PROCESSO EXECUTIVO
PENHORA DE PENSÃO
PENSÃO DE REFORMA
IMPENHORABILIDADE
IMPENHORABILIDADE RELATIVA
CONHECIMENTO OFICIOSO
Sumário

I - O tribunal, confrontado com a penhora de uma pensão de reforma que ofenda o limite mínimo de impenhorabilidade previsto nas disposições conjugadas dos n.ºs 1 e 3 do art.º 738.º do CPC, pode conhecer oficiosamente dessa questão e ordenar o levantamento da penhora.
II - Podendo ser conhecida oficiosamente, pode o executado, também, suscitar o conhecimento dessa questão ao tribunal e fazê-lo por simples requerimento avulso dirigido aos autos principais, à margem, por conseguinte, do incidente de oposição à penhora previsto nos art.ºs 784.º e 785.º.

Texto Integral

Processo n.º 5328/14.0TBVNG-B.P1 - Recurso de apelação
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo de Execução do Porto, Juiz 6
Recorrente: AA
Recorrida: A..., S.A.

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.- Sumário
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.- Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto,

I.- Relatório
1.- A..., S.A. instaurou execução comum, para pagamento de quantia certa, contra BB, AA e CC, visando a cobrança coerciva da quantia pecuniária de € 6.806,26, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, até integral pagamento, titulada em letra de câmbio aceite pelos Executados.

2.- Na pendência da execução, foi penhorado 1/3 da pensão de reforma auferida pelo Executado AA da Caixa Geral de Aposentações, conforme auto de penhora de 14-09-2015.

3.- Citados, pelos Executados não foi deduzida oposição à execução, nem à penhora.

4.- Por requerimento do Executado AA de 22-02-2018, este requereu a correção do valor que lhe estava a ser penhorado na sua pensão de reforma, por forma a que não fosse apreendida qualquer quantia abaixo do salário mínimo nacional.

5.- Na sequência do requerimento, averiguou-se em que termos se estava a concretizar a penhora da pensão de reforma do Executado, constatando-se que esta, naquele mês de fevereiro de 2018, fora sustada pela Caixa Geral de Aposentações, em face da atualização da retribuição mínima mensal fixada para aquele ano.

6.- Por informação colhida pelo agente de execução junto da Caixa Geral de Aposentações em 22-07-2022, apurou-se que o executado auferira o valor de € 1.178,50 a título de pensão de reforma, valor este no qual estava contido o do subsídio de férias.

7.- Por requerimento da Exequente de 12-09-2022 dirigido ao agente de execução, aquela pediu, além do mais, a penhora da pensão auferida pelo executado com o valor referido em 6, mas, caso este contivesse o subsídio de férias, a penhora deveria cingir-se aos meses em que a pensão excedesse o valor do salário mínimo nacional, designadamente, nos meses em que fossem processados os subsídios de férias e de natal.

8.- Em resposta ao requerimento, o agente de execução, em 13-09-2022, informou a Exequente que o valor referido em 6 continha o subsídio de férias; que já fora solicitada a penhora, não sendo obtidos valores penhoráveis; e que iria aguardar por dezembro para confirmar a penhora no subsídio de natal.

9.- Em 13-02-2023, o agente de execução diligenciou pela ‘entrega de resultados’ à Exequente, consubstanciada nos valores de € 17,12 e de € 288,21, repetindo o procedimento em 07-08-2023, mediante a entrega do valor de € 397,48.

10.- Em 14-02-2024, o agente de execução, a solicitação do tribunal a quo, prestou informação no sentido de que decorria nos meses de subsídio a penhora na pensão do executado AA.

11.- Por requerimento do Executado AA de 22-04-2024, este pediu ao tribunal: (i) fosse determinada a interrupção de qualquer desconto na sua pensão, tendo em vista salvaguardar a sua subsistência condigna; (ii) fosse reconhecida e declarada a prescrição do título exequendo e extinta a execução.

12.- Sobre tal requerimento, e depois de ouvida a Exequente, recaíu, em 13-05-2024, o seguinte despacho:

REFª: 48692741 - AA, executado nos autos, veio apresentar um denominado REQUERIMENTO PARA REDUÇÃO/ISENÇÃO DA PENHORA, em que pede:
- seja determinada a interrupção de qualquer desconto na pensão recebida pelo executado, tendo em vista salvaguardar sua subsistência condigna;
- seja reconhecida e declarada a prescrição do título exequendo (livrança) e extinta a execução.
Para tanto alega que possui como único rendimento uma pensão no valor de 685,95€. Valor abaixo do mínimo, impenhorável e que «No Banco de Portugal (documento em anexo), foi inscrita a dívida no valor de 1.488,65€, em 13-05-2011, tratando-se de um contrato celebrado em 23-09-2007. Mas como essa dívida chegou a 6.806,26 € em um ano? Pois esse foi o valor que o exequente preencheu na livrança em 31-12-2012. Trata-se de um valor 350% maior do que a dívida inscrita no Banco de Portugal em 2011. Além disso, há que ter em conta o prazo prescricional. No Banco de Portugal consta a data do inadimplemento como 13-05-2011. Entretanto, a presente execução foi ajuizada em 29/08/2014, mais de três anos após o inadimplemento. Sendo que o prazo de prescrição aplicável aos factos é de 3 anos de acordo com o art. 70º, da Lei Uniforme sobre as Letras e Livranças.»
A exequente pronunciou-se no sentido da inadmissibilidade e improcedência do alegado.
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A presente execução foi intentada em 29/08/2014.
O executado foi citado em 18/09/2015 (Documento: ERLNklZi6B de 29-09-2015).
A penhora da sua pensão foi levada a cabo em 10/07/2015, tendo sido notificada juntamente com a citação.
O executado nunca invocou qualquer nulidade da citação, não deduziu embargos nem oposição à penhora.
Interveio nos autos com requerimento em 22/02/2018.
A penhora da sua pensão limita-se aos meses em que recebe subsídios de natal e férias.
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Como decorre do art. 728º do Código de Processo Civil (aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26 de Junho), e já de forma idêntica do art. 813º do Código de Processo Civil aprovado pelo DL nº 329-A/95 de 12/12, o executado pode opor-se à execução no prazo de 20 dias a contar da citação.
No caso das execuções que seguem a forma sumária, como é o caso da presente execução, a oposição à penhora deve deduzir-se simultaneamente com a oposição à penhora, nos termos do art. 856º do Código de Processo Civil.
A oposição à penhora cumulada com embargos de executado é o meio processual pelo qual o executado exerce o seu direito de defesa ou de contradição perante o pedido do exequente.
Decorrido o prazo estabelecido por lei para o efeito, fica precludido o direito do executado de se defender na execução, de invocar os meios de defesa de que pudesse gozar, para o efeito de a extinguir total ou parcialmente.
Não tendo deduzido oposição na execução que contra si foi instaurada pelo aqui executado, ficou indiscutida na execução a exequibilidade do título e todos os meios de defesa que, como a prescrição, não sejam de conhecimento oficioso e bem assim a impenhorabilidade relativa dos bens.
Neste sentido, cfr. José Lebre de Freitas, “Concentração da Defesa e Caso Julgado (…), p. 465, e “A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 6ª ed., Coimbra Editora, Fevereiro 2014, p. 214.
Assim, a penhorabilidade parcial da sua pensão e a eventual prescrição da obrigação exequenda só poderiam ser alegadas por via processual própria, ou seja, mediante a dedução de embargos de executado, e no prazo legal, findo o qual se precludiu aquele direito de defesa.
Pelo que está agora impedido o executado de invocar tais questões, o que leva à improcedência do requerido.
Pelo exposto, indefiro o requerido pelo executado.
(…)”.

13.- Inconformado com tal despacho, o Executado dele interpôs recurso, batendo-se por que: (i) fosse reconhecida a prescrição do título e extinta a execução; (ii) subsidiariamente, fosse determinada a interrupção de todo e qualquer desconto na sua pensão, tendo em vista salvaguardar a sua subsistência condigna; (iii) fosse o Exequente condenado a restituir ao Executado as quantias penhoradas que desrespeitaram a regra da impenhorabilidade do mínimo existencial prevista no art.º 738.º do CPC.
Para o efeito, formulou as seguintes conclusões:

“12. O artigo 738º do CPC estabelece a impenhorabilidade do montante equivalente a um salário mínimo nacional, quando o executado não tenha outro rendimento.
13. Conforme documento em anexo, o executado possui como único rendimento uma pensão no valor de 685, 95€. Valor abaixo do mínimo impenhorável, portanto.
14. Entretanto, o executado recebe os subsídios de férias e de natal. E nos meses de subsídio tem sido penhorado no valor que excede o mínimo.
15. Ocorre, entretanto, que tais descontos ferem o mínimo existencial, pois se somarmos o valor total recebido pelo executado por ano incluindo os subsidios (685.95 X 14 = 9.603,30€) e dividirmos por 12 (número de meses no ano), temos que o executado recebe por mês 800.27 €. Ou seja, menos do que o mínimo nacional, que é de 820€.
16. O facto de os subsídios serem pagos em conjunto com a pensão mensal não lhe retira o carater de impenhorabilidade, eis que continua a ser o mínimo para a subsistência condigna do executado.
17. Sendo que a forma correta de verificar a parcela penhorável da pensão recebida não é a verificação mês a mês, mas média anual. Nesse sentido, a decisão no Acórdão de 2017-06-28 (processo n.º 114/96.0TAVNG-A. P1) do Tribunal da Relação do Porto “há que considerar o montante global desses rendimentos e dividi-lo por doze; e se o montante apurado com tal divisão for inferior ao montante legalmente fixado para o salário mínimo os referidos subsídios também serão impenhoráveis”.
18. No mesmo sentido a decisão do acórdão da Relação de Évora de 12-09-2019, no processo n.º 1478/10.0TBFAR-A.E1: “É impenhorável a pensão de reforma quando o correspondente rendimento anual (incluindo o subsídio de Natal e de férias), dividido por doze meses, apresenta um valor inferior ao salário mínimo nacional.” Sendo esse o caso do executado, conforme cálculo já mencionado.
19. Além disso, há que ter em conta o prazo prescricional. No Banco de Portugal consta a data do inadimplemento como 13-05-2011. Entretanto, a presente execução foi ajuizada em 29/08/2014, mais de três anos após o inadimplemento. Sendo que o prazo de prescrição aplicável aos factos é de 3 anos de acordo com o art. 70º, da LULL, aplicável às livranças por força do artigo 77º, também da LULL. A exequente A... pertence ao Grupo do Banco 1... que inscreveu a dívida no Banco de Portugal.
20. O facto de as livranças serem assinadas em branco como forma de garantir o financiamento não a torna um título eterno. Se acreditarmos que o exequente pode preencher o título quando bem entender estaremos na situação de imprescritibilidade do mesmo enquanto não for preenchido, mas não existem obrigações imprescritíveis em nosso ordenamento jurídico. Logo, há que considerar as datas de celebração do contrato e do inadimplemento.
21. Em que pese o Douto entedimento da Magistrada a quo, que entendeu que “a penhorabilidade parcial de sua pensão e a eventual prescrição da obrigação exequenda só poderiam ser alegadas por via processual própria, ou seja, mediante a dedução de embargos do executado, e no prazo legal, findo o qual se precludiu aquele direito defesa.” Esse entendimento não merece subsistir ante o princípio da dignidade da pessoa humana prevista no art. 1º, da Constituição da República Portuguesa e que é fundamento para a regra do mínimo existencial ao devedor que limita a penhora.
22. O executado tem um gasto mensal de remédios para si e sua esposa no valor aproximado de 45, 07€ + 44,16€ de água+ 36,16€ de energia elétrica+20€ de renda. Ou seja, tem um gasto de 145,39€ com a habitação. Sobram por mês 540,55€ para alimentação e tudo o mais que seja necessário como vestimenta etc. Dividindo esse valor por 30 dias, o casal executado tem 18€ por dia para sua subsistência. Será possível com tão exíguo valor garantir uma existência condigna com alimentação, vestuário, eventual mobiliário para o executado e sua esposa?
23. Não, não é. O recorrente e sua esposa já vivem abaixo do mínimo existêncial. A penhora dos valores de subsídio natal e férias atenta contra sua dignidade.
24. Também, tratando-se de uma regra clara e objetiva prevista no Código de Processo Civil, deve ser observada de ofício e a qualquer tempo tanto pelo Magistrado, quanto pelo Agente de Execução.”

14.- Respondeu a Exequente ao recurso, pugnando pela sua improcedência e pela manutenção do despacho recorrido, formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:

a) Em primeiro lugar e no que respeita à impenhorabilidade da pensão auferida pelo Recorrente não poderá deixar de se concluir, tal como fez o despacho recorrido, que “não tendo deduzido oposição na execução que contra si foi instaurada pelo aqui executado, ficou indiscutida na execução a exequibilidade do título e todos os meios de defesa que, como a prescrição, não sejam de conhecimento oficioso e bem assim a impenhorabilidade relativa dos bens”.
b) Com efeito, a penhora que o Recorrente (apenas) colocou em crise, no requerimento apresentado em 22/04/2024, iniciou-se em 2015, com a realização de descontos mensais sobre a sua pensão até 2018, altura em que aquele passou a auferir uma pensão de montante inferior ao salário mínimo nacional, face à atualização da retribuição mínima mensal garantida para o ano de 2018, o que motivou a cessação dos descontos sobre a pensão auferida pelo executado.
c) No entanto, face à ausência de outros bens que pudessem responder pelo pagamento da dívida exequenda, foi requerida a penhora da pensão auferida pelo Recorrente sempre que a mesma excedesse o salário mínimo nacional, designadamente nos meses em que fossem processados os respetivos subsídios, tendo sido, consequentemente, retomada a penhora sobre a pensão auferida pelo executado, tendo sido processado o primeiro desconto a 12/01/2023. Ou seja, cerca de 1 ano e meio antes da apresentação do requerimento indeferido pelo despacho recorrido.
d) Ora, pretendendo o Recorrente opor-se à penhora da sua pensão com o fundamento previsto no artigo 784º n.º 1 alínea a) do CPC (a saber, “(…) inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada (…)”, deveria tê-lo feito mediante o meio processual adequado (oposição à penhora) e no prazo legal enunciado no artigo 728º do CPC.
e) Não o tendo feito, não poderia deixar de se qualificar como extemporâneo o requerimento apresentado pelo Recorrente devendo ser, nessa medida, indeferido, tal como foi pelo despacho recorrido.
De todo o modo e sem conceder:
f) De acordo com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 738º do C.P.C., são impenhoráveis 2/3 da parte líquida dos vencimentos, salários ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado, considerando-se apenas os descontos legalmente obrigatórios para efeito de cálculo da parte líquida daqueles rendimentos, não sendo feita qualquer distinção entre as parcelas salariais que possam ou não estar compreendidas no conceito de retribuição.
g) Vários foram já os arestos que se pronunciaram sobre esta questão e em sentido oposto ao propugnado pelo executado, podendo citar-se, a título meramente exemplificativo, os seguintes, com cujos argumentos e fundamentação se concorda na íntegra, v.g. Acórdão do Tribunal Constitucional proferido no processo nº 770/2014, de 12.11.2014; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08.03.2016; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25.10.2018 e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26.10.2020.
h) Do exposto resulta que, todos os créditos auferidos pelo Recorrente, através do CNP, designadamente o subsídio de férias e de natal, são suscetíveis de penhora, por se encontrarem integrados no conceito de retribuição, sem embargo de se garantir, ao Recorrente, a perceção do montante correspondente ao salário mínimo nacional, o que tem sido respeitado.
i) Termos em que, deve julgar-se improcedente o pedido de cessação da penhora da pensão auferida pelo Recorrente sempre que a mesma excede o valor do SMN, designadamente nos meses em que são processados os subsídios de férias e de natal.
j) Em segundo lugar e no que toca à invocada prescrição do título, tão pouco se afigura assistir razão ao Recorrente.
k) Na verdade, tal argumentação, quanto muito, constituiria matéria de oposição à execução/embargos de executado.
l) Sucede que, tendo o Recorrente sido citado para os termos da presente execução em 18.09.2015, forçoso é concluir que o mesmo já não vai mais a tempo de deduzir embargos/oposição à execução, devendo ser desatendido o ali alegado, como, aliás, bem determinou o douto despacho recorrido (cfr. artigo 728º do CPC).
m) De todo o modo e sempre sem conceder, sempre se dirá que, quanto à informação do valor e data de incumprimento constantes do mapa de responsabilidades do Banco de Portugal é por completo irrelevante para os efeitos pretendidos, visto que constitui facto público e notório que tais valores não correspondem aos valores efetivamente em dívida, podendo corresponder a uma parcela de capital, a juros, a imposto de selo, etc. Por outro lado, a livrança dada à execução venceu-se em 31.12.2012, tendo sido acionada judicialmente em 29.08.2014, ou seja, antes de decorrido o prazo de prescrição de 3 anos a que alude o disposto no artigo 70º da LULL.
n) Resulta, assim, à vidência demonstrado que a dívida inscrita na livrança dada à execução não se mostra, nem se mostrava à data da instauração da ação, prescrita, falecendo por totalmente errada e inaplicável ao caso vertente a exceção de prescrição invocada pelo Recorrente.

15.- Sobre o recurso interposto, foi, em 21-06-2024, proferido o seguinte despacho, no sentido da sua não admissão:
“(…)
A embargante veio interpor recurso do despacho proferido em 13-05-2024, que decidiu indeferir o seu requerimento REFª: 48692741 em que pediu que fosse determinada a interrupção de qualquer desconto na pensão recebida pelo executado, tendo em vista salvaguardar sua subsistência condigna e seja reconhecida e declarada a prescrição do título exequendo (livrança) e extinta a execução.
Requer que o recurso seja admitido «de apelação admitido com efeito suspensivo na forma legal.».
O art. 853º do Código de Processo Civil dispõe:
1 - É aplicável o regime estabelecido para os recursos no processo de declaração aos recursos de apelação interpostos de decisões proferidas em procedimentos ou incidentes de natureza declaratória, inseridos na tramitação da ação executiva.
2 - Cabe ainda recurso de apelação, nos termos gerais:
a) Das decisões previstas no n.º 2 do artigo 644.º, quando aplicável à ação executiva;
b) Da decisão que determine a suspensão, a extinção ou a anulação da execução;
c) Da decisão que se pronuncie sobre a anulação da venda;
d) Da decisão que se pronuncie sobre o exercício do direito de preferência ou de remição.
3 - Cabe sempre recurso do despacho de indeferimento liminar, ainda que parcial, do requerimento executivo, bem como do despacho de rejeição do requerimento executivo proferido ao abrigo do disposto do artigo 734.º.
4 - Sobem imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo, os recursos interpostos nos termos dos n.os 2 e 3 de decisões que não ponham termo à execução nem suspendam a instância.
A decisão em causa não se enquadra no caso do nº 1 deste preceito porque não foi proferida em procedimentos ou incidentes de natureza declaratória, inseridos na tramitação da ação executiva.
Também não cabe na al. a) do nº 2, que remete para o nº 2 do art. 644º porque não aprecia o impedimento do juiz; nem a competência absoluta do tribunal; não decretou a suspensão da instância; não se pronunciou sobre a admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova; não condena em multa ou comine outra sanção processual; não ordena o cancelamento de qualquer registo; não foi proferida depois da decisão final; não vem alegado que a sua impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil; nem é caso especialmente previsto na lei.
Também não se enquadra em qualquer um dos casos em que seria admissível o recurso ao abrigo das als. b) a d) do nº 2 deste preceito porque não determinou a suspensão, a extinção ou a anulação da execução; não se pronuncie sobre a anulação da venda; nem se pronunciou sobre o exercício do direito de preferência ou de remição.
Como decorre do nº 3 do mesmo art. 644º, «As restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1.».
Assim, a decisão em causa apenas pode ser impugnada com o recurso da decisão final, não admitindo apelação autónoma.
Pelo exposto, não admito o recurso interposto.
(…).

16.- Inconformado com esta decisão de não admissão do recurso, o Executado/Recorrente dela reclamou, batendo-se pela reversão do despacho reclamado e pela consequente admissão do recurso, quanto à questão atinente ao facto de a penhora da sua pensão de reforma não respeitar o limite mínimo do salário mínimo nacional.

17.- Instruída e, na ausência de resposta, remetida a esta Relação, pelo relator foi proferida, em 01-10-2024, decisão a deferir a reclamação e, consequentemente:
i.- a admitir o recurso interposto pelo Executado AA do despacho do tribunal a quo de 13-05-2024, quanto ao segmento do mesmo em que se apreciou a questão da impenhorabilidade da respetiva pensão de reforma;
ii.- a admitir o recurso como apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo;
iii.- a ordenar a requisição do competente apenso ao tribunal a quo, a subir em 10 dias.

18.- Em cumprimento do decidido, pela 1.ª instância foi organizado e remetido para apreciação o presente apenso de recurso.

19.- Colhidos os vistos legais, cumpre, então, apreciar e decidir.
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II.- Das questões a decidir
O âmbito dos recursos, tal como resulta das disposições conjugadas dos art. ºs 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 641.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil (doravante, CPC), é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente.
Isto, com ressalva das questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado ou das que se prendem com a qualificação jurídica dos factos (cfr., a este propósito, o disposto nos art. ºs 608.º, n.º 2, 663.º, n.º 2 e 5.º, n.º 3 do CPC).
In casu, há que considerar, também, que o recurso, depois de não admitido inicialmente em 1.ª instância, foi-o em sede de reclamação da decisão de não admissão e que na reclamação e, consequentemente, na decisão nela proferida, foi excluída do seu objeto a questão da prescrição do título que suporta a execução.
Por conseguinte, do que foi pedido pelo Apelante no requerimento que mereceu o despacho recorrido, estão pendentes duas questões autónomas e distintas, a saber: (i) a da adequação do meio processual seguido pelo Apelante em reação à penhora da sua pensão de reforma; (ii) a da ofensa, decorrente da efetivação da penhora, do limite mínimo de impenhorabilidade correspondente ao salário mínimo nacional.
Ora, no requerimento sobre o qual recaíu o despacho recorrido foi apreciada apenas a questão enunciada em i. e já não a enunciada em ii., porque prejudicada pela apreciação da primeira; o mesmo é dizer que não há decisão da 1.ª instância sobre a questão da impenhorabilidade da pensão de reforma do Apelante.
Neste pressuposto, a questão que, no recurso, importa apreciar e decidir é indiscutivelmente a de saber se o meio de reação seguido pelo Apelante à penhora da sua pensão de reforma, isto é, o simples requerimento, foi adequado e tempestivo, ou se, para tanto, se exigia o recurso a mecanismo processual especificamente concebido para o efeito.
Quanto à questão da impenhorabilidade da pensão de reforma do Apelante, há que aferir, primeiro se a mesma pode ser efetivamente apreciada neste recurso; só no caso de se concluir afirmativamente é que, então, tal apreciação deve ser levada a cabo.
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III.- Fundamentação
III.I.- Da Fundamentação de facto
.- Os factos que aqui importa considerar e que, em função dos elementos constantes dos autos, se mostram provados, são os acima descritos no relatório desta decisão, os quais, por razões de economia processual, se dão aqui por integralmente reproduzidos.
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III.II.- Do objeto do recurso
I.- Da adequação ou desadequação do meio processual seguido pelo Apelante AA em reação à penhora da sua pensão de reforma
Na presente execução, foi penhorado 1/3 da pensão de reforma do Apelante AA, conforme auto de penhora de 14-09-2015.
O Apelante não deduziu oposição à execução, nem à penhora.
Em fevereiro de 2018, foi sustada a penhora, pelo facto de esta contender com o limite mínimo da impenhorabilidade decorrente do salário mínimo nacional.
Entretanto, a penhora foi reativada no que diz respeito aos subsídios de férias e de Natal, iniciando-se a primeira apreensão no subsídio de Natal de 2022 e prosseguindo no subsídio de férias de 2023.
O Apelante, em 22-02-2018, requereu a ‘interrupção de qualquer desconto na sua pensão’, tendo em vista ‘salvaguardar a sua subsistência condigna’, mas o tribunal a quo não conheceu do pedido sob o argumento de não ter sido veiculado pela via processual própria e de já ter decorrido o prazo legalmente previsto para o efeito.
A questão que aqui importa apreciar neste momento é, pois, a de saber se era exigível ao Apelante, para obter o levantamento da penhora da sua pensão, o recurso a algum mecanismo processual especialmente concebido pelo legislador para o efeito, ou se lhe bastava fazê-lo, como fez, através de simples requerimento e no momento em que o fez.

Está aqui em causa a penhora de um direito do Apelante e não a discussão de fundamentos porventura conducentes à extinção da execução, pelo que o mecanismo processual a considerar aqui é o do incidente de oposição à penhora.
Este incidente constitui um meio de oposição à penhora privativo do executado que, no essencial, consiste numa forma de reação deste a casos de impenhorabilidade objetiva (v., neste sentido, José Lebre de Freitas, in A Acção Executiva, 1997, p. 225).
São fundamentos da dedução de oposição à penhora pelo executado, com efeito, e de acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 784.º do CPC, os seguintes:
a) inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;
b) imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequente;
c) incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.
O executado que pretenda reagir à penhora através de tal meio de oposição dispõe, de acordo com o n.º 1 do art.º 785.º do CPC, do prazo de 10 dias contados da notificação do ato da penhora para fazê-lo.
Uma vez deduzido, é-lhe aplicável, por força do n.º 2 do art.º 785.º do CPC, o regime geral de tramitação previstos nos art.ºs 293.º a 295.º para os incidentes de instância, bem como o disposto para a tramitação da oposição à execução nos n.ºs 1 e 3 do art.º 732.º do CPC, sendo, por conseguinte, e além do mais, tramitado por apenso aos autos de execução.

No caso dos autos, o motivo que levou o Apelante a opor-se à penhora da sua pensão, penhora essa atualmente limitada aos subsídios de férias e de Natal, residiu no facto de, mercê da penhora, a sua pensão - considerada na globalidade, isto é, resultante da divisão por doze da soma do valor dos doze meses de pensão e do valor dos subsídios de férias e de Natal - ter ficado reduzida a valor inferior ao salário mínimo nacional, ofendendo o limite mínimo da impenhorabilidade previsto nas disposições conjugadas dos n.ºs 1 e 3 do art.º 738.º do CPC.
A razão da divergência do Apelante quanto à penhora da sua pensão reconduz-se, pois, à inadmissibilidade dessa penhora em função da extensão com que foi realizada e, por conseguinte, ao fundamento de dedução de oposição à penhora previsto no segundo período da alínea a) do n.º 1 do citado art.º 784.º do CPC.
Ora, perante o exposto, é inelutável a ideia de que o incidente de oposição à penhora é o meio especialmente concebido pelo legislador para que o executado que, como o Apelante, se vê confrontado com uma penhora da sua pensão que reputa ilegal, reaja contra ela.
Como quer que seja, tendo presente o fundamento por si invocado para tal reação, nada obstava a que o fizesse pelo modo como efetivamente fez, isto é, por requerimento avulso e no tempo em que o fez.
Vejamos.

Está aqui em causa a impenhorabilidade, no que ao caso importa considerar, de dois terços da parte líquida das prestações periódicas pagas ao executado a título de aposentação, prevista no n.º 1 do art.º 738.º do CPC, impenhorabilidade essa que, nos termos do n.º 3 do mesmo preceito, tem como limite mínimo absoluto, não tendo o executado outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional.
Ou seja, para efeitos do preceito em apreço, as quantias pagas ao executado a título de pensão de reforma são penhoráveis em um terço, mas, ainda assim, se da penhora desse ‘um terço’ a pensão atingida ficar reduzida a valor inferior ao salário mínimo nacional e o executado não tiver outro rendimento, a penhora reduzir-se-á ao valor que salvaguarde aquele limite mínimo.
Ora, subjacente a tal solução normativa estão razões de ordem constitucional e de salvaguarda de princípios e de direitos fundamentais do cidadão.
Na verdade, o regime normativo em apreço tem a precedê-lo o resultante dos n.ºs 1 e 2 do art.º 824º do Código de Processo Civil, que vigorou até à entrada em vigor da Lei n.º 41/2013, de 26/06, diploma este que introduziu as alterações que consagraram o regime atual.
No regime de pretérito, era estabelecida, aliás, tal como agora, a regra da impenhorabilidade de dois terços das pensões de reforma, mas, não se prevendo qualquer limite mínimo, dele não ficava excluída a possibilidade de, em razão da penhora, a pensão atingida ficar reduzida a um valor inferior ao do salário mínimo nacional.
Sucedeu que o Tribunal Constitucional, pelo Acórdão n.º 177/2002, de 02-07 (publicado no DR n.º 150/2002, I-S-A, de 02-07-2002), decidiu declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma resultante daquele regime, na parte em que permitia a penhora até 1/3 das prestações periódicas pagas ao executado que não é titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda, a título de regalia social ou de pensão, cujo valor global não fosse superior ao salário mínimo nacional.
E isto, porque do referido regime resultava a violação do princípio da dignidade humana, contido no princípio do Estado de Direito e resultante das disposições conjugadas dos art.ºs 1.º; da alínea a), do nº 2, do art.º 59.º; e dos n.ºs 1 e 3 do art.º 63º da Constituição da República Portuguesa.
Foi precisamente para acomodar este juízo de inconstitucionalidade (replicado, aliás, noutros acórdãos, quanto aos salários) que, no n.º 3 do art.º 738.º do CPC aqui em consideração, se estabeleceu que o montante penhorável das pensões de reforma teria sempre como limite mínimo absoluto o equivalente ao salário mínimo nacional.
Ora, estando em causa, subjacente ao regime da impenhorabilidade aqui em apreço, questões atinentes a princípios e direitos fundamentais do cidadão e que, em último termo, se reconduzem à salvaguarda da dignidade da pessoa humana, afigura-se que o seu conhecimento não deve ficar sequer dependente do impulso processual do executado, podendo, pelo contrário, ser levado a cabo oficiosamente pelo tribunal.
Ou seja, deparando-se com a possibilidade de a penhora de uma pensão de reforma concretizada pelo agente de execução privar o executado do valor equivalente ao salário mínimo nacional, nada obsta, como, pelo contrário, se exige, que o tribunal intervenha oficiosamente e reponha a legalidade.
De outro modo, estaríamos a impedir o tribunal de, apesar de garante da Constituição e da lei, agir e, por conseguinte, obstar à violação de um direito fundamental do cidadão.
Uma ‘interpretação conforme à Constituição’ do regime normativo em apreço exige, assim, que se reconheça ao tribunal a possibilidade de conhecimento oficioso da questão.
E se se permite esse conhecimento oficioso do tribunal, também se impõe reconhecer ao executado prejudicado com a penhora ilegal – rectius, inconstitucional – a possibilidade de dela reagir por simples requerimento, sem sujeição a qualquer efeito preclusivo decorrente da não dedução oportuna de incidente de oposição à penhora.

Acresce dizer, a este respeito, o seguinte.
A tutela da posição do executado no que diz respeito à possibilidade de penhora da sua pensão de reforma não se cinge, no quadro do regime fixado no art.º 738.º do CPC, à questão da sua impenhorabilidade, fixada, como se viu, nos n.ºs 1 e 3 deste preceito.
Com efeito, de acordo com o n.º 6, ponderados o montante e a natureza do crédito exequendo, bem como as necessidades do executado e do seu agregado familiar, pode o juiz, excecionalmente, e a requerimento do executado, reduzir, por período que considere razoável, a parte penhorável dos rendimentos e mesmo, por período não superior a um ano, isentá-los de penhora.
Em tal normativo legal, faculta-se ao juiz a possibilidade de redução ou mesmo de isenção de penhora, nos casos em que, por razões atinentes às características do crédito exequendo, ou às necessidades do executado e do seu agregado familiar, tal se justifique e em que, por conseguinte, a impenhorabilidade resultante dos n.ºs 1 e 3 do preceito não seja suficiente para a assegurar ao executado o mínimo necessário ao sustento, seu ou do respetivo agregado familiar.
Ora, como decorre expressamente do normativo em apreço, ao executado que pretenda beneficiar da faculdade em questão basta que deduza a sua pretensão por requerimento avulso dirigido aos autos principais, o mesmo é dizer à margem da dedução de qualquer incidente de oposição à penhora e, inclusive, sem dependência de qualquer prazo.
Sucede que se, nestas situações, em que está em causa a redução da parte penhorável da pensão de reforma ou a isenção de penhora, se permite ao executado a possibilidade de fazer valer a sua pretensão por via de um meio tão simples como o da formulação de um requerimento, seria, segundo cremos, um contrassenso exigir-se-lhe o recurso a um meio mais formal e burocrático como é o do incidente de oposição à penhora, sujeito, inclusive, aos efeitos preclusivos decorrentes do seu não exercício tempestivo, como meio de reação a uma potencial ofensa de um direito fundamental seu.
Como expressivamente se referiu, num caso congénere ao destes autos, no Acórdão desta Relação de Lisboa de 16-02-2012, “entendendo-se que o simples pedido de isenção ou redução de penhora (…) pode ser apresentado em qualquer momento, por nele além do mais se conter uma matéria de direitos fundamentais, a salvaguarda do rendimento mínimo do trabalho indispensável a uma sobrevivência condigna (…), por maioria de razão ou até pela mesma razão – dado que a única diferença é que num dos casos a questão está directamente resolvida na lei (…) e no outro caso a decisão é deixada ao critério do juiz (…) – quando se trata de mera impenhorabilidade também esta deverá poder ser apreciada em qualquer momento pelo juiz a requerimento de qualquer das partes, em ordem a permitir pôr fim a uma tão grave ofensa deste direito fundamental do executado” (sublinhados nossos; Acórdão proferido no processo n.º 941/05.9TBALQ-B.L1-8, disponível na internet, no sítio com o endereço www.dgsi.pt).
É certo que, no citado n.º 6 do art.º 738.º, se prevê expressamente a possibilidade de o executado fazer valer a pretensão que, no preceito, lhe é assegurada por simples requerimento e que, nos restantes casos de impenhorabilidade, designadamente nos previstos nos n.ºs 1 e 3 do mesmo preceito, nada se diz quanto ao meio adequado de oposição a seguir.
Ponderando o que acima foi dito, contudo, isto é, o facto de, subjacente ao regime em apreço, estar em causa a tutela de princípios e de direitos fundamentais, tal solução não pode ter outra leitura que não a de que o legislador, ao contrário do n.º 6, não previu, para os casos dos n.ºs 1 e 3, a possibilidade de reação à penhora ilegal por simples requerimento por tal se revelar desnecessário, já que, em tais casos, é possível ao tribunal conhecer oficiosamente a questão.
Em suma, em caso de penhora de pensão de reforma com ofensa do limite mínimo de impenhorabilidade resultante das disposições conjugadas dos n.ºs 1 e 3 do art.º 738.º do CPC, pode tal questão ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, nada obstando a que esse conhecimento oficioso seja provocado por qualquer das partes no processo, por via de requerimento avulso dirigido, a todo o tempo, aos autos de execução e sem dependência, naturalmente, do pagamento de qualquer taxa de justiça, condicionado que está este pagamento aos casos em que o ato a praticar esteja dependente do impulso das partes.

Ora, no caso em apreço, foi exatamente isso o que o Apelante fez, quando confrontado com a penhora dos subsídios de férias e de Natal associados à sua pensão de reforma.
Não tinha o tribunal a quo, assim, motivo para não apreciar a pretensão em causa.
Procede, pois, a pretensão do Apelante em apreço.
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II.- Da possibilidade do conhecimento neste recurso da questão da penhorabilidade ou impenhorabilidade dos subsídios de férias e de Natal auferidos pelo Apelante
Decidido que está que nada obsta a que se conheça do pedido do Apelante atinente à impenhorabilidade da sua pensão de reforma, importaria agora apreciar essa mesma questão.
À Relação está vedado, contudo, o respetivo conhecimento neste recurso.
Na verdade, o recurso, em si mesmo considerado, é um mecanismo processual com o qual se visa a reapreciação, por um tribunal de hierarquia superior, de uma decisão proferida por um tribunal de hierarquia inferior.
Exige, assim, “por definição (…) uma prévia decisão desfavorável, incidente sobre uma pretensão colocada pelo recorrente perante o Tribunal recorrido”, na certeza de que “[s]ó se recorre de uma decisão que analisou uma questão colocada pela parte e a decidiu em sentido contrário ao pretendido” (v. Acórdão da Relação de Guimarães de 08-11-2018, proferido no processo 212/16.5T8PTL.G1, disponível na internet, no sítio com o endereço www.dgsi.pt; v., também, entre muitos outros, os Acórdãos do STJ de 07-04-2015, no processo n.º 3468/03 e de 08-10-2020, no processo n.º 4261/12.4TBBRG-A.G1.S1 e da Relação de Coimbra de 22-10-2013, no processo n.º 221/12.3TBTMR-A.C1, todos disponíveis no mesmo local).
Só assim não será, de acordo com o mesmo aresto, em se tratando de questões de conhecimento oficioso, relativamente às quais tem o tribunal superior o dever de as conhecer.
Mas tal não sendo o caso, não pode haver apreciação da ‘questão nova’ por “pura ausência de objecto”, já que “em bom rigor, não existe decisão de que recorrer”.
In casu, o despacho recorrido recaiu, como se viu, sobre um requerimento do Apelante pelo qual este pedira a “interrupção” da penhora dos seus subsídios de férias e de Natal, com fundamento na sua impenhorabilidade.
Ora, porque o tribunal a quo, no despacho recorrido, decidiu que o Apelante não se tinha prevalecido do mecanismo adequado para fazer valer a sua pretensão, não entrou na apreciação do mérito da questão que lhe foi colocada, porque prejudicada pelo sentido da decisão que proferiu.
Sobre tal questão não há, assim, uma prévia decisão desfavorável de um tribunal de 1.ª instância que permita a perspetivação da sua sindicância através de recurso, tratando-se, por isso, de questão nova, insuscetível, pelas razões acima enunciadas, de ser conhecida aqui.

É certo que, de acordo com o disposto no n.º 2 do art.º 665.º do CPC, se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por considerá-las prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo Acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.
Constitui tal preceito uma expressão da regra da substituição ao tribunal recorrido no conhecimento de questões de que este não conheceu, não por omissão indevida de decisão, mas por tal decisão ter ficado precludida pela decisão dada a outras questões, facultando-se à Relação, então, a possibilidade de as apreciar, nos casos em que, como o dos autos, a apelação proceda.
Ponto é, contudo, que, como decorre do preceito, “nada obste à apreciação das questões” subsidiárias e a Relação “disponha dos elementos necessários” para o efeito e o certo é que, no caso, os autos não dispõem de elementos imprescindíveis para a tomada de decisão com o rigor e a segurança que se impõem.
Na verdade, está em causa a apreciação de um requerimento apresentado pelo Apelante em 22-04-2024, pelo qual este pretende a “interrupção” dos descontos nos subsídios de férias e de Natal que aufere; ou seja, um requerimento em que este pede a não continuação dos descontos nos subsídios de férias e de Natal daquele ano de 2024 e, consequentemente, nos subsequentes.
Saber se, no caso, houve ofensa da impenhorabilidade da sua pensão pressuporá saber, como se disse já, se o resultado da divisão por doze do valor da soma dos dozes meses de pensão e dos subsídios de férias e de Natal fica aquém do salário mínimo nacional.
Tal operação, contudo, não é possível neste momento, na certeza de que não há elementos nos autos que permitam inferir sequer qual o valor exato da pensão auferida pelo Apelante no ano de 2024 (o documento por este junto com a sua peça recursória diz respeito à pensão de 2023).
Ou seja, relativamente a um elemento essencial à decisão da questão em apreço, não há sequer matéria de facto fixada, pelo que o seu conhecimento implicaria indagação suplementar de elementos de facto no recurso, que, como é bom de ver, não é a sede adequada para o efeito.
De referir, ainda, que decidir-se aqui a questão em primeira linha poderia acarretar, quanto a ela, preterição do duplo grau de jurisdição e, consequentemente, preclusão de um direito processual das partes.
Em face do exposto, não se toma conhecimento de tal questão, cabendo à 1.ª instância aferir em que termos é que o deverá fazer.

Em suma, procede a apelação, com a consequente revogação da decisão recorrida, no segmento da mesma em que se rejeitou a apreciação do requerimento do Apelante, por não corresponder ao mecanismo legalmente previsto para a sua apreciação, com o consequente dever do tribunal a quo de apreciar o mérito, no que à impenhorabilidade da respetiva pensão de reforma diz respeito.
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Porque vencida no recurso, suportará a Apelada as custas da apelação (art.ºs 527.º e 529.º do CPC).
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IV.- Decisão
Termos em que se decide conceder provimento ao recurso e, consequentemente, revogar a decisão recorrida no segmento em que rejeitou a apreciação do requerimento do Apelante, por não corresponder ao mecanismo legalmente previsto para a sua apreciação, com o consequente dever do tribunal a quo de apreciar o mérito do requerimento, no que à impenhorabilidade da pensão de reforma daquele diz respeito.
Custas da apelação pela Apelada.
Notifique.
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Porto, 05-12-2024
(assinado eletronicamente)
José Manuel Correia
Ernesto Nascimento
Carlos Portela