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NULIDADE DA SENTENÇA
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
SUBTRAÇÃO DE MENOR
Sumário
I. De fora da obrigação de enumeração dos factos provados e não provados ficam as considerações meramente conclusivas ou conceitos de direito e todos aqueles factos que são inócuos, acessórios e/ou irrelevantes para a qualificação do crime ou para a graduação da responsabilidade do arguido, e bem assim aqueles que se mostram prejudicados com a solução dada a outros, por apenas os contrariarem, ou seja, representarem mera infirmação ou negação, de outros já constantes do elenco dos factos provados ou não provados, mesmo que alegados pela acusação e/ou pela defesa; II. A nulidade prevista no art.º 379.º, n.º 1, al. c), do C.P.P. apenas se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões (e não factos) que devesse apreciar ou conheça de questões (e não factos) de que não podia tomar conhecimento; III. A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (cfr. art.º 410.º, n.º 2, al. a), do C.P.P.) não se confunde com uma insuficiência da prova para os factos que, segundo o recorrente, erradamente, foram dados como provados pelo tribunal recorrido, não aceitando, pois, a apreciação da prova levada a efeito pelo tribunal recorrido, o que se prende já com a impugnação da matéria de facto nos termos do art.º 412.º, n.º 3 do C.P.P. IV. O erro notório na apreciação da prova (cfr. art.º 410.º, n.º 2, al. c), do C.P.P.) não se confunde com uma errada apreciação da prova que, segundo o recorrente, determinaria decisão diversa daquela a que chegou o tribunal recorrido, não aceitando, pois, a apreciação da prova levada a efeito pelo tribunal recorrido, o que se prende já com a impugnação da matéria de facto nos termos do art.º 412.º, n.º 3 do C.P.P. V. Tendo ficado demonstrado que, da parte da recorrente, em diferentes períodos, por exclusivo ato seu, foram levadas a cabo condutas que se traduziram numa recusa de entrega da menor ao pai, consubstanciando um incumprimento repetido e injustificado do regime então estabelecido para a convivência da menor com o pai na regulação do exercício das responsabilidades parentais, e que impediu que fosse levado a cabo o convívio baseado em contacto pessoal entre a menor e o seu pai aí previsto, tendo a recorrente atuado dolosamente, face à reiteração, bem como a diversidade e intensificação de comportamentos, no sentido de, mais do que obstaculizar, de facto impossibilitar os ditos convívios nos moldes estabelecidos nos sucessivos regimes vigentes, bem como a ausência de justificação, é evidente que se trata de uma conduta com relevância e, assim, de um incumprimento quantitativa e qualitativamente qualificado plenamente justificativo da censura do Direito Penal (cfr. art.º 18.º, n.º 2, da C.R.P.) e que consubstancia o crime de subtração de menor (cfr. art.º 249.º, n.º 1, al. c), do C.P.).
Texto Integral
I Relatório:
I.1. Da decisão recorrida:
No âmbito do processo comum singular n.º 587/19.4PCLRS, que corre termos no Juízo Local Criminal de ... - Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, em 16-05-2024 foi proferida e depositada sentença pela qual AA foi condenada pela prática, em autoria material, de 1 crime de subtração de menor, p. e p. pelo art.º 249.º, n.º 1, al. c), do Código Penal (C.P.), na pena de 110 dias de multa, à taxa diária de EUR 7,50, a pagar a BB “a quantia de EUR 306,42 (…), a título de danos não patrimoniais sofridos, acrescido de juros de mora à taxa legal em vigor para juros civis (4%), desde a data de notificação até efetivo e integral pagamento”, bem como a quantia de EUR 3 500, a título de danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor para juros civis (4%), desde a data de prolação da sentença até efetivo e integral pagamento.
I.2. Do recurso:
Inconformado com a decisão, a arguida AA dela interpôs recurso, extraindo da motivação as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso é interposto da douta sentença em que a arguida foi condenada e cuja prolação a Meritíssima Juiz a quo fundamentou com tudo o que passará a dizer, tendo como objeto toda a matéria de FACTO e de DIREITO. 2. A arguida/recorrente não se pode conformar com a sentença proferida que a condenou, na parte criminal, pela prática de crime de subtração de menores, nem sequer se conforma com a sua condenação na parte civil, merecendo, com o devido respeito, a sentença proferida censura. 3. Nos termos da sentença, ora objeto de recurso, a recorrente foi condenada pela prática, em autoria material, de 1 (um) crime de subtração de menor, previsto e punível pelo artigo 249.º, n.º 1, al. c), do Código Penal, na pena de 110 (cento e dez) dias de multa, à taxa diária de 7,50€ (sete euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz o montante de € 825,00 (oitocentos e vinte e cinco euros). 4. Na instância cível, julgou-se parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante e, em consequência, foi a ora recorrente condenada “a pagar a quantia de € 306,42 (trezentos e seis euros e quarenta e dois cêntimos), a título de danos não patrimoniais (lapso de escrita, talvez, da sentença, querendo dizer danos patrimoniais) sofridos, acrescido de juros de mora à taxa legal em vigor para juros civis (4%), desde a data de notificação até efetivo e integral pagamento e, ainda, a pagar a quantia de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais sofridos, acrescido de juros de mora à taxa legal em vigor para juros civis (4%), desde a data de prolação da presente sentença até efetivo e integral pagamento.” 5. O Ilustre Tribunal não efetuou, no caso concreto, uma criteriosa e cuidada apreciação da prova produzida em julgamento, dando como provada a matéria fáctica que consta da douta sentença aqui posto em crise, que infra transcreveremos e que nos merece reparo. 6. Encontra-se errada e incorretamente julgada a matéria de facto dada como provada nos pontos 3, 6, 9, 12, 13, 14, 16, 17 e 18 a qual deveria ter sido dada como não provada, porque assim o impunha toda a prova validamente produzida; 7. Não podemos deixar de começar por salientar, a este respeito, que, na formação da convicção, o Tribunal a quo deveria ter sempre como presente — o que não teve — que, tal como preceitua o artigo 32°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa, "[t]odo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (...)", e que deste princípio da presunção de inocência decorre, como salienta JOSÉ M. ZUGALDÍÁ ESPINAR, que "partindo ele da ideia que o acusado é, em princípio, inocente (...),a sentença condenatória contra o mesmo só pode pronunciar-se se da audiência de julgamento resultar a existência de prova que racionalmente possa considerar-se suficiente para desvirtuar tal ponto de partida" JOSÉ M. ZUGALDÍA ESPINAR (Derecho Penal, Parte General, 2002, pás. 231); 8. Ora, tal só sucederá quando, por um lado, a prova produzida em audiência permita logicamente (no sentido de racionalmente, coerentemente, etc.) afirmar a presença, no caso concreto, de todos os elementos (objectivos e subjectivos) dos crimes trazidos a Juízo, e, por outro lado, conduza, nos mesmos moldes, à conclusão de que foi o arguido o responsável pela sua ocorrência; 9. No fundo, do que se trata é de que só se pode condenar alguém se for possível imputar-lhe a realização de todos os pressupostos e condições legais exigidos para o efeito, devendo ditar-se uma absolvição se se provarem factos que neguem a possibilidade dessa imputação, ou se aqueles pressupostos e condições se não se verificarem no caso concreto; 10. E nestes autos claramente deveria ter sido ditada a absolvição quanto à aqui recorrente uma vez que racional e logicamente não se poderia ter dado como provada a prática deste crime à arguida/recorrente, uma vez que não se verificou o preenchimento, pela sua conduta, daquele concreto tipo legal do crime pelo qual veio a ser condenada. 11. Acresce que, e compulsada e analisada toda a prova produzida, entende a recorrente que não há, com o devido respeito e salvo melhor opinião, nestes autos, prova segura e inequívoca que permita dar como provada a factualidade vertida nos supracitados pontos dos factos provados que aqui se impugnam. 12. Acresce que, conforme resulta da simples análise da factualidade dada como provada (e mesmo da não provada) e que aqui se impugna, esta tem uma redação genérica e conclusiva, insuscetível de sustentar uma condenação penal, como veio a acontecer, uma vez que não são concretizados, nos factos dados como provados, a prática reiterada e injustificada na conduta da recorrente, bem como a sua consciência da prática de um ilícito criminal. 13. A recorrente pretende que o tribunal ad quem se debruce, não apenas sobre o texto da decisão recorrida, mas sobre a prova produzida em 1.ª instância, que, com o devido respeito, considera mal apreciada. 14. Assim, no estrito cumprimento do ónus de tríplice especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do C.P. Penal, a recorrente passa a expor, especificadamente, indicando os concretos pontos de facto que se consideram incorretamente julgados. 15. Quanto aos factos provado n.º 3 e n.º 6 constante da sentença ora objeto de recurso em ambos os factos, é utilizada a palavra “impulso”, mas crê-se que, nos diferentes factos, se quer dar significado diferente. 16. Conforme consta da prova documental junta aos autos, quanto ao facto n.º 3 dado como provado, foi a aqui recorrente que “deu impulso” ao competente processo de regulação do regime de exercício das responsabilidades. 17. Quanto ao facto n.º 6 dado como provado, “o impulso”, foi dado pelo Ministério Público, antes da prolação da sentença condenatória de violência doméstica, ou seja, antes de 09.05.2019. 18. Pelo exposto, deverão os factos dado como provado n.º 3 e n.º 6 serem alterados. 19. Facto provado n.º 3, deverá passar a ter a redação que se segue: “Após a rutura da relação mantida entre o assistente e a arguida e cessada a coabitação, a arguida intentou o competente processo de regulação do regime de exercício das responsabilidades parentais. “ 20. Facto provado n.º 6 e porquanto, a motivação quanto a este facto se deveu à conjugação do depoimento da recorrida e recorrente, jamais dos mesmos poderia resultar, nem poderia, algo facilmente provável com certidão de uma peça judicial que o Tribunal a quo apurou, como lhe competia, laborando no erro e na falta de rigor que lhe é exigido, deverá passar a ter a redação que se segue: “Porém, após 09.05.2019, data da prolação da sentença condenatória referida no processo-crime n.º 133/18.7PCLRS, com origem nos factos denunciados pela arguida contra o assistente, a arguida deu impulso ao apenso C de alteração da regulação do regime de exercício das responsabilidades parentais, com a junção de requerimento aos autos a 10.05.2019, apenso esse, iniciado e instaurado pelo Ministério Público a 18.03.2019, com vista à alteração do regime em vigor, com vista a obstar contacto entre arguida e assistente, atenta a situação da violência doméstica a que se encontrava a aqui arguida exposta. “ 21. Quanto ao facto provado n.º 12 constante da sentença ora objeto de recurso, não existia uma sentença, existia, antes, um regime provisório, proferido por despacho, conforme, aliás, se encontra transcrito e descrito no ponto 9 dos factos dados como provados. 22. Não estamos perante nenhuma sentença, o que, no plano de exigência e imposição que se exige na prolação de uma sentença, não se prescinde. Um despacho é um despacho, uma sentença é uma sentença, abstendo-se a aqui recorrente de explanar a tal respeito, porquanto, a V. Exas., competência lhes sobra. 23. Não se pode, portanto, considerar nem dar como provado que existia uma sentença e que a Recorrente a incumpria, mas antes que existia um regime provisório, decretado a 24.06.2019, onde aliás, se veio a confirmar a pretensão da recorrente, evitando-se, a partir de tal momento, os contactos entre ambos. 24. O Requerimento da recorrente de 10.05.2019 ao apenso C, onde informava que iria cessar as visitas até haver novo regime, evitando os contactos, veio, na verdade, a ocorrer apenas 1 mês depois. 25. Deverá o facto dado como provado n.º 12 ser alterado, e deverá passar a ter a redação que se segue: “A arguida viajou para o ..., fazendo-se acompanhar da filha do assistente, coexistindo um ainda regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais que determinava o regime de convivência do assistente com a sua filha menor.” 26. Sobre o facto provado n.º 13 constante da sentença ora objeto de recurso, nenhuma prova segura e inequívoca foi produzida no sentido de existir qualquer intenção de afastar o recorrido da menor, com o único propósito de incumprir no regime determinado. 27. Veja-se, nesse sentido: o depoimento da arguida prestado perante autoridade judiciária, em sede de debate instrutório, a 02.12.2021, reproduzido na audiência de discussão e julgamento que teve lugar no dia 10.04.2024 conforme ata de audiência de julgamento, gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal, cuja transcrição, por facilidade e melhor audição, a transcrição foi realizada através do ficheiro: Diligência_587-19.4PCLRS_2021-12-02_15-36-00 do minuto 00:05:20 até ao minuto 00:17:38; transcrição do depoimento em sede de audiência de julgamento, dia 14.10.2024, depoimento da arguida transcrito da gravação através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal Diligencia_587-19.4PCLRS_2024-04-10_09-56-39, do minuto 01:27:33 até 01:29:17 (tudo em nas páginas 12, 13, 14 e 15 deste recurso, depoimento supratranscrito que aqui se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais); e depoimento da Testemunha CC prestado em sede de audiência 17.04.2024, conforme ata de audiência de julgamento, gravado através do sistema integrado de gravação digital Diligencia_587-19.4PCLRS_2024-04-17_16-45-47, do minuto 00:34 – 00:37 até 10:09 – 10:10 (tudo em nas páginas 35, 36, 37, 38 e 39 deste recurso, depoimento supratranscrito que aqui se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais). 28. Não, poderá, portanto, ser dado como provado o facto n.º 13, na redação que lhe é atribuída, pois inexiste qualquer prova nesse sentido sendo que, a motivação da matéria de facto para se dar como provado o facto º 13 se diz que resulta da conjugação do depoimento do assistente com as próprias declarações da arguida o que, toda a prova supratranscrita, infirma veemente que a recorrente tenha ido, querendo levar a efeito, o incumprimento do regime determinado. 29. E é a própria sentença que também o diz citando-se “ao invés, terão sido razões de ordem económica que moveram a arguida (…)” pelo que deverá o facto dado como provado n.º 13 ser dado como não provado, pois, conforme resulta da prova, a ida da arguida para o ... para viver e trabalhar prendeu-se com questões de ordem profissional e económica. 30. Foi, ainda, erradamente dada como provada a factualidade vertida nos pontos 14, 16, 17 e 18, que deveria ser toda ela, ter sido dada como não provada, pois assim o impunha a prova validamente produzida. 31. Veja-se, antes de mais, nesse sentido, os seguintes depoimentos transcritos, e que aqui se dão todos como integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais: ➢ transcrição do depoimento da arguida em sede de audiência de julgamento, dia 10.04.2024, transcrito da gravação através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal Diligencia_587-19.4PCLRS_2024-04-10_09-56-39, do minuto 01:29:48 até 01:32:35 (na página 20 deste recurso); ➢ transcrição do depoimento do assistente em sede de audiência de julgamento, dia 17.04.2024, transcrito da gravação através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal Diligencia_587-19.4PCLRS_2024-04-10_09-56-39, do minuto [00:01:05] até [00:02:47] (na página 21 deste recurso); ➢ transcrição do depoimento da arguida em sede de audiência de julgamento, dia 10.04.2024, transcrito da gravação através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal Diligencia_587-19.4PCLRS_2024-04-10_09-56-39, do minuto 01:20:20 ao 01:26:03 (na página 23 e 24 deste recurso); ➢ transcrição do depoimento da arguida em audiência de julgamento, dia 10.04.2024, transcrito da gravação através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal Diligencia_587-19.4PCLRS_2024-04-10_09-56-39, do minuto 01:45:21 até 01:45:31 (na página 25 deste recurso); ➢ transcrição do depoimento da arguida prestado perante autoridade judiciária, em sede de debate instrutório, a 02.12.2021, reproduzido na audiência de discussão e julgamento que teve lugar no dia 10.04.2024 conforme ata de audiência de julgamento, gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal, cuja transcrição, por facilidade e melhor audição, a transcrição foi realizada através do ficheiro: Diligência_587-19.4PCLRS_2021-12-02_15-36-00 do minuto 00:51:23 até ao minuto 00:53:22 (na página 26 deste recurso); ➢ transcrição do depoimento da arguida em audiência de julgamento, dia 10.04.2024, transcrito da gravação através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal Diligencia_587-19.4PCLRS_2024-04-10_09-56-39, do minuto 01:37:49 até 01:37:59 (na página 27 deste recurso); 32. Resulta inequivocamente provado que, no próprio dia que a recorrente chegou à ... diligenciou por encontrar um Advogado, para que pudesse, de imediato, informar o recorrido e proceder-se a alteração do regime. 33. Resulta inequivocamente provado que o recorrido foi à ... no dia de aniversário da Menor DD, estando com a filha nesse dia, ….2019, não tendo sequer qualquer obstáculo para o convívio. 34. Quanto ao restante período, até 30.06.2020, é fácil de concluir, como um comum homem médio o faria num raciocínio lógico e no poder/dever de assim o ser, que por, essencialmente 4 motivos: 1º - porque o recorrido não quis (ou não pôde) dirigir-se à ... em outras datas; 2º - porque, em meados em março de 2020 é decretado Estado de Emergência consequência da pandemia instalada, e o mundo mudou, as deslocações passaram a ser reduzidas e controladas, voos cancelados, e, a partir desse momento, tornou-se muito mais difícil viajar; 3º por razões de ordem processual pois atentos os processos que corriam termos no ... e em ..., foi necessário decidir-se qual o Tribunal competente, conforme documentos todos juntos a estes autos, a fls; 4º - porque é o andamento dos tribunais que dita a marcação das diligências e, nessa senda, foi apenas a 30.06.2020 que o Tribunal agendou a conferência de pais onde foi determinado o regime descrito no facto provado n.º 15. 35. Resulta inequivocamente provado, ao contrário do vertido na motivação da Mma. Juiz que a 16.10.2020, a recorrente entrou, no Tribunal do ..., com pedido de alteração das responsabilidades parentais, para que fossem fixadas visitas e um regime de convívio da DD com o Pai, tendo-o referido em auto de interrogatório de arguido n.º 1, a fls., a 27-11-2020, tendo ali, inclusive, citado o nº do processo 5047/19.0T8FNC, no juiz 3, do Tribunal de Família e Menores do ..., conforme também, além da prova documental, das suas declarações supratranscritas. 36. Se a recorrente estivesse desinteressada não teria procurado um Advogado de imediato e apresentado pedido de alteração, demonstrando, dessa forma, que tinha todo o interesse na resolução desta mudança pois, se o propósito da recorrente fosse fugir sem deixar rasto e impedir o recorrido de estar com a Menor, não teria sentido diligenciado para que o mesmo soubesse de imediato, dando conta do seu paradeiro e da sua filha Menor. 37. A Mma. Juiz, ao escrever o que escreveu, laborou no erro, grave, muito grave, sendo, per si, demonstrativo da imponderação com que se condena por condenar, sem qualquer rigor e conhecimento do processo que se julga. E, tal não poderá ser admitido e, certamente, V. Exas. Senhores Desembargadores, tudo suprirão. 38. Ademais, conforme resulta também do depoimento do recorrido (supratranscrito) que este nunca referiu que a recorrente impediu e vedou visitas à Menor aquando do período em que esteve na ..., antes referindo “que não se recorda”. 39. Não ficou provado – porque não existiu – qualquer comportamento injustificado ou reiterado da recorrente, em recusar-se a entregar a Menor ao recorrido tendo, ao invés, a recorrente agiu sempre rodeada e aconselhada pelos seus Mandatários, sempre dando conhecimento, quase in loco, aos Tribunais de todos os seus passos. 40. A recorrente sempre teve medo do recorrido (condenado por violência doméstica contra a aqui recorrente) e disse-o em sede de audiência de julgamento, confirmado, inclusive, pelo depoimento da CC, depoimentos esses já supratranscritos e que aqui se dão como integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, motivo esse, desde já, a ser tido como uma parte da motivação para a mudança. 41. A acrescer a tal motivo, a recorrente não foi para a ... injustificadamente e não se pode condenar alguém porque muda de cidade (numa ilha é certo), mas dentro do próprio país, com vista à progressão da sua carreira e melhores condições económicas, nunca consciente da prática de qualquer crime. 42. A recorrente nunca recusou entregar a Menor DD ao recorrido, não existindo qualquer conduta ou comportamento da arguida com a intenção de obstar os contactos entre o recorrido e a Menor, nunca tendo, a recorrente, agido ao arrepio da Lei, desde logo porque: 43. No período de 10.05.2019 a 24.06.2019, após a prolação de sentença da violência doméstica, a recorrente juntou requerimento ao processo (apenso C da regulação), solicitando alteração da forma de entrega da Menor DD, com vista à não existência de contactos entre ambos. 44. No período de 11.10.2019 a 29.06.2020, aquando da ida para a ..., a recorrente solicitou alteração ao regime provisório em vigor, logo a 16.10.2019, informando o Tribunal da sua mudança de residência, com vista à fixação de novo regime que permitisse visitas e contactos entre a Menor e o Pai. 45. As datas de 24.06.2019 e 29.06.2020 correspondem, tão somente, às datas de agendamento, pelo Tribunal, para as conferencias onde se fixava as alterações, em ambos os casos, requeridos pela recorrente. 46. A recorrente jamais teve a consciência da ilicitude de qualquer comportamento, como, aliás, de forma sincera e credível o disse por diversas vezes, nunca tendo a recorrida, ademais, agido com qualquer dolo ou consciente de que praticava qualquer crime, tendo repetido, por diversas vezes, que sempre se aconselhava com Advogados e que sempre informava o Tribunal e requeria alterações, como nos dois períodos aqui em causa. 47. Pelo exposto, foi erradamente dada como provada a factualidade vertida nos pontos 14, 16, 17 e 18, que deveria ser toda ela, ter sido dada como não provada pois assim o impunha a prova validamente produzida, nomeadamente a suprarreferida e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais. 48. A sentença em crise é, efetivamente, lacónica no que respeita à concretização factual da prática reiterada e injustificada, requisitos necessários para a condenação do tipo ilícito aqui em causa, por parte da requerente. 49. O Tribunal a quo violou o princípio da investigação e da descoberta material, fazendo tábua rasa de elementos importantes e cruciais, do objeto do processo pois não resulta do próprio texto da sentença recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum que a convicção do julgador é admissível, por contrária às regras elementares da lógica ou da experiência comum. 50. Sendo, também, relevante aquilo que se vem a concretizar na primeira razão de inconformidade da recorrente e que diz respeito ao constar da matéria de facto provada que a arguida agiu de forma “consciente”. 51. A alegação de que a recorrente agiu de forma “consciente” pode ter dois significados, um jurídico, outro vulgar sendo que, no primeiro é a recorrente ter agido com “consciência” da ilicitude da conduta, conforme erradamente provado no facto 18 da sentença de que se recorre. No segundo, o não ter a recorrente agido no uso do seu livre-arbítrio. Neste segundo sentido a invocação tem apenas como significado a recorrente ter agido “sabendo e querendo”, o que jamais aconteceu! 52. Competia ao Tribunal investigar e provar a prática do crime, não havendo aqui qualquer inversão do ónus da prova e não cabendo à arguida provar e demonstrar que não o fez, mas sim à acusação/pronúncia, que a arguida cometeu um crime. 53. Estamos perante uma sentença inócua de razão e manifestamente errada no que toca à apreciação de toda a prova produzida, existindo um erro notório na apreciação da prova quando o tribunal a valorou contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, conforme tudo o quanto se vem supra de dizer, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, por ser grosseiro, ostensivo, evidente. 54. Do exposto se conclui que a forma como nos surgem equacionadas as matérias suprarreferidas na sentença recorrida constituem um atropelo às regras da lógica e da experiência, consubstanciando diversas situações subsumíveis ao disposto na al. a) e c) do nº.2 do art.º 410º. CPP. 55. Assim, caso os apontados vícios impeçam este douto Tribunal que possa decidir da causa ou que se possa renovar a prova, caso se torne necessário o reenvio do processo para novo julgamento, relativamente à totalidade do objeto do processo, no qual cumprirá diligenciar pelo cabal esclarecimento dos factos pertinentes, de modo a colmatarem-se as anomalias detetadas (arts.426º nº1 e 426º-A, nºs 1 e 2 CPP), deverá ser reenviado o processo para novo julgamento. 56. Acresce ainda que o Tribunal a quo, não deu assim cumprimento ao disposto no artigo 374º, n.º 2 Código Processo Penal, omitindo pronunciar-se sobre esses factos que são relevantes e que resultaram da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, do que resulta a nulidade da douta sentença nos termos do disposto no artigo 379º, n.º 1, alínea c), 1ª parte, do Código Processo Penal, nulidade que aqui se novamente invoca para os devidos e legais efeitos. 57. Pelo exposto, e de acordo com toda a prova validamente produzida impunha-se que fossem dados como provados os factos n.º 9, 10, 11, 12, 13, 15, 16, 22, 40 e 43 da contestação apresentada pela recorrente. 58. Tal vício afeta o ato decisório em si mesmo, bem como os atos que dele dependem e que podem ser afetados pela nulidade - artigo 122º n.º 1 do Código Processo Penal, o que tudo se suscita para devido e legal efeito. 59. O facto n.º 9 da contestação, tem de resultar inequivocamente como provado, desde logo porque resulta das declarações da arguida/recorrente, confirmadas pelo aqui recorrido e pela CC Pereira: ➢ depoimento da arguida prestado perante autoridade judiciária, em sede de debate instrutório, a 02.12.2021, reproduzido na audiência de discussão e julgamento que teve lugar no dia 10.04.2024 conforme ata de audiência de julgamento, gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal, cuja transcrição, por facilidade e melhor audição, a transcrição foi realizada através do ficheiro: Diligência_587-19.4PCLRS_2021-12-02_15-36-00 do minuto 00:47:42 até ao minuto 00:47:55 (na página 33 deste recurso); ➢ depoimento do Assistente prestado em sede de audiência 17.04.2024, conforme ata de audiência de julgamento, gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal, desde o minuto 00:08:28 até ao minuto 00:09:45] (página 34 deste recurso); ➢ depoimento da CC Pereira prestado em sede de audiência 17.04.2024, conforme ata de audiência de julgamento, gravado através do sistema integrado de gravação digital Diligencia_587-19.4PCLRS_2024-04-17_16-45-47, do minuto 00:34 – 00:37 até 10:09 – 10:10 (tudo em nas páginas 35, 36, 37, 38 e 39 deste recurso, depoimento supratranscrito que aqui se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais). 60. A acrescer que, acerca do depoimento da CC, e sobre a conclusão a que o Tribunal a quo chega sobre ter influído do seu depoimento a intensificação de contactos entre pai e filha, o aniversário da Menor, a questão do aniversário da Menor, só é referido pela Testemunha, para se recordar e situar no tempo a ida da recorrente para a ..., expondo que se lembra da altura, porquanto se aproximava o aniversário da Menor e que estava a ponderar ir ao aniversário desta. Jamais, em tempo algum, a Testemunha referiu que a recorrente foi porque se aproximava o aniversário da Menor e porque, com isso, os contactos entre pai e filha se iam intensificar. 61. Por tudo o quanto se vem de dizer, porque é inequívoco da prova produzida em sede de audiência de julgamento, deve o facto n.º 9 da contestação ser dado como provado. 62. Os factos n.º 10, 11, 12, 13 e 15, 16, 40 e 43 têm de resultar como provados porque, naturalmente, resultam de prova documental junta aos autos e, como tal, não existe qualquer dúvida da sua veracidade. 63. O facto n.º 22 tem de resultar como provado, desde logo porque resulta das declarações da recorrente e da CC, já supratranscritas e que ora se dão como integralmente aqui como reproduzidas para os devidos efeitos legais. E, ademais, é o próprio Tribunal a quo reconhece que a recorrente o fez por motivos de ordem económica. 64. O Tribunal a quo, não deu, assim, cumprimento ao disposto no artigo 374º, n.º 2 Código Processo Penal, omitindo pronunciar-se sobre esses factos que são relevantes e que resultaram da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, do que resulta a nulidade da douta sentença nos termos do disposto no artigo 379º, n.º 1, alínea c), 1ª parte, do Código Processo Penal, nulidade que aqui se novamente invoca para os devidos e legais efeitos. 65. Existe, também, uma ausência de uma intencionalidade da Recorrente, a ponto de não ser justificativa da intervenção do direito penal, numa área em que, pelo melindre das relações interpessoais e familiares, a atuação do Estado deve ser moderada e ponderada, sob pena de se vulgarizar a criminalização dos comportamentos incumpridores. 66. Entendemos assim, que o motivo que determinou a conduta da Recorrente é suscetível de a justificar minimamente, a ponto de a tornar atípica à luz da redação da al. c) do n.º 1 do artigo 249º do Código Penal. 67. É unânime a corrente jurisprudencial que defende que a aplicação da lei penal deve ser o último reduto da intervenção legislativa nas relações familiares e, nesta sequência, fazem uma interpretação muito restritiva do sentido da norma penal contida na alínea c) do art.º 249°, do Código Penal. 68. A intenção do legislador foi não vulgarizar a criminalização dos comportamentos incumpridores, destinando a tutela penal para aqueles que se mostram relevantes do ponto de vista dos interesses em jogo e da proteção dos bens jurídicos tutelados pelo preceito legal. 69. Tendo presente que, como resulta dos factos provados e da motivação da sentença, a mudança da Recorrente de ... para a ..., foi determinada ou motivada pela circunstância da sua vida profissional, ou seja, que a referida mudança ocorreu por conta de uma proposta que traria vantagem financeira à Recorrente, em busca de mais e melhores condições de vida, e ao medo que sentia do recorrido, sempre esse comportamento da Recorrente se deve ter como justificado, afastando, assim, a respetiva tipicidade. 70. E, como se começou por dizer inicialmente, impõe-se a aplicação do princípio in dúbio pro ero, o que deveria ter, consequentemente, determinado a absolvição da arguida/recorrente, por existirem sérias e fundadas dúvidas acerca da prática do crime pelo qual foi condenada. 71. Toda a prova produzida em audiência não permitiu logicamente (no sentido de racionalmente, coerentemente, etc.) afirmar a presença, no caso concreto, de todos os elementos (objetivos e subjetivos) do crime trazido a Juízo. 72. A Mma. Juiz contrariou as regras da experiência comum e atropelou a lógica intrínseca dos fenómenos da vida. Existindo um estado de dúvida insanável, sempre deveria ter decidido a favor da recorrente. 73. O Tribunal a quo, ao decidir de como decidiu, violou o princípio da presunção de inocência conjugado com o princípio in dúbio pro reo. 74. A sua violação pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, e, no caso, decorre, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por dar como provado determinado facto e decidir contra a arguida/recorrente. 75. E, nestes autos, claramente deveria ter sido ditada a absolvição quanto à aqui recorrente AA uma vez que, racional e logicamente, não se poderia ter dado como provada a prática do crime de substração de menores p.e.p. pelo art.º 249.º, n.º 1, al. c), do Código Penal, uma vez que não se verificou o preenchimento, pela sua conduta, daquele concreto tipo legal do crime pelo qual veio a ser condenada. 76. Por tudo o quanto se vem de dizer, o Tribunal recorrido violou o artigo 32.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e o artigo 127º do Código de Processo Penal. 77. A recorrente entende que deve ser apreciada a inconstitucionalidade da interpretação normativa do artigo 127º do Código Processo Penal, acolhida na decisão recorrida de que a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, permite o recurso às presunções de prova previstas nos artigos 349º e 350º do Código Civil, considerando e com o devido respeito, que tal interpretação ora colocada em crise viola as garantias de defesa e da presunção de inocência e o princípio in dúbio pro reo, consagrados no artigo 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, bem como, do dever de fundamentar, estatuído no artigo 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa. 78. A recorrente considera e com o devido respeito, que o Tribunal recorrido deveria ter aplicado os princípios constitucionais suprareferidos aquando da interpretação normativa do artigo 127º do Código de Processo Penal.”
Terminou pedindo que a sentença recorrida fosse revogada e substituída por outra que absolvesse a recorrente do aludido crime.
O referido recurso foi admitido por despacho de 19-06-2024.
I.3. Das respostas:
I.3.A. Do Ministério Público:
Ao dito recurso respondeu a Digna Magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido, concluindo da seguinte forma:
“1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que condenou a arguida, em autoria material, pela prática de um crime de subtracção de menor, p.p. pelo art.º 249º, nº 1, al. c), do Código Penal na pena de 110 dias de multa, à taxa de 7,50€, no montante global de 825€ 2. Sustenta, a recorrente que o Tribunal a quo não podia ter desvalorizado as declarações da arguida e das testemunhas, nem dar credibilidade às restantes testemunhas ouvidas e declarações do assistente, da forma como o fez, nem concluir pela condenação da arguida face à ausência de prova produzida em julgamento, impondo-se a sua absolvição pela aplicação do principio in dubio pro reo. 3. A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no art.º 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal, ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o art.º 412º, n.ºs 3, 4 e 6, do Código de Processo Penal. 4. Lida a sentença recorrida, é evidente que não se verifica qualquer dos vícios elencados no art.º 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal, os quais não foram sequer claramente individualizados, só indirectamente invocados pela recorrente e não os detectamos da mera leitura da sentença. 5. Lidas as conclusões da recorrente, verifica-se que a mesma pretende invocar o erro na apreciação da prova, regulado no art.º 412º do Código de Processo Penal. 6. Pese embora, a recorrente tenha cumprido o ónus de especificação dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, pretende, em termos genéricos, por em causa os factos dados como provados que consubstanciam o elemento típico subjectivo do crime de subtracção de menor pelo qual a arguida foi condenada. 7. Da leitura da motivação, como da leitura das conclusões, resulta que o presente recurso em matéria de facto se limita a procurar abalar a convicção formada pelo Tribunal a quo, relativamente aos factos que impugna, procura substituir a convicção de quem julgou pela convicção de quem espera uma decisão favorável, pelo que deverá ser desatendida. 8. Produzida a prova em audiência, o Tribunal a quo não conferiu credibilidade às declarações da arguida, das testemunhas indicadas pela arguida no seu recurso, posto que não foram corroboradas cabalmente por qualquer outro meio de prova, inclusivamente não confirmada entre si e muito menos se concatenada com a restante prova, designadamente documental e demais testemunhas intervenientes. 9. Quando a atribuição de credibilidade num meio de prova se baseia na opção assente na imediação e na oralidade, o Tribunal de recurso só poderá censurar se ficar demonstrado que tal opção é de todo inadmissível face às regras de experiência comum e da lógica, o que a recorrente não logrou demonstrar. 10. Face à prova produzida, e à clareza da sentença produzida, especialmente no que tange à motivação da matéria de facto dada como provada e não provada, e também na fundamentação de direito, há motivo bastante para concluir que, no presente caso, não houve qualquer apreciação menos correcta da prova produzida, pelo que deverá ser mantida nos seus precisos termos a sentença agora em crise, que não nos merece qualquer reparo, improcedendo a argumentação da recorrente. 11. O princípio in dubio pro reo encerra em si uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa, pelo que a sua violação exige, como factor primeiro, que o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido. 12. No caso em apreço não resulta, do teor da decisão recorrida, que tenha surgido no espírito do julgador qualquer dúvida inultrapassável que justifique lançar mão do princípio em referência, cuja invocação, se julga sem fundamento. 13. Face à prova produzida, analisada criticamente em termos de motivação da matéria de facto dada como provada, não se suscitou ao julgador qualquer dúvida de que a arguida, efectivamente, praticou os factos considerados provados e que consubstanciam a prática do crime de subtracção de menor pelos quais foi condenada, pelo que não há lugar à ponderação do mencionado princípio. 14. A recorrente põe em causa a justeza da sentença, alegando uma nulidade insanável susceptível de ser invocada em sede de recurso, conforme o art.º 379º, nº 1, al. c), 1ª parte, do Código de Processo Penal ao não dar cumprimento ao disposto no art.º 374º, do nº2 do mesmo diploma legal. 15. No caso dos autos o que a arguida pretende, mais uma vez, é impor ao Tribunal a sua apreciação dos factos, sendo que, neste particular, a recorrente nada alegou quanto às eventuais diligências que ao Tribunal se impunha realizar ou da sua necessidade essencial à descoberta da verdade 16. Na sentença ora colocada em crise, foram ponderados todas as circunstancias que concorrem para o preenchimento do tipo penal em análise, não se verificando qualquer omissão ou falta de fundamentação pois que o Tribunal não deixou de se pronunciar sobre todas as questões de que devesse apreciar. 17. Não se mostra violado qualquer princípio ou norma legal, designadamente, o art.º 249º do Código Penal, artºs 374º, 379º, do Código de Processo Penal ou os artºs 29º e 32º da Constituição da República Portuguesa.”
I.3.B. Do assistente:
A este recurso respondeu também o assistente, BB pugnando que aquele deveria ser rejeitado ou, caso assim não se entendesse, deveria improceder, mantendo-se a decisão proferida nos seus exatos termos, sem formular conclusões.
Foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação.
I.4. Do parecer:
Nesta instância, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer através do qual propugnou pela improcedência do recurso, acompanhando integralmente o teor da resposta apresentada pelo Ministério Público na 1.ª instância.
I.5. Da tramitação subsequente:
Tendo sido dado cumprimento ao disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (C.P.P.), foi apresentada resposta ao dito parecer, pelo assistente que, em síntese, renovou todas as considerações já tecidas na sua resposta.
Efetuado o exame preliminar foi indeferida a renovação da prova e colhidos os vistos, foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito, cumprindo, assim, apreciar e decidir.
II. Fundamentação:
II.1. Dos poderes de cognição do tribunal de recurso:
Está pacificamente aceite na doutrina (cfr., por exemplo, MESQUITA, Paulo Dá, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo V, 2024, Livraria Almedina, pág. 217; POÇAS, Sérgio Gonçalves, in “Processo Penal – Quando o recurso incide sobre a decisão da matéria de facto, Julgar, n.º 10, 2010, pág. 241; SILVA, Germano Marques da, in Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª edição, 2000, pág. 335) e jurisprudência (cfr., por exemplo, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15-02-2024, processo n.º 105/18.1PAACB.S12) que, sem prejuízo do conhecimento oficioso de determinadas questões que obstem ao conhecimento do mérito do recurso (cfr., por exemplo, art.º 410.º, n.º 2, do C.P.P.), são as conclusões que delimitam o seu objeto e âmbito, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19-10-2995, para fixação de jurisprudência, in Diário da República n.º 298, I Série A, págs. 8211 e segs.3).
Na verdade, se o objeto do recurso constitui o assunto colocado à apreciação do tribunal de recurso e se das conclusões obrigatoriamente devem constar, se bem que resumidos, as razões do pedido (cfr. art.º 412.º, n.º 1, do C.P.P.) e, assim, os fundamentos de facto e de direito do recurso, necessariamente terão de ser as conclusões que identificam as questões que a motivação tenha antes dado corpo, de forma a agilizar o exercício do contraditório e a permitir que o tribunal de recurso identifique, com nitidez, as matérias a tratar.
II.2. Das questões a decidir:
II.2.A. Da correção de lapsos: II.2.A.a. Na motivação da decisão de facto da sentença recorrida:
Na motivação da decisão de facto da sentença recorrida consta:
“Precisamente no sentido do depoimento do assistente, é possível ler na ata de conferência de pais de dia 30.06.2024 (fls. 58 e 59), o seguinte, “[O Requerente] Desde 18 de novembro de 2019 que não tem qualquer tipo de contacto com a sua filha”, pelo que, tornando-se “necessário restabelecer de imediato os contactos por forma a evitar que os vínculos paterno-filiais fiquem irremediavelmente comprometidos”, foi determinado o gozo de férias conjunto entre pai e filha e, ainda, por forma a mitigar o impacto da separação, que até lá fossem “estabelecidos contactos via WhatsAPP ou qualquer outra vídeo chamada, pelas 19:00 horas, às segundas, quartas e sextas feiras.”
No entanto, no elenco dos factos provados, consta que a referida conferência ocorreu em 30-06-2020, sendo efetivamente essa a data que resulta de fls. 58 e 59 do Volume I-A.
Trata-se, pois, de um mero lapso de escrita em que incorreu o tribunal recorrido, sendo o mesmo evidenciado pelo próprio texto da sentença recorrida, que não tem nem teve qualquer influência ou repercussão no sentido decisório da sentença recorrida e que é suscetível de correção oficiosa por esta instância de recurso, nos termos do art.º 380.º, n.ºs 1, al. b), e 2, do C.P.P. II.2.A.b. No dispositivo da sentença recorrida:
No dispositivo da sentença recorrida consta o seguinte parágrafo:
“(…) C) Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante e, em consequência: i. Condenar a arguida/demandada a pagar a quantia de € 306,42 (trezentos e seis euros e quarenta e dois cêntimos), a título de danos não patrimoniais sofridos, acrescido de juros de mora à taxa legal em vigor para juros civis (4%), desde a data de notificação até efetivo e integral pagamento. (…)”
No entanto, na fundamentação da decisão recorrida no que respeita ao pedido de indemnização civil, no que concerne àquela quantia, consta:
“No que toca aos danos patrimoniais, cumpre, desde logo, salientar que apenas é ressarcível ao demandante tudo quanto por si despendido para garantir o convívio com DD no período que mediou a partida da arguida para a ... e a conferência de pais realizada a 30.06.2020, ou seja o valor global de € 306,42 (factos n.ºs 20) a 23)), uma vez que, a partir desse momento, foi fixado um regime provisório, estabilizando-se, mesmo que a título transitivo, a residência da menor em termos jurídicos, restando, pois, ao demandante procurar um “ajustamento” das despesas no âmbito do processo que corre termos no Tribunal de Família e Menores, improcedendo, assim, o demais peticionado a título de passagens aéreas, alojamento, aluguer de viaturas et., porquanto se referem a despesas posteriores a 30.06.2020.
“(…) Face ao exposto, o tribunal considera justo e adequado condenar: - A arguida a pagar ao demandante, uma indemnização no montante de € 306,42, a título de danos patrimoniais. Devendo ainda a arguida/demandada pagar ao demandante juros de mora à taxa legal de 4%, a contar desde a notificação até efetivo e integral pagamento, nos termos do disposto nos artigos 559.º, 805.º e 806.º, n.ºs 1 e 2, do C.P. e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.”
Trata-se, pois, de um mero lapso de escrita em que incorreu o tribunal recorrido, sendo o mesmo evidenciado pelo próprio texto da sentença recorrida, que não tem nem teve qualquer influência ou repercussão no sentido decisório da sentença recorrida quanto à quantia global indemnizatória fixada e que é suscetível de correção oficiosa por esta instância de recurso, nos termos do art.º 380.º, n.ºs 1, al. b), e 2, do C.P.P. II.2.B. Do objeto dos recursos:
Tendo em conta o exposto quanto aos poderes de cognição do tribunal de recurso (cfr. II.1.), são as seguintes as questões a conhecer, pela ordem da prevalência processual sucessiva que revestem:
A. Se a sentença recorrida é nula por ter omitido os factos 9., 10., 11., 12., 13., 15., 16., 22., 40. e 43. alegados na contestação;
B. Se a sentença recorrida padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude o art.º 410.º, n.º 2, al. a), do C.P.P. ou do vício de erro notório na apreciação da prova, a que alude o art.º 410.º, n.º 2, al. c), do C.P.P.;
C. Se há erro de julgamento, nos termos do art.º 412.º, n.º 3, als. a) e b), do C.P.P. quanto aos factos tidos por provados nos seus pontos 3, 6, 9, 12 a 14 e 16 a 18;
D. Se foram violados os princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo; e
E. Se a conduta demonstrada não tem relevância penal.
II.3. Ocorrências processuais com relevo para apreciar as questões objeto do recurso:
Ora, com relevo para o definido objeto do recurso, e resultante dos atos processuais a seguir assinalados, importa atentar no seguinte:
II.3.A. Do despacho de pronúncia (cfr. ref.ª 151602686 de 24-02-2022):
Em 24-02-2022 foi proferido despacho de pronúncia, contra AA, imputando-lhe a prática, como autora material, de 1 crime de subtração de menor, p. e p. pelo art.º 249.º, n.º, al. c), do C.P., porquanto se considerou indiciarem suficientemente os autos os seguintes factos:
1. “O Assistente BB e a Arguida AA viveram juntos, em situação análoga à dos cônjuges, de cuja relação, em ….2017, viria a nascer a filha de ambos, DD.
2. A relação entre o Assistente e a Arguida começou a degradar-se paulatinamente e em meados de Fevereiro de 2018 deu-se a ruptura definitiva enquanto casal.
3. Após a ruptura da relação mantida entre o Assistente e a Arguida e cessada a coabitação, deu-se impulso ao competente processo de regulação do regime de exercício das responsabilidades parentais.
4. O referido processo correu os seus devidos e legais termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo de Família e Menores de ..., Juiz 4, sob o n.º 2502/18.3T8LRS.
5. Em 09.04.2018, e no âmbito desse processo de regulação do regime de exercício das responsabilidades parentais, realizou-se a competente conferência de pais, donde, na respectiva acta consta a Sentença que homologou o acordo alcançado entre o Assistente e a Arguida, nos seguintes termos: “1. A menor DD fica a residir com a mãe, que exercerá as responsabilidades parentais inerentes aos atos da vida corrente daquela, exceto quando a mesma se encontrar junto do pai. 2. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância, tais como a saúde, educação, atividades de lazer e formação religiosa e moral, serão exercidas em conjunto por ambos os progenitores, salvo nos casos de urgência, em que qualquer um dos progenitores poderá agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível. (…) 3.Até 15 de Junho de 2018, o pai estará com a menor três vezes por semana, no ... ou no ..., em ..., se o tempo assim o permitir. O pai estará m concreto com a menor à terça-feira, à quinta-feira e ao sábado, isto sem prejuízo de serem acordados mais períodos de convívio. À terça e quinta-feira, o progenitor estará com a filha no horário das 17.30 às 19.30 horas e ao sábado no horário das 16.00 horas às 18.00 horas. (…) 9. Após [Setembro de 2018], ou se a menor deixar de ser amamentada antes desse período limite, a mesma passará com o pai um fim de semana de quinze em quinze dias, indo este buscar a filha à sexta feira ao infantário ou ama, após o fim das atividades, entregando-a na segunda feira no infantário ou à ama. 10. Após os dois anos de idade, ou quando a menor deixar de amamentar, se isso acontecer antes dessa data, o pai estará com a filha todas as quartas feiras, indo buscar a menor às 17:30 horas ao infantário ou ama, entregando-a no dia seguinte no infantário ou à ama. (…) 12. A partir de 2019, a menor passará, em anos alternados, a véspera de Natal e o dia de Natal e a véspera de Ano Novo e o dia de Ano Novo com cada um dos progenitores, sendo nesse ano de 2019, a véspera de Natal será passada com o pai, o dia de Natal com a mãe, a véspera de Ano Novo com o pai e o dia de Ano Novo de 2020 com o pai, alternando-se nos anos subsequentes. 13. Em 2019, a menor estará com o progenitor no Domingo de Páscoa das 10:00 às 18:00 horas. 14. A partir de 2020, uma vez que a menor já tem dois anos de idade, esta passará em anos alternados e com pernoita, o Domingo de Páscoa com cada um dos progenitores, sendo que, em 2020, o Domingo de Páscoa será passado com a mãe, alternando-se nos anos subsequentes. (…) 16. No dia de aniversário da menor, esta tomará uma refeição com cada um dos progenitores, em termos a combinar entre estes, isto sem prejuízo das atividades escolares. (…) 18. A partir de 2020, no verão, a menor passará quinze dias consecutivos de férias pessoais dos pais com cada um dos progenitores, em períodos a combinar entre estes até ao dia 31 de março de cada ano. (…) SENTENÇA Por ser válido, quer pelo seu objecto, quer pela qualidade dos intervenientes, mais se mostrando devidamente salvaguardados os superiores interesses da menor em causa, homologo por sentença, o acordo constante das cláusulas antecedentes…”.
6. Porém, após 09.05.2019, data da prolação da sentença condenatória proferida no processo crime n.º 133/18.7PCLRS, com origem nos factos denunciados pela Arguida contra o Assistente, foi dado impulso ao apenso C de alteração da regulação do regime de exercício das responsabilidades parentais e, nessa sequência, o Assistente foi impedido de conviver com a menor.
7. Concretamente, no dia 11.05.2019 o Assistente e no esteio do determinado no regime vigente de exercício das responsabilidades parentais, pretendeu ir buscar a sua filha para com ela passar o período convivência fixado, mas a Arguida não compareceu no local acordado para a entrega.
8. Entre 11.05.2019 e 24.06.2019 o Assistente não pode estar com a sua filha, por recusa da parte da Arguida que, para além de não comparecer nos locais acordados para entrega, deu igualmente instruções à direcção do infantário para que não permitisse o contacto do assistente com a menor.
9. Em 24.06.2019, e no âmbito do referido apenso C de alteração da regulação do regime das responsabilidades parentais, realizou-se a competente conferência de pais, donde, na respectiva acta consta o Despacho que determina o seguinte: “[O Requerente] Desde que foi proferida sentença no processo crime em que figura como arguido, tem sido impedido de contactar a filha, tendo tentado estar com a menor no infantário, mas também lhe foi vedado. A menor frequenta o equipamento de infância B&B em ..., sito na .... (…) DESPACHO (...) O progenitor poderá estar com a filha todas as semanas às segundas e quintas feiras, no período da manhã, mais concretamente das 09:00 horas às 11:00 horas, e não mais vezes por semana de molde a não serem perturbadas as rotinas/atividades da criança no infantário que frequenta. De qualquer modo, deverá o progenitor articular com o infantário o horário mais adequado para os convívios, para que estes não prejudiquem as aludidas rotinas e atividades. Se as segundas e quintas feiras não forem os dias mais adequados, deverá o infantário justificar a razão de tal e combinar com o progenitor dois outros dias da semana que salvaguardem as duas horas de convívio em apreço…”.
10. No dia 14.10.2019, o Assistente foi contactado pelo seu Mandatário de então, o qual lhe comunicou que momentos antes tinha sido contactado telefonicamente por uma colega de profissão, que o informou que a Arguida tinha ido para o ... com a menor DD, para aí ir residir e trabalhar.
11. Até então o assistente de nada sabia, desconhecendo que a sua filha se encontrava no ..., porquanto a Arguida não procurou obter o seu consentimento ou informá-lo antecipadamente.
12. A Arguida viajou para o ..., fazendo-se acompanhar da filha do Assistente, o que fez de forma livre e consciente sabendo que existia uma sentença de regulação do exercício das responsabilidades parentais que determinava o regime de convivência do Assistente com a sua filha menor.
13. A ida da Arguida para o ..., para viver e trabalhar, o que fez voluntariamente, sem que estivesse profissionalmente obrigada, teve como consequência, que quis levar a efeito, o incumprimento do regime determinado para a convivência da menor com o Assistente que, passando a residir a cerca de 1200,00 km de distância da sua filha, ficou material e objectivamente impedido de estar com a menor.
14. Assim, desde 14.10.2019 e até, pelo menos, 29.06.2020, o arguido deixou totalmente de ver e falar com a filha, não mais tendo ocorrido os convívios às segundas e quintas‑feiras que se encontravam estabelecidos, com excepção do dia ….2019, dia de aniversário da menor, em que, tendo tido oportunidade, propositadamente se deslocou ao ... e passou o dia com esta.
15. Em 30.06.2020, já com a Arguida no ..., e no âmbito de apenso de alteração da regulação do regime de exercício das responsabilidades parentais, realizou-se a competente conferência de pais, donde, na respectiva acta consta o Despacho que determina o seguinte: “[O Requerente] Desde 18 de novembro de 2019 que não tem qualquer tipo de contacto com a sua filha. (…) pela progenitora foi dito que não pretende regressar ao continente, tendo refeito a sua vida na ... (…) Seguidamente pelo progenitor foi requerido que a menor passasse um período de férias consigo, sendo que durante uma semana o pai permaneceria na ... com a filha e na semana subsequente a menor deslocar-se-ia a Portugal continental, na companhia do pai, ficando mais uma semana por forma a que a menor pudesse usufruir de um ambiente familiar e visitar os outros elementos da família. ** De imediato pela mãe foi dito que não concorda com a deslocação da menor ao continente. (…) DESPACHO (…) é necessário restabelecer de imediato os contactos por forma a evitar que os vínculos paterno-filiais fiquem irremediavelmente comprometidos. Assim sendo, sopesando a idade da menor, mais considerando também que nesta idade os menores com facilidade se adaptam às novas realidades que lhes são apresentadas de forma positiva, entendo que o eventual dano causado pela ausência do pai e eventual dano causado pela ausência de um regime transitório da adaptação da presença do pai à ..., entendo que o interesse da menor estará melhor assegurado através da retoma da relação com o pai com a maior brevidade possível. Nestes termos, provisoriamente determino que o pai poderá estar com a menor na semana de 06 a 12 de julho de 2020 (uma vez que a mãe garantiu que não tem férias marcadas) ou caso não consiga arranjar passagem, na semana subsequente, competindo à mãe ou pessoa da sua confiança entregar a menor ao pai aquando a sua chegada à ..., entregando o pai a menor no final da sua estadia à mãe ou pessoa da confiança da mãe. Por forma a minimizar o impacto do ora determinado, mais determino que até lá sejam estabelecidos contactos via WhatsAPP ou qualquer outra vídeo chamada, pelas 19:00 horas, às segundas, quartas e sextas feiras para que a menor possa ver e falar com o pai, iniciando-se estes contactos a 01-07-2021”.
15. Toda a conduta perpetrada pela Arguida, consubstanciada nas recusas de entrega da menor, em incumprimento do determinado em processo de regulação do regime de exercício das responsabilidades parentais, culminantes com a ida definitiva para o ..., fez com que, de forma reiterada, ficasse impossível o cumprimento de um qualquer regime de convivência da menor com o Assistente.
16. A Arguida com o seu comportamento, agiu com a intenção de impedir os convívios do Assistente com a sua filha, afastando-o desta, o que conseguiu.
17. A arguida agiu de forma deliberada, livre e consciente bem sabendo que as suas condutas eram censuráveis e proibidas por lei.”
II.3.B. Da contestação (cfr. ref.ª 13393280 de 13-02-2023):
Em 13-02-2023 a recorrente apresentou contestação ao despacho de pronúncia do seguinte teor:
“(…) 1º A arguída está pronunciada pela prática de 1 (um) crime de subtracção de menor, p. e p. pela alínea c) do nº 1 do artigo 249º do Código Penal. 2º Dispõe este preceito legal que: “1 - Quem: a) … b) … c) De um modo repetido e injustificado, não cumprir o regime estabelecido para a convivência do menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais, ao recusar, atrasar ou dificultar significativamente a sua entrega ou acolhimento; é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.” 3º Como adiante se demonstrará, a arguída não praticou o crime pelo qual está pronunciada e como tal deve ser absolvida. Com efeito, 4º A menor DD nasceu no dia 18 de Novembro de 2017. 5º Os pais da menor (arguída e assistente nos presentes autos) separaram-se em Março de 2018, tendo a menor apenas 3 meses. 6º A primeira conferência de pais para a regulação das responsabilidade parentais ocorreu em Abril de 2018, tinha a menor 4 meses. 7º A segunda conferência de pais para a regulação das responsabilidade parentais ocorreu em Outubro de 2018, tinha a menor 10 meses. 8º Desde a separação que o relacionamento entre assistente e arguída, foi sempre pautado por desentendimentos vários, uma vez que na pendência do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, correu em simultâneo um processo de violência doméstica nº 133/18.7PCLRS (cuja sentença se encontra junta aos presentes autos a Fls. 22 a 37) no qual o ora assistente era arguído e a ora arguída, a vítima, que influenciou e muito o exercício das responsabilidades parentais, pelos constantes constrangimentos que o ora assistente provocava na arguída, que tinha uma bebé a seu cargo e se encontrava sozinha a viver em .... 9º Face aos constrangimentos existentes, e ao medo que a arguída tinha que assistente lhe fizesse mais mal, pediu a mesma ajuda às autoridades e os agentes das PSP deslocavam-se com a arguída ao domicílio do assistente para entregar e recolher a menor. 10º Face à existência do processo de violência, o Exmo. Procurador do Ministério Público, promoveu que as entregas da menor ocorressem em locais públicos, atentos os relatórios de avaliação de risco que a PSP periodicamente efectuava junto da ora arguída, que sentia muito receio pelos comportamentos do assistente. 11º No dia 8 de Maio de 2019, o assistente foi condenado no âmbito do supra aludido processo, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nos 1, alínea b) e 2, do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão suspensa, na sua execução, nos termos do disposto no artigo 50º, do Código Penal, pelo período de 3 anos, sujeitando tal suspensão a regime de prova, nos termos do disposto nos artigos 53º e 54º ambos do Código Penal impondo, igualmente, ao mesmo, nos termos do disposto no artigo 54º, no 3, do Código Penal, as obrigações aí mencionadas, a saber: 1) Responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social; 2) Receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência; 3) Informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação superior a oito dias e sobre a data do previsível regresso; e 4) Obter autorização prévia do magistrado responsável pela execução para se deslocar ao estrangeiro. 12º O assistente foi ainda condenado, nas penas acessórias de proibição de contacto com a ofendida, devendo afastar-se da residência desta e de local onde aquela se encontre e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de 4 anos (artigo 152º, nos 4 e 5, do Código Penal). 13º O ora assistente, enquanto demandado, foi ainda condenado a pagar à ora arguida, demandante cível, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de €8.000 (oito mil euros). 14º Ao ser condenado, o ora assistente, pretendeu vingar-se da arguida, utilizando todas as provocações possíveis e criando-lhe os mais diversos constrangimentos, no exercício das responsabilidades parentais, uma vez que alegava que embora tivesse uma medida de afastamento da arguida, o processo não tinha transitado em julgado. 15º Como se pode constatar pelo teor da Douta sentença proferida no âmbito do processo em que o ora assistente foi condenado pela prática do crime de violência doméstica, foi determinada uma proibição de contactos. 16º Atendendo a que a arguida vivia sozinha em ..., (a sua família residia e continua a residir em ...), e uma vez que não tinha ninguém para efectuar as entregas da menor ao pai, um dia após a leitura da sentença, mais concretamente no dia 11 de Maio de 2019, a ora arguida efectivamente não entregou a menor ao pai, tendo requerido no dia anterior (10.05.2019) ao Tribunal de Família e Menores de ... a alteração das entregas da menor ao pai, conforme requerimento junto aos autos a Fls…). 17º Face ao requerimento entregue pela ora arguida, realizou-se uma nova conferência de pais, no Tribunal de Família e Menores de ..., no mês seguinte, mais concretamente no dia 24 de Junho de 2019. 18º Nessa mesma diligência, face à condenação do arguido e por forma a que não houvesse contacto entre os progenitores, foi fixado pelo Meritíssimo Juiz de Família e Menores de ..., um regime provisório, no qual o ora assistente poderia ir buscar e estar com a filha duas vezes por semana, indo para o efeito, buscar a filha ao colégio que a mesma frequentava. 19º Este regime provisório foi cumprido e o ora assistente conviveu com a menor entre o dia 24 de Junho de 2019 e o dia 10 de Outubro de 2019, por ordem do tribunal. 20º Também quanto à ida da arguida e da menor para a ..., doravante designada de ...), nada se pode apontar à mesma, porque as razões da ida são absolutamente atendíveis. 21º Com efeito, no início de Outubro de 2019 e uma vez que o ... ia abrir uma unidade no ..., foi-lhe efectuada uma proposta para ir trabalhar para a .... 22º Uma vez que na ..., poderia ter a oportunidade de mais facilmente entrar num hospital público, e porque se não fosse poderia ter algum constrangimento na carreira por recusar ir para a ... abrir, como ... generalista, um bloco operatório do ..., tomou a decisão de ir, até porque também representava uma melhoria nas suas condições económicas e como mãe solteira, tinha de acautelar o seu futuro e o futuro da sua filha. 23º Atendendo a que foi tudo muito rápido, ou seja, entre a assinatura do acordo de transferência e a ida para a ... decorreram apenas cerca de 10 dias, não teve tempo de avisar o ora assistente antes da viagem, mas também não o fez com receio que ele lhe fizesse algum mal. 24º Logo no dia da sua chegada à ..., mais concretamente no dia 11 de Outubro de 2019, a arguida solicitou à sua Ilustre advogada que contactasse o Ilustre advogado do assistente por forma a informar da permanência da menor na ..., o que esta fez apenas no dia 14 de Outubro de 2019, face aos seus afazeres profissionais. 25º Como se pode constatar pelo teor da queixa apresentada pelo ora assistente, no dia 15 de Outubro de 2019, já este sabia que a menor se encontrava na .... 26º Não deixando de apresentar esta queixa como mais uma manobra do plano de vingança contra a arguida por ter sido condenado no processo de violência doméstica. 27º Volvido poucos dias, após a chegada à ..., a arguida prestou informações à CPCJ de ..., acerca do local de residência e da cresce da menor e cerca de um mês depois, o assistente esteve na ... com a filha, no dia do seu 2º aniversário (….2019). 28º O processo de responsabilidades parentais passou a correr no Tribunal do ..., no qual ambos os progenitores se fizeram representar por mandatários, tendo o assistente tido contactos com a menor através de vídeo-chamadas. 29º Em Março 2020 foi Portugal e o mundo, assolados por uma inédita pandemia derivada da Covid 19 que levou todos ao confinamento e impediu a realização de viagens e até de diligências judiciais, permanecendo o país em estado de emergência por um longo período. 30º Pelo que, apenas no dia 30 de Junho de 2020, pelo facto referido no artigo anterior e não por qualquer atitude tomada pela arguída, foi realizada uma nova conferência de pais, onde decidido que o ora assistente passaria uma semana de férias com a menor, o que efectivamente ocorreu em Julho de 2020. 31º A partir dessa mesma conferência de pais, e até ao presente, sempre que não está na ..., que o ora assistente, com uma frequência bi ou tri-semanal efectua videochamadas para a menor, tendo a arguida adaptado seus os horários e as rotinas da menor para que os contactos ocorram sem constrangimentos. 32º Em Julho de 2021, o ora assistente deslocou-se à ... para um conferência de pais, e aí permaneceu até Outubro de 2021, tendo sido estabelecido um regime provisório no qual a menor estava presencialmente com o pai, em quatro períodos semanais, nos seguintes termos: “A criança tem o direito a conviver com o progenitor, enquanto este residir na ..., todas as terças, quartas e sextas das 15:30h às 19:30h sendo a entrega e a recolha no Espaço Família e aos sábados das 9:00h às 18:30h, podendo não obstante haver alguns ajustes nos horários pelo Espaço Família.” 33º A arguida esteve no continente em Agosto de 2021, por um curto período para visitar a mãe que tinha sido operada e trouxe a menor, mas não houve qualquer interrupção de contactos com o ora assistente, pois enquanto a menor permaneceu em ... (15 a 23 de Agosto de 2021), foi entregue, pela requerida à avó paterna, no dia 20 de Agosto de 2021, estando o pai com a menor entre as 14 e as 19 horas e no dia 22 de Agosto de 2021, foi entregue, novamente pela requerida à avó paterna, estando o pai com a menor entre as 9 e as 14 horas. 34º No período do Natal de 2021, a ora arguida também veio ao continente e a menor esteve com o ora assistente entre o dia 25.12.2021 (Dia de Natal) e o dia 26.12.2021 e no dia 29.12.2021. 35º O assistente e a arguida, por acordo, estabeleceram um regime definitivo do exercício de responsabilidades parentais da filha de ambos, no passado dia 4 de Março de 2022. 36º Por todos os factos supra referidos, fica claramente demonstrado que a arguida não praticou o crime pelo qual foi pronunciada, pois nunca, de um modo repetido e injustificado, incumpriu o regime estabelecido para a convivência da menor com o pai. 37º Ora, não resulta dos autos, e da vasta documentação junta aos mesmos, quer do processo de violência doméstica, quer dos processos de responsabilidades parentais que correram termos em ... e no ..., que a arguida tenha de modo repetido e injustificado, incumprido o regime estabelecido para a convivência do menor na regulação das responsabilidades parentais. 38º Razão pela qual o Ministério Público decidiu arquivar o inquérito. 39º A arguida agiu em todos os momentos, no superior interesse da sua filha. 40º Logo que teve conhecimento da Douta sentença do processo de violência doméstica, desencadeou um pedido de alteração das responsabilidades parentais, com vista à alteração das entregas, face à proibição de contactos. 41º Se não o tivesse feito, se calhar não estava cá hoje. 42º As ameaças foram muitas e veladas. 43º É que a decisão do Tribunal de ..., no processo pelo qual o arguido foi condenado pela prática de violência doméstica, só foi confirmado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, apenas no dia 17 de Março de 2021, ou seja quase dois anos depois da prolação da Douta sentença. 44º Quando chegou à ..., a arguida providenciou para que o assistente soubesse onde estava a filha de ambos, o que possibilitou que o mesmo estivesse com a mesma no seu 2º aniversário (… de 2019), ou seja, cerca de um mês após a arguida ter chegado. 45º Nunca existiu reiteração, recorrência ou persistência determinada no não cumprimento por parte da arguida, não estando assim, indiciariamente integrados os elementos do tipo, nem subsiste o mínimo indicio de que a arguida tenha querido com a sua conduta praticar uma vingança em relação ao assistente. 46º Nesse sentido veja-se, entre outros, o Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 23.05.2012 no âmbito do Processo n.º 687/10.6TAABF.S1, sendo o relator o Meritíssimo Juiz Conselheiro Henriques Gaspar, já anteriormente citado pelo Ministério Público, na decisão de fundamentou o arquivamentos dos autos, e do qual consta, que: “IV -Mas, sendo assim, o princípio de subsidiariedade de intervenção do direito penal que supõe a carência de tutela penal de determinado comportamento que afecte bens e valores com relevo axiológico constitucional não poderá, sem afectar o princípio da proporcionalidade, sustentar a criminalização e o sancionamento penal de um puro e simples incumprimento de um regime sobre direitos civis que tem meios próprios de injunção e coerção ao cumprimento. Por isso, a «subtracção» ou o não cumprimento, com o sentido da al. c), só deve e pode ter sentido quando se refira a situações de ultima ratio, e os meios normalmente adequados para fazer respeitar o cumprimento das obrigações parentais não se revelam eficazes. É nesta perspectiva que os elementos da tipicidade do crime do art.º 249.º, n.º 1, al. c), do CP, na redacção da Lei 61/2008, devem ser interpretados e integrados.” “VI -Conhecidas as críticas a que a intervenção penal está sujeita nesta área, a lei penal não se pode satisfazer com uma qualquer forma ou modalidade de incumprimento; exige, por isso, logo pela descrição do tipo e como elemento da tipicidade, um incumprimento qualificado, não se satisfazendo, por uma projecção quantitativa, com uma única hipótese de incumprimento, mas sim, ao invés, exigindo que seja «repetido». Classificando o incumprimento como «injustificado», o legislador utiliza a noção desligada dos tipos justificadores em sentido técnico-jurídico, alargando-a a outras realidades e circunstâncias que se impõem na definição como elementos do tipo e não como causa de exclusão da ilicitude: «repetido» e «injustificado» são expressões da realidade que apontam para projecções simultaneamente materiais e de valoração, como índices de gravidade e de insuportabilidade da rejeição ao cumprimento de deveres, que justificam a dimensão penal do não cumprimento do «regime estabelecido para a convivência do menor, na regulação do exercício das responsabilidades parentais»; «recusar, atrasar ou dificultar significativamente» são acções que apenas podem assumir dimensão típica se constituírem comportamentos repetidos, isto é, reiterados e recorrentes, densificando quantitativamente, e pela quantidade e persistência, qualitativamente, a gravidade em si e as consequências do não cumprimento do regime estabelecido.” Pelo exposto, reitera-se que deve a arguída ser absolvida do crime de que está pronunciada, (subtracção de menor, p. e p. pela alínea c) do nº 1 do artigo 249º do Código Penal) por não o ter praticado. (…)”
II.3.C. Da matéria de facto considerada na sentença recorrida (cfr. ref.ª 160996892 de 16-05-2024):
Foi a seguinte a matéria de facto considerada em sede de sentença recorrida pelo tribunal de 1.ª Instância:
“III.1. Factos provados Com interesse para a boa decisão da causa e descoberta da verdade material resultaram provados os seguintes factos: Do despacho de pronúncia 1) O assistente BB e a arguida AA viveram juntos, em situação análoga à dos cônjuges, de cuja relação, em …2017, viria a nascer a filha de ambos, DD. 2) A relação entre o assistente e a arguida começou a degradar-se paulatinamente e em meados de fevereiro de 2018 deu-se a rutura definitiva enquanto casal. 3) Após a rutura da relação mantida entre o assistente e a arguida e cessada a coabitação, deu-se impulso ao competente processo de regulação do regime de exercício das responsabilidades parentais. 4) O referido processo correu os seus devidos e legais termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo de Família e Menores de ..., Juiz 4, sob o n.º 2502/18.3T8LRS. 5) Em 09.04.2018, e no âmbito desse processo de regulação do regime de exercício das responsabilidades parentais, realizou-se a competente conferência de pais, donde, na respetiva ata consta a sentença que homologou o acordo alcançado entre o assistente e a arguida, nos seguintes termos: “1. A menor DD fica a residir com a mãe, que exercerá as responsabilidades parentais inerentes aos atos da vida corrente daquela, exceto quando a mesma se encontrar junto do pai. 2. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância, tais como a saúde, educação, atividades de lazer e formação religiosa e moral, serão exercidas em conjunto por ambos os progenitores, salvo nos casos de urgência, em que qualquer um dos progenitores poderá agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível. 3.Até 15 de Junho de 2018, o pai estará com a menor três vezes por semana, no ... ou no ..., em ..., se o tempo assim o permitir. O pai estará em concreto com a menor à terça-feira, à quinta-feira e ao sábado, isto sem prejuízo de serem acordados mais períodos de convívio. À terça e quinta-feira, o progenitor estará com a filha no horário das 17.30 às 19.30 horas e ao sábado no horário das 16.00 horas às 18.00 horas. (…) 9. Após, ou se a menor deixar de ser amamentada antes desse período limite, a mesma passará com o pai um fim de semana de quinze em quinze dias, indo este buscar a filha à sexta feira ao infantário ou ama, após o fim das atividades, entregando-a na segunda feira no infantário ou à ama. 10. Após os dois anos de idade, ou quando a menor deixar de amamentar, se isso acontecer antes dessa data, o pai estará com a filha todas as quartas feiras, indo buscar a menor às 17:30 horas ao infantário ou ama, entregando-a no dia seguinte no infantário ou à ama. (…) 12. A partir de 2019, a menor passará, em anos alternados, a véspera de Natal e o dia de Natal e a véspera de Ano Novo e o dia de Ano Novo com cada um dos progenitores, sendo nesse ano de 2019, a véspera de Natal será passada com o pai, o dia de Natal com a mãe, a véspera de Ano Novo com o pai e o dia de Ano Novo de 2020 com o pai, alternando-se nos anos subsequentes. 13. Em 2019, a menor estará com o progenitor no Domingo de Páscoa das 10:00 às 18:00 horas. 14. A partir de 2020, uma vez que a menor já tem dois anos de idade, esta passará em anos alternados e com pernoita, o Domingo de Páscoa com cada um dos progenitores, sendo que, em 2020, o Domingo de Páscoa será passado com a mãe, alternando-se nos anos subsequentes. (…) 16. No dia de aniversário da menor, esta tomará uma refeição com cada um dos progenitores, em termos a combinar entre estes, isto sem prejuízo das atividades escolares. (…) 18. A partir de 2020, no verão, a menor passará quinze dias consecutivos de férias pessoais dos pais com cada um dos progenitores, em períodos a combinar entre estes até ao dia 31 de março de cada ano. (…) SENTENÇA Por ser válido, quer pelo seu objecto, quer pela qualidade dos intervenientes, mais se mostrando devidamente salvaguardados os superiores interesses da menor em causa, homologo por sentença, o acordo constante das cláusulas antecedentes…”. 6) Porém, após 09.05.2019, data da prolação da sentença condenatória proferida no processo crime n.º 133/18.7PCLRS, com origem nos factos denunciados pela arguida contra o assistente, foi dado impulso ao apenso C de alteração da regulação do regime de exercício das responsabilidades parentais e, nessa sequência, o assistente foi impedido de conviver com a menor. 7) Concretamente, no dia 11.05.2019 o assistente e no esteio do determinado no regime vigente de exercício das responsabilidades parentais, pretendeu ir buscar a sua filha para com ela passar o período convivência fixado, mas a arguida não compareceu no local acordado para a entrega. 8) Entre 11.05.2019 e 24.06.2019 a arguida não compareceu nos locais acordados para a entrega de DD. 9) Em 24.06.2019, e no âmbito do referido apenso C de alteração da regulação do regime das responsabilidades parentais, realizou-se a competente conferência de pais, donde, na respetiva ata consta o Despacho que determina o seguinte: “[O Requerente] Desde que foi proferida sentença no processo crime em que figura como arguido, tem sido impedido de contactar a filha, tendo tentado estar com a menor no infantário, mas também lhe foi vedado. A menor frequenta o equipamento de infância B&B em ..., sito na .... (…) DESPACHO (...) O progenitor poderá estar com a filha todas as semanas às segundas e quintas feiras, no período da manhã, mais concretamente das 09:00 horas às 11:00 horas, e não mais vezes por semana de molde a não serem perturbadas as rotinas/atividades da criança no infantário que frequenta. De qualquer modo, deverá o progenitor articular com o infantário o horário mais adequado para os convívios, para que estes não prejudiquem as aludidas rotinas e atividades. Se as segundas e quintas feiras não forem os dias mais adequados, deverá o infantário justificar a razão de tal e combinar com o progenitor dois outros dias da semana que salvaguardem as duas horas de convívio em apreço…”. 10) No dia 14.10.2019, o assistente foi contactado pelo seu Mandatário de então, o qual lhe comunicou que momentos antes tinha sido contactado telefonicamente por uma colega de profissão, que o informou que a arguida tinha ido para o ... com a menor DD, para aí ir residir e trabalhar. 11) Até então o assistente de nada sabia, desconhecendo que a sua filha se encontrava no ..., porquanto a arguida não procurou obter o seu consentimento ou informá-lo antecipadamente. 12) A arguida viajou para o ..., fazendo-se acompanhar da filha do assistente, o que fez de forma livre e consciente sabendo que existia uma sentença de regulação do exercício das responsabilidades parentais que determinava o regime de convivência do assistente com a sua filha menor. 13) A ida da arguida para o ..., para viver e trabalhar, o que fez voluntariamente, sem que estivesse profissionalmente obrigada, teve como consequência, que quis levar a efeito, o incumprimento do regime determinado para a convivência da menor com o assistente que, passando a residir a cerca de 1200,00 km de distância da sua filha, ficou material e objetivamente impedido de estar com a menor. 14) Assim, desde 14.10.2019 e até, pelo menos, 29.06.2020, o arguido deixou totalmente de ver e falar com a filha, não mais tendo ocorrido os convívios às segundas e quintas-feiras que se encontravam estabelecidos, com exceção do dia ….2019, dia de aniversário da menor, em que, tendo tido oportunidade, propositadamente se deslocou ao ... e passou o dia com esta. 15) Em 30.06.2020, já com a arguida no ..., e no âmbito de apenso de alteração da regulação do regime de exercício das responsabilidades parentais, realizou-se a competente conferência de pais, donde, na respetiva ata consta o Despacho que determina o seguinte: “[O Requerente] Desde 18 de novembro de 2019 que não tem qualquer tipo de contacto com a sua filha. (…) pela progenitora foi dito que não pretende regressar ao continente, tendo refeito a sua vida na ... (…) Seguidamente pelo progenitor foi requerido que a menor passasse um período de férias consigo, sendo que durante uma semana o pai permaneceria na ... com a filha e na semana subsequente a menor deslocar-se-ia a Portugal continental, na companhia do pai, ficando mais uma semana por forma a que a menor pudesse usufruir de um ambiente familiar e visitar os outros elementos da família. ** De imediato pela mãe foi dito que não concorda com a deslocação da menor ao continente. (…) DESPACHO (…) é necessário restabelecer de imediato os contactos por forma a evitar que os vínculos paterno-filiais fiquem irremediavelmente comprometidos. Assim sendo, sopesando a idade da menor, mais considerando também que nesta idade os menores com facilidade se adaptam às novas realidades que lhes são apresentadas de forma positiva, entendo que o eventual dano causado pela ausência do pai e eventual dano causado pela ausência de um regime transitório da adaptação da presença do pai à ..., entendo que o interesse da menor estará melhor assegurado através da retoma da relação com o pai com a maior brevidade possível. Nestes termos, provisoriamente determino que o pai poderá estar com a menor na semana de 06 a 12 de julho de 2020 (uma vez que a mãe garantiu que não tem férias marcadas) ou caso não consiga arranjar passagem, na semana subsequente, competindo à mãe ou pessoa da sua confiança entregar a menor ao pai aquando a sua chegada à ... entregando o pai a menor no final da sua estadia à mãe ou pessoa da confiança da mãe. Por forma a minimizar o impacto do ora determinado, mais determino que até lá sejam estabelecidos contactos via WhatsAPP ou qualquer outra vídeo chamada, pelas 19:00 horas, às segundas, quartas e sextas feiras para que a menor possa ver e falar com o pai, iniciando-se estes contactos a 01-07-2021”. 16) Toda a conduta perpetrada pela arguida, consubstanciada nas recusas de entrega da menor, em incumprimento do determinado em processo de regulação do regime de exercício das responsabilidades parentais, culminantes com a ida definitiva para o ..., fez com que, de forma reiterada, ficasse impossível o cumprimento de um qualquer regime de convivência da menor com o assistente. 17) A arguida com o seu comportamento, agiu com a intenção de impedir os convívios do assistente com a sua filha, afastando-o desta, o que conseguiu. 18) A arguida agiu de forma deliberada, livre e consciente bem sabendo que as suas condutas eram censuráveis e proibidas por lei. Do pedido de indemnização civil 19) Em consequência da atuação da arguida, o assistente sofreu mal-estar psicológico. 20) O assistente deslocou-se à … por ocasião do 2.º aniversário da menor DD, a ….2019; 21) Para tanto, o assistente adquiriu uma passagem aérea ida e volta ..., no valor de € 262,08; 22) No mesmo período referido em 20), o assistente contratou, junto a empresa ..., o aluguer de um veículo automóvel pelo valor de € 28,67; 23) Suportou despesas de combustível no valor de € 15,67; Da contestação No âmbito do processo n.º 133/18.7PCLRS, por acórdão transitado a 01.04.2021, foi o assistente condenado nos seguintes termos: “pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nºs 1, alínea b) e 2, do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão suspensa, na sua execução, nos termos do disposto no artigo 50º, do Código Penal, pelo período de 3 anos, sujeitando tal suspensão a regime de prova, nos termos do disposto nos artigos 53º e 54º, ambos do Código Penal impondo, igualmente, ao arguido, nos termos do disposto no artigo 54º, nº 3, do Código Penal, as obrigações aí mencionadas, a saber: 1) Responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social; 2) Receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência; 3) Informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação superior a oito dias e sobre a data do previsível regresso; e 4) Obter autorização prévia do magistrado responsável pela execução para se deslocar ao estrangeiro. B) Condeno o arguido, BB, nas penas acessórias de proibição de contacto com a ofendida, devendo afastar-se da residência desta e de local onde aquela se encontre e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de 4 anos (artigo 152°, nºs 4 e 5, do Código Penal). C) Condeno o arguido, enquanto demandado, BB, a pagar á ofendida, demandante cível, AA, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de €8000 (oito mil euros)”. Das condições socioeconómicas da arguida 24) A arguida reside na ..., com as duas filhas menores de 6 e 3 anos, em casa própria; 25) É licenciada em … desde 2005; 26) Exerce a profissão de … no ... desde dezembro de 2021, auferindo, mensalmente € 1.300,00, podendo chegar a € 2.300,00 em função das cirurgias realizadas; 27) Exerceu a profissão de ... no ... entre outubro de 2019 e dezembro de 2021; 28) Exerceu a profissão de ... no ... entre 2012 e outubro de 2019; 29) É proprietária de um imóvel em ..., o qual não se encontra atualmente arrendado; 30) Tem despesas mensais globais entre os € 900,00 e € 1.000,00, que incluem os créditos bancários relativos aos dois imóveis dos quais é proprietária e consumos de água, luz e alimentação. 31) Do Certificado do Registo Criminal da arguida nada consta. Mais se apurou que, 32) Em 02.10.2018, no âmbito do apenso B do processo de regulação do regime de exercício das responsabilidades parentais que correu termos sob o n.º 2502/18.3T8LRS, realizou-se a competente conferência de pais, donde, na respetiva ata consta a sentença que homologou o acordo alcançado entre o assistente e a arguida, nos seguintes termos: 1. Até … de 2018, altura em que a menor faz um ano de idade, o pai estará com a filha DD ao fim de semana de quinze em quinze dias, sábado e domingo, no período das 10:00 horas às 13:00 horas, indo a progenitora, para o efeito, levar e buscar a menor à entrada do prédio onde reside o pai.--- 2. Logo que a menor atinja um ano de idade, esta estará com o pai ao fim de semana de quinze em quinze dias, sábado e domingo, no período das 10:00 horas às 13:00 horas e das 17:00 horas às 19:30 horas, sendo que, no período da manhã, a progenitora irá levar e buscar a menor à entrada do prédio onde reside o pai e, no período da tarde, o progenitor irá buscar e entregar a menor à entrada do prédio onde mora a mãe.--- Este regime terá início a 13 e 14 outubro.--- 3. Na semana em que a menor passa o fim de semana com o pai, a mesma estará com o progenitor à quarta-feira, indo este, para o efeito, buscar a filha às 17:30 horas, entregando-a pelas 19:30 horas, sendo a recolha e entrega da menor feita à entrada do prédio onde mora a progenitora.--- 4. Na semana em que a menor não passa o fim de semana com o pai, a mesma estará com o progenitor às terças-feiras e quintas-feiras, indo este, para o efeito, buscar a menor às 17:30 horas, entregando-a às 19:30 horas, sempre à entrada do prédio onde reside a progenitora.---- (…) 8. A menor passará, em anos alternados, a véspera de Natal e o dia de Natal e a véspera de Ano Novo e o dia de Ano Novo com cada um dos progenitores, sendo que, em 2018, a véspera de Natal será passada com a mãe, o dia de Natal com o pai, a véspera de Ano Novo com a mãe e o dia de Ano Novo de 2019 com o pai, sendo o convívio do pai com a filha nos dias festivos em causa, ou seja, 25/12/2018 e 1/1/2019, no período das 10:00 horas às 13:00 horas e das 17:00 horas às 19:30 horas, como já acima estipulado.--- 9. Em 2019, a menor estará com o pai no Domingo de Páscoa, no período das 10:00 horas às 13:00 horas e das 17:00 horas às 19:30 horas, como já acima estipulado.---" III. 2. Factos não provados a) Entre 11.05.2019 e 24.06.2019 o assistente não pode estar com a sua filha, porquanto a arguida deu instruções à direção do infantário para que não permitisse o contacto do assistente com a menor. b) Que arguida sofreria represálias profissionais ao permanecer como trabalhadora no .... * O Tribunal não tomou em conta qualquer outra factualidade por a mesma se afigurar conclusiva, conter juízos de direito ou por ser irrelevante para a descoberta da +verdade material e para a boa decisão da causa.”
II.3.D. Dos motivos de facto, indicação e exame crítico das provas exarados na sentença recorrida (cfr. ref.ª 160996892 de 16-05-2024):
É a seguinte a motivação da decisão de facto apresentada pelo tribunal de 1.ª Instância:
“III. 3. Motivação da matéria de facto Nos termos do disposto no artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (adiante C.P.P.), sobre os requisitos da sentença, o Tribunal deve expor, de forma completa, ainda que concisa, os motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão. Assim, de modo a formar a sua convicção, o tribunal teve em consideração, no que toca aos factos 1), 3), 4), 5), 9), 15), 21), 22), 23), 24) e 33), a prova documental junta aos autos, desde logo, o assento de nascimento de fls. 47 e 48, as atas de conferência de pais (i) de 9 de abril de 2018 (cfr. fls. 38 a 40 verso); de (ii) 2 de outubro de 2018 (cfr. fls. 330 a 331 verso, facto n.º 33); de (iii) 24 de junho de 2019 (cfr. fls. 41 a 42 verso); (iv) de 30 de junho de 2020 (cfr. fls. 58 e 59); (v) de 13 de julho de 2021 (cfr. fls. 332 a 332 verso e fls. 333 a 334), confirmação de passagem aérea ... e ... de fls. 878 e extrato bancário de fls. 37 (factos n.ºs 21), 22) e 23)) e a decisão proferida no âmbito do processo n.º 133/18.7PCLRS, de fls. 185 a 260 (facto n.º 24)). Quanto à factualidade ínsita em 2), 6), 7), 8), 10), 11), 12), 13), 14), 19) e 20) resultou a mesma, essencialmente, da conjugação do depoimento do assistente com as próprias declarações da arguida. Assim, o assistente BB prestou um depoimento que afigurou na sua globalidade seguro e franco, contextualizando o tribunal sobre a forma como decorreu o regime convivial com a filha menor DD imediatamente após o término da relação vivida com a arguida e que foi sendo pautado por alguns incumprimentos (resultando esta versão sustentada pelos aditamentos de fls. 343 a 351), situação que se agudizou aquando da sentença condenatória proferida no processo n.º 133/18.7PCLRS, cuja leitura ocorreu no dia 09.05.2019. Depois desta data e até 24.06.2019, a arguida deixou de comparecer nos locais acordados para a entrega de DD (factos n.ºs 7 e 8), circunstância que, de resto, foi admitida por AA, tendo a arguida justificado o seu comportamento com base na proibição de contactos entre si e o assistente que resultou do processo n.º 133/18.7PCLRS, sendo ainda a versão do assistente corroborada por fls. 151 e 152. Ainda quanto ao intervalo de tempo entre 11.05.2019 e 24.06.2019, em contradição com a versão do assistente, as testemunhas EE e FF (funcionárias do infantário) referiram que, naquele período, BB chegou a observar DD através de um vidro/acrílico transparente existente na sala de atividades da creche, cumprimentando-a ocasionalmente no final dos ateliers, negando ainda que a arguida tivesse dado instruções à direção do infantário para que não permitisse o contacto do assistente com a menor. Neste ponto, atenta a inexistência de quaisquer outros documentos ou testemunhas relevantes que permitam corroborar a versão vertida em sede de pronúncia, ao Tribunal não foi possível concluir, com a certeza que se exige nesta fase processual, terem os mesmos ocorrido nos exatos moldes narrados no libelo inicial, motivo pelo qual resultou não provado o vertido em a). Após este período, estando em vigor o novo regime que fora estabelecido em sede de conferência de pais ocorrida no dia 24.06.2019, segundo o qual o assistente passaria a estar com a sua filha às segundas e quintas-feiras, das 09.00 horas às 11.00 horas da manhã4(facto n.º 9), tudo decorreu com uma certa normalidade até que, conforme relatado por BB, sem que a arguida o negue, em meados de outubro de 2019, foi aquele surpreendido com a notícia – veiculada através do seu mandatário – de que AA se encontrava a residir e trabalhar no ... acompanhada da filha menor de ambos (conforme se encontra documentado por via da cópia de Cessão da Posição Contratual datada de 01.10.2019, cf. fls. 352 e 353, subscrita pela arguida). A propósito deste evento, o assistente manifestou choque e estupefação, salientando que em momento algum foi abordado pela arguida quanto à possibilidade desta mudança, demonstrando ainda uma enorme angústia e tristeza face ao sucedido (facto n.º 19), relatando os esforços no sentido de retomar o contacto com a filha, o que só veio a suceder por ocasião do aniversário daquela, a ….2019, quando o assistente se deslocou à ..., retornando a Lisboa nesse mesmo dia com as inerentes despesas (factos n.ºs 20), 21), 22) e 23)). Precisamente no sentido do depoimento do assistente, é possível ler na ata de conferência de pais de dia 30.06.2024 (fls. 58 e 59), o seguinte, “[O Requerente] Desde 18 de novembro de 2019 que não tem qualquer tipo de contacto com a sua filha”, pelo que, tornando-se “necessário restabelecer de imediato os contactos por forma a evitar que os vínculos paterno-filiais fiquem irremediavelmente comprometidos”, foi determinado o gozo de férias conjunto entre pai e filha e, ainda, por forma a mitigar o impacto da separação, que até lá fossem “estabelecidos contactos via WhatsAPP ou qualquer outra vídeo chamada, pelas 19:00 horas, às segundas, quartas e sextas feiras”. O sentido das suas declarações foi corroborado pelas testemunhas GG (mãe do assistente) e HH (seu colega de trabalho na ..., desde abril de 2019). A primeira, descreveu as dificuldades sentidas pelo filho e demais família paterna em conviver com DD após a separação do casal, relatando, ainda, e com mais relevo, o choque e tristeza sentidos por BB (e por si na qualidade de mãe e avó) aquando da ida súbita da menor para a ... O segundo, acompanhou a forma como o assistente se ausentava do trabalho para visitar a menor na creche, corroborando ainda a angústia e perturbação sentidas por aquele relativamente à ida para a …. Posto isto, no que toca às declarações da arguida, as mesmas não tiveram a virtualidade de infirmar tudo quanto exposto, frisando-se a sua postura evasiva e, por vezes, incoerente nas respostas, ora escudando-se na inexistência de “pontes” que permitissem fazer a ligação entre si e o assistente sem violação da proibição de contactos que entendia vigorar entre os dois, ora fazendo alusão à forma como estabeleceu essa mesma ligação, designadamente por via dos respetivos mandatários, quando chegou à ..... Diretamente perguntada sobre o motivo pelo qual, após a prolação da sentença criminal e até 24.06.2019, não procurou agilizar as entregas para convívios entre o assistente e a menor DD (facto n.º 7 e 8), designadamente por via da autorização de saída da criança da creche, a arguida foi incapaz de oferecer uma resposta coerente, explicando apenas que, no passado, tinha procurado chegar a um entendimento com o assistente e, como tal não foi possível, não procurou faze-lo de novo, partindo imediatamente para a decisão de não mais comparecer nos locais acordados para a entrega da menor, impedindo o curso normal dos convívios estabelecidos em 33), mas sem que tivesse obstaculizado as visitas ocasionais por iniciativa de BB no infantário, não podendo aquele, todavia, abandonar as instalações com a menor. Também quanto aos motivos que presidiram à sua decisão de mudança de vida para a .... sem qualquer aviso prévio, as declarações da arguida não mereceram credibilidade, desde logo, porquanto, sendo aquela uma profissional na área da oftalmologia, à data com cerca de 15 anos de experiência e um cargo de coordenação como ... de bloco, mantendo ainda com a sua entidade patronal um contrato sem termo desde o ano de 2012 (cfr. fls. 352 e 353), não se mostra plausível que corresse real risco de despedimento por via da recusa de uma qualquer proposta que lhe fosse oferecida, para mais tratando-se de uma vaga em território insular com todos os transtornos advenientes e sendo a arguida mãe de uma criança de tenra idade (facto não provado b)). Neste ponto, pela sua indeterminação, referindo-se apenas a um conjunto generalizado de “pessoas”, mas nunca à concreta situação da arguida, também o depoimento de II não permitiu conclusão diferente. Ao invés, terão sido razões de ordem económica que moveram a arguida, sem que esta sentisse qualquer receio de despedimento, encontrando também uma forma de obviar em definitivo ao cumprimento do regime convivial da filha com o assistente, o que de certa forma deflui do depoimento de CC, amiga de longa data da arguida, que chegou a afirmar que também terá pesado na decisão de AA a situação que tinha com o assistente, sendo ainda de sublinhar que, aproximando-se naquela data o segundo aniversário da menor, antecipava-se a intensificação do regime convivial entre pai e filha. Ainda nesta senda, são igualmente absolutamente inverosímeis as explicações avançadas pela arguida relativamente à falta de comunicação atempada da sua mudança, refugiando-se na tese de que “foi tudo muito rápido”, referindo, numa atitude demostrativa de alguma soberbia face ao também progenitor da sua filha, “avisei quanto tive tempo”. Ora, estando AA ciente da sua mudança desde, pelo menos, 01.10.2019 (data da assinatura do novo contrato, cfr. fls. 352 e 353) e tendo a sua deslocação para a .... ocorrido por volta de 11.10.2019, mais de 10 dias depois, é perfeitamente inconcebível que não tenha, por qualquer via, dado conhecimento ao assistente dos seus planos, demonstrando, ao invés, uma verdadeira intenção de ocultação da realidade, que aliás apenas fez saber depois de consumada a mudança. Ainda neste particular, veio a arguida a declarar em sede de audiência de julgamento que, ademais, não procurou chegar à fala com assistente porquanto teve receio da sua reação. Estranha-se, todavia, que não tenha a arguida evidenciado logo em sede de debate instrutório precisamente este receio como elemento impeditivo essencial, para mais tratando-se o medo de uma emoção instintiva, também aqui oferendo pouca credibilidade a sua versão. Por outro lado, fica por explicar o motivo pelo qual, estando perfeitamente ciente do regime de regulação de responsabilidades parentais que vigorava e que incluía convívios com pai (facto n.º 33)), a arguida não deu imediatamente entrada de um pedido de alteração daquele ou de resolução de diferendo sobre questão de particular importância (residência) junto do Tribunal de Família. Acresce que, relativamente a este ponto, são absolutamente irrelevantes os testemunhos de JJ e CC quanto ao momento em que lhes foi comunicada a mudança para a ..., porquanto, naturalmente, apenas releva para os autos o momento em que BB, na qualidade de progenitor de DD, teve conhecimento de tal circunstância, que para mais ocorreu sem qualquer consentimento prévio. Em síntese, as declarações da arguida não permitiram concluir senão que aquela tentou e logrou obstaculizar e dificultar o convívio da sua filha com BB, incumprindo de modo flagrante o regime convivial estabelecido pelo Tribunal de Família, primeiro quando não procedeu à entrega de DD e novamente quando se deslocou para a ..., onde estabeleceu residência, ocultando tal circunstancia até a mudança se encontrar consumada, inviabilizando de forma abruta e definitiva o cumprimento da regulação estabelecida a 24.06.2019. Face ao exposto, entende o tribunal ter elementos probatórios bastantes para considerar provado tudo quanto vertido em 1) a 19) e 24), incluindo-se aqui a prova aos elementos do tipo subjetivo que resulta das regras da experiência comum, conjugadas com a factualidade objetiva apurada, a qual revelou que, com a sua conduta, a arguida não podia ter outra intenção senão aquela descrita, agindo, portanto, de forma intencional, sabendo que a sua atuação era proibida e punida por lei. No que respeita às condições económicas e pessoais da arguida foram valoradas as suas declarações. Para prova dos antecedentes criminais da arguida, relevou-se o teor dos Certificados do Registo Criminal.”
II.3.E. Do enquadramento jurídico-penal exarado na sentença recorrida (cfr. ref.ª 160996892 de 16-05-2024):
É a seguinte a fundamentação da qualificação jurídico-penal dos factos provados na sentença recorrida:
“IV. Fundamentação de Direito Demonstrada que está a factualidade pertinente para a boa decisão da causa, cumpre agora proceder ao seu enquadramento jurídico-penal. À arguida é imputada a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de subtração de menor, previsto e punido pelo artigo 249.º, n.º 1, al. c), do C.P.. Dispõe o referido preceito legal que “[q]uem (…) [d]e um modo repetido e injustificado, não cumprir o regime estabelecido para a convivência do menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais, ao recusar, atrasar ou dificultar significativamente a sua entrega ou acolhimento; é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias”. Quanto ao bem jurídico protegido por este tipo de crime, JOSÉ MANUEL DAMIÃO DA CUNHA perfilhou o entendimento de que tal tipo visa a “protecção dos poderes que cabem a quem esteja encarregado de menor – sejam os titulares do poder paternal (cf. arts. 1901º, 1906º e 1907º do CC) ou de tutela (cf. art.º 1927º ss. do CC) ou mesmo pessoas colectivas ou individuais a quem a criança tenha sido confiada (art.º 1907º do CC); embora a razão dessa protecção esteja pensada para o bem estar do menor […] e não para a protecção dos titulares dos poderes”5. Na esteira doAcórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07.02.20176, numa visão atualista do entendimento acima exposto, deve hoje considerar-se que o bem jurídico deste tipo de crime consiste no direito ao exercício dos conteúdos ínsitos às responsabilidades parentais sem entraves ilícitos “e, de modo reflexo, o interesse do próprio menor”, na observância de uma decisão perspetivada como sendo aquela que melhor acautela esses interesses. No que respeita ao tipo objetivo ilícito, a ação típica consiste no incumprimento repetido e injustificado do regime de convívios estabelecido na regulação do exercício das responsabilidades parentais, incumprimento este traduzido na recusa, atraso ou criação de dificuldades na entrega da criança / jovem à pessoa que sobre ele exercer as responsabilidades parentais ou a tutela, ou a quem ele esteja legalmente confiado, ou ao acolhimento de criança / jovem por essa pessoa. Assim, para esta última modalidade não está tipificado todo e qualquer incumprimento, mas apenas o do regime de visitas. Constitui precisamente elemento do tipo que a recusa na entrega da criança / jovem se verifique perante a pessoa a quem incumba o exercício das responsabilidades parentais ou tutela ou a quem tenha sido confiado o menor. Tal significa que, em caso de exercício conjunto das responsabilidades parentais ou de tutela por duas ou mais pessoas, “todas elas são portadoras do bem jurídico”7. Acresce que o tipo não exige uma prévia interpelação judicial ou policial para o cumprimento do regime de convívios, sendo suficiente para a consumação que o tribunal tenha já fixado esse regime de forma definitiva ou provisória e que o mesmo seja do conhecimento do progenitor agente do crime. A conduta do progenitor vinculado pelo regime de convícios apenas assume relevo típico se for (i) repetida, i.e., reiterada tempo (por contraposição a um ato isolado ou pontual), e (ii) injustificada a ponto da sua gravidade reclamar a intervenção penal8. Relativamente ao tipo subjetivo de ilícito, o mesmo exige e admite qualquer tipo de dolo. Revertendo ao caso concreto, dúvidas não subsistem de que a arguida praticou os factos por que vem acusada. Efetivamente, resultou demonstrado que, no período de 11.05.2019 até 24.06.2019 e no período de 13.10.2019 até 30.06.2020, a arguida, de forma livre e deliberada, incumpriu o regime de convívios fixado por sentença judicial. Desde logo, a partir de 11.05.2019 e até 24.06.2019, a arguida não mais compareceu nos dias e locais a que estava obrigada para a entrega de DD (factos n.ºs 7 e 8), impossibilitando o assistente de conviver com a sua filha nos termos decididos pelo Tribunal de Família (para mais tendo sido alcançado acordo mesma matéria), frustrando flagrantemente aquela decisão, não servindo de causa justificativa a circunstância de ter sido proferida sentença condenatória no âmbito do proc. n.º 133/18.7PCLRS (com a respetiva proibição de contactos entre arguida/assistente), porquanto: (i) desde logo, tal sentença não só não era aplicável à situação da menor/assistente, como não se encontrava ainda transitada (estando a arguida ciente de tal circunstância); (ii) sempre caberia à arguida aguardar por uma decisão judicial prévia que alterasse o regime de regulação das responsabilidades vigente, devendo, até lá, diligenciar pelo cumprimento do mesmo nos termos estipulados, como aliás vinha fazendo; (iii) em último reduto, sempre estaria ao alcance da arguida procurar contactar com o assistente (mais não seja por intermédio dos respetivos mandatários), logrando, até à prolação de nova decisão judicial, uma solução concertada e consentida, que passasse, por exemplo, pela recolha da criança diretamente na creche, o que não fez, optando, ao invés, por suspender unilateralmente a visitação tal como ela fora acordada em juízo, sendo aqui indiferente a circunstância de o assistente ter, apesar disso, visto a menor ocasionalmente nas instalações da creche, uma vez que tal não consubstancia o cumprimento do acordo homologado, tratando-se, no limite, de uma medida tomada pelo assistente para amenizar a falta da filha. Mas não apenas. Afastando qualquer dúvida que pudesse permanecer relativamente à reiteração e intensidade do comportamento da arguida, no dia 13.10.2019, novamente de forma livre e deliberada, AA mudou de residência juntamente com DD, ausentando-se com a menor para a ..., passando a residir no ..., impossibilitando, de modo definitivo, o cumprimento do regime convivial previamente decidido a 24.06.2019, tendo o assistente apenas visto a sua filha por ocasião do seu 2.º aniversário (no dia ….2019). Fê-lo, bem sabendo que tal resultaria na privação dos convívios estabelecidos entre o assistente e a menor, para mais sem qualquer aviso prévio (não obstante disso ter conhecimento desde, pelo menos, 01.10.2019) ou sem que tenha sequer dirigido um pedido de alteração das responsabilidades parentais ao competente Tribunal. Neste ponto, cumpre salientar que esta alteração de vida foi fruto de uma escolha livre da arguida, não se tratando de uma qualquer imposição laboral à qual devesse obedecer, tratando-se, ao invés, de uma decisão consciente de mudança para fora do território continental e isto não obstante estar ciente de que vigorava um regime de convívios entre o assistente e DD. Dos factos resulta, pois, uma total e injustificada disrupção por banda da arguida do regime judicialmente fixado de regulação das responsabilidades parentais, colocando em crise a manutenção da relação de proximidade e afeto entre pai/filha, para mais atendendo à tenra idade desta à data dos factos (menos de dois anos), sobejamente crucial na formação de relações de vinculação. Neste sentido, veja-se, entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13.07.2016, no qual pode ler-se “[i]ndependentemente das razões que levam um pai ou mãe a emigrar, estando o poder paternal judicialmente regulado, não é legítima a fuga sem prévio conhecimento e autorização do outro progenitor e respectivo conhecimento ao tribunal. O bem jurídico a proteger na redação actualmente em vigor do artigo 249º, nº 1, alínea c), do cód.penal continua a ser a garantia da integridade do exercício dos poderes-deveres inerentes às responsabilidades parentais”, sendo “completamente irrelevante o argumento de que foi procurar uma vida melhor no estrangeiro, pois embora sendo legítima essa procura, tal não legitima a mãe privar a menor da convivência com o pai e, muito menos justifica a fuga sem autorização nem conhecimento prévio, quer ao progenitor quer ao tribunal que regulara o poder paternal”. Assim, encontrando-se preenchidos todos elementos objetivos e subjetivos do crime em apreço, inexistindo factos que preencham qualquer causa de exclusão da ilicitude ou a culpa, conclui-se que a arguida praticou o crime de subtração de menor, previsto e punível pelo artigo 249.º, n.º 1, al. c), do C.P.”
II.4. Da apreciação das questões objeto do recurso:
Cumpre agora analisar as já elencadas questões suscitadas pelo recorrente:
II.4.A. Da nulidade da sentença recorrida:
Segundo a recorrente, o tribunal recorrido não deu cumprimento ao disposto no art.º 374.º, n.º 2, do C.P.P., omitindo pronunciar-se sobre os factos n.ºs 9, 10, 11, 12, 13, 15, 16, 22, 40 e 43 da contestação apresentada pela recorrente (cfr. II.3.B.) que, no seu entender, são relevantes e que teriam resultado da prova produzida em audiência de julgamento, o que consubstanciaria a nulidade da sentença recorrida nos termos do disposto no art.º 379.º, n.º 1, al. c), 1.ª parte, do C.P.P.
Numa sentença deve constar, para além do mais, a enumeração dos factos provados e não provados (cfr. art.º 374.º, n.º 2, do C.P.P.) de entre os factos alegados pela acusação e pela defesa e, bem assim, dos que resultarem da discussão da causa, mas apenas que se mostrem relevantes para a decisão (cfr. arts. 339.º, n.º 2, 368.º, n.º 2, e 369.º do C.P.P.).
Trata-se, na verdade, de uma decorrência do dever de fundamentação da sentença em matéria de facto. Efetivamente, “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei” (cfr. art.º 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa – C.R.P.), sendo que “os atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão” (cfr. art.º 97.º, n.º 5, do C.P.P.).
O dever de fundamentação das decisões judiciais é, sob o ponto de vista endoprocessual, um instrumento de racionalização técnica da atividade decisória do tribunal, com um triplo objetivo: fornecer ao julgador um meio de verificação e autocontrole crítico da lógica da decisão, permitir aos sujeitos processuais o perfeito conhecimento da situação objeto da decisão, habilitando-os a dela recorrerem, se tal entenderem, bem como, por fim, garantir que o tribunal superior, em caso de recurso, se encontra em posição de poder exprimir, em termos mais seguros, um melhor juízo sobre a decisão de 1.ª instância. Contudo, tal dever assume também uma finalidade extraprocessual, tornando possível um controlo externo sobre a decisão, garantindo a transparência do processo e da decisão, fazendo emergir o carácter legitimador do órgão que a profere, implicando prestação de contas e a responsabilização dos juízes (cfr. acórdão do Supremo tribunal de Justiça, de 19-05-2022, processo n.º 1063/19.0GCALM.L2.S19).
Contudo, de fora da apontada obrigação de enumeração dos factos provados e não provados ficam as considerações meramente conclusivas ou conceitos de direito e todos aqueles factos que são inócuos, acessórios e/ou irrelevantes para a qualificação do crime ou para a graduação da responsabilidade do arguido, e bem assim aqueles que se mostram prejudicados com a solução dada a outros, por apenas os contrariarem, ou seja, representarem mera infirmação ou negação, de outros já constantes do elenco dos factos provados ou não provados, mesmo que alegados pela acusação e/ou pela defesa (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20-10-2011, processo n.º 36/06.8GAPSR.S110; acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 27-05-2020, processo n.º 825/18.0PBMAI.P111).
A falta de descriminação especificada dos factos provados e não provados determina a falta de fundamentação da decisão de facto, geradora de nulidade da sentença, mas por força do disposto no art.º 379.º, n.º 1, al. a), do C.P.P. (cfr. LATAS, António, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo IV, Almedina, 2022, pág. 721).
Na verdade, a nulidade prevista no art.º 379.º, n.º 1, al. c), do C.P.P. apenas se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões (e não factos) que devesse apreciar ou conheça de questões (e não factos) de que não podia tomar conhecimento.
Os factos n.ºs 9 e 22 da contestação, são vagos e genéricos, não permitindo a identificação da data em causa, no que se refere ao primeiro, ou os concretos constrangimentos em causa, no que se refere a ambos.
Seja como for, e no que se refere especificamente ao facto n.º 22 da contestação, foi dado como provado que a arguida não estava profissionalmente obrigada a ir trabalhar para a ...... (cfr. facto provado n.º 13 de II.3.C.) e como não provado que a arguida sofreria represálias profissionais caso permanecesse como trabalhadora no ... (cfr. facto não provado b. de II.3.C.). Cumpre salientar que, de acordo com as declarações prestadas pela recorrente em audiência de julgamento, os “constrangimentos na carreira” alegados no facto n.º 22 da contestação seriam, afinal, “represálias”12.
No que concerne aos factos n.ºs 10, 16 e 40 da contestação, a ocorrência objetiva relevante, e referente ao dia 11-05-2019, consta dada como provada no facto n.º 7 da sentença recorrida (cfr. II.3.C.), sendo irrelevante o demais constante naqueles factos da contestação. Na verdade, na sentença recorrida foram elencados os vários regimes que foram sendo estipulados quanto ao convívio entre a menor e o pai e que, nos termos do regime geral do processo tutelar cível, teriam que ser observados até serem efetivamente suspensos ou alterados (cfr. arts. 40.º a 43.º e 44.º-A, do regime geral do processo tutelar cível). Ora, a promoção do Ministério Público alegada no facto n.º 10 da contestação não consubstancia qualquer suspensão ou alteração ao regime então vigente sobre a aludida matéria, sendo a requerida alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais alegada nos factos n.ºs 16 e 40 insuscetível de, por si só, fazer cessar o regime então vigente sobre a aludida matéria.
No que concerne aos factos n.ºs 9 e 10 da contestação, convém ainda ter presente que o medo e receio que a arguida alegou sentir em relação aos comportamentos que o assistente, pai da menor, poderia assumir para consigo em nada altera o dolo imputado à arguida (cfr. art.º 14.º, n.º 1, do C.P.), e que ficou demonstrado, nem representa qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa (cfr. arts. 31.º a 39.º do C.P.).
Por outro lado, não corresponde à verdade que o tribunal recorrido não se tenha pronunciado sobre os factos n.ºs 11 a 13, 15 e 43 da contestação, referentes à decisão proferida no processo comum singular n.º 133/18.7PCLRS, do juízo local criminal de ... – juiz 1, atento o teor do facto n.º 6 e o elencado entre o facto n.º 23 e o facto n.º 24, ambos dados como provados na sentença recorrida, de onde resulta a data da prolação da sentença, o dispositivo da mesma e a respetiva data do trânsito em julgado.
Cumpre salientar que o tribunal recorrido não deixou de deixar claro na sentença recorrida a razão de não deliberar sobre um conjunto de factos onde se terão que considerar incluídos os mencionados (cfr. II.3.C. parte final).
Improcede, pois, nesta parte, o recurso interposto.
II.4.B. Dos vícios a que alude o art.º 410.º, n.º 2, als. a) e c), do C.P.P.:
A decisão da matéria de facto pode ser sindicada em sede de recurso, desde logo, pela verificação dos vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do C.P.P. que, de resto, são de conhecimento oficioso, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19-10-2995, para fixação de jurisprudência, in Diário da República n.º 298, I Série A, págs. 8211 e segs.13).
Tratam-se de vícios que têm que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada apenas ocorrerá quando os factos dados como provados são insuficientes para fundamentar a decisão de direito, não tendo, assim, o tribunal investigado toda a matéria de facto com interesse para a decisão, tendo em conta o objeto do processo, apesar de o poder e dever fazer (cfr. TRIUNFANTE, Luís Lemos, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo V, 2024, págs. 192 a 195).
Na sentença recorrida, no elenco dos factos provados, constam os sucessivos regimes referentes à regulação do exercício das responsabilidades parentais, em particular no que se refere à convivência da menor com o pai, aqui assistente, sendo identificáveis quando e de que forma deveriam ter lugar os convívios entre ambos. Por seu turno, no elenco dos factos provados, constam os concretos períodos temporais, por referência a concretas datas, em que os mesmos não ocorreram e a razão para tal ter acontecido, bem como a identificação dos dias em que, excecionalmente, os mesmos tiveram lugar.
Deste modo, estando previsto quando os convívios entre a menor e o pai deveriam ocorrer, estando balizados no tempo, por referência a concretas datas, os diferentes períodos em que tal não ocorreu, bem como a razão porque tal assim sucedeu, não se vislumbra qualquer falta de concretização.
Por outro lado, constam também dos factos provados, de forma suficientemente densificada, os elementos subjetivos do crime em causa, daí resultando que a recorrente atuou de forma livre (isto é, podendo agir de modo diverso, em conformidade com o direito ou o dever-ser jurídico), voluntária ou deliberadamente (ou seja, querendo a realização do facto), conscientemente (isto é, tendo representado na sua consciência todas as circunstâncias do facto) e sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (ou seja, com consciência da proibição como sinónimo de consciência da ilicitude).
Acresce que da leitura da sentença recorrida também não resulta a ausência de qualquer facto relevante, na matéria de facto provada, para a decisão alcançada, aí constando todos os factos relativos aos elementos típicos do crime em causa, pelo que do texto da sentença recorrida não decorre que o tribunal recorrido tenha deixado de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão tomada, tendo em conta o objeto do processo (cfr. art.º 339.º, n.º 4, do C.P.P.).
Por outro lado, afigura-se que a recorrente entende é que se verificou uma insuficiência da prova para os factos que, segundo ela, erradamente, foram dados como provados pelo tribunal recorrido, não aceitando, pois, a apreciação da prova levada a efeito pelo tribunal recorrido (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06-10-2011, processo n.º 88/09.9PESNT.L1.S114).
Mas, se assim é, esta questão nada tem a ver com o vício do art.º 410.º, n.º 2, al. a), do C.P.P., prendendo-se já com a impugnação da matéria de facto nos termos do art.º 412.º, n.º 3 do C.P.P.
Por fim, o erro notório na apreciação da prova apenas ocorrerá quando o tribunal a valoriza contras as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, por ser grosseiro, ostensivo e evidente (cfr. TRIUNFANTE, Luís Lemos, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo V, 2024, págs. 199 a 204).
Da leitura da decisão recorrida, no que respeita à valoração da prova, atendendo unicamente ao teor da sentença recorrida, não resulta qualquer ofensa às regras da experiência comum ou que a mesma tenha sido efetuada contra critérios legalmente fixados. Na realidade, o tribunal recorrido é claro e coerente no esclarecimento dos motivos pelos quais, no seu entender, é indiscutível que a conjugação de toda a prova recolhida nos autos aponta para a verificação dos factos relativos à atuação típica objetiva e subjetiva da recorrente que se mostra dada como assente.
Na realidade, afigura-se que a recorrente entende é verificar-se uma errada apreciação da prova, criticando o exercício do julgamento de facto a que o tribunal recorrido chegou, aludindo invariavelmente aos elementos probatórios produzidos nos autos, propugnando deverem os mesmos determinar decisão diversa daquela a que chegou o tribunal recorrido (cfr. POÇAS, Sérgio Gonçalves, in “Processo Penal – Quando o recurso incide sobre a decisão da matéria de facto, Julgar, n.º 10, 2010, pág. 2915).
Mas, se assim é, esta questão nada tem a ver com o vício do art.º 410.º, n.º 2, al. c), do C.P.P., prendendo-se também com a impugnação da matéria de facto nos termos do art.º 412.º, n.º 3 do C.P.P.
Improcede, pois, neste segmento, o recurso.
II.4.C. Do erro de julgamento:
A decisão da matéria de facto pode ser sindicada em sede de recurso pela designada impugnação ampla da matéria de facto a que se refere o art.º 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do C.P.P.
O erro de julgamento, não estando restringido ao texto da decisão recorrida, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova produzida em audiência de julgamento, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Contudo, o recurso da matéria de facto é um remédio jurídico para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida no processo de formação da convicção, erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório, rigorosamente delimitado pela lei aos pontos de facto que o recorrente entende erradamente julgados (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23-11-2011, processo n.º 158/09.3GBAVV.G2.S116).
Por isso mesmo é que, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas (cfr. art.º 412.º, n.º 3, do C.P.P.).
Sendo que, com relação às duas últimas especificações, quando as provas invocadas tenham sido gravadas, as mesmas devem ser feitas com referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação (cfr. art.º 412.º, n.º 4, do C.P.P.).
É, pois, exigida a indicação dos factos individualizados que constam do acórdão recorrido e que se consideram incorretamente julgados, só se satisfazendo tal exercício recursivo com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõem decisão diversa da recorrida, com a explicitação da razão pela qual assim se entende.
Ora, a utilização do verbo impor, com o sentido de “obrigar a”, não é anódina (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19-05-2010, processo n.º 696/05.7TAVCD.S117).
Na verdade, a utilização do verbo impor (cfr. art.º 412.º, n.º 3, al. b), do C.P.P.), que aponta para a obrigação de impreterivelmente se aceitar algo, e não do verbo permitir, que admite a existência de várias hipóteses, legitima a conclusão de que não basta estar demonstrada a mera possibilidade de existir uma solução em termos de matéria de facto alternativa à fixada pelo tribunal, o que, aliás, é comum verificar-se, sendo necessário que o recorrente demonstre que a prova produzida no julgamento só poderia ter conduzido, em sede de matéria de facto provada e não provada, à solução por si (recorrente) defendida, e não àquela consignada pelo tribunal recorrido (cfr. acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 05-06-2024, processo n.º 466/21.5PAVNG.P118).
Assim, “esta exigência corresponde, de algum modo, àquela que é exigida ao julgador para fundamentar os factos provados e não provados, porque do mesmo modo que o julgador tem o dever de fundamentar as decisões, também o recorrente tem que fundamentar o recurso” (cfr. acórdão do tribunal da Relação de Coimbra, de 12-07-2023, processo n.º 982/20.6PBFIG.C119).
No que se refere aos pontos n.ºs 3 e 6 dos factos provados, pretende a recorrente que seja concretizado quem deu impulso ao processo tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais (facto provado n.º 3 de II.3.C.) e à sua alteração (facto provado n.º 6 de II.3.C.), bem como, quanto a esta última, as datas em que ocorreram tais impulsos.
Cumpre salientar que os factos provados n.ºs 3 e 6 correspondem exatamente aos factos n.ºs 3 e 6 considerados suficientemente indiciados no despacho de pronúncia (cfr. II.2.A.).
Por outro lado, na contestação, a recorrente nem sequer alegou quem deu impulso ao referido processo tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais (cfr. II.3.B.).
Apesar de na ata da conferência de pais realizada no âmbito do processo n.º 2502/18.3T8LRS em 09-04-2018 a recorrente ser identificada como requerente e o aqui assistente como requerido (cfr. fls. 38 a 40 do Volume I-A), aquela não indica, no recurso em apreço, onde se encontra junto nestes autos o concreto requerimento de regulação do exercício das responsabilidades parentais, nem o poderia fazer dado que o mesmo não consta do presente processo.
Por outro lado, apesar de na ata da conferência de pais realizada no âmbito do processo n.º 2502/18.3T8LRS-C em 09-04-2018 a recorrente ser identificada como requerida e o aqui assistente como requerido (cfr. fls. 41 e 42 do Volume I-A), aquela não indica, no recurso em apreço, onde se encontra junto nestes autos o concreto requerimento de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, nem o poderia fazer dado que o mesmo também não consta do presente processo.
Acresce que o crime imputado à recorrente no despacho de pronúncia verifica-se perante um incumprimento repetido e injustificado do regime estabelecido para a convivência do menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais, ao recusar, atrasar ou dificultar significativamente a sua entrega ou acolhimento (cfr. art.º 249.º, n.º 1, al. c), do C.P.). Ora, assim sendo, não assume qualquer relevo quem impulsionou o processo tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais e a sua alteração. Na verdade, desde logo, para apurar se houve ou não o referido incumprimento repetido e injustificado relevam, para além das datas em que ocorreram as recusas, atrasos ou as ações pelas quais foi dificultada significativamente a entrega ou acolhimento do menor, a data em que foi estabelecido o regime para a convivência do menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais, bem como a data em que o mesmo tenha sido eventualmente suspenso ou alterado, ainda que provisoriamente, dado que, até então, o regime anteriormente estabelecido (e não apenas solicitado) manter-se-á em vigor, não cessando nem sendo modificado com a mera solicitação da sua alteração (cfr. arts. 40.º a 43.º e 44.º-A, do regime geral do processo tutelar cível), conforme já decorre do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13-10-2022, proferido nestes autos (cfr. ref.ª 19061502) onde se afirma “(…) se e enquanto não houvesse qualquer alteração (provisória ou definitiva) do respectivo regime, a aqui arguida tinha de continuar a cumpri-lo, nomeadamente, diligenciando pela entrega da menor ao progenitor (…)”.
Existindo necessariamente tais requerimentos nos respetivos processos, o que sobre este aspeto foi declarado pela recorrente, no âmbito das declarações prestadas no âmbito dos presentes autos, é insuficiente para introduzir qualquer alteração à matéria de facto provada.
Seja como for, o proposto pela recorrente nem sequer conduziria, objetivamente, no que se refere àqueles concretos pontos da matéria de facto, a uma “decisão diversa” do que foi dado como provado.
O mesmo se diga em relação ao proposto quanto ao ponto n.º 12 da factualidade considerada provada. Na verdade, obviamente que existia uma sentença de regulação do exercício das responsabilidades parentais que determinava o regime de convivência do assistente com a sua filha menor (cfr. factos provados n.º 3 e 32 de II.3.C.), embora provisoriamente alterado (cfr. facto provado n.º 9 de II.3.C.).
No que se refere aos factos dados como provados sob os mencionados pontos 13, 14 e 16 a 18, pugna a recorrente que os mesmos foram incorretamente julgados, devendo ter sido dados como não provados, baseando-se numa pessoal e diferente valoração da prova produzida em audiência de julgamento, pugnando, genericamente, que se conferisse credibilidade à versão da recorrente ou inverso do efetuado pelo tribunal recorrido.
Analisando a motivação e as conclusões constata-se que a recorrente não alega, no que concerne aos factos provados e que considera incorretamente julgados, que a descrição que a sentença recorrida faz do conteúdo das declarações da recorrente e do assistente, dos depoimentos das testemunhas elencadas e do teor dos documentos mencionados não corresponda ao que, na realidade, aquelas declararam ou depuseram ou ao que destes resulta.
Ou seja, não especifica, como deveria ter feito, que, por exemplo, o tribunal recorrido deu como provado um facto com base no depoimento de uma testemunha e a mesma nada declarou sobre o facto, que inexistia qualquer prova sobre um daqueles concretos factos dados por provados, que foi tido em conta para a prova de um daqueles factos um depoimento de uma testemunha sem razão de ciência da mesma que permitisse a prova do mesmo, ou que um facto foi dado como provado com base em provas insuficientes ou não bastantes para prova desse mesmo facto, nomeadamente com violação das regras de prova (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 04-02-2016, processo n.º 23/14.2PCOER.L1-920).
Deste modo, não foi estabelecida qualquer relação entre o conteúdo específico de cada meio de prova suscetível de impor decisão diversa com o facto individualizado considerado incorretamente julgado.
Por outro lado, cumpre ter presente que, mesmo antes da mudança de residência para a ......, entre 11-05-2019 e 24-06-2019 já se verificara um incumprimento do regime estabelecido para a convivência da menor com o pai, necessariamente reiterado atentos os dias em que os contactos baseados em contactos pessoais entre aqueles deveriam ocorrer e não se verificaram, conforme decorre da conjugação dos factos provados n.ºs 6., na parte não impugnada, 7. e 8. e o elencado entre o facto n.º 23 e o facto n.º 24, não tendo sequer estes três factos sido impugnados em sede de recurso.
Uma vez que tal incumprimento reiterado surgiu na sequência da condenação do assistente no âmbito do processo comum singular n.º 133/18.7PCLRS, do juízo local criminal de ... – juiz 1 (cfr. fls. 22 a 37 do Volume I-A, ref.ª 10956803 de 26-05-2021 e 392 a 408 do Volume I-B), é evidente que a mesma serviu como elemento de obstaculização ao prosseguimento dos contactos baseados em contactos pessoais entre aqueles, a partir do momento em que foi proferida, o que é bem evidenciado nos aditamentos de 11-05-2019 juntos aos autos (cfr. 151 e 152 do Volume I-A) e no exarado na conferência de pais ocorrida no dia 24-06-2019 de acordo com o qual até então ocorreu um impedimento total de contactos entre pai e filha (cfr. fls. 41 e 42 do Volume I-A).
Por outro lado, é inegável que em 01-10-2019 foi celebrado um acordo escrito pelo qual a sociedade “… – Sociedade Gestora do Hospital de ..., S.A.”, então empregadora da recorrente, com sede em ..., cedeu à sociedade “… – Sociedade Clínica Hospitalar, S.A.”, com sede no ..., com o acordo da recorrente, a posição contratual de entidade empregadora da recorrente, aceitando a cedente os direitos decorrentes da antiguidade, celebrando na mesma data com a recorrente um contrato individual de trabalho (cfr. ref.ª 11503342 de 22-10-2021).
Ditam as mais elementares regras da experiência comum e da normalidade do acontecer que a celebração de semelhante acordo, envolvendo três distintas pessoas, duas das quais pessoas coletivas sedeadas em distintas partes do nosso país, tenha sido antecedida de negociações.
Implicando tal acordo uma deslocação de ..., onde a recorrente residia, para a ......, conforme admitido pela própria nas declarações por si prestadas em audiência de julgamento, a opção de aí passar a residir e trabalhar foi necessariamente por ela ponderada e planeada, sendo assim do seu conhecimento, pelo menos, desde 01-10-2019.
Contudo, necessariamente tendo plena consciência do regime vigente quanto à convivência do assistente com a sua filha menor e, assim, que tal mudança forçosamente conduziria a um incumprimento do mesmo, a recorrente mudou-se para a ......, levando consigo a menor, e só veiculou tal informação após a plena consumação da situação.
No recurso interposto a recorrente alega que se deslocou para a ...... no dia 11-10-2019, o que corresponde às suas declarações prestadas em sede de instrução e que foram reproduzidas em audiência de julgamento. Embora não tenha sido apresentado qualquer meio de prova que corroborasse que foi nesse dia que a recorrente se deslocou para a ......, mesmo que assim tivesse sido, o certo é que só no dia 14-10-2019 o assistente foi informado de tal circunstância, conforme também admitido pela recorrente naquelas declarações.
Por outro lado, apesar de no despacho de 11-01-2020 proferido no processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais n.º 5047/19.0TBFNC, do juízo de família e menores do ... – juiz 3, a recorrente ser identificada como requerente e o aqui assistente como requerido (cfr. ref.ª 10919047 de 18-05-2021), aquela não indica, no recurso em apreço, onde se encontra junto nestes autos o concreto requerimento de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais que deu origem àquele, nem o poderia fazer dado que o mesmo também não consta do presente processo.
Existindo necessariamente tal requerimento no respetivo processo, o que sobre este aspeto foi declarado pela recorrente, no âmbito das declarações prestadas no âmbito dos presentes autos, é insuficiente para considerar demonstrada a data do requerido através do respetivo documento.
Mesmo que se admita, por mera hipótese, que tal requerimento ocorreu em 16-10-2020, conforme alegado em sede de recurso, o certo é que, de acordo com o regime então em vigor para a convivência da menor com o pai, aquela deveria estar com este no dia 14-10-2019, pelo que é perfeitamente pertinente a observação exarada na sentença recorrida, na motivação da decisão de facto, de acordo com a qual “(…) fica por explicar o motivo pelo qual, estando perfeitamente ciente do regime de regulação de responsabilidades parentais que vigorava e que incluía convívios com pai [(…)], a arguida não deu imediatamente entrada de um pedido de alteração daquele ou de resolução de diferendo sobre questão de particular importância (residência) junto do Tribunal de Família.” Acresce que, mesmo que o tivesse feito, tal, por si só, não modificaria ou conduzir à cessação do regime então em vigor, conforme resulta do já exposto.
Seja como for, afigura-se óbvio que o facto de a recorrente ter sido movida por razões económicas nessa mudança de residência e local de trabalho não é incompatível com o facto de, levando consigo a menor, ter também agido com a intenção de obviar ao cumprimento do regime convivial desta com o assistente então em vigor, sobretudo tendo em conta o seu comportamento anterior e o incumprimento que se verificou entre 14-10-2019 a 30-06-2020. Aliás, o facto de ter consumado tal mudança e só após ter veiculado essa informação, à luz das mais elementares regras da experiência comum e da normalidade do acontecer, permite concluir ter sido também essa a sua intenção.
Acresce que inexistiu sempre causa legal justificativa ou razão ponderosa que tornasse compreensível o comportamento da recorrente, conforme logo reconhecido nos despachos judiciais proferidos no processo de regulação das responsabilidades parentais, motivando, de resto, as subsequentes alterações judiciais do regime de exercício das responsabilidades parentais relativamente à menor, o que já decorre do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13-10-2022, proferido nestes autos (cfr. ref.ª 19061502).
Na verdade, a sentença proferida no âmbito do processo comum singular n.º 133/18.7PCLRS, do juízo local criminal de ... – juiz 1, pese embora tivesse estabelecido uma proibição de contactos entre o arguido e a assistente, não estabeleceu qualquer proibição de contactos entre pai e filha, sendo que só transitou em julgado em 01-04-2021.
Por outro lado, na sua sequência, o regime até então vigente quanto à convivência da menor com o pai só veio a ser alterado em 24-06-2019.
Acresce que é incompreensível a cessação unilateral do regime então em vigor, e cujo estabelecimento contou com o acordo da recorrente, por exclusiva vontade desta, conduzindo, assim, ao termo das visitas da menor ao pai nos moldes estabelecidos, quando a mesma poderia facilmente diligenciar, através do respetivo mandatário, por uma outra solução concertada e consentida com o assistente.
Por outro lado, e no que se refere à deslocação para a ......, cumpre salientar que, apesar das razões económicas subjacentes, não visou a mesma colmatar qualquer falta de meios de subsistência que simplesmente não existia nem era previsível que viesse a existir caso tal deslocação não tivesse ocorrido.
Finalmente, nada altera a circunstância de, no primeiro período, o assistente ter visto a menor ocasionalmente na creche e, no segundo período, ter passado o dia 18-11-2019 com ela. Na verdade, tal não consubstancia o cumprimento do regime em vigor em cada um desses momentos quanto à convivência da menor com o pai, tratando-se de medidas tomadas pelo assistente para minorar a falta de convívio com a filha.
Assim, liminarmente se dirá que a argumentação expendida pela recorrente não é de todo eficiente para produzir qualquer alteração da matéria de facto.
Improcede, pois, também nesta parte, o recurso.
II.4.D. Da violação dos princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo:
A recorrente assenta no pressuposto de que a valoração da prova produzida deveria ter como resultado os termos por si própria invocados em sede da respetiva impugnação.
Ora, “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente” (cfr. art.º 127.º do C.P.P.).
Fora dos casos em que se está em presença de limitações probatórias legalmente impostas (cfr. arts. 126.º, 129.º, 130.º, 163.º, 169.º, do C.P.P.), possibilita-se, assim, ao julgador um âmbito de liberdade na apreciação de cada uma das provas atendíveis que suportam a decisão, norteado pelo princípio da descoberta da verdade material, mas tendo que ser guiado pelas regras da ciência, da lógica e da argumentação que permita objetivar a apreciação feita.
Lida a sentença recorrida mostra-se nela suficientemente objetivado e motivado o percurso adotado para a formação da convicção alcançada pelo tribunal recorrido.
Na verdade, no âmbito da sua decisão sobre a matéria de facto, o tribunal recorrido expôs de forma criteriosa e completa o processo de formação da sua convicção, o que se traduziu não apenas na indicação dos meios de prova utilizados, como na enunciação das razões de ciência, da lógica e da experiência, reveladas ou extraídas da conjugação das provas produzidas, permitindo que um qualquer homem médio estranho ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas, compreenda o percurso de formação da convicção do tribunal recorrido quanto à verificação ou não dos vários factos objeto do processo, mesmo que com ele não concorde.
Alega a recorrente que na decisão recorrida foi acolhida a interpretação de acordo com a qual o art.º 127.º do C.P.P. permite o recurso às presunções de prova previstas nos arts. 349.º e 350.º do Código Civil (C.C.).
Não só a recorrente não identifica qual o concreto facto que foi dado como provado com base numa qualquer presunção, como ignora que a possibilidade de recurso à prova indireta, em sede penal, para basear a convicção do tribunal sobre os factos, não oferece qualquer dúvida (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09-02-2012, processo n.º 233/08.1PBGDM.P3.S121; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06-10-2010, processo n.º 936/08.JAPRT22), tendo já sido sufragada pelo Tribunal Constitucional a conformidade constitucional de tal entendimento, nomeadamente com o disposto no art.º 32.º, n.º 2 e 5, e 205.º n.º 1, da C.R.P. (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 391/2015, de 12-08-201523; acórdão do Tribunal Constitucional n.º 521/181, de 17-10-201824).
Assim, não se verifica que a sentença recorrida haja desrespeitado o princípio da livre apreciação da prova.
O princípio do in dubio pro reo, manifestação do princípio da presunção de inocência (cfr. art.º 32.º, n.º 2, da C.R.P.), constitui um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova na medida em que impõe orientação vinculativa para os casos de dúvida razoável sobre os factos. Na verdade, nesses casos, impõe-se decisão a favor do arguido (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 03-06-2015, processo n.º 12/14.7GBSRT.C125).
Contudo, a dúvida em causa não é aquela que o recorrente entende que deveria ter permanecido no espírito do julgador após a produção da prova, mas antes e apenas a dúvida que este não logrou ultrapassar (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10-12-2014, processo n.º 155/13.4PBLMG.C126).
Exigindo o referido princípio que o julgador se pronuncie de forma favorável ao arguido quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa, a sua violação exige que o mesmo tenha ficado na dúvida razoável sobre factos relevantes e, nesse estado, tenha decidido contra o arguido.
Mas, se assim é, a deteção da violação do referido princípio passa pela sua notoriedade, face aos termos da decisão isto é, deve resultar inequivocamente do texto da decisão que o julgador, tendo ficado na dúvida sobre a verificação de determinado facto desfavorável ao arguido, o considerou provado ou, inversamente, tendo ficado na dúvida sobre a verificação de determinado facto favorável ao arguido, o considerou não provado.
Ora, analisada a matéria de facto julgada provada e não provada, bem como a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, não se deteta qualquer estado de dúvida, antes dela resultando uma convicção segura, sendo que também não se vislumbra que, na concreta situação dos autos, o tribunal recorrido devesse ter tido qualquer dúvida, pelo que não havia que lançar mão do princípio in dubio pro reo.
Assim, não se verifica, pois, que a sentença recorrida haja desrespeitado o princípio do in dubio pro reo.
Improcede, pois, neste segmento, o recurso. II.4.E. Do enquadramento jurídico-penal:
Não tendo sido introduzida qualquer alteração na matéria de facto provada (cfr. II.4.C.) , é evidente que dela resulta que, da parte da recorrente, em diferentes períodos (de 11-05-2019 a 24-06-2020 e 14-10-2019 a 30-06-2020), por exclusivo ato seu, foram levadas a cabo condutas que se traduziram numa recusa de entrega da menor ao pai, consubstanciando um incumprimento repetido e injustificado do regime então estabelecido para a convivência da menor com o pai na regulação do exercício das responsabilidades parentais, e que impediu que fosse levado a cabo o convívio baseado em contacto pessoal entre a menor e o seu pai aí previsto, tendo a recorrente atuado dolosamente, conforme foi, e bem, salientado na sentença recorrida (cfr. II.3.E.).
Face à sua reiteração em diferentes momentos temporais, bem como a diversidade e intensificação de comportamentos, no sentido de, mais do que obstaculizar, de facto impossibilitar os ditos convívios nos moldes estabelecidos nos sucessivos regimes vigentes, bem como a ausência de justificação, é evidente que não se trata de uma conduta sem relevância, mas sim de um incumprimento quantitativa e qualitativamente qualificado plenamente justificativo da censura do Direito Penal (cfr. art.º 18.º, n.º 2, da C.R.P.).
II.5 Das custas:
Só há lugar ao pagamento da taxa de justiça quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso (cfr. art.º 513.º, n.º 1, do C.P.P.), sendo o arguido condenado em uma só taxa de justiça (cfr. art.º 513.º, n.º 2, do C.P.P.), devendo a condenação em taxa de justiça ser sempre individual e o respetivo quantitativo ser fixado pelo juiz, a final, nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.) (cfr. art.º 513.º, n.º 3, do C.P.P.).
Assim, nos termos do art.º 8.º, n.º 9, do R.C.P. e da Tabela III a ele anexa, deve a recorrente ser condenada entre 3 UC e 6 UC a título de taxa de justiça, tendo em vista a complexidade da causa.
Ora, tendo em conta a complexidade das questões em causa, julga-se adequado fixar a taxa de justiça em 4 UC.
III. Decisão:
III.1.
III.1.A.
Ao abrigo do art.º 380.º, n.ºs 1, al. b), e 2, do C.P.P., onde na motivação da decisão de facto da sentença recorrida consta:
“Precisamente no sentido do depoimento do assistente, é possível ler na ata de conferência de pais de dia 30.06.2024 (fls. 58 e 59), o seguinte, “[O Requerente] Desde 18 de novembro de 2019 que não tem qualquer tipo de contacto com a sua filha”, pelo que, tornando-se “necessário restabelecer de imediato os contactos por forma a evitar que os vínculos paterno-filiais fiquem irremediavelmente comprometidos”, foi determinado o gozo de férias conjunto entre pai e filha e, ainda, por forma a mitigar o impacto da separação, que até lá fossem “estabelecidos contactos via WhatsAPP ou qualquer outra vídeo chamada, pelas 19:00 horas, às segundas, quartas e sextas feiras.”
deve passar a ler-se:
Precisamente no sentido do depoimento do assistente, é possível ler na ata de conferência de pais de dia 30.06.2020 (fls. 58 e 59), o seguinte, “[O Requerente] Desde 18 de novembro de 2019 que não tem qualquer tipo de contacto com a sua filha”, pelo que, tornando-se “necessário restabelecer de imediato os contactos por forma a evitar que os vínculos paterno-filiais fiquem irremediavelmente comprometidos”, foi determinado o gozo de férias conjunto entre pai e filha e, ainda, por forma a mitigar o impacto da separação, que até lá fossem “estabelecidos contactos via WhatsAPP ou qualquer outra vídeo chamada, pelas 19:00 horas, às segundas, quartas e sextas feiras”.
III.1.B
Ao abrigo do art.º 380.º, n.ºs 1, al. b), e 2, do C.P.P., onde no dispositivo da sentença recorrida consta:
“i. Condenar a arguida/demandada a pagar a quantia de € 306,42 (trezentos e seis euros e quarenta e dois cêntimos), a título de danos não patrimoniais (…)”
deve passar a ler-se:
Condenar a arguida/demandada a pagar a quantia de € 306,42 (trezentos e seis euros e quarenta e dois cêntimos), a título de danos patrimoniais (…).
III.2.
Julga-se totalmente improcedente o recurso interposto pela arguida AA, mantendo-se na íntegra a sentença recorrida. Condena-se a recorrente no pagamento das custas, fixando-se a taxa de justiça por ela devida em 4 UC.