ROUBO
PERDÃO DA LEI Nº 38-A/2023 DE 2 DE AGOSTO
VÍTIMA ESPECIALMENTE VULNERÁVEL
Sumário

O crime de roubo previsto e punido pelo art.º 210º, nº 1, do Código Penal está excluído do elenco dos crimes que podem beneficiar do perdão de penas resultante da Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto, por se tratar de crime cometido contra vítimas especialmente vulneráveis - art.º 7º, nº 1, al. g), da Lei nº 38-A/2023, de 02.08.

Texto Integral

Acordam os Juízes Desembargadores da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
RELATÓRIO
I. No processo comum coletivo nº 559/19.9PBPDL do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada, Juiz 2, foi proferido acórdão, em 06.06.2024, o qual tem o seguinte dispositivo na parte que aqui importa:
«Face ao exposto, acordam os juízes que integram o tribunal coletivo da Instância Central - 1ª secção Cível e Criminal - do Tribunal da Comarca dos Açores:
(…)
F) Condenar o arguido AA:
• Pela prática do crime de furto qualificado [ponto 1. (NUIPC 559/19.9PBPDL)] na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão;
• Pela prática do crime de roubo [ponto 3. (NUIPC 59/19.7PFPDL)] na pena de 4 (quatro)anos de prisão; e
• Pela prática do crime de roubo [ponto 4. (NUIPC 73/19.2PEPDL)] na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão;
Em cúmulo jurídico fixar, estribados nos critérios já acima ponderados quanto a esta questão e para os quais se remete por desnecessidade de os repetir aqui, a pena única de prisão em 6 (seis) anos e 6 (seis) meses;
G) Aplicar ao arguido AA o perdão correspondente a 1 (um) ano de prisão, em razão da lei 38-A/2023 de 2.8., perdão que, nos termos do artº.8º da lei a que vimos fazendo referência lhe é concedido sob as condições resolutivas de o beneficiário não praticar infração dolosa no ano subsequente à data da entrada em vigor da presente lei, caso em que à pena aplicada à infração superveniente acrescerá a pena ou parte da pena perdoada;
(…)
J) Condenar o arguido BB:
• Pela prática do crime de roubo [ponto 3. (NUIPC 59/19.7PFPDL)] na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão;
• Pela prática do crime de ofensa simples [ponto 5. quanto à matéria dos autos 559/19.9PBPDL-D (outrora 1403/21.2PBPDL)] - cotovelada - na pena de 8 (oito) meses de prisão;
• Pela prática do crime de ofensa simples [ponto 5. quanto à matéria dos autos 559/19.9PBPDL-D (outrora 1403/21.2PBPDL)] - soco e pontapés - na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão;
• Pela prática do crime de ameaça simples [ponto 5. quanto à matéria dos autos 559/19.9PBPDL-D (outrora 1403/21.2PBPDL)] na pena de 5 (cinco) meses de prisão; e
• o crime de ameaça agravada [ponto 5. quanto à matéria dos autos 559/19.9PBPDL-D (outrora 1403/21.2PBPDL)] na pena de 1 (um) ano de prisão.
Em cúmulo jurídico fixar, estribados nos critérios já acima ponderados quanto a esta questão e para os quais se remete por desnecessidade de os repetir aqui, a pena única de prisão em 4 (quatro) anos de prisão efetiva.
K) Aplicar ao arguido BB o perdão correspondente a 1 (um) ano de prisão, em razão da lei 38-A/2023 de 2.8., perdão que, nos termos do artº.8º da lei a que vimos fazendo referência lhe é concedido sob as condições resolutivas de o beneficiário não praticar infração dolosa no ano subsequente à data da entrada em vigor da presente lei, caso em que à pena aplicada à infração superveniente acrescerá a pena ou parte da pena perdoada».
II. Inconformado, recorreu o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões:
1. A discordância com a decisão do Tribunal a quo ocorre, por este ter aplicado 1 ano de perdão nas penas únicas aplicadas aos arguidos AA e BB.
2. Salvo opinião diversa, o facto de um crime não constar no elenco daqueles que, por si só, determinam a exclusão das medidas estabelecidas na Lei em análise, não impede que o respetivo agente possa, ainda assim, não beneficiar destas por força das demais exceções igualmente previstas da Lei n.º 38A/20023, de 2 de agosto
3. Entendemos que o Tribunal a quo fez uma errada aplicação da norma, omitindo-se a verificação da exceção prevista na alínea g) do artigo 7.º conjugada com o disposto no artigo 67.ºA, do qual decorre o seu número 3, do Código de Processo Penal (para o qual expressamente remete) e do art.º 1º al. j) do Código de Processo Penal que define criminalidade especialmente violenta.
4. Da conjugação de tais normas decorre que as vítimas de crime de roubo, no qual se inclui o previsto no artigo 210.º n.º 1 do Código Penal são vítimas especialmente vulneráveis, não podendo as penas aplicadas pela prática do crime de roubo serem perdoadas.
5. Ora, sendo o crime de roubo previsto no artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal punido com uma pena de prisão igual ou superior a 5 anos (mais concretamente até 8 anos), o mesmo integra indubitavelmente o conceito de criminalidade especialmente violenta, como resulta expressamente do disposto no art.º 1.º, al. l), do Código do Processo Penal, e vem sendo defendido na jurisprudência.
6. Assim sendo, defendemos que o crime de roubo simples é punível com uma pena de prisão superior a 5 anos, integrando por isso a criminalidade violenta, nos termos do art.º 1º, al. j), do Código do Processo Penal, e, sendo assim, por imposição do artigo 67º-A, n.º 1, al. b), e nº 3, do Código do Processo Penal, as respetivas vítimas serão também consideradas vítimas especialmente vulneráveis, o que à luz do artigo 7.º, n.º 1, al. g), da Lei n.º 38-A/2023, faz com tal crime constitua uma exceção à aplicação do perdão nesta previsto.
7. Nestes termos e considerando que os crimes de roubo p. e p. pelo artigo 210.º nº 1 do Código Penal, pelos quais os arguidos foram condenados, ofendem vítimas legal e expressamente qualificadas como “especialmente vulneráveis”, é de concluir pela verificação da exceção constante da al. g) do nº 1 do artigo 7.º da Lei n.º 38º-A/2023, de 2 de agosto, pelo que não podem os arguidos AA e BB beneficiarem de qualquer perdão relativamente à pena em que o foram condenados
8. Consequentemente, deve ser dado provimento ao presente recurso em consequência, revogar o douto acórdão, julgando não ser aplicável o perdão às penas em que os arguidos AA e BB foram condenados no âmbito dos presentes autos.
Assim se fazendo “JUSTIÇA.” »
III. Admitido o recurso, foi determinada a sua subida imediata, nos autos, e com efeito suspensivo.
IV. Notificado para tanto, a defesa dos arguidos não respondeu.
V. Neste Tribunal da Relação de Lisboa foram os autos ao Ministério Público tendo sido emitido parecer nos seguintes moldes, que se transcrevem:
«Concluído o julgamento de vários arguidos por crimes contra o património, a propriedade e a liberdade pessoal, decidiu o tribunal a quo beneficiar os arguidos AA e BB com a aplicação de 1 ano de perdão, decorrente da lei de amnistia, Lei 38-A/2023, a incidir sobre a pena única aplicada.
Com isso se insurge o digno magistrado do MP junto do tribunal a quo, que vem à Relação de Lisboa em busca de remédio para a ofensa que julga ter sido feita.
Sintetiza singelamente as razões concretas do seu recurso: “a aplicação da lei do perdão, lei 38-A/2023 de 2.8 pela prática de um crime de roubo p. e p. pelo artigo 210.º n.º 1 do Código Penal”.
Efectivamente, dentre os vários crimes que os arguidos beneficiados com o perdão de 1 ano acusam, destaca-se o crime de roubo, que cada um deles (também) praticou, na previsão do n.º 1 do art.º 210.º CP.
Entende o digno recorrente que o tribunal a quo omitiu a verificação da excepção prevista na al. g) do art.º 7.º da lei de amnistia, conjugada com o art.º 67.º-A, n.º 3, b) e art.º n.º 1, j), ambos do CPP, isto é, os agentes de crimes contra vítimas especialmente vulneráveis não podem beneficiar do perdão consignado na dita lei.
Sustenta a sua tese no facto de que as vítimas do crime de roubo deveram ser consideradas sempre como vítimas especialmente vulneráveis e que tal crime integra o conceito de criminalidade violenta, o que coloca os seus autores fora da graça concedida pela lei de amnistia e perdão.
Termina o recurso pedindo a revogação da decisão recorrida, nesta parte limitada de aplicação do perdão aos dois arguidos condenados por crime de roubo.
Não se identifica resposta dos arguidos ao recurso interposto pelo MP.
A jurisprudência mostra-se dividida sobre a questão a decidir, abundando arestos divergentes oriundos de diversas instâncias de recurso.
Certo e seguro é que o crime de roubo, “previsto no n.º 2 do artigo 210.º do Código Penal” está excluído do benefício da lei 38-A/2023, por expressa, clara e inequívoca opção do legislador – vide o art.º 7.º n.º 1, b), i) da lei em causa.
Porém, os arguidos foram condenados ao abrigo do n.º 1 do art.º 210.º CP…
Quem quiser excluir do privilégio concedido por esta lei, também, o crime p. e p. p. art.º 210.º n.º 1 CP, terá que ancorar esta opção numa explicação lógica, coerente e conforme aos cânones da interpretação da lei, para demonstrar porque é que o legislador, excluindo do benefício da graça o n.º 2 do art.º 210.º, não incluiu nesta exclusão também o n.º 1 do art.º 210.º CP, isto é, o crime de roubo tout court.
O acórdão desta Relação de Lisboa, tirado no processo n.º 2436/03.6PULSB-D.L1-3 faz interessante percurso pelos meandros históricos da Lei 38-A/2023 demonstrando inequivocamente ter sido vontade do legislador incluir o crime de roubo da previsão do art.º 210.º n.º 1 CP nos favores da dita lei de graça.
Donde, face à letra do inciso i) da al. b) do n.º 1 do art.º 7.º da lei em questão, o crime de roubo simples estaria abrangido pela amnistia e perdão da lei em causa.
Há, porém, que integrar coerentemente a previsão adicional vertida na al. g) do art.º 7.º da lei em causa, já que são igualmente excluídos da amnistia e do perdão, os condenados por crimes praticados contra vítimas especialmente vulneráveis, “nos termos do art.º 67.º-A do Código de Processo Penal”.
Ora, a “vítima especialmente vulnerável” é aquela cuja fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, estado de saúde ou de deficiência ou da gravidade das lesões infligidas – art.º 67.ºA, b) CPP.
Quando o legislador particulariza certas qualidades das vítimas, está a excluir e a seleccionar, isto é, há vítimas que por força de certas circunstâncias devem cair na previsão do art.º 67.º-A CPP e outras, que sendo vítimas, não são especialmente vulneráveis e ficam fora deste núcleo de protecção especial reforçada.
As vítimas da actuação dos arguidos AA e BB, no caso concreto, são integráveis nessa especial categoria de “vítimas especialmente vulneráveis”?
O que diz o acórdão sobre esta particulares vítimas?
O acórdão não integra as vítimas dos crimes de roubo em causa na categoria das vítimas mencionadas na al. b) do n.º 1 do art.º 67.º-A CPP, logo não há razão para fazer operar a excepção da al. g) do n.º 1 do art.º 7.º da lei de amnistia e perdão.
Igualmente nos parece que o crime de roubo da previsão do art.º 210.º n.º 1 CP não cabe no conceito de “criminalidade violenta” conforme dispõe a al. j) do art.º 1.º CPP (que exclui da previsão crimes contra a propriedade, o que é também marca do crime de roubo), o que afastaria certo automatismo em cadeia em que se sustenta o recurso em apreço, que parte do princípio que a vítima do crime de roubo é sempre vítima especialmente vulnerável e sempre objecto passivo de criminalidade violenta – logo, excluída da previsão da lei de amnistia e perdão.
Divergimos assim do ilustre colega recorrente, mau grado o respaldo que pode facilmente invocar de muita e boa jurisprudência e de alguma doutrina e que, porventura, apenas o STJ poderá unificar e pacificar.
Neste sentido, propendemos para que se rejeite o recurso em apreço, devendo os arguidos autores do crime de roubo da previsão do art.º 210.º n.º 1 CP, beneficiar do perdão prevista na Lei 38-A/2023.
A final, como de costume, melhor se dirá.»
VI. Cumprido o disposto no art.º 417.º/2 do Código de Processo Penal, nada foi acrescentado.
VII. Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência.
Cumpre decidir.
OBJECTO DO RECURSO
O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição deste tribunal, delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º/2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995).
Desta forma, tendo presentes tais conclusões, são as seguintes as questões a decidir:
1. Apurar se o crime de roubo previsto e punido pelo art.º 210º, nº 1, do Código Penal está excluído do elenco dos crimes que podem beneficiar do perdão de penas resultante da Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto, por se tratar de crime cometido contra vítimas especialmente vulneráveis.
2. Consequências a retirar caso se conclua que o crime de roubo simples está excluído da aplicação do perdão.
DO ACÓRDÃO RECORRIDO
Do acórdão recorrido consta escrito o seguinte, a propósito das questões ora em apreço:
«BD - Da aplicação da lei 38-A/2023 de 2.8.:
Como já se mencionou acima:
. AA nasceu a ........1989 (assim com 30 anos até 1.5.2020) e os factos que praticou datam de 28 de abril de 2019, 21.5.2019 e 27 de maio de 2019;
. CC nasceu a ........1987 (assim com 30 anos até 14.4.2018) e os factos por ele praticados datam de 28 de abril de 2019;
. BB nasceu a ........1994 (assim com 30 anos até 1.1.2025) e os factos por ele praticados datam de 21.5.2019, 28 de agosto de 2021 e 30 de agosto de 2021.
No que toca ao CC, tendo em conta a sua idade à data da prática dos factos que o comprometem, não pode beneficiar de qualquer perdão.
Já não é assim no que toca aos arguidos AA e BB que dele beneficiariam por não se tratarem de crimes que o excluam.
Assim, quanto aos arguidos AA e BB, beneficiarão do perdão de 1 ano de prisão a incidir sobre a pena única aplicada.»
FUNDAMENTAÇÃO
1. Apurar se o crime de roubo previsto e punido pelo art.º 210º, nº 1, do Código Penal está excluído do elenco dos crimes que podem beneficiar do perdão de penas resultante da Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto, por se tratar de crime cometido contra vítimas especialmente vulneráveis
A Lei nº 38-A/2023, de 02.08, traduziu-se num perdão de penas e numa amnistia de infrações por ocasião da realização, em Portugal, da Jornada Mundial da Juventude e entrou em vigor no dia 1 de setembro de 2023 (vide artsº 1º e 15º).
Abrangeu as sanções penais relativas a ilícitos praticados atos às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto – art.º 2º da referida Lei.
Os arguidos AA e BB praticaram os factos pelos quais foram condenados antes de 19 de junho de 2023, tendo então menos de 30 anos de idade.
Foram condenados pela prática dos seguintes crimes e nas seguintes penas:
I - O arguido AA:
• Pela prática do crime de furto qualificado [ponto 1. (NUIPC 559/19.9PBPDL)] na pena de 3 anos e 4 meses de prisão;
• Pela prática do crime de roubo [ponto 3. (NUIPC 59/19.7PFPDL)] na pena de 4 anos de prisão; e
• Pela prática do crime de roubo [ponto 4. (NUIPC 73/19.2PEPDL)] na pena de 2 anos e 8 meses de prisão;
Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única 6 anos e 6 meses de prisão;
II - O arguido BB:
• Pela prática do crime de roubo [ponto 3. (NUIPC 59/19.7PFPDL)] na pena de 2 anos e 8 meses de prisão;
• Pela prática do crime de ofensa simples [ponto 5. quanto à matéria dos autos 559/19.9PBPDL-D (outrora 1403/21.2PBPDL)] - cotovelada - na pena de 8 meses de prisão;
• Pela prática do crime de ofensa simples [ponto 5. quanto à matéria dos autos 559/19.9PBPDL-D (outrora 1403/21.2PBPDL)] - soco e pontapés - na pena de 1 ano e 4 meses de prisão;
• Pela prática do crime de ameaça simples [ponto 5. quanto à matéria dos autos 559/19.9PBPDL-D (outrora 1403/21.2PBPDL)] na pena de 5 meses de prisão; e
• o crime de ameaça agravada [ponto 5. quanto à matéria dos autos 559/19.9PBPDL-D (outrora 1403/21.2PBPDL)] na pena de 1 ano de prisão.
Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 4 anos de prisão efetiva.
A ambos os arguidos foi aplicado 1 ano de perdão que, nos termos do artº.8º da Lei nº 38-A/2023, de 02.0, foi concedido sob as condições resolutivas de o beneficiário não praticar infração dolosa no ano subsequente à data da entrada em vigor dessa lei.
Pese embora não esteja expresso no dispositivo do acórdão, os crimes de roubo pelos quais os identificados arguidos foram condenados são o crime de roubo previsto e punido pelo art.º 210º, nº 1, do CP. A leitura da fundamentação de direito do acórdão permite, de forma cristalina, extrair esta conclusão. Trata-se, sem quaisquer dúvidas, de crimes de roubo simples e não de qualquer crime de roubo agravado.
O art.º 7º da Lei nº 38-A/2023, de 02.08, elenca vários crimes que não beneficiam do perdão e da amnistia previstos nessa Lei.
O crime de roubo agravado, p. e p, pelo art.º 210º, nº 2, do CP, consta expressamente em tal elenco – vide nº 1, al. b), i).
Nesse elenco não consta o roubo simples, p. e p. pelo art.º 210º, nº 1, do CP.
Porém, diz-nos o art.º 7º, nº 1, al. g), que também não beneficiam do perdão os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º-A do Código de Processo Penal, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro.
De acordo com o art.º 67º-A, nº 1, al. b) do CPP, considera-se “Vítima especialmente vulnerável, a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social”. Diz-nos o seu nº 3 que “as vítimas de criminalidade violenta, de criminalidade especialmente violenta e de terrorismo são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1”.
Remetidos para o o disposto no art.º 1º, als. j) e l) do CPP, é considerada como “Criminalidade violenta as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos” e como “Criminalidade especialmente violenta as condutas previstas na alínea anterior puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 8 anos”.
O crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210º, nº 1 do CP, é punido com uma pena de prisão igual ou superior a 5 anos (mais concretamente até 8 anos), pelo que é considerado criminalidade especialmente violenta, como resulta expressamente do disposto no art.º 1.º, al. l), do CPP.
Pedro Brito, in “Notas práticas referentes à Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto, que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude”, JULGAR Online, agosto de 2023, páginas 31 e 32, expende que “apesar de o crime de roubo, previsto e punido pelo art.º 210.º, n.º 1, do C.P., não constar elencado no n.º 1, al. b), i), da Lei em análise, onde apenas se faz referência, na parte que agora interessa, ao roubo agravado, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 2, do C.P., o certo é que a vítima daquele será sempre uma vítima especialmente vulnerável, pelo que o seu agente também não poderá beneficiar do perdão da pena aplicada por tal crime por força do n.º 1, al. g), do preceito em análise. Na verdade, cumpre salientar que o crime de roubo, previsto no art.º 210.º, n.º 1, do C.P., punido com uma pena de prisão até 8 anos, integra o conceito de criminalidade especialmente violenta (cfr. art.º 1.º, al. l), do C.P.P.). Na verdade, o crime de roubo traduz-se numa conduta dolosa dirigida contra, pelo menos, a integridade física da pessoa que é vítima do assalto, sendo a violência típica do roubo a violência específica do ato apropriativo, sob a forma de emprego de força física, maior ou menor, pelo que sempre terá que se considerar verificado o requisito que determina a sua integração em tal conceito. Assim, pelas mesmas razões, também o crime de roubo, na forma tentada, previsto no art.º 210.º, n.º 1, do C.P., punido com uma pena de prisão superior a 5 anos, integra o conceito de criminalidade violenta (cfr. art.º 1.º, al. j), do C.P.)”.
Esta posição tem sido, até ao presente, largamente maioritária nesta 5ª secção.
Veja-se, a título de mero exemplo:
- acórdão de 20 de fevereiro de 2024, proferido no recurso 286/22.0SYLSB.L2, relatora Luísa Oliveira Alvoeiro,
- acórdão de 14 de dezembro de 2023, proferido no recurso 27/22.1PJLRS-B.L1, relatora Sandra Ferreira,
- acórdão de 7 de maio de 2024, proferido no recurso 660/13.2GDALM-A.L1, relatora Carla Francisco,
- acórdão de 23 de janeiro de 2024, proferido no recurso 2913/18.4PBLSB.L2, relatora Ester Pacheco dos Santos,
- acórdão de 19 de março de 2024, proferido no recurso 846/12.7GACS.L1, relator João António Filipe Ferreira.
Em tais acórdãos, é feita uma resenha dos trabalhos legislativos, permitindo-se reforçar a conclusão a que chegámos.
Citemos, do último referido aresto:
«Cotejado o processo legislativo subjacente à Lei da Amnistia e Perdão, ainda que o mesmo não seja imune a uma deficiente fixação dos termos de discussão relevantes, do mesmo podemos constatar que na primeira versão da Exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 97/XV/1.ª, refere-se expressamente que “Nestes termos, a presente lei estabelece um perdão de um ano de prisão a todas as penas de prisão até oito anos, excluindo a criminalidade muito grave do seu âmbito de aplicação”.
Nesta primeira versão, o crime de roubo, simples ou qualificado, estava, em parte, expressamente referido no ponto i) da alínea b) do artigo 5.º que consagrava as exceções ao referido perdão de penas, ao incluir o “roubo em residências ou na via pública cometido com arma de fogo ou arma branca, previsto no artigo 210.º do Código Penal“, sendo certo, que os mesmos estariam, na sua globalidade, abrangidos pelas situações previstas no artigo 5.º, n.º 1, alínea g) que referia “Os condenados por crimes praticados contra vítimas especialmente vulneráveis, incluindo as crianças e os jovens, as mulheres grávidas e as pessoas idosas, doentes, pessoas com deficiência e imigrantes;”
Tendo por base esta primeira versão, dúvidas não restavam que uma interpretação literal das citadas normas nunca levaria a excluir os crimes de roubo simples e qualificado, do perdão de penas. O facto de os mesmos terem merecido uma referência expressa naqueles termos no ponto i) da alínea b) do citado artigo 5.º a isso, manifestamente, não obstava, sendo de concluir que todas as dimensões do roubo simples e qualificado se encontravam contempladas no citado normativo.
Aliás, a aplicação do perdão a esses crimes estaria frontalmente contra os objetivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio 2020-2022, em cumprimento da Lei n.º 17/2006, de 23.05, que aprovou a Lei-Quadro da Política Criminal, designadamente os referidos no seu artigo 3.º, n.º 1, alíneas a) e b), onde se poder ler, “Constituem objetivos específicos da política criminal, no período de 2020 -2022: a) Prevenir, reprimir e reduzir a criminalidade violenta, grave e altamente organizada, incluindo o homicídio, a ofensa à integridade física grave, a violência doméstica, familiar e no contexto das relações de proximidade, os crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual, o roubo, o incêndio rural, a corrupção, o tráfico de influência, a cibercriminalidade, a criminalidade rodoviária, o branqueamento, os crimes cometidos com armas, o terrorismo e o seu financiamento, as organizações terroristas e a associação criminosa dedicada ao tráfico de pessoas ou de armas ou ao auxílio à imigração ilegal e os crimes contra a autoridade pública cometidos em contexto de emergência sanitária ou de proteção civil; b) Promover a proteção das vítimas especialmente vulneráveis, incluindo as crianças e os jovens, as mulheres grávidas e as pessoas idosas, doentes, pessoas com deficiência e imigrantes;».4 (sublinhado da autoria do Relator). Por sua vez, nos crimes de prevenção prioritária, inclui-se a “criminalidade violenta (…)” (artigo 4.º, alínea b)).
Esta orientação de política criminal manteve-se em vigor até à aprovação da Lei n.º 51/2023, de 28.8, que entrou em vigor em 1.09.2023, sendo certo que nesta Lei se manteve como objetivo específico, “Promover a proteção das vítimas de crime, em particular as vítimas especialmente vulneráveis, incluindo crianças e jovens, mulheres grávidas e pessoas idosas, doentes, pessoas com deficiência e imigrantes” (artigo 3.º, alínea b)), sendo que nos crimes de prevenção prioritária, se inclui, “A criminalidade violenta, especialmente violenta (…)” (artigo 4.º, alínea g)).
A primeira versão deste diploma sofreu alterações durante o processo de discussão parlamentar, no qual não podemos deixar de ter em atenção os pareceres emitidos pelas diversas entidades no decurso do processo legislativo, designadamente o Conselho Superior do Ministério Público, Conselho Superior da Magistratura e Ordem dos Advogados.
Neste plano, há que fazer uma especial referência à posição assumida pelo Conselho Superior da Magistratura, que numa primeira leitura do texto legislativo, entendeu que “Em relação aos crimes contra o património [art.º 5, n.º 1, al. b)], para além de se registar o número restrito de crimes excecionados neste âmbito, afigura-se que deveriam constar todos os condenados por crimes de roubo previsto e punido pelo artigo 210º do Código Penal e roubo qualificado, face à enorme expressão e gravidade deste tipo de crimes, consabidamente causadores de grande alarme social”.
Tal posição foi analisada pelo legislador na fixação do texto final. Com efeito, dos pareceres entregues pelos grupos parlamentares, constatamos:
O grupo parlamentar do PSD, expressamente indica no ponto ii) da alínea b) do artigo 5.º a exclusão do crime de roubo – simples ou qualificado – do perdão de penas, mantendo a exclusão dos crimes praticados contra vítimas especialmente vulneráveis;
O grupo parlamentar do PS, altera o ponto i) da alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º, incluindo a menção “e por roubo, previsto no n.º 2 do artigo 210.º do Código Penal”., alterando expressamente a alínea g) do n.º 1 o artigo 7.º aditando o seguinte segmente: “contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º-A do Código Processo Penal;”
Se é certo que a proposta do Grupo Parlamentar do PSD foi rejeitada com os votos contra do PS, do Chega e do DURP do Livre, a verdade é que as alterações supra referidas apresentadas pelo Grupo Parlamentar do PS foram analisadas e votadas em conjunto, tendo merecido os votos a favor do PS, do PSD, da IL, do PCP e contra do Chega, na ausência do BE, da DURP do PAN e do DURP do Livre.
Da análise deste processo legislativo, resulta claro que a proposta do Grupo Parlamentar do PSD foi rejeitada, sendo certo que a solução por si preconizada teve acolhimento no aditamento feito pelo Grupo Parlamentar do PS à alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º, uma vez que sendo o crime de roubo simples considerado legalmente como criminalidade especialmente violenta, sempre estaria incluído na referência das vítimas especialmente vulneráveis, por conjugação dos artigos 1,º, alínea l e 67.º-A, n.º 3 ambos do Código de Processo Penal. Só este entendimento permite compreender a votação a favor do Grupo Parlamentar do PSD a tais propostas.
Aliás, se dúvidas houvesse sobre o sentido a dar a tais soluções, a intervenção da deputada do PS, Marta Temido, dissipa-as, ao referir “O texto final global que hoje votamos resultou da discussão e votação na especialidade de uma proposta de lei que estabelece um perdão de penas e amnistia de infrações, por ocasião da realização, em Portugal, da Jornada Mundial da Juventude, e resultou, sobretudo, do esforço realizado por várias forças políticas, no sentido de acolher, por um lado, os argumentos expostos neste Plenário, aquando do debate na generalidade, e, por outro lado, as recomendações constantes dos pareceres do Conselho Superior da Magistratura, do Ministério Público e da Ordem dos Advogados.”
Nestes termos, a conciliação destes dois normativos exige a compreensão do seu sentido intrínseco.
O legislador, ao consagrar um regime de exceções no artigo 7.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, fê-lo consagrando um conjunto de previsões de caráter objetivo – atento o crime em apreço ou a verificação de determinada agravante geral – e outro de âmbito subjetivo - atenta a qualidade dos intervenientes, condenado e vítimas.
Porque estamos perante âmbitos distintos, a leitura das mesmas terá de ser feita segundo um critério de complementaridade e nunca de exclusão. Dito de outro modo, a referência objetiva a determinados crimes não pode ser tida como um elemento de limite implícito à consagração das exceções de índole subjetiva, sob pena de estarmos a consagrar um regime de exceção à exceção que manifestamente não pode ser retirado da leitura do citado artigo 7.º.
Neste sentido, a posição que entende que o roubo simples não está excluído do perdão, uma vez que não está previsto em qualquer uma das alíneas do artigo 7.º, pressupõe que a previsão da alínea b), subalínea i) tem uma dupla natureza: prescritiva, na parte em que expressamente consagra que o roubo qualificado está excluído do perdão, e norma limite à exceção prevista na alínea g), limite esse que, todavia, não resulta do próprio texto, nem tem qualquer cabimento no normativo legal aplicável.
Deste modo, apenas a leitura do citado artigo 7.º que vê ambas as previsões como complementares e não entre si excludentes, garante a coerência do regime de perdão de penas consagrado pela Lei n.º 38-A/2023, de 2.8, bem como de todo o regime sancionatório consagrado no Código Penal.
Com efeito, se não fosse dado o sentido aqui proposto para a alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º - que a mesma abrange toda a criminalidade violenta e especialmente violenta – incluindo aqui o roubo simples -, uma vez que as vítimas da mesma são sempre vulneráveis nos termos do disposto nos artigos 1.º, alínea j) e 67.º-A, n.º 3 ambos do Código de Processo Penal, far-se-ia uma redução do âmbito de aplicação da mesma que a sua interpretação literal não o permita, uma vez que em nenhum momento do texto do citado diploma legal, resulta que as demais alíneas do artigo 7.º são – ou sequer foram consideradas pelo legislador - como limites ao âmbito de aplicação da referida alínea g).
Neste plano, é preciso ter em atenção, conforme refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20/02/2024, que “As medidas de clemência, atenta a sua natureza de providências excecionais, devem ser interpretadas nos precisos termos em que estão redigidas, sem ampliações nem restrições, não comportando aplicação analógica (cf. artigo 11º do Código Civil), embora sempre com a salvaguarda dos princípios constitucionais de igualdade e proporcionalidade.” (disponível em www.dgsi.pt). No mesmo sentido refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2023, de 1 de Fevereiro, “atendendo à excecionalidade que caracteriza as leis de amnistia e de perdão, a interpretação das mesmas deverá, pura e simplesmente, conter-se no texto da respetiva lei, adotando-se uma interpretação declarativa em que “não se faz mais do que declarar o sentido linguístico coincidente com o pensar legislativo.”
Aliás, esta redução do âmbito de aplicação da referida norma, colocaria graves problemas ao julgador para determinar em que situações a mesma permitiria tal exclusão e aquelas em que a mesma não permitiria. Estaríamos, assim, no campo da interpretação discricionária da norma, sem qualquer critério objetivo orientador que garantisse a previsibilidade na sua interpretação e, em consequência, a confiança do cidadão e dos destinatários das normas, na decisão judicial daí resultante.
Por outro lado, uma tal interpretação colocaria sérios problemas à necessária coerência do regime sancionatório penal, uma vez que como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.01.2024 (Proc.º 485/20.9T8CVD.P2), “não seria compreensível que crimes muito menos graves do que o de roubo previsto no art.º 210º, nº 1, do CP, como o de coação e de perseguição, dos art.ºs 154º e 154º-A do CP, puníveis com pena de prisão de 1 mês a 3 anos ou com pena de multa, ficassem excluídos do perdão, e já não aquele, indubitavelmente mais grave e gerador de alarme social, onde a violência sobre uma determinada pessoa pontifica como elemento do tipo, seja na forma de coação, de ofensa à integridade física, ou de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física da vítima, sendo ademais o mesmo punível com pena muito superior à prevista para aqueles crimes, ou seja, 1 a 8 anos de prisão.” (disponível em www.dgsi.pt). Aliás, daí resultariam situações incompreensíveis, mesmo para quem entendesse que o roubo simples não estava excluído do perdão, de considerar que outros crimes estariam abrangidos pela exceção da alínea g) do número 1, do artigo 7.º, como seja o crime p. e p. pelo artigo 311.º do Código Penal, o qual manifestamente tem especiais afinidades com o roubo simples. Deste modo, para aquela posição, o roubo simples estaria abrangido pelo perdão, mas o crime de violência depois da subtracção já estaria excluído, resultado interpretativo que manifestamente é contrário à necessária coerência do regime sancionatório penal (o mesmo ocorrendo com o crime de dano com violência, p. e p. pelo artigo 214.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal). Por fim, em que termos se iria incluir o artigo 210.º, n.º 3 do Código Penal, no regime do artigo 7.º? Por uma interpretação extensiva – por maioria de razão - do artigo 7.º, alínea b) subalínea i), ou pela remissão da alínea g) do citado normativo, contrariando a ideia que esta seria sempre excluída pela previsão da alínea b) subalínea i), uma vez que dúvidas não restam a qualquer jurista que o artigo 210, n.º 3 do Código Penal se encontra excluído do regime do perdão de penas.
Contra esta posição poder-se-á argumentar que o crime de roubo simples não está abrangido na noção de criminalidade especialmente violenta, e, nessa medida, não pode ser aplicado a previsão do artigo 67.º-A, n.º 3 do Código Penal.
Esta posição não só não é acolhida na doutrina ou jurisprudência maioritária, como não tem qualquer acolhimento legal atenta o conteúdo literal do artigo 1.º, alínea l) do Código de Processo Penal. Com efeito, o conceito de criminalidade especialmente violenta assenta nos bens jurídicos protegidos (a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública) e na moldura abstrata aplicável aos crimes, designadamente, ao seu máximo legal igual ou superior a 8 anos. Atentos ambos os critérios, é manifesto que o crime de roubo simples, se inclui neste conceito.
Com efeito, o crime de roubo simples implica sempre um atentado a um dos bens jurídicos referidos, seja a vida, a integridade física ou a liberdade pessoal. Com efeito, havendo “violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física” os bens jurídicos atingidos podem ser, desde logo, a vida e a integridade física. Por sua vez, ocorrendo uma situação de “impossibilidade de resistir”, o bem jurídico afetado é a liberdade pessoal.
Nestes termos, não podemos deixar de concluir que o crime de roubo simples está incluído no conceito de criminalidade especialmente violenta, e, deste modo, é aplicável a previsão do artigo 67.º-A, n.º 3 do Código de Processo Penal.»
Isto é, e em conclusão, o crime de roubo simples p. e p. pelo art.º 210º, nº 1, do CP, está excluído do regime de perdão instituído pela Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, atento o disposto no seu artigo 7.º, n.º 1, alínea g).
Procede este segmento do recurso.
2. Consequências a retirar da conclusão de que o crime de roubo simples está excluído da aplicação do perdão
Pese embora o recorrente argumente no sentido de não ser aplicável o perdão apenas ao crime de roubo simples, acaba por concluir – e por requerer –
que “deve ser dado provimento ao presente recurso em consequência, revogar o douto acórdão, julgando não ser aplicável o perdão às penas em que os arguidos AA e BB foram condenados no âmbito dos presentes autos” - vide conclusão 8ª – (sublinhado da ora relatora).
Ora, os arguidos – ambos – foram condenados por crimes de roubo e por outros crimes e, a final, foi fixada uma pena única, pelo que pode colocar-se a questão se, com a sobredita redação genérica, o Ministério Público defende que não deve aplicar-se o perdão nestes autos, já que um dos crimes (o de roubo simples) está excluído da aplicação da respetiva lei. Até porque, em rigor, se o desiderato do recorrente for obter uma mera declaração de que os crimes de roubo simples estão excluídos da aplicação do perdão, a consequência não será necessariamente a requerida revogação do acórdão, cujo acerto poderá manter-se relativamente à aplicação do perdão aos demais crimes e à aplicação concreta da medida do perdão.
O art.º 3º, nº 1, da Lei nº 38-A/2023, de 02.08, dispõe que, sem prejuízo do disposto no artigo 4.º, é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos.
Como se concluiu no ponto 1., os crimes de roubo estão excluídos da aplicação da Lei nº 38-A/2023, de 02.08 – vide art.º 7º, nº 1, al. g), pois respeitam a vítimas especialmente vulneráveis.
Essa Lei não exclui as penas referente aos demais crimes pelos quais os arguidos foram condenados:
O arguido AA: crime de furto qualificado (3 anos e 4 meses de prisão);
O arguido BB: crimes de ofensa simples (8 meses de prisão e 1 ano e 4 meses de prisão), crime de ameaça simples (5 meses de prisão) e crime de ameaça agravada (1 ano de prisão).
De acordo com o art.º 7º, nº 3, a exclusão do perdão e da amnistia previstos nos números anteriores não prejudica a aplicação do perdão previsto no artigo 3.º e da amnistia prevista no artigo 4.º relativamente a outros crimes cometidos.
Nos termos do art.º 3º, nº 4, em caso de condenação em cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única.
O limite máximo do perdão é de 1 ano, por força do art.º 3º, nº 1.
Sobre esta questão, Pedro Brito (obra citada, págs. 36 e 37) expende, de forma que «Deste modo, nos cúmulos jurídicos de penas a realizar que englobem penas parcelares correspondentes a crimes excluídos do perdão e penas parcelares dele não excluídos, não existe qualquer desvio às regras dos arts. 77.º e 78.º do C.P., sendo o perdão estabelecido pela Lei em apreço, se a ele houver lugar, aplicado à pena única».
Portanto:
- a simples circunstância de o crime de roubo simples estar excluído dos crimes que beneficiam do perdão não obsta a que os demais crimes possam dele beneficiar;
- o perdão, em caso de concurso de crimes, incide sobre a pena única.
Por outro lado, tratando-se de concurso de crimes, constata-se que, relativamente a ambos ao arguidos, a parte perdoada na pena única não ultrapassa a pena parcelar não excluída do perdão e mantém-se, por obediência ao critério do art.º 77.º do CP, um remanescente, após perdão, que não belisca a moldura mínima do concurso: o remanescente a cumprir, após aplicação do perdão, é de 5 anos e 6 meses de prisão (arguido AA) e de 3 anos de prisão (arguido BB), em ambos os casos correspondente à mais elevada das penas parcelares. Sufragando a observância destes requisitos na aplicação da lei do perdão em caso de concurso e crimes, vide, publicado no site da dgsi, acórdão da Relação do Porto de 24 de janeiro de 2024, proferido no recurso 408/16.0GCOVR-E.P1, relator José Quaresma.
E, assim, não é caso de se “revogar o douto acórdão, julgando não ser aplicável o perdão às (demais) penas em que os arguidos AA e BB foram condenados no âmbito dos presentes autos”.
DECISÃO
Nestes termos, e face ao exposto, acordam os juízes desembargadores deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente provido o recurso interposto pelo Ministério Público, declarando que os crimes de roubo, p. e p. pelo art.º 210º, nº 1, do CP, pelos quais foram condenados os arguidos AA e BB, não beneficiam do perdão a que alude a Lei nº 38-A/2023, de 02.08, confirmando, porém, o acórdão recorrido na parte em que aplicou o perdão às respetivas penas únicas.
Sem custas.
Notifique.

Lisboa, 5 de dezembro de 2024
Ana Cristina Cardoso
Manuel Advínculo Sequeira
João Grilo Amaral