade concreta que foi provada nos autos a justificar indubitavelmente” (neste sentido, cfr. os Acórdão do STJ de 06-03-202418, e do S.T.J. de 10-04-202419). In casu, de forma a erradicar-se tal benefício (que seria ilegítimo), julgamos adequado reduzir o valor a obter em 10%, considerando a duração da antecipação do capital, e a possibilidade de o lesado rentabilizar o capital que agora receberá no enquadramento económico atual. Redução essa que não será superior dada a incapacidade do autor em progredir profissionalmente, em consequência dos danos sofridos no acidente. Assim, conjugando todos os referidos fatores, realiza-se o seguinte cálculo: (€ 1.000x14=€ 14.000) x41%=€ 5.740 (valor anual); € 5.740x39 anos=€ 223.860; € 223.860x0,90=€ 201.474, que se arredonda para € 201.500”.
O Tribunal da Relação utilizou os critérios habituais da jurisprudência na fixação do valor indemnizatório segundo a equidade, usando fórmulas apenas como ponto de partida, para logo as corrigir com elementos usuais – idade da reforma, idade previsível de trabalho, salário previsível, redução por antecipação do recebimento do capital, etc.79.
Estando face a um dano que se irá refletir no futuro, perfeitamente previsível, porque irá influir diretamente na atividade psicossomática do autor, não só no esforço acrescido para desempenhar a sua função normal, a qual se ressentirá necessariamente, pois traduz um défice funcional permanente, repercutindo-se na sua qualidade de vida, presente e futura e, nesta perspetiva, consideramos adequada a quantia de 201 500,00€, fixado pelo tribunal a quo, a título de dano biológico.
Tendo em vista uma aplicação uniforme do direito, ponderando a jurisprudência análoga dos últimos anos (art. 8º/3, do CCivil), atendendo, v.g., à idade do lesado e défice funcional, o valor fixado pelo tribunal a quo não se mostra irrazoável face ao dano verificado80,81,82,83,8485,86,87,88,89,90.
Em aplicação de tais critérios, não há fundamento bastante para censurar o juízo formulado pelo tribunal a quo com apelo à equidade91, que arbitrou ao autor com 27 anos de idade à data do acidente, afetado por uma Incapacidade Geral Parcial Permanente de 41 pontos, que conduziu a um valor indemnizatório de 201 500,00€, por dano biológico.
Alegou ainda que “Tendo o Autor nascido em .../01/1986, a sua esperança de vida à nascença não ultrapassa os 69,90 anos (sexo masculino), ou seja, mais 39 anos, considerando a idade do Autor de 30 anos e 2 meses à data da consolidação das lesões, e deverá ser este, e nenhum outro o prazo considerado para efeitos de cálculo da indemnização a que tem direito”.
Vejamos.
Utilizando como hipótese a aplicação do critério habitualmente usado para o cálculo do dano patrimonial futuro, de modo aproximado92, pode-se tomar por base um rendimento médio anual 16 6224,00 €93: a indemnização a arbitrar deve corresponder a um capital produtor do rendimento que se extinguirá no termo do período provável da vida do lesado94, determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da vida profissional ativa)95, com uma dedução que poderá situar-se entre 1/3 e 1/4 dado o facto de ocorrer uma antecipação do pagamento de todo o capital96,97.
Efetuando tal cálculo, para o caso dos autos, teríamos que a perda patrimonial anual corresponde a 6815,00 € (16 624,00 x 41%98) o que permitiria alcançar, ao fim de 5099 anos de vida (atendendo que o autor contava 27 anos de idade à data do acidente e que a sua esperança média de vida se situava nos 77 anos de idade), o montante de 340 792,00 €.
Operando a redução de 1/3, obteríamos a quantia de 227 194,66 € e, com uma redução de 1/4, teríamos a quantia de 255 594,00 €.
Contudo, já quanto ao quantitativo correspondente ao valor do desconto a efetuar em razão da disponibilização antecipada da indemnização, a jurisprudência tem apontado diversas soluções100,101,102,103,104,105,106.
Em razão de tal antecipação (tendo em consideração, nomeadamente, o rendimento correspondente ao valor dos anos de antecipação), ponderada a idade do lesado, a respetiva esperança de vida, bem como, a antecipação do pagamento de indemnização e os critérios jurisprudenciais, afigura-se-nos ajustada aplicar uma correção em 1/3 ao montante apurado, em razão da disponibilização imediata do valor indemnizatório.
Assim, atendendo a estas premissas, a compensação atribuída pelo tribunal a quo de 201 500,00€, por dano biológico, mostra-se adequada face ao dano verificado, não sendo excessiva a fixada.
Destarte, improcedendo, nesta parte, as conclusões dos recursos de revista (independente e subordinado), há que confirmar o acórdão recorrido.
3.) SABER DO QUANTUM DE COMPENSAÇÃO A ATRIBUIR AO AUTOR A TÍTULO DE DANOS NÃO PATRIMONIAIS.
O recorrente/autor alegou que “O valor fixado de 60 000,00 € pelo Tribunal ora Recorrido, a título de indemnização por danos não patrimoniais, é manifestamente insuficiente para satisfazer a dor, o sofrimento, os incómodos, o longo período de recuperação, as lesões, a perda de oportunidades de vida do e do seu bem estar, pelo que, se entende parcimonioso montante não inferior a 78 400,00 €”.
A recorrente/ré alegou que “A indemnização arbitrada ao autor para compensar os danos não patrimoniais (€ 60 000,00), é manifestamente excessiva”.
Vejamos a questão.
Danos não patrimoniais (conceito)
Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – art. 496º/1, do CCivil.
O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores – art. 496º/4, do CCivil.
Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem – art. 494º, do CCivil.
A lei não enumera os casos de danos não patrimoniais que justificam a atribuição de uma indemnização, limitando-se a esclarecer que esta apenas deve abarcar aqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, nos termos do previsto pelo artigo 496º/1, do CC, ou seja, a reparação apenas se justifica se a especial natureza dos bens lesados o exigir, ou quando as circunstâncias que acompanham a violação do direito de outrem forem de molde a determinar uma grave lesão de bens ou valores não patrimoniais107.
Danos não patrimoniais serão os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insuscetíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem-estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização108,109.
A responsabilidade civil por danos não patrimoniais assume uma dupla função: compensatória e punitiva: compensatória, na medida em que o quantum atribuído a título de danos não patrimoniais consubstancia uma compensação, uma satisfação do lesado, na qual se atende à extensão e gravidade dos danos; punitiva, na medida em que a lei enuncia que a determinação do montante da indemnização deve ser fixada equitativamente, atendendo ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica desta e do lesado e às demais circunstâncias do caso.
Danos não patrimoniais (danos indemnizáveis)
No âmbito dos danos de natureza não patrimonial, destacam-se ainda, face ao estreitamento do seu âmbito, as dores, sofrimentos e desgostos, os traumatismos físicos, as fraturas, os tratamentos e reabilitações necessários à regeneração da pessoa, vítima, no caso concreto, de acidente de viação110,111.
São abrangidos por esta nomenclatura os atos lesivos que atinjam, a título de exemplo, a honra, o bom nome, a saúde, a integridade e dores físicas, a liberdade, entre outros elementos de cariz não patrimonial112.
Danos não patrimoniais (cálculo do montante indemnizatório)
Embora o artigo 496º do CC faça referência expressa à atribuição de uma indemnização pela verificação de danos não patrimoniais resultantes do ato lesivo de terceiro, segundo Jorge Sinde Monteiro e Júlio Gomes a doutrina nacional tem sido unânime ao referir que, perante impossibilidade de valoração pecuniária dos bens em causa, não estaremos aqui perante uma verdadeira indemnização, mas sim uma compensação. Esta compensação terá como finalidade primacial a satisfação do lesado pelo sofrimento causado pelo evento traumático atendendo, no entanto, à natural dificuldade em fixar um valor primário idêntico ao bem lesado até porque, na maioria das vezes e tendo em conta a natureza dos bens jurídicos que estão aqui em causa, verifica-se não uma dificuldade na quantificação do dano, mas sim uma natural impossibilidade de atribuir um valor à dor ou vida humana113.
A satisfação ou compensação dos danos não patrimoniais não é uma verdadeira indemnização, no sentido de um equivalente do dano, isto é, de um valor que reponha as coisas no estado anterior à lesão, pretendendo apenas atribuir ao lesado uma satisfação ou compensação pelo dano sofrido, uma vez que este, sendo apenas moral, não é suscetível de equivalente.
Um dos casos em que a lei prevê o recurso à equidade na decisão consiste na determinação da indemnização por danos não patrimoniais, a fixar, nos termos do art. 496.º/4, do CCivil, equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494.º do mesmo Código.
O art. 496.º/1, do CCivil atribui ao julgador a tarefa de determinar o que é equitativo e justo em cada caso, não em função da adição de custos ou despesas, mas, no intuito de arbitrar à vítima a importância de valores de natureza não patrimonial em que o lesado se viu afetado e, daí que, os danos não patrimoniais não possam sujeitar-se a uma estrita e precisa medição quantitativa, mas sim, a uma valoração compensatória.
Na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo certo que o respetivo montante será estabelecido, equitativamente, pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, que, na hipótese de responsabilidade baseada na mera culpa, aquele montante poderá ser inferior ao que corresponderia ao valor dos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem, em conformidade com o preceituado pelos arts. 496º/1/3 e 494º, ambos do CCivil114.
A indemnização por danos não patrimoniais não visa reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento, mas sim compensar de alguma forma o lesado pelas dores físicas ou morais sofridas e também sancionar a conduta do lesante.
A gravidade do dano não patrimonial tem que ser aferida por um critério objetivo, tomando-se em consideração as circunstâncias do caso concreto, e não, através de um critério subjetivo, devendo o montante da indemnização ser fixado, segundo padrões de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica, à do lesado e titular da indemnização, e às flutuações do valor da moeda, proporcionalmente, à gravidade do dano, nos termos do disposto pelo artigo 496º/3, do CC115,116.
Para que o dano não patrimonial seja reparável, parece de exigir que ele tenha determinada gravidade, que represente um prejuízo bastante sério e de tal natureza que se justifique a sua satisfação ou compensação pecuniária117,118.
O legislador fixou como critérios de determinação do quantum da indemnização por danos não patrimoniais: a equidade (artigo 496º, n.º 3 do CC); o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso (artigo 494.º, aplicável ex vi da primeira parte do n.º 3 do artigo 496.º, do mesmo Código). A respeito do critério atinente à consideração da situação económica do lesante e do lesado, tal critério só tem relevância quando ocorre uma “(…) verdadeira desproporção (lesado rico/lesante pobre, mas já não a inversa”, só aí se justificando atender às situações económicas, tanto mais que, o bem “vida” não é compaginável com critérios de índole económica como o proposto no artigo 494.º do CC119,120.
Além destes elementos, deverá o julgador ter ainda em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, na decorrência do disposto no artigo 8.º/3, do CCivil121.
Independentemente de estarem em causa danos patrimoniais ou não patrimoniais, o controlo, designadamente em sede de recurso de revista, da fixação equitativa da indemnização deve concentrar-se em quatro planos, de acordo com o que tem constituído a jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal de Justiça122.
Está em causa fazer com que o juízo equitativo se conforme com os princípios da igualdade e da proporcionalidade — e que, conformando-se com os princípios da igualdade e da proporcionalidade, conduza a uma decisão razoável.
Tal juízo de equidade das instâncias, assente numa ponderação, prudencial e casuística das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida - se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adotados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade123,124,125.
No caso sub judice, vejamos qual o percurso argumentativo feito pelo tribunal a quo para fixar a indemnização atribuída ao autor por danos não patrimoniais:
“Analisandos os danos sofridos pelo autor, descritos na factualidade provada e longamente analisados na sentença recorrida, julgamos que assumem gravidade suficiente para merecerem tutela jurídica. De facto, e evidenciando tal gravidade, apurou-se que o autor sofreu sérias e extensas sequelas físicas, mentais e intelectuais, que o acompanharão pelo resto da sua vida, tendo sido submetido a diversos tratamentos médicos, a que terá de continuar sujeito, causando-lhe dores (quantum doloris quantificável em grau 5, numa escala até 7) e danos estéticos (quantificadas em grau 2, numa escala de 2 a 7), vergonha e diminuição, depressão, ansiedade, disfunção eréctil, perda de autoestima e alegria na sua vida quotidiana, tristeza e frustração. Tudo ponderado, seguindo os fatores acima indicados (novamente a equidade - cfr. artigos 496º, n.º 3, 1ª parte, e 494º, CC), e os padrões da jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores (cfr., entre outros, os Acórdãos do STJ de 21-06-2022, de 29-10-2020, de 29-04-2021), julgamos razoável e equitativo atribuir o montante global de € 60.000 pelos danos não patrimoniais sofridos pelo autor”.
Assim, o acórdão proferido pelo tribunal a quo efetuou uma análise da casuística analisada pelo Supremo Tribunal de Justiça, segundo um juízo de comparabilidade relativa, em que foram atribuídas compensações por danos não patrimoniais, que oscilaram entre os 60 000,00€ e os 100 000,00€.
Porém, a equidade, todavia, não dispensa a observância do princípio da igualdade, o que obriga ao confronto com indemnizações atribuídas em outras situações. A prossecução desse princípio implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso126.
Da análise dos citados arestos, em confronto com os factos aqui apurados, em que o autor teve um quantum doloris de 5 (em 7); um dano estético de grau 2 (em 7); um prejuízo de Afirmação Pessoal de grau 5 (em 5); passou a sofrer de disfunção eréctil, o que lhe causa um sentimento de vergonha e diminuição; teve fortes dores no período até à data de consolidação das lesões na face, tórax e membros, quantificável em grau 5 (em 7); sofreu sérias e extensas sequelas físicas, mentais e intelectuais, fixadas no défice funcional permanente de 41%, que o acompanharão pelo resto da sua vida; apresenta alterações de humor frequentes, comportamento ansioso e depressivo; necessitará de acompanhamento em psicologia, psiquiatria e neurocirurgia, com periodicidade não apurada, para o resto da vida e, tendo o acidente ocorrido quando tinha 27 anos de idade, necessitando de medicação e tratamentos para o resto da vida, temos que a compensação fixada pelo tribunal a quo, a titulo de danos não patrimoniais se mostra aquém daqueloutras fixadas neste Supremo Tribunal, em situações que podemos considerar equiparáveis à presente127,128,129.
Tendo em vista uma aplicação uniforme do direito, ponderando a jurisprudência análoga dos últimos anos (art. 8º/3, do CCivil), entendemos ser ajustada uma compensação no valor de 80 000,00€ (oitenta mil euros), para a reparação dos danos não patrimoniais sofridos pelo autor.
Concluindo, afigura-se-nos equitativamente adequada, equilibrada e justa uma compensação no valor de 80 000,00€ (oitenta mil euros), para a reparação dos danos não patrimoniais, atualizada nesta data, pelo que os juros de mora só podem vencer-se a partir do presente acórdão, por força do AUJ nº4/202, de 09-05-2002130.
Destarte, procedem parcialmente, nesta parte, as conclusões do recurso de revista (independente) e, improcedem, nesta parte, as conclusões do recurso de revista (subordinado).
3. DISPOSITIVO
3.1. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (1ª) do Supremo Tribunal de Justiça em:
a) Não admitir o recurso de revista (subordinado) quanto ao segmento decisório que condenou a ré, FIDELIDADE COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. no pagamento de juros em dobro, dele não se conhecendo.
b) Julgar parcialmente procedente o recurso de revista (independente) e, consequentemente, em revogar-se o acórdão recorrido, condenando-se a ré, FIDELIDADE COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., a pagar ao autor, AA, a quantia de 80 000,00€ (oitenta mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, a que acrescem juros de mora, contados à taxa legal, desde a data do presente acórdão e até integral e efetivo pagamento.
c) Julgar improcedente o recurso de revista (subordinado) e, consequentemente, em confirmar-se o acórdão recorrido.
3.2. REGIME DE CUSTAS
a) Custas131 no recurso de revista (independente) pelo recorrente/autor e pela recorrida/ré (na vertente de custas de parte, por outras não haver132), na proporção de 2/3 e 1/3, respetivamente, para cada uma delas;
b) Custas no recurso de revista (subordinado) pela recorrente/ré (na vertente de custas de parte, por outras não haver), porquanto a elas deu causa por ter ficado vencida.
(Nelson Borges Carneiro) – Relator
(Jorge Arcanjo) – 1º adjunto
(Anabela Luna de Carvalho) – 2º adjunto
_____________________________________________
1. As decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos – art. 627º/1, do CPCivil.↩︎
2. Recursos, «em sentido técnico-jurídico, são os meios específicos de impugnação das decisões judiciais, através dos quais se obtém o reexame da matéria apreciada pela decisão recorrida» – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 463.↩︎
3. No nosso sistema processual (no que à apelação e à revista) predomina o «esquema do recurso de reponderação»: o objeto do recurso é a decisão impugnada, encontrando-se à partida, vedada a produção defeitos jurídicos ex-novo. Através do recurso, o que se visa é a impugnação de uma decisão já ex-ante proferida que não o julgamento de uma qualquer questão nova. Uma relevante exceção ao modelo de reponderação é a que se traduz nas questões de conhecimento oficioso: o tribunal superior pode sempre apreciar qualquer dessas questões ainda que não suscitadas perante o tribunal a quo – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 468.↩︎
4. Os recursos são ordinários ou extraordinários, sendo ordinários os recursos de apelação e de revista e extraordinários o recurso para uniformização de jurisprudência e a revisão – art. 627º/2, do CPCivil.↩︎
5. A lei estabelece uma divisão entre recursos ordinários e recursos extraordinários a partir de um critério formal ligado ao trânsito em julgado da decisão. Enquanto os recursos ordinários pressupõem que ainda não ocorreu o trânsito em julgado, devolvendo-se ao tribunal de recurso a possibilidade de anular, revogar ou modificar a decisão, os recursos extraordinários são interpostos depois daquele trânsito – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 777.↩︎
6. Aquele que interpõe o recurso – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 477.↩︎
7. Aquele contra quem se interpõe o recurso – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 477.↩︎
8. O juiz que lavrar o acórdão deve sumariá-lo – art. 663º/7, do CPCivil.↩︎
9. O sumário não faz parte da decisão, consistindo tão só numa síntese daquilo que fundamentalmente foi apreciado com mero valor de divulgação jurisprudencial. Por tais motivos, o sumário deve ser destacado do próprio acórdão, sendo da exclusiva responsabilidade do relator – ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, p. 301.↩︎
10. O acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º – art. 663º/2, do CPCivil.↩︎
11. Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões (art. 639º/1) – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503.↩︎
12. As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 639º/3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 795.↩︎
13. O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art. 639º/1/2 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil.↩︎
14. Depois de formular conclusões, o recorrente termina deduzindo um pedido de revogação, total ou parcial, de uma decisão judicial – RUI PINTO, Manual do Recurso Civil, Volume I, AAFDL Editora, Lisboa, 2020, p. 293.↩︎
15. Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões (art. 639º/1) – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503.↩︎
16. As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 639º/3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 795.↩︎
17. O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art. 639º/1/2 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil.↩︎
18. Na sessão anterior ao julgamento do recurso, o processo, acompanhado com o projeto de acórdão, vai com vista simultânea, por meios eletrónicos, aos dois juízes-adjuntos, pelo prazo de cinco dias, ou, quando tal não for tecnicamente possível, o relator ordena a extração de cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes para a apreciação do objeto da apelação – art. 657º/2 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil.↩︎
19. Todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas, não podendo de elas conhecer o tribunal de recurso.↩︎
20. Vem sendo entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.↩︎
21. O Tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas (isto é, questões que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” – ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, 7ª edição, p. 139.↩︎
22. Relativamente a questões de conhecimento oficioso e que, por isso mesmo, não foram suscitadas anteriormente, deve ser assegurado o contraditório, nos termos do art. 3º/3, do CPCivil.↩︎
23. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2018-11-13, Relator: ACÁCIO DAS NEVES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
24. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2016-03-10, Relator: TOMÉ GOMES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
25. Diário da República n.º 21/2020, Série I de 2020-01-30.↩︎
26. ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 785.↩︎
27. FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 572.↩︎
28. FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 574.↩︎
29. FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 574.↩︎
30. FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 574.↩︎
31. A dupla conformidade decisória impede a interposição de recurso de revista, nos termos do n.º 3 do art. 671.º do CPC – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-05-26, Relator: HENRIQUE ARAÚJO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
32. Não é admissível a revista em termos gerais quando se está perante uma situação de existência de dupla conforme – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-09-07, Relator: RAMALHO PINTO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
33. A única circunstância divergente entre as decisões admitida por lei como insuscetível de afastar a dupla conforme resultante da confirmação unânime, pela Relação, da decisão da 1ª instância, é a divergência quanto a algum fundamento da decisão – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2011-09-08, Relator: SILVA SALAZAR, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
34. Igualmente existe dupla conforme quando, embora com desenvolvimento e nível de concretização diferentes, o Tribunal da Relação não decide com fundamentação essencialmente distinta – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-09-07, Relator: RAMALHO PINTO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
35. A figura da “dupla conforme” que se encontra plasmada no n.º 3 do art. 671.º do CPC, que obsta ao recurso de revista normal, pressupõe que haja um acórdão da Relação que confirme a decisão (recorrida) da primeira instância e que essa confirmação ocorra sem qualquer voto de vencido e sem uma fundamentação essencialmente diferente – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-02-15, Relator: ISAÍAS PÁDUA, Revista: 16399/15.1T8LSB-A.L1.S.↩︎
36. Estando formada uma dupla conformidade decisória das instâncias, não é admissível recurso ordinário de revista. O art. 671.º, n.º 3, do CPC não padece de inconstitucionalidade – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-02-08, Relator: JOSÉ RAINHO, Reclamação: 471/18.9T8SSB.E1-A.S1.↩︎
37. Verifica-se dupla conformidade decisória impeditiva da admissão de recurso de revista ao abrigo da regra geral contida no art. 671.º, n.º 1, do CPC sempre que a decisão proferida em primeira instância seja confirmada sem voto de vencido e sem que seja utilizada fundamentação essencialmente diferente para a solução jurídica adotada – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-10-10, Relator: MANUEL AGUIAR PEREIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
38. A alusão à natureza essencial ou substancial da diversidade da fundamentação determina que sejam desconsideradas para o efeito as discrepâncias marginais ou secundárias que não constituam um enquadramento jurídico alternativo – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 579.↩︎
39. A admissão do recurso de revista interposto de um acórdão da Relação que confirmou a decisão da 1ª instância, depende da verificação de uma situação em que o núcleo essencial da fundamentação jurídica é diverso – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 579.↩︎
40. O conceito de fundamentação essencialmente diferente (art. 671.º, n.º 3, do CPC) não se basta com qualquer modificação ou alteração da fundamentação, sendo antes indispensável que o âmago fundamental do enquadramento jurídico seguido pela Relação seja completamente diverso daquele que foi seguido pela 1.ª instância – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-03-31, Relator: FERNANDO BAPTISTA, Revista: 14992/19.2T8LSB.L1.S1.↩︎
41. Tratando-se de um conceito vago/indeterminado fornecido pelo legislador, o conceito de “fundamentação essencialmente diferente” deve ser densificado/concretizado no sentido de entender que “há fundamentação essencialmente diferente” quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radical ou profundamente inovatório, em 179 normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão recorrida, sendo de desconsiderar as discrepâncias marginais, secundárias ou periféricas, que não representem efetivamente um percurso jurídico diverso, e bem como ainda o mero reforço argumentativo levado a cabo pela Relação para fundamentar a mesma solução alcançada pela decisão apelada ou até o aditamento porventura de outro fundamento jurídico, que não tenha sido considerado, desde que não saia do âmbito/perímetro normativo/ substancial/ material em que se moveu a decisão recorrida – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-02-15, Relator: ISAÍAS PÁDUA, Revista: 16399/ 15.1T8LSB-A.L1.S.↩︎
42. Para que se esteja perante uma fundamentação essencialmente diferente é necessário que as instâncias divirjam essencialmente no iter jurídico conducente à mesma decisão – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2016-01-21, Relator: TÁVORA VICTOR, Revista: 5838/11.0 TBMAI.P1.S1.↩︎
43. Com efeito, o dano biológico é constituído pela lesão à integridade físico-psíquica, à saúde da pessoa em si e por si considerada, independentemente das consequências de ordem patrimonial. Abrange as tarefas quotidianas que a lesão impede ou dificulta e as repercussões negativas em qualquer domínio em que se desenvolva a personalidade humana – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-12-05, Relatora: ANA PAULA BOULAROT, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
44. O dano corporal não depende da existência e prova dos efeitos patrimoniais, estes é que se apresentam como consequência posterior do primeiro, devendo ser considerado reparável ainda que não incida na capacidade de produzir rendimentos e, também, independentemente desta última – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-12-12, Relator: HÉLDER ROQUE, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
45. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-12-05, Relatora: ANA PAULA BOULAROT, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
46. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2014-05-13, Relator: PINTO DE ALMEIDA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
47. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2014-05-13, Relator: PINTO DE ALMEIDA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
48. O dano biológico consiste na diminuição ou lesão da integridade psicofísica da pessoa, em si e por si considerada, e incidindo sobre o valor homem em toda a sua concreta dimensão, que não se esgota numa mera aptidão para produzir riqueza – ÁLVARO DIAS, Dano Corporal, Quadro Epistemológico e Aspetos Ressarcitórios, Coleção Teses, 2001, p. 272.↩︎
49. Ao dano biológico não pode ser conferida autonomia enquanto tertium genus e, por essa razão, todas as variantes do dano-consequência terão de traduzir-se sempre num dano patrimonial e/ou num dano não patrimonial. Assim, o défice funcional, ou dano biológico, representado pela incapacidade permanente resultante das lesões sofridas em acidente de viação, é suscetível de desencadear danos no lesado de natureza patrimonial e/ou de natureza não patrimonial – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2019-10-29, Relator: HENRIQUE ARAÚJO, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
50. O dano biológico, sendo um dano real ou dano-evento, não deve, em princípio, ser qualificado como dano patrimonial ou não patrimonial, mas antes como tendo consequências de um e/ou outro tipo; e também por isso, em nosso entender, o dano biológico não deve ser tido como um dano autónomo em relação à dicotomia danos patrimoniais/danos não patrimoniais – MARIA DA GRAÇA TRIGO, Adoção do Conceito de “Dano Biológico” pelo Direito Português, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, volume VI, p. 653.↩︎
51. Este tipo de dano (biológico) assume, relativamente aos tradicionais e correntes tipos de danos patrimoniais e extra patrimoniais, uma feição de dano autónomo, atribuindo-lhe a doutrina e a jurisprudência uma função reparadora ao nível da perda de capacidade do lesado em manter um exercício funcional idêntico ou com a mesma amplitude e desenvoltura que faria se não tivesse sofrido a lesão corporal que determina a obrigação de indemnizar. Para que surja a obrigação de indemnizar por este tipo de dano não se torna necessário que o lesado tenha sofrido ou venha a sofrer de uma incapacidade permanente geral para o trabalho ou, o que vale dizer para a atividade profissional que desenvolvia ou que possa vir a desenvolver no futuro, mas tão só que as lesões sofridas sejam limitadoras e incapacitantes de uma catividade funcional normal enquanto pessoa – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-07-05, Relator: GABRIEL CATARINO, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
52. Os nossos tribunais, com particular destaque para a jurisprudência do STJ, têm vindo a reconhecer o dano biológico como dano patrimonial, na vertente de lucros cessantes, na medida em que respeita a incapacidade funcional, ainda que esta não impeça o lesado de trabalhar e que dela não resulte perda de vencimento, uma vez que a força de trabalho humano sempre é fonte de rendimentos, sendo que tal incapacidade obriga a um maior esforço para manter o nível de rendimento anteriormente auferido - Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2016-03-16, Relator: TOMÉ GOMES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
53. O dano biológico, resulta da afetação da integridade psicossomática da pessoa, devendo ser primordialmente qualificado como dano patrimonial se o acidente causou ao lesado sequelas físicas permanentes que, se no imediato e por razões conjunturais não afetam o auferimento de réditos laborais, no futuro terão repercussão na atividade física do lesado, do ponto em que sua a capacidade laboral está irreversivelmente afetada. O dano é, assim, presente e futuro devendo, por regra, ser indemnizável como dano patrimonial – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2016-01-26, Relator: FONSECA RAMOS, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
54. Da configuração do dano biológico como lesão da saúde, à integridade físico-psíquica do ser humano, em toda a sua dimensão, ou seja, da sua qualificação como dano-evento, objetivamente, antijurídico, violador de direitos fundamentais, constitucionalmente, protegidos, resulta, como efeito, a atribuição da sua natureza não patrimonial – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-12-12, Relator: HÉLDER ROQUE, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
55. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-12-12, Relator: HÉLDER ROQUE, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
56. Este dano implica sempre a existência de uma patologia física ou psíquica (ou de ambas) comprovável em termos médico-legais, aparecendo, também, identificado na doutrina italiana como dano à saúde, entendendo-se que um tal prejuízo decorre da violação do direito à saúde tutelado no artigo 32º da Constituição italiana – BRUNO BOM FERREIRA, Dano da morte: Compensação dos danos não patrimoniais à luz da evolução da conceção de família, pp. 86/7.↩︎
57. Deve ser contabilizado como dano biológico a maior penosidade e esforço no exercício da atividade diária corrente e profissional por parte do autor/recorrido, bem como o condicionamento a que ficou sujeito para efeitos de valorização do seu estatuto no emprego – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2011-05-17, Relator: GREGÓRIO SILVA JESUS, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
58. MARIA DA GRAÇA TRIGO, Responsabilidade Civil, Temas Especiais, 2017, p. 84.↩︎
59. MARIA DA GRAÇA TRIGO, Responsabilidade Civil, Temas Especiais, 2017, p. 84.↩︎
60. RITA MOTA SOARES, O dano biológico quando da afetação funcional não resulte perda da capacidade de ganho – o princípio da igualdade, Revista Julgar, nº 33, p. 125.↩︎
61. Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2016-11-22, Relator: PIRES DE SOUSA, http://www.dgsi.pt/jtrl.↩︎
62. A equidade destina-se a encontrar a solução mais justa para o caso concreto, («(…) Como refere o Prof. Castanheira Neves, “a equidade, exatamente entendida, não traduz uma intenção distinta da intenção jurídica, é antes um momento essencial da juridicidade.” (apud "Questão de Facto - Questão de Direito", 1967, 351), ou, para o Prof. José Tavares, "a expressão da justiça num dado caso concreto". (in "Princípios Fundamentais do Direito Civil", I, 50). É uma justiça de proporção, ou de equilíbrio, fora das regras rígidas da norma – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2006-07-11, Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
63. O termo «equidade», é usado como sinónimo de «igualdade» e de «Justiça», permitindo que o julgador, aquando da sentença adapte a justiça às circunstâncias da situação concreta, («(…) a equidade é, portanto, um recurso que, superando a estrita legalidade positiva e apoiando-se no espírito da lei e na justiça natural, possibilita a consecução mais cabal e perfeita do justo nas variáveis e contingentes situações da vida.(…) Trata-se, em suma, de deixar à prudência do julgador adotar a solução que entenda mais conveniente e oportuna para cada situação. Há quem fale, em tal hipótese, de «equidade-substitutiva», precisamente pelo facto de o juízo de equidade se substituir às normas jurídicas positivas. (…) A melhor doutrina procura conjugar equilibradamente as exigências da norma (justo legal) e do caso (justo concreto) e encontrar, enfim, a justa via média entre o normativismo abstrato e o decisionismo casuístico – MÁRIO BIGOTTE CHORÃO, Introdução ao Direito, volume I, pp. 97/102/105/106 Apud Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-10-08, Relatora: ANA PAULA BOULAROT, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
64. Os critérios seguidos pela Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho, destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extrajudicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem àquele – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-02-21, Relatora: MARIA PIZARRO BELEZA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
65. A Portaria 679/09 limitou-se a rever e atualizar os critérios e montantes que haviam sido regulamentarmente estabelecidos na Portaria 291/07, sem naturalmente pôr em causa a sua típica funcionalidade de mero estabelecimento de padrões mínimos a cumprir pelas seguradoras na apresentação de propostas sérias e razoáveis de regularização de sinistros – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2010-07-01, Relator: LOPES DO REGO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
66. Na determinação dos montantes indemnizatórios aos lesados em acidentes de viação, os tribunais não estão obrigados a aplicar as tabelas contidas na Portaria n.º 377/2008, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25-06, ali apenas se estabelecendo padrões mínimos, a cumprir pelas seguradoras, na apresentação aos lesados de propostas sérias e razoáveis de regularização dos sinistros, indemnizando o dano corporal – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-04-13, Relator: FERNANDO BAPTISTA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
67. MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, Direito das Obrigações, volume II, Tomo 3, p. 753.↩︎
68. RITA MOTA SOARES, O dano biológico quando da afetação funcional não resulte perda da capacidade de ganho – o princípio da igualdade, Revista Julgar, nº 33, p. 125.↩︎
69. As fórmulas matemáticas, cálculos financeiros e aplicação de tabelas que com alguma unanimidade vêm sendo aceites no cálculo do capital produtor de um rendimento vitalício para o lesado, devem ser entendidas como meramente orientadoras e explicativas do juízo de equidade a que a lei se reporta, e o valor com elas alcançado sempre se traduzirá num minus indemnizatório, que deverá por isso ser temperado através do recurso à equidade – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2011-05-17, Relator: GREGÓRIO SILVA JESUS, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
70. Em conformidade com a jurisprudência consolidada na matéria, os valores obtidos através da aplicação de auxiliares matemáticos fornecem apenas uma orientação com o objetivo de uniformização de soluções para casos idênticos ou de contornos semelhantes, sem prejuízo da indemnização dever ser sempre ajustada ao caso concreto, recorrendo o julgador, para alcançar esse desiderato, à equidade – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2018-04-19, Relator: ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
71. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2012-05-08, Relator: NUNO CAMEIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
72. Os critérios matemáticos de cálculo do capital correspondente à indemnização por danos patrimoniais futuros são apenas um instrumento ao serviço do juízo de equidade, devendo os resultados alcançados funcionar como valores de referência que devem ser ponderados com outros elementos objetivos cuja relevância emerge e se impõe naturalmente ao julgador (como são o percebimento de uma só vez e em antecipação da indemnização correspondente a danos que se prolongam no futuro por vários anos, a evolução provável da carreira profissional e da taxa de juro) – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2015-10-08, Relator: FERNANDO BENTO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
73. A indemnização a arbitrar pelo dano biológico, consubstanciado em relevante limitação ou défice funcional sofrido pelo lesado, perspetivado na ótica de uma capitis deminutio na vertente profissional, deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente refletida em perdas salariais imediatas ou na privação de uma específica capacidade profissional, quer da relevante e substancial restrição às possibilidades de obtenção, mudança ou reconversão de emprego e do leque de oportunidades profissionais à sua disposição, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade profissional corrente, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas – em adição ou complemento da indemnização fixada pelas perdas salariais prováveis, decorrentes do grau de incapacidade fixado ao lesado – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2016-11-10, Relator: LOPES DO REGO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
74. Neste tipo de situações, a solução seguida pela jurisprudência deste Supremo Tribunal é a de fixar um montante indemnizatório por via da equidade, ao abrigo do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil, em função das circunstâncias concretas de cada caso, segundo os padrões que têm vindo a ser delineados, atentos os graus de gravidade das lesões sofridas e do seu impacto na capacidade económica do lesado, considerando quer as suas potencialidades de aumento de ganho quer uma expetativa de vida ativa não confinada à idade-limite para a reforma – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-01-14, Relatora: ROSA TCHING, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
75. O valor do dano biológico tem de ser fixado com recurso a regras de equidade (art. 566 nº 3 do CC), mediante a ponderação seria e não arbitrária ou aleatória de diversos indicadores, designadamente a idade do lesado, a sua esperança de vida, o seu grau de incapacidade geral permanente (isto é, a percentagem do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica), as suas potencialidades de ganho em profissão ou atividades económicas compatíveis com as suas qualificações e aquele défice, um exercício muito cuidado de análise de previsibilidade, um cálculo que tem de se alicerçar nos princípios da certeza, da segurança e da igualdade, em observância de outros casos com contornos paralelos anteriormente tratados pela jurisprudência de um juízo sempre presidido pela equidade – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-10-12, Relator: NUNO ATAÍDE DAS NEVES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
76. Tratando-se de calcular um quantitativo indemnizatório que traduza o capital de que o lesado se veja privado para o futuro em virtude do défice funcional sofrido, para tal há que ter em conta o período de tempo que, considerando a idade do lesado aquando da data da consolidação médico-legal das lesões (pois é a partir desta que fica definido o défice funcional), tem em conta a sua esperança média de vida, e a consideração do salário médio mensal nacional dos trabalhadores por conta de outrem por referência ao ano da consolidação médico-legal das lesões, isto no caso de o lesado ser estudante, pois neste caso não existe qualquer elemento que indicie que o mesmo se iria situar no patamar mais baixo de uma carreira profissional ou que iria conformar-se com o recebimento do salário que qualquer empresa é obrigada a pagar independentemente das habilitações ou da profissão exercida pelo trabalhador – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2024-02-06, Relator: PEDRO LIMA GONÇALVES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
77. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2024-02-06, Relator: PEDRO de LIMA GONÇALVES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
78. A orientação do STJ é a seguinte: «A aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma “questão de direito”»; se é chamado a pronunciar-se sobre «o cálculo da indemnização» que «haja assentado decisivamente em juízos de equidade», não lhe «compete a determinação exata do valor pecuniário a arbitrar (...), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto “sub iudicio” – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-07-09, Relator: PEDRO LIMA GONÇALVES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
79. Não sendo a decisão recorrida um caso que se afaste dos padrões gerais da jurisprudência na fixação deste tipo de danos, impõe-se apenas dizer que a função do STJ consiste em apurar se tal decisão se encontra devidamente justificada, face às circunstâncias do caso, e aos critérios gerais usados em casos similares, tudo ponderado à luz do princípio da igualdade – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2024-02-06, Relator: PEDRO LIMA GONÇALVES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
80. Tendo-se em consideração o rendimento médio mensal líquido de perto de € 1.000,00, uma expetativa de vida de 57 anos, um défice de integridade físico-psíquica de 55 pontos e bem assim o facto de o referido défice impossibilitar a realização de algumas tarefas quotidianas e dificultar e tornar mais penosas a execução de outras, é de considera como ajustada uma indemnização de € 450.000,00 como compensação do dano relativo à perda da capacidade de ganho e do dano biológico – € 390 000,00 (perda de capacidade de ganho) + € 60 000,00 (dano biológico) – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2020-05-19, Relator: ACÁCIO DAS NEVES, http:// www.dgsi.pt/jstj.↩︎
81. Tendo o lesado 26 anos na data do acidente e tendo ficado com uma IPG de 19 pontos, sem rebate profissional mas com a subsequente sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua atividade profissional (“personal trainer”), é equitativo fixar (por reporte à data da formulação do pedido, ocorrida em 30-03-2014, um ano e meio após o acidente) a indemnização por tal dano biológico em € 80 000,00; montante este a que – estando-se “apenas” perante uma IPG, que exige esforços suplementares no exercício da atividade profissional, mas sem qualquer repercussão/rebate, direto e proporcional, sobre a capacidade de ganho do lesado – não pode acrescer outro e autónomo montante indemnizatório com base no dano futuro da perda de ganho – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-11-30, Relator: ANTÓNIO BARATEIRO MARTINS, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
82. Uma indemnização de 60.000,00 euros é adequada para compensar os danos não patrimoniais sofridos por um jovem de 17 anos, que esteve 48 dias internado, sofreu quatro cirurgias, das quais três na zona da cabeça, padeceu de um quantum doloris de 6/7, um dano estético de 4/7, um índice de repercussão permanente nas atividades desportivas de 4/7 e DFTP (Défice Funcional Temporário Parcial) de 1984 dias – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-05-11, Relatora: MARIA CLARA SOTTOMAYOR, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
83. Tendo o lesado, com 30 anos à data do acidente e que auferia € 750 mês, ficado com um défice funcional permanente de 15 pontos, sendo de admitir a existência de dano futuro, e tendo ficado privado ainda de réditos que auferia de cerca de €6.000/ ano, pela sua atividade de motociclista, que esperava prolongar por mais 10 anos, justifica-se a fixação da indemnização por danos patrimoniais futuros (dano biológico) em € 60.000 fixada pela Relação – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-11-08, Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
84. Tendo a lesada 23 anos na data do acidente e tendo ficado com uma IPG de 14,8 pontos, sem rebate profissional mas com a subsequente sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua atividade profissional, é equitativo fixar (por reporte/atualizada à data da sentença, proferida 6 anos após o acidente) a indemnização por tal dano biológico em € 50.000,00; montante este a que – estando-se “apenas” perante uma IPG, que exige esforços suplementares no exercício da atividade profissional, mas sem qualquer repercussão/rebate, direto e proporcional, sobre a capacidade de ganho do lesado – não pode acrescer outro e autónomo montante indemnizatório com base no dano futuro da perda de ganho – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-01-17, Relator: ANTÓNIO BARATEIRO MARTINS, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
85. É adequado fixar uma indemnização de €180 000,00 (cento e oitenta mil euros) para ressarcir dano patrimonial futuro sofrido por um jovem de 27 anos, que, por virtude das sequelas de que ficou a padecer como consequência das lesões que lhe resultaram de uma colisão estradal, ficou impossibilitado de exercer a sua profissão habitual (carpinteiro de cofragem), na qual auferia retribuição anual global de €20.636,70, ainda que continuando a poder trabalhar, com menor remuneração, noutro ramo de atividade (motorista), com uma incapacidade funcional de 15 pontos – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2024-01-16, Relator: LUÍS CORREIA DE MENDONÇA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
86. A fixação da indemnização por danos patrimoniais resultantes do “dano biológico” não pode seguir a teoria da diferença (art. 566.º, n.º 2, do CC) como se tais danos fossem determináveis, devendo antes fazer-se segundo juízos de equidade (art. 566.º, n.º 3, do CC). Para tanto, relevam: (i) a idade do lesado à data do sinistro (39 anos); (ii) a sua esperança média de vida que, para homens nascidos em 1964, se situará, no ano de 2004 – ano do acidente – entre 64 e 75 anos (e não a sua previsível idade da reforma, já que a perda da capacidade geral de ganho tem repercussões negativas ao longo de toda a vida do lesado); (iii) a percentagem de incapacidade geral permanente (53%); e (iv) a conexão entre as lesões físicas sofridas e as exigências próprias de atividades profissionais ou económicas alternativas, compatíveis com a formação/preparação técnica do lesado (sendo que, no caso, este deixou de poder caminhar, levantar-se ou baixar-se normalmente, só o podendo fazer com canadianas e a sua formação/preparação técnico-profissional corresponde à de um eletricista de redes de distribuição, assentando as suas competências na destreza, mobilidade e força). É, por isso, de concluir que a afetação dos referidos parâmetros terá consequências extremamente negativas na possibilidade efetiva de o lesado vir a exercer atividade profissional alternativa, aproximando-se a sua situação de uma incapacidade total permanente para o trabalho, pelo que, ponderando os enunciados fatores e comparando o caso com outras decisões do STJ, afigura-se justa e adequada a fixação da indemnização, a título de dano patrimonial futuro por perda da capacidade de ganho desde a data do sinistro, em € 400 000 (ao qual se deduzirá o valor já pago) e não em € 280 000 como fez a Relação – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2018-03-01, Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
87. Ora, tendo em conta a idade do lesado, 20 anos à data do acidente, a esperança média de vida, o défice permanente da integridade físico-psíquica de 14 pontos, bem como a permanência e irreversibilidade das dores físicas que sofrerá ao longo da sua vida, com impacto no esforço exigível para a atividade profissional e na diminuição da capacidade de ganho, não se afigura exagerado ou desproporcional o montante de 80.000 euros, arbitrado pelo Tribunal da Relação, para compensação do dano patrimonial futuro – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-03-14, Relatora: MARIA CLARA SOTTOMAYOR, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
88. Tendo em conta que o recorrente: (i) ficou afetado com um défice funcional permanente de 32 pontos, que o impede de exercer a sua profissão habitual de serralheiro mecânico, bem como qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional; (ii) contava com 45 anos à data do acidente; (iii) auferia um rendimento mensal ilíquido de € 788,00, à data do acidente, que subiu cerca de dois meses depois para € 816,00, acrescido de € 80,00 de subsidio de alimentação; afigura-se ser acertado o montante indemnizatório de € 200 000,00, considerando o benefício emergente da entrega antecipada do capital, para compensar os comprovados danos sofridos pelo autor no que respeita à perda de capacidade de ganho e dano biológico (no plano estritamente material e económico) – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2019-09-19, Relatora: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
89. Tendo o lesado á data do acidente 23 anos de idade e trabalhado anteriormente como cortador de carnes verdes auferindo então salário mensal de cerca de 591,00 euros, considerando a esperança de vida para os homens da sua idade em Portugal e que as lesões sofridas lhe causaram em défice de integridade físico-psíquica de 61 pontos com incapacidade total para o exercício da sua anterior atividade profissional, ainda que sem compromisso do eventual exercício de outras profissões compatíveis com a área da sua preparação técnica que não envolvam a execução de tarefas complexas, o juízo de equidade a formular em relação aos previsíveis danos de natureza patrimonial, nomeadamente por perdas salariais que virá a sofrer no futuro, apontam para o valor de uma indemnização de cerca de 270.000,00 (duzentos e setenta mil euros) – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2024-02-06, Relator: AGUIAR PEREIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
90. Tendo o lesado 26 anos na data do acidente e tendo ficado com uma IPG de 19 pontos, sem rebate profissional mas com a subsequente sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua atividade profissional (“personal trainer”), é equitativo fixar (por reporte à data da formulação do pedido, ocorrida em 30-03-2014, um ano e meio após o acidente) a indemnização por tal dano biológico em € 80 000,00; montante este a que – estando-se “apenas” perante uma IPG, que exige esforços suplementares no exercício da atividade profissional, mas sem qualquer repercussão/rebate, direto e proporcional, sobre a capacidade de ganho do lesado – não pode acrescer outro e autónomo montante indemnizatório com base no dano futuro da perda de ganho – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-11-30, Relator: ANTÓNIO BARATEIRO MARTINS, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
91. A fixação do quantum indemnizatório deve ser feita segundo o juízo de equidade previsto no art. 496º/4, do CCivil, quando o dano biológico for caracterizado como não patrimonial – DIOGO COSTA GONÇALVES, A (in)utilidade do dano biológico, Cadernos de Direito Privado, nº 67 (jul.-set. 2019), p. 68.↩︎
92. As taxas de juro e inflação, para simplificar, não serão atendidas, o mesmo sucedendo, na maioria dos casos, com os diferentes momentos em que os lesados tiveram alta médica – RITA MOTA SOARES, O dano biológico quando da afetação funcional não resulte perda da capacidade de ganho – o princípio da igualdade, Revista Julgar, nº 33, p. 126.↩︎
93. Salário médio anual ajustado a tempo inteiro por conta de outrem no ano de 2013 – https://www.pordata.pt/pt/estatisticas/salarios-e-pensoes/salarios/salario-medio-anual-ajustado-tempo-inteiro.↩︎
94. Em sede de ressarcimento do dano patrimonial futuro, e tendo o dano repercussão sobre a necessidade de aquisição ou produção de rendimentos, por parte do lesado, deve ser ressarcido atribuindo um capital que se venha a esgotar no final da vida do lesado – “vida do lesado”, e não apenas a respetiva “vida ativa”, já que, mesmo na situação de pensionista, existem, na normalidade da vida, trabalhos e atividades que se desenvolvem e que envolverão um esforço necessariamente superior – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-04-29, Relator: VIEIRA E CUNHA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
95. Em 2013, a esperança média de vida de um individuo do sexo masculino era de 77 anos – https://www.pordata.pt/portugal/esperanca↩︎
96. RITA MOTA SOARES, O dano biológico quando da afetação funcional não resulte perda da capacidade de ganho – o princípio da igualdade, Revista Julgar, nº 33, p. 126.↩︎
97. O recebimento antecipado do capital justifica uma dedução baseada na equidade, tendo por referência os possíveis ganhos resultantes da aplicação financeira do capital antecipadamente recebido – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2020-05-19, Relator: ACÁCIO DAS NEVES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
98. Défice funcional permanente da integridade físico-psíquica do autor.↩︎
99. Esperança média de vida do autor, atendendo a que à data do acidente tinha 27 anos de idade.↩︎
100. A regra ou princípio geral segundo a qual o benefício da antecipação deve descontar-se na indemnização arbitrada pelo dano patrimonial futuro deve ser adequada às circunstâncias do caso concreto, podendo nomeadamente tal benefício ser eliminado ou apagado perante a existência provável de um particular agravamento ou especial onerosidade dos danos patrimoniais futuros expectáveis que importa compensar com recurso a critérios de equidade – Supremo Tribunal de Justiça de 2017-05-25, Relator: LOPES DO REGO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
101. O montante da redução do capital apurado, foi fixado na proporção de 1/3, a título de compensação pela respetiva antecipação – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2016-03-10, Relator: TOMÉ GOMES; Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2016-06-02, Relator: TOMÉ GOMES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
102. O desconto pelo pagamento antecipado da indemnização de uma só vez deveria fixar-se em 20% – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2015-05-28, Relator: TAVARES DE PAIVA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
103. Na quantificação do desconto em equação, a jurisprudência tem oscilado na consideração de uma redução entre os 10% e os 33% – Ac. Tribunal da Relação de Évora de 2015-06-11, Relatora: CRISTINA CERDEIRA, http://www.dgsi.pt/jtre.↩︎
104. A antecipação da disponibilidade do capital justifica uma redução deste, embora de forma mais moderada, por efeito das taxas de juros mais baixas – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-03-30, Relator: OLINDO GERALDES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
105. Foi fixada em ¼ o valor da dedução em razão do benefício decorrente do recebimento antecipado do capital indemnizatório – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2018-02-15, Relatora: FÁTIMA GOMES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
106. Foi fixada em 10% a percentagem de redução em razão do benefício de recebimento antecipado da indemnização – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2019-11-12, Relator: ACÁCIO NEVES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
107. PINTO MONTEIRO, Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, 2003, pp. 88/89, e nota (164).↩︎
108. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em geral, 6ª ed., volume l°, p. 571.↩︎
109. Danos não patrimoniais são aqueles que correspondem à frustração de utilidades não suscetíveis de avaliação pecuniária, como o desgosto resultante da perda de um ente querido – MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, volume I, 14ª edição, p. 328.↩︎
110. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 1987, pp. 499 a 502, e VAZ SERRA, Reparação do Dano Não Patrimonial, BMJ nº 83, nº 2.↩︎
111. Alguns danos não patrimoniais que têm sido, recentemente, considerados pela jurisprudência merecerem a tutela do direito como: a perceção que o lesado, mesmo em estado de não (pelo menos completa) consciência, possa ter da situação em que se encontra, do grau de irreversibilidade das lesões; a destruição de um projeto de vida de casal; a impotência sexual de que fique a padecer o lesado bem como o consequente dano de seu cônjuge ou companheiro/a; o dano biológico, na vertente da perda de qualidade de vida do sujeito; o direito ao repouso, à tranquilidade e ao sono, como integrantes da tutela à integridade física e/ou à saúde e à qualidade de vida; o dano existencial ou de afirmação social; o pretium juventutis, correspondente à frustração do viver em pleno a primavera da vida, e o direito pessoal com a qualidade ambiental – ANA PRATA (Coord.), Código Civil Anotado, 2ª Edição Revista e Atualizada, volume I, pp. 683/84.↩︎
112. ANA AMORIM, A responsabilidade do médico enquanto perito, Centro de Direito Biomédico, 26, pp. 104/05↩︎
113. ANA AMORIM, A responsabilidade do médico enquanto perito, Centro de Direito Biomédico, 26, pp. 107/08↩︎
114. O montante da indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, objetivamente, apreciado, e não à luz de critérios subjetivos, em função da tutela do direito, tomando-se em consideração, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da criteriosa ponderação das realidades da vida, sem que a equidade impeça o julgador de referir o processo lógico através do qual chegou à liquidação do dano – VAZ SERRA, Reparação do Dano Não Patrimonial, BMJ nº 83, nº 2.↩︎
115. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 1987, pp. 497, 499 a 501 e, ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, volume I, 1970, pp. 428 e 429.↩︎
116. Na determinação do quantum da compensação por danos não patrimoniais deve atender-se à culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, à flutuação do valor da moeda e à gravidade do dano, tendo em conta as lesões, as suas sequelas e o sofrimento físico-psíquico experimentado pela vítima, sob o critério objetivo da equidade, envolvente da justa medida das coisas, com exclusão da influência da subjetividade inerente a particular sensibilidade humana - Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2004-07-13, Relator: SALVADOR DA COSTA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
117. A gravidade do dano deve medir-se por um padrão objetivo e não de acordo com fatores subjetivos, ligados a uma sensibilidade particularmente aguçada ou especialmente fria ou embotada do lesado, sendo tais danos compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, e tratando-se mais de uma satisfação do que de uma indemnização, a ser calculada segundo critérios de equidade, atendendo-se ao grau de responsabilidade do lesante, à sua situação económica e à do lesado, às flutuações do valor da moeda, etc. - ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 6ª ed., p. 571.↩︎
118. Dano grave não terá de ser considerado apenas aquele que é “exorbitante ou excecional”, mas também aquele que “sai da mediania, que ultrapassa as fronteiras da banalidade”. Um dano considerável que, no seu mínimo espelha a intensidade duma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação - Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2007-05-24, Relator: ALVES VELHO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
119. MARIA MANUEL VELOSO, Danos Não Patrimoniais, Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, III Vol., Direito das Obrigações, pp. 540-542.↩︎
120. O critério que a lei enuncia para a fixação da indemnização (compensação) por danos não patrimoniais é o da equidade, a qual operará dentro dos limites que tiverem sido dados por provados pelo tribunal (art. 566º, nº 3), sendo atendíveis o grau de culpabilidade do responsável, a sua situação económica e a do lesado e do titular do direito à indemnização (artigo 496º, nº 4), bem como quaisquer outras circunstâncias especiais que no caso concorram (como se extrai da remissão para o artigo 494º), critério geral aplicável a quaisquer danos desta natureza, independentemente da fonte da obrigação de indemnizar - BRUNO BOM FERREIRA, Dano da morte: Compensação dos danos não patrimoniais à luz da evolução da conceção de família, pp. 101/02.↩︎
121. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, volume I, p. 577 e, ANA PINHEIRO LEITE, A Equidade na Indemnização dos Danos Não Patrimoniais, FDUNL, Lisboa, 2015.↩︎
122. Em primeiro lugar, o Supremo Tribunal de Justiça deve averiguar se estavam preenchidos os pressupostos do recurso à equidade. Em segundo lugar, se foram considerados as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida. Em terceiro lugar, deve averiguar se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados — se, p. ex., no caso da indemnização por danos não patrimoniais, foram considerados o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesante e a situação económica do lesado. Em quarto lugar, o Supremo deve averiguar se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram respeitados os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados. Está em causa fazer com que o juízo equitativo se conforme com os princípios da igualdade e da proporcionalidade — e que, conformando-se com os princípios da igualdade e da proporcionalidade, conduza a uma decisão razoável – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2019-11-20, Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
123. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2009-05-11, Relator: LOPES DO REGO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
124. Quando o cálculo da indemnização haja assentado decisivamente em juízos de equidade, ao Supremo não compete a determinação exata do valor pecuniário a arbitrar em função da ponderação das circunstâncias concretas do caso, - já que a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», - mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação da individualidade do caso concreto «sub juditio» – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2010-10-28, Relator: LOPES DO REGO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
125. A equidade traduz-se no critério decisivo para a fixação do montante da compensação por danos cujo valor exato não possa ser averiguado. Trata-se da equidade como padrão de justiça do caso concreto, da decisão ex aequo et bono (segundo a equidade). Porém, a decisão segundo a equidade não exclui o pensamento analógico. Uma solução individualizadora que assuma todas as circunstâncias do caso concreto não pode encontrar-se sem a comparação de hipóteses. Está em causa o princípio da igualdade, que manda “tratar o igual de modo igual e o diferente de modo diferente, na medida da diferença” – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-05-25, Relatora: MARIA JOÃO VAZ TOMÉ, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
126. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-01-21, Relatora: MARIA DOS PRAZERES BELEZA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
127. Num caso em que o lesado ficou com um défice funcional permanente de 39 pontos, teve um quantum doloris de 5 numa escala de 7, um dano estético relevante (3 em 7), consequências permanentes na sua atividade sexual (fixado em 3 numa escala de 7), na repercussão nas atividades desportivas e de lazer (2 em 7), no relacionamento social com familiares e amigos, se sente menorizado em resultado da sua situação de incapacidade para o trabalho e se encontra reformado por invalidez, tendo o acidente ocorrido quando tinha apenas 30 anos de idade, a tudo acrescendo a circunstância de continuar a necessitar de medicamentos, consultas e tratamentos no futuro, é ajustada a indemnização de 85.000,00 € por danos não patrimoniais, que foi atribuída pela Relação – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-06-21, Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
128. Não diverge de modo flagrante dos padrões de avaliação jurisprudencial do dano de natureza não patrimonial sofrido por um jovem adulto de 23 anos de idade que, num acidente de viação a que não deu causa, sofreu graves lesões físicas com um grau de quantum doloris associado de 6 numa escala de 7, que viriam a demandar até à sua consolidação médico legal um período de cerca de dois anos e meio, a provocar um défice permanente de integridade físico-psíquica de 61 pontos numa escala de 100, e a persistência de dores físicas, incómodo e mal estar que as sequelas das lesões lhe causam, o valor de € 175.000,00 (cento e setenta e cinco mil euros) – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2024-02-06, Relator: AGUIAR PEREIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
129. Tendo o lesado sofrido, e para além da amputação do membro e da respetiva intervenção cirúrgica, uma outra intervenção cirúrgica, internamento hospitalar, dano estético permanente de grau 6 (numa escala de 7), quantum doloris de grau 6 (numa escala de 7), e vários outros graves danos somáticos e psíquicos (nomeadamente stress pós-traumático crónico e quadro depressivo, inclusivamente com ideação suicida), justifica-se o arbitramento de uma indemnização de €125.000,00 a título de dano não patrimonial (Em rigor, a indemnização relevante é de cerca de 120000 euros, pois os 125000 euros compreendem o “dano decorrente das demoras ocorridas na substituição dos componentes da prótese – V. Acórdão de 29-10-2020, Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA) – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2018-01-09, Relator: JOSÉ RAÍNHO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
130. Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objeto de cálculo atualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão atualizadora, e não a partir da citação.↩︎
131. A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito – Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 303/2010, de 2010-07-14, Relator: VÍTOR GOMES e, nº 708, de 2013-10-15, Relatora: MARIA JOÃO ANTUNES, https://www.tribunalconstitucional.↩︎
132. Como o conceito de custas stricto sensu é polissémico, porque é suscetível de envolver, nos termos do artigo 529º/1, além da taxa de justiça, que, em regra, não é objeto de condenação – os encargos e as custas de parte, importa que o juiz, ou o coletivo de juízes, nos segmentos condenatórios das partes no pagamento de custas, expressem as vertentes a que a condenação se reporta – SALVADOR DA COSTA, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 7ª ed., p. 8.↩︎
133. A assinatura eletrónica substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais – art. 19º/2, da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09.↩︎
134. Acórdão assinado digitalmente – certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.↩︎