HONRA
CONSIDERAÇÃO
CRIMES DE DISCRIMINAÇÃO E INCITAMENTO AO ÓDIO E À VIOLÊNCIA
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
IN DUBIO PRO REO
Sumário

I – Quem publica nas respetivas contas da rede social “Twitter” comentários a dizer “Prostituição forçada das gajas do Bloco” e depois ainda responde “Tudo, tipo arrastão” ao comentário “Concordo. Incluam as do PCP, MRRP, MAS e PS”, não o faz sem seriedade, como mero exercício de humor, mas sim com intuitos de ofender na honra e consideração.
II. – Comete o crime de discriminação e incitamento ao ódio e à violência previsto e punido pelo artº 240º, nº 2, al. b), do Código Penal, quem dirige tais expressões a mulheres que perfilham ideias de esquerda e não apenas a uma qualquer pessoa individual integradora desse mesmo grupo. Ao publicar os referidos comentários, o arguido não se dirigiu a todos os simpatizantes / militantes / ativistas de esquerda (onde se incluem também pessoas do sexo masculino), mas apenas a quem, de entre eles, é do sexo feminino. Para a lei basta que o alvo seja um grupo de mulheres, no caso aquelas que, em Portugal, defendem ideologias de esquerda e /ou são militantes / ativistas dessa tendência.
III - O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a que se reporta a alínea a) do nº 2 do art.º 410º do CPP, ocorre quando, da factualidade elencada na decisão recorrida, resulta que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição e decorre da circunstância de o tribunal não se ter pronunciado (dando como provados ou não provados) sobre todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados pela acusação ou pela defesa, ou tenham resultado da discussão. Traduz-se na insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito. A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada nada tem a ver com a eventual insuficiência da prova para a decisão proferida - questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, enquadrado nos termos do art.º 127º do Código de Processo Penal – e que poderá consubstanciar erro de julgamento.
IV - Nada obsta ao recurso da prova indireta para obter uma resposta quanto à matéria de facto levada à apreciação do Tribunal. As presunções naturais, válidas também no processo penal, constituem um meio ou processo lógico de aquisição de factos, em que o juiz, valendo-se de um certo facto, e associando-o a um princípio empírico ou às regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto até então desconhecido.
V – O princípio do in dúbio pro reo só se coloca quando o Tribunal, depois de esgotado todo o percurso probatório, com recurso à prova direta e à prova indireta, através de presunções judiciais, permanece com dúvidas sobre a demonstração dos factos, não conseguindo formar convicção.

Texto Integral

Acordam os Juízes Desembargadores da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
RELATÓRIO
I. No processo comum singular nº 1633/22.0T9LSB do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Lisboa, Juiz 1, foi proferida sentença, em 7 de maio de 2024, a qual, na parte que aqui importa, tem o seguinte dispositivo:
«IV. DECISÃO
Pelo exposto, decido:
A. Condenar o arguido AA pela prática de um crime de discriminação e incitamento ao ódio e à violência, p.p. pelo art.º 240º, nº 2, al. b), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão (não julgando verificada a qualificativa da reincidência).
B. Condenar o arguido BB pela prática de um crime de discriminação e incitamento ao ódio e à violência, p.p. pelo art.º 240º, nº 2, als. b), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão.
C. Suspender a pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão em que o arguido BB é condenado pelo período de 2 (dois) anos, sujeita a regime de prova, assente num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social, focalizado na sensibilização do arguido para a adopção de condutas jurídica e socialmente adequadas, nomeadamente, para as temáticas dos direitos humanos, da liberdade e da autodeterminação sexual de todos os cidadãos e da igualdade de género e ainda à obrigação de o arguido proceder à entrega de uma contribuição que se fixa na quantia de €750,00 (setecentos e cinquenta euros) à Vítima (APAV) no decurso do prazo da suspensão da pena, devendo proceder ao pagamento de, pelo menos €250,00 (duzentos e cinquenta euros) no prazo máximo de seis meses após o trânsito em julgado da sentença, devendo comprovar documentalmente nos autos tais pagamentos.
D. Condenar os arguidos em taxa de justiça que se fixa em 3 (três) UC´s e nas demais custas do processo (arts. 513º e 514º do Código de Processo Penal e 8.º nº 9 e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais)».
II. Inconformado, recorreu o arguido AA, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem textualmente:
«Conclusões:
1- As frases imputadas ao recorrente são declarações não sérias - art.º 245º n.º 1 C.C. inexistindo sanção penal para elas. Nessa medida, o seu sancionamento penal viola o art.º 1º n.º 1 CP e 240º n.º 2 CP e não se enquadra na valoração que o homem médio faz delas nem as regras da experiência comum não tendo em consideração também o critério legal estabelecido no art.º 487º n.º 2 C.C.;
2- O ponto 3 da matéria de facto provada deve ser interpretado no sentido que o recorrente não injuriou nem difamou alguém, falecendo o elemento objectivo do crime, pelo que a condenação é impossível. não sendo nessa medida respeitado o art.º 240º n.º 2 alinea b) CP;
3- A valoração na fundamentação da sentença de uma publicação a fls 55/56,um “même”,como indicativa do alegado papel subalterno da mulher na sociedade preconizado pelo arguido,é errada porque não tem em conta o teor evidentemente humorístico dessa publicação.Nessa medida,tal valoração de um facto anterior ou posterior ( a alegada publicação imputada ao arguido é de 17 de Fevereiro de 2022,data das publicações julgadas pelo que não se apura se é de antes ou depois das publicações ora em julgamento) de uma publicação de que nem a autoria está estabelecida, não respeita o insíto no art.º 71º n.2 alinea e) CP;
4- O ponto 8 da matéria de facto provada foi incorrectamente julgado porquanto da prova produzida em audiência apura-se que as motivações da assistente, e também das testemunhas são de activismo politico. Vide:
Depoimento da assistente na audiência de julgamento Acta 06.02.2024 -9.36.10.11, minuto 22.50-23.15:
“É preciso colocar as coisas num contexto. As coisas acontecem quando a extrema direita estava naquele momento a celebrar o seu crescimento no Parlamento um mês antes e o sinal que foi dado para sair para perseguir mulheres de esquerda. Porquê? Por serem mulheres de esquerda, uma questão de ideologia.”
Testemunha CC Acta 06.02.2024 -10.12.10.36 – minuto 23.3024.18:
Defesa: “Subjacente ao seu depoimento está toda uma concepção política e social?”
Testemunha CC: “Toda eu sou um ser politico”.
Testemunha DD
Pergunta o MP - Minuto na aludida acta de 27.02.2024 -12.08:12.44 - Pergunta do MP: “E relativamente ao conteúdo das publicações, também se sentiu visada?”
Testemunha DD: “Como mulher de esquerda, sim. Principalmente. Não só pela força partidária a que eu pertencia, mas como mulher de esquerda, sim. Eu considero, mais a nível pessoal que será mais uma ameaça a todas as mulheres de esquerda.”.
Testemunha EE na sessão de audiência de julgamento de Acta de18.04.2024 14.37:14.50 refere que “não tinha visto essas publicações antes” - minuto 2; “Sim, sempre me considerei uma activista das mulheres de esquerda e noutras causas - minuto 12: 12.32.
Testemunha FF, Acta de 18.04.2024, 14.27:14:36 “Senti-me pessoalmente ofendida (com as publicações) enquanto activista e militante do Partido Socialista” minuto 1.20:1.50.
Face a estas provas infra,o ponto 8 da matéria de facto provada deve ser dado como não provado, por falecer o elemento subjectivo do tipo do crime previsto no art.º 240º n.º 2 alínea b) CP e em consequência absolvido o arguido porquanto este não quis nem ofendeu todas as mulheres: Sentiram-se ofendidas as activistas de esquerda no âmbito limitado da sua actividade política, o que extravasa o plasmado no art.º 240º n.º 2 alínea b) CP.
5- Assim, nessa esteira, e a interpretação do tribunal recorrido que aponta para a penalização no âmbito do art.º 240º n.º 2 alínea b) CP da conduta do arguido, viola o principio da legalidade estatuído no art.º 1º n.º 1 CP e que encontra consagração constitucional no art.º 29º n.º 1 CRP. Nessa medida, tal interpretação do art.º 240º n.º 2 alínea b) CP é inconstitucional;
Sem prescindir, e caso o recorrente não seja absolvido,
6- O chamado “direito de resposta” constante no ponto 12 dos factos provados foi incorrectamente valorado pelo tribunal a quo, que desconsiderou o carácter humorístico que o recorrente logo apresentou para as frases sub judice não obstante as reconhecer de mau gosto de imediato. É também patente nesse direito de resposta a luta politico-partidária.
Nesse sentido, a matéria consignada no ponto 12 dos factos provados ao servir de circunstância agravante em vez de atenuante da conduta do arguido, desrespeita o estipulado no art.º 71º n.º 2 alínea e) CP.;
7- A valoração da matéria consignada no ponto 13 dos factos provados no sentido de agravar a pena aplicada é errada, porquanto a factualidade sub judice não resulta apenas do princípio da imediação da prova, mas de uma multiplicidade de factores e reações momentâneas ao desenrolar do julgamento. Atente-se na seguinte frase da assistente de teor algo jocoso para com o arguido:
GG Acta 06.02.2024 - 9.36. -10.11, minuto 19.40-19.50- esta diz textualmente referindo-se ao assistente e ao direito de resposta publicado:
“Ele escreve na 3ª pessoa mas isso o HH também faz”.
Salvo o muito respeito, não pode a meritíssima juiz a quo controlar, perceber, interiorizar as reacções do arguido (aliás como de ninguém na sala de audiências).
Nessa medida, é de adoptar a douta doutrina do acórdão do Tribunal da Relação de Évora acima alegado: Os factos dados como matéria de facto provada no ponto 13 não devem ser considerados nem como atenuantes nem como agravantes.
Ao considerar como agravantes, não foi de novo respeitado na determinação da medida da pena o art.º 71º n.º 2 alínea e) CP;
8- Face ao exposto, andou mal a sentença recorrida ao considerar que o recorrente agiu com dolo directo. Terá agido com dolo eventual a e pena de prisão deve ser reduzida. A pena aplicada que ultrapassa a culpa do agente não respeita o art.º 40º n.º 2 CP e 71º n.º 2 CP.;
9- Para não suspender a execução da pena de prisão, o tribunal a quo atentou no CRC do arguido, no relatório social - ponto 16 dos factos provados- do qual salienta:
“O processo de adaptabilidade sócio normativa do AA parece estar essencialmente dependente da alteração da sua forma de pensar e de agir e da vontade de superar vulnerabilidades pessoais que, na actualidade, continua a reconhecer, ainda que verbalize ter, entretanto abandonado”,
Ora o relatório social é muito mais abrangente e sublinha os factores de estabilidade do recorrente, a sua segurança afectiva e funcional, a sua integração laboral.
Mesmo do trecho do relatório social extraído para a sentença e acima reproduzido, nota-se que as vulnerabilidades apontadas estão a ser abandonadas.
Assim, tudo aponta para a suspensão da execução da pena de prisão como factor ressocializador que a prisão não é, pelo que a pena aplicada deve ser suspensa na sua execução. Ao não suspender a pena aplicada ao recorrente, o tribunal recorrido violou o art.º 50º n.ºs 1 e 2 CP.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e ser o recorrente absolvido do crime em que foi condenado;
Caso assim não se entenda, deve a pena de dois anos e dez meses de prisão ser reduzida e suspensa na sua execução.
Assim se fazendo a costumada, Justiça».
III. Recorreu igualmente o arguido BB, rematando a sua motivação com as seguintes conclusões, que se transcrevem textualmente:
«Conclusão:
1. O arguido foi condenado pela prática do crime p.e p. pelo art.º 240º n.º 2 alinea b) CP na pena de um ano e oito meses de prisão suspensa na sua execução por dois anos e sujeita a regime de prova e ás injunções decretadas na sentença;
2. O recorrente não prestou declarações nem na audiência nem no processo;
3. O exercício desse direito não pode prejudicar o arguido - art.º 343º n.º 1 CPP;
4. Inexistiu qualquer perícia ao equipamento informático do recorrente. Aliás inexiste qualquer alusão ou vestígio nos autos de equipamento informático do recorrente! (pc, telemóveis, etc);
5. A douta sentença recorrida fundamenta a matéria de facto provada em prints e fotos da conta @BB... que presume serem genuínos;
6. Ora essa presunção é manifestamente insuficiente no caso frequente dos perfis falsos na internet; Nada garante que o perfil @BB... é do arguido.
7. O processo podia e devia ter ido muito mais longe na investigação do material informático na posse do recorrente. Não o tendo feito, não pode o arguido ser penalizado por isso;
8. Portanto, a sentença recorrida violou o princípio com consagração constitucional no art.º 32º n.º 2 CRP do in dubio pro reo;
9- Em consequência os pontos 1. (em relação ao recorrente e á titularidade da conta com o vanity name @BB...) 4.5.6 e 10 da matéria de facto provada devem ser incluídos na matéria de facto não provada.
10- Nessa conformidade o recorrente devia ter sido absolvido por falta absoluta de provas;
11- Portanto douto tribunal recorrido ao condenar o arguido caiu na previsão do art.º 410º n.º 2 alinea a) CPP, dado que existe uma clara insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, devendo em consequência a sentença ser revogada;
12-A interpretação que o tribunal a quo faz do princípio da livre apreciação da prova estribando-se em presunções judiciais para condenar o arguido é incorrecta e desrespeita o art.º 127ºCPP;
13- Mesmo que não se entenda absolver o arguido,o que só por mero dever de patrocínio se concede,retirar do ponto 13 da matéria de facto provada consequências agravantes para a determinação da medida da pena do arguido,viola o art.º 71º n.º 2 alínea )e CP;
14- Assim, a pena aplicada deve ser atenuada.
Nestes termos e com o douto suprimento de VªExªas deve ser dado provimento ao presente recurso e absolvido o arguido da prática do crime p.e p pelo art.240º n.º 2 alínea b) CP com todas as legais consequências;
Caso assim não se entenda, o que só por mero dever de patrocínio se concede, deve a pena em que foi condenado o arguido ser reduzida,
Assim se fazendo, Justiça!»
IV. Admitido o recurso, foi determinada a sua subida imediata, nos autos, e com efeito suspensivo.
IV. Notificado para tanto, respondeu a ambos os recursos o Ministério Público concluindo nos seguintes termos:
«CONCLUSÕES:
1ª O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida e depositada a 7/05/24, que condenou os arguidos:
- AA pela prática de um crime de discriminação e incitamento ao ódio e à violência, p.p. pelo artigo 240º n.º 2, alínea b), do Código Penal, na pena de dois anos e dez meses de prisão.
- BB pela prática de um crime de discriminação e incitamento ao ódio e à violência, p.p. pelo artigo 240º , n.º 2, alínea b), do Código Penal, na pena de um ano e oito meses de prisão, suspensa pelo período de 2 anos, com sujeição a regime de prova, acompanhado pelos serviços de reinserção social, com vista à sensibilização do arguido para a adoção de condutas jurídica e socialmente adequadas, nomeadamente, para as temáticas dos direitos humanos, da liberdade e da autodeterminação sexual de todos os cidadãos e da igualdade de género, bem como na obrigação de o arguido proceder à entrega de uma contribuição que se fixa na quantia de €750,00 (setecentos e cinquenta euros) à Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) no decurso do prazo da suspensão da pena, devendo proceder ao pagamento de, pelo menos €250,00 (duzentos e cinquenta euros) no prazo máximo de seis meses após o trânsito em julgado da sentença, devendo comprovar documentalmente nos autos tais pagamentos.
A - RECURSO DO ARGUIDO AA
2ª Tendo em conta o âmbito do recurso fixado pelas conclusões apresentadas, pretende o recorrente AA que a douta sentença padece erro de julgamento na apreciação da prova e subsunção dos factos ao direito e, caso assim não entenda, suspensão da execução da pena aplicada.
1ª O recorrente afirma que uma errada valoração da prova da sentença a quo quanto aos pontos 3 e 8 da matéria de facto, invocando o carácter não sério, que reputa de humorístico, das expressões proferidas e ausência de prova da intenção criminosa, dizendo estar em causa ativismo político.
2ª Desde logo, não se verifica qualquer erro de julgamento, dado que a livre apreciação da prova não se confunde com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova. A prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
3ª Saliente-se ainda que não procede a argumentação do recorrente, suscitando a incorrecta apreciação da prova, por esta não ter sido decidida no sentido pretendido, visto que a produção de prova está sujeita ao princípio da livre apreciação consagrado no artigo 127º do Cód. de Processo Penal, nada havendo a apontar à douta sentença dado o cabal cumprimento daquele princípio (neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo n.º 209/09.1PBFIG.C1, datado de 10-11-2010 - disponível em dgsi.pt).
4ª De facto, constata-se que, a Mma Juiz explica de forma clara e lógica as razões pelas quais deu como provados ou não provados os factos, explicando como foi analisada a prova documental constante do auto de análise de prova digital junto a fls. 166 a 176 corroborado pelo teor do depoimento da assistente.
5ª Assim sendo, o que releva para a situação dos autos é ter sido produzida toda a prova necessária contra a arguida e que determinou a sua condenação pela prática dos factos criminosos pelos quais foi submetida a julgamento.
6ª Por outro lado, aquele recorrente sublinha o carácter não sério, que reputa humorístico, das expressões que publicou afirmando a violação do princípio da legalidade penal por não estar em causa um acto difamatório.
7ª  Difamar significa imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, entendida aquela como o elenco de valores éticos que cada pessoa humana possui, tais como o carácter, a lealdade, a probidade, a rectidão, ou seja a dignidade subjectiva, o património pessoal e interno de cada um, e esta última como sendo o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, bom nome, o crédito, a confiança, a estima, a reputação, ou seja a dignidade objectiva, o património que cada um adquiriu ao longo da sua vida, o juízo que a sociedade faz de cada cidadão (AC. do Tribunal da Relação de Lisboa de 6.2.96, in CJ l, 156 e Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 25.10.2004, P. 1467/04 in dgsi.pt).
8ª Com efeito, a dignidade da pessoa humana é a pedra de toque da Constituição da República Portuguesa (art.º 1.º), onde se elenca, entre as garantias individuais, o direito ao bom-nome e reputação, entendidos estes como sendo "o direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social' (G. Canotilho e V. Moreira, CRP Anotada, 3a Ed., pág. 180).
9ª Deste ponto de vista, a honra é concebida como o direito que cada cidadão tem de reclamar o respeito dos outros e a não receber deles juízos ou imputações vilipendiosos e degradantes ou, mais subjetivamente, equivale à representação psicológica que cada um tem de si próprio, ao apreço ou autoestima, a qual poderá corresponder, ou não, à consideração ou à reputação social de que goza.
10ª Assim sendo, resulta evidente que a expressão publicada por este recorrente na rede social 'twitter' constante do facto provado 3, ao defender a "prostituição forçada das gajas do Bloco", reduz o ativismo de mulheres de esquerda a um mero objeto de violação, inculcando um juízo degradante das mulheres e das militantes de esquerda.
11ª Neste sentido, não se compreende como pode o recorrente pretender que está em causa uma declaração não séria ou com pendor humorístico, já que, com tal afirmação ainda mais se visa um ataque à própria dignidade das mulheres que sejam ativistas de esquerda, escudando-se na irresponsabilidade da declaração não séria.
12a Acresce que, sendo o próprio recorrente ativista político tinha perfeito conhecimento das palavras que publicou e quem pretendia atingir perante todos os seguidores do 'twitter'.
13a De facto, como se sabe, é hoje geralmente entendido pela nossa jurisprudência que, para integrar o elemento subjetivo dos crimes contra a honra, basta o dolo genérico em qualquer das suas modalidades, ou seja, é suficiente que o agente aja consciente de que a sua conduta é adequada a ofender a honra e consideração de alguém (cfr. Ac. TRL de 02-07-2006, P. 5316/2006-3).
14a Na situação dos autos, verifica-se que se mostram descritos os elementos objetivos e subjetivos do crime. Relativamente ao tipo de ilícito subjetivo, aquele é compatível com o dolo em qualquer das suas modalidades, mostrando-se necessário, para que se afirme a consciência e a vontade de realização do tipo, que o agente dirija a sua intenção à prática dos elementos objetivos.
15a Ora, os elementos subjetivos do crime pertencem à vida íntima e interior do agente. Isto significa que, só é possível captar a sua existência através e mediante factualidade material que os possa inferir ou permitir divisar, ainda que por meio de presunções ligadas ao princípio da normalidade ou às regras da experiência comum. Assim, o elemento subjetivo do tipo legal de crime infere-se, por presunções naturais, dos factos materiais correspondentes à ação objetivamente considerada (neste sentido Acórdão Relação de Lisboa, de 28/01/1997, processo n.o 0001015 e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 27-05-2015, processo n.º 11/10.8GASJP.C1, disponíveis em dgsi.pt.
16a De facto, resulta inequivocamente que o recorrente pretendeu proferir as expressões que publicou visando ofender a honra e consideração de todas as militantes de partidos políticos de esquerda por serem membros de partidos que perfilham tal ideologia, mas acima de tudo, por serem mulheres. E o facto de o recorrente pretender reconduzir as expressões que proferiu a uma piada apenas permite concluir que era exatamente esse o intuito com que atuou.
17a Atendendo a todos os elementos supra expostos, dúvidas não restam de que o tribunal a quo formou a sua convicção com base na análise, crítica e global, da prova testemunhal produzida em audiência, bem como da prova documental constante dos autos em estrito respeito das disposições legais aplicáveis (artigos 127º, 339º, 4, 343º, 355º e 374º n.º 2, todos do Cód.de Processo Penal).
18a Alega ainda o recorrente AA, para o caso de não proceder a argumentação conducente à sua absolvição que a Mma Juiz deveria ter suspendido a pena com base no teor da totalidade do relatório dos serviços de reinserção social.
19a O crime de discriminação e incitamento ao ódio e à violência preenchido com a conduta dos arguidos, é abstratamente punível com pena de prisão de 6 meses a 5 anos (artigo 240º, n.º 2 do Cód. Penal).
20a Na determinação da pena concreta, o juízo realizado pelo tribunal parte da análise conjugada das circunstâncias do caso concreto, das condições de vida e conduta anterior e posterior do agente e da sua personalidade revelada na atuação, análise da qual resulta como provável que o agente irá sentir a condenação como uma solene advertência, ficando a sua eventual reincidência prevenida com a simples ameaça da prisão e com a imposição de deveres e regime de prova, acabando por concluir pela viabilidade da sua socialização em liberdade.
21 a Deste ponto de vista, tendo resultado da prova produzida em audiência o facto provado 13, i.e., a postura dos arguidos perante o relato dos factos por parte da vítima, não se compreende a afirmação do recorrente de que tal conduta posterior ao facto não deve ser ponderada nas exigências de prevenção especial da pena aplicada.
22a Desde logo, como bem se refere na douta sentença, as exigências de prevenção geral positiva são elevadas, já que, o bem jurídico protegido pela incriminação se prende com a proteção de valores eminentes. No âmbito tutelado pelo crime em causa estão em causa comportamentos que minam a saudável convivência social e humana em Estado de Direito.
23a No caso dos autos, cumpre salientar que, face à factualidade provada, concluiu a Mma Juiz a quo pela necessidade de aplicação ao arguido AA da pena de prisão por força dos antecedentes criminais apresentados por aquele. Com efeito, resulta da factualidade provada na douta sentença que o arguido regista doze antecedentes criminais anteriores, sendo um pela prática do mesmo crime por que foi condenado nos presentes autos. Ponderou ainda a Mrn a Juiz a ausência de crítica do arguido para o seu vasto percurso criminal, bem como condenações anteriores pelo mesmo crime -, bem como o grau de ilicitude elevado, a intensidade do dolo direto, encontrando-se estes elementos doutamente explanados no texto da decisão recorrida. Tais elementos permitem concluir que, no caso do arguido, as necessidades de prevenção especial são tão prementes como as de prevenção geral, nomeadamente em face do teor do seu certificado do registo criminal.
24a Acresce que, no que às exigências de prevenção especial diz respeita, as conclusões do relatório social referem o seguinte:
"AA provém de um meio familiar estruturado, de nível socioeconómico e cultural médio, tendo o seu processo de socialização sido marcado, a partir da adolescência, pela identificação e adesão a uma cultura grupal de cariz ideológico nacionalista e contra os costumes e valores liberais individuais, que lhe moldou e definiu o comportamento, manifestando desde a adolescência, condutas agressivas na defesa dos seus princípios, tendo tido contacto com a Justiça Penal ainda enquanto jovem adulto. "
"Ainda que, na atualidade, AA verbalize o seu afastamento de contextos de cariz ideológico em organizações nacionalistas, ao longo do seu percurso vivencial investiu em atividades de persuasão e de liderança ideológica nesse tipo de organizações, mais recentemente através das redes sociais.".
"AA apresenta antecedentes criminais diversos, pelo que o presente processo poderá indiciar, em caso de condenação, que as anteriores condenações/medidas penais aplicadas não surtiram o desejado efeito dissuasor. "
"Face ao exposto, o processo de adaptabilidade sócio normativa de AA parece estar essencialmente dependente da alteração da sua forma de pensar e de agir e da vontade de superar vulnerabilidades pessoais que, na atualidade, continua a reconhecer, ainda que verbalize ter, entretanto, abandonado."
25a A este propósito, contrariamente ao que concluiu o recorrente, cumpre salientar que os serviços de reinserção social não se baseiam apenas na entrevista realizada, mas em todos os elementos elencados naquele relatório dos quais foram extraídas aquelas conclusões (Rep 38311672 de 29/01/24).
26a Assim sendo, bem andou a Mma Juiz ao optar pela aplicação ao arguido de uma pena de prisão efetiva.
27a Efetivamente, a prática destes factos no decorrer de vasto percurso criminal, mantendo ainda o arguido uma postura acrítica para a prática criminosa e as circunstâncias favoráveis à continuação criminosa levaram a Mma Juiz a concluir que a execução da prisão é exigida para prevenção da prática de futuros crimes por parte do arguido.
B - RECURSO DO ARGUIDO BB
28a No que respeita ao recurso interposto pelo arguido BB, concluiu aquele recorrente não deverem ter sido dados como provados os factos referentes à autoria, defendendo a ausência de prova com base no exercício do direito ao silêncio, invocando insuficiência da matéria de facto provada e violação do princípio da livre apreciação da prova.
29a No que respeita à alegada insuficiência da matéria de facto provada, pretende aquele recorrente não ter sido realizada perícia ao material informático encontrado na sua posse, pelo que, a Mrn a Juiz não poderia considerar provada a titularidade da conta da rede social 'twitter' com o nome "@BB..." e, consequentemente, a intervenção do arguido nos factos provados.
30a Em face do teor da fundamentação da douta sentença, da qual consta a conjugação da prova documental com as fotografias dos autos e a pessoa apresentada em julgamento, é manifesta a existência de prova dos factos dados como provados.
31 a Daqui resulta que não se constata qualquer lacuna, deficiência ou omissão na investigação por parte da Mmª Juiz a quo da matéria de facto sujeita à sua apreciação, uma vez que a mesma, em cumprimento do disposto no artigo 374º n.º 2 do CPP, se pronunciou sobre a totalidade do objeto dos presentes autos, delimitado pela acusação, contestação e pelos factos resultantes da prova produzida em audiência, em estrito cumprimento do disposto no artigo 339º n.º 4 do mesmo Código.
32ª Por outro lado, não se verifica qualquer erro de julgamento, dado que a livre apreciação da prova não se confunde com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova. Como já se explanou acima, a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
33ª Com efeito, constata-se que, a Mmª Juiz explica de forma clara e lógica as razões pelas quais deu como provados ou não provados os factos, explicando como foi analisada e conjugada a prova documental constante dos autos de fls. 11 a 25 e 35 a 49, com a impressão da fotografia do cartão do cidadão do arguido e a pessoa que se apresentou em julgamento, juntamente com as regras da experiência.
34ª No que respeita à medida da pena aplicada, alega ainda o recorrente, para o caso de não proceder a argumentação conducente à sua absolvição que a Mmª Juiz não poderia ponderar na aplicação da pena a reação dos arguidos ao depoimento da assistente (facto provado 13).
35ª Conforme já salientado, tendo resultado da prova produzida em audiência o facto provado 13, i.e., a postura dos arguidos perante o relato dos factos por parte da vítima, não se compreende a afirmação do recorrente de que tal conduta posterior ao facto não deve ser ponderada nas exigências de prevenção especial da pena aplicada.
36ª Na situação do recorrente BB, cumpre salientar que, concluiu a Mmª Juiz a quo pelo grau de culpa e ilicitude elevados, bem como pelo dolo direto, considerando a ausência de arrependimento e ponderando a favor do arguido BB a ausência de antecedentes criminais registados.
37ª Acresce que, decidiu ainda a douta sentença suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido.
38ª Efetivamente, os elementos favoráveis ao arguido, levaram a concluir que a suspensão da execução da prisão e a ameaça da prisão são suficientes para prevenir a prática de futuros crimes por parte do arguido.
39ª Deste modo, a Mmª Juiz, ao ponderar todas circunstâncias favoráveis e desfavoráveis ao arguido agiu no estrito respeito dos critérios legais que acima se explanaram, pelo que a medida da pena aplicada ao recorrente BB e a respetiva suspensão da execução não merecem qualquer censura.
Nestes termos, Vossas Excelências, melhor decidindo, farão a costumada Justiça».
V – Respondeu igualmente a assistente GG.
Relativamente ao recurso interposto pelo arguido AA, apresentou as seguintes conclusões:
«CONCLUSÕES:
1.ª É de registar, antes de mais, a postura de cada um dos arguidos, consistente em não prestar declarações, nem antes, nem na audiência de julgamento, não se responsabilizar pelos seus actos nem, muito menos, pedir desculpa por eles, e pela absoluta ausência de empatia para com a assistente,
2.ª E, ao mesmo tempo, ir “adaptando” a sua defesa e as suas diversas teses e argumentos, à medida que eles iam sendo desmontados e desmascarados (não titularidade das contas, não autoria dos comentários, natureza meramente jocosa e não séria dos mesmos, pretensa natureza de crítica política e ideológica dos escritos, não direccionamento destes a todas as mulheres, porque as “normais” não se sentiram afectadas, etc. etc. etc.).
3.ª A defesa optou não fazer, nem sequer tentar fazer, prova alguma, mas a prova efectuada nos autos pelas acusações do M.º P.º e da assistente foi esmagadora, tal como resulta dos trechos supra-elencados e transcritos pela mesma assistente, supra-referenciados, e que apenas aqui não se transcrevem de novo por óbvias razões de economia processual mas se dão aqui, e para todos os devidos legais efeitos, por integralmente reproduzidos,
4.ª Prova essa quer da autoria dos mesmos escritos, quer da sua não inscrição em qualquer liberdade de expressão ou direito de crítica, designadamente política ou ideológica, ou sequer de escrito pretensamente “humorístico” ou “não sério”,
5.ª Quer de que são um conjunto de juízos gravemente depreciativos e violadores da dignidade, do bom nome e reputação, bem como da liberdade e da segurança, e não só da assistente como de todas as mulheres, em particular as mais social e politicamente empenhadas e activas.
6.ª Quer também de que os arguidos bem sabiam que essa conduta é ilícita e proibida por lei e de que, não obstante, a quiseram e adoptaram com elevadíssimo grau de dolo, mais exactamente de dolo directo,
7.ª Quer, enfim, da completa inexistência de quaisquer pretensas causas de exclusão de ilicitude ou de culpa,
8.ª Toda a prova produzida mostra igualmente que os escritos consubstanciam um legal e constitucionalmente inadmissível (bem como inaceitável face à CEDH, por força do seu art.º 17.º) escabroso juízo depreciativo, suscitador da mais que justificada repulsa e também receio não só da assistente como também das mulheres activas e em geral de todas as mulheres,
9.ª Na lógica das medievais concepções machistas que vêm as pessoas de um determinado género (as mulheres) como meros objectos, aptas a serem violadas, inclusive “em grupo”, para assim satisfazer a lasciva sexual dos membros das “tropas da reconquista” (como são os arguidos e os seus correligionários). Ora,
10.ª Os crimes de incitamento ao ódio e à violência vêm crescendo de ocorrência, quer na Europa quer no nosso país e justificam por isso acrescidas preocupações de prevenção, geral e especial, e de adequada punição criminal,
11.ª O art.º 240.º, n.º 2, al. b) do CP, tal como foi interpretado e aplicado na sentença recorrida em nada violenta a letra e a ratio da Constituição e designadamente o seu art.º 29.º, n.º 1 da CRP,
12.ª Apenas servindo a respectiva referência por parte do arguido (aliás sem qualquer concretização ou demonstração) para “justificar” um posterior recurso para o Tribunal Constitucional que continue a alimentar a dilação nos presentes autos.
13.ª Inexistindo também qualquer vislumbre de causa de exclusão de ilicitude ou de culpa, bem andou a sentença recorrida ao considerar plenamente verificados os elementos objectivos e subjectivos do crime de discriminação e incitamento ao ódio e à violência, p.p. no art.º 240.º, n.º 2, al. b) do CP, por que vinham os arguidos acusados, e assim foram, e bem condenados.
14.ª O Tribunal pode e deve aperceber-se, em sede de imediação (e não propriamente de livre apreciação da prova) do comportamento corporal dos arguidos – designadamente de completa falta de empatia e até de risos perante as declarações da assistente – sendo absolutamente lícito servir-se de tal informação para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras de experiência comum,
15.ª Sendo que a M.ª Juíza a quo ponderou tal comportamento essencialmente para aferir do juízo de prognose acerca de os arguidos (não) terem assumido e reconhecido a gravidade da conduta que eles praticaram e de (não) ser possível formar um juízo de prognose acerca da sua capacidade quanto a não voltar a delinquir.
16.ª A medida da pena aplicada a cada um dos arguidos, atentos os respectivos critérios legais e a conduta destes se peca por alguma coisa é ainda por excesso de benevolência do tribunal para com os mesmos arguidos, não devendo em caso algum ser (mais) atenuada.
17.ª A tese de não autoria dos escritos em causa por cada um dos arguidos – que o arguido AA, que a invocara em primeiro lugar, afinal e após ter sido demonstrada a sua teoria, abandonou, mas que o arguido BB, que não a invocara em sede de contestação, veio agora invocar em sede do presente recurso – foi por completo desmascarada, ficando tal autoria também absolutamente desmontada nos presentes autos (e foi até, como já supra-referido, confessada e confirmada pelo arguido AA),
18.ª Conforme resulta igualmente dos registos do “archive” do “X” (ex-twitter), acessíveis por via dos links já antes indicados, e se dão aqui para todos os devidos e legais efeitos reproduzidos.
19.ª O relatório social do arguido AA nada confirma do por ele pretendido, sendo não só o seu extensíssimo registo criminal, como as circunstâncias concretas, em particular a conduta posterior aos factos e nomeadamente a adoptada na audiência de julgamento, que impedem em absoluto o Tribunal de formular o já referido juízo de prognose favorável quanto a umas suas hipotéticas (e realmente não existentes) vontade e capacidade para não voltar a delinquir, tendo aplicado correctamente o art.º 50.º, n.º 1 e 2 do CP.
20.ª Havendo apreciado e decidido, de forma fundamentada e correcta quer a matéria de facto efectivamente demonstrada quer as soluções de Direito (condenação) pelo crime por que vinham acusados, medida das penas aplicadas e não suspensão da do arguido AA), a sentença recorrida não violou qualquer preceito legal, não cometeu nenhum dos pretensos erros ou vícios que os arguidos lhe pretendem assacar e deve ser por isso integralmente confirmada,
Termos em que
Deve o recurso do arguido AA ora sob resposta ser julgado totalmente improcedente, assim se fazendo inteira JUSTIÇA!»
No que concerne ao recurso interposto pelo arguido BB, a assistente concluiu nos mesmíssimos moldes, apenas não constando na resposta respetiva a conclusão 19ª que apresentara na resposta ao recurso do outro arguido.
VI. Neste Tribunal da Relação de Lisboa foram os autos ao Ministério Público, tendo sido emitido parecer no qual se concluiu pelo não provimento dos recursos e pela confirmação da decisão recorrida.
VII. Cumprido o disposto no art.º 417.º/2 do Código de Processo Penal, a assistente secundou o parecer do Ministério Público e os arguidos mantiveram as suas alegações recursivas.
VIII. Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência.
Cumpre decidir.
OBJECTO DO RECURSO
O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição deste tribunal, delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º/2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995).
Desta forma, tendo presentes tais conclusões, são as seguintes as questões a decidir por referência a cada um dos recursos:
A) Recurso de AA:
1. Erro de julgamento.
2. Preenchimento do tipo legal de crime.
3. Adequação da medida da pena
4. Suspensão da execução da pena de prisão
B) Recurso de BB
1. Vício do artº 410º, nº 2, al. a), do CPP.
2. Erro de julgamento.
3. Violação do princípio in dúbio pro reo.
4. Adequação da medida da pena
DA SENTENÇA RECORRIDA
Da sentença recorrida consta o seguinte:
«II - FUNDAMENTAÇÃO
Matéria de facto provada
De relevante para a discussão da causa, resultou provada a seguinte matéria de facto:
1. Os arguidos AA e BB eram à data dos factos infra descritos, titulares das páginas da rede social “twitter” com os “vanity name” @AA… e @BB…, respectivamente.
2. Tais contas eram públicas e acessíveis a quem as quisesse consultar.
3. Por razões e em contexto não concretamente apurados, no dia 17 de Fevereiro de 2022, cerca das 17H03 o arguido AA em resposta a uma intervenção de natureza e teor não determinados publicado por um indivíduo com a “vanity name” @BB…, na rede social “Twitter”, publicou na sua página o seguinte comentário: “E prostituição forçada das gajas do Bloco”.
4. Em reacção ao referido comentário, o arguido BB respondeu na sua página: “Concordo. Incluam as do PCP, MRRP, MAS e PS”.
5. A partir desse momento, estabeleceu-se uma conversa na referida rede social entre ambos, sendo que em resposta ao comentário antes mencionado e ao referido indivíduo titular da página “vanity name” @BB…, o arguido AA escreveu: “Tudo, tipo arrastão”.
6. Retorquindo, o arguido BB escreveu: “A GG terá tratamento VIP” e “Servirão para motivar as tropas”.
7. Em consequência dos comentários publicado pelo arguido AA, a rede social “Twitter”, suspendeu a sua conta com o “vanity name” @AA….
8. Os arguidos agiram com o propósito de, utilizando as redes sociais acessíveis a um número indeterminado de pessoas, apodar de prostitutas todas mulheres dos partidos políticos Bloco de Esquerda, PCP, MRRP, MAS e PS e em especial GG, o que quiseram.
9. Sabiam os arguidos que, com conotação que faziam das referidas “mulheres” à prostituição, ofendiam como ofenderam, a honra e consideração de todas as militantes dos referidos partidos e em especial a GG, por estas serem membros de partidos que perfilham ideologias política de esquerda, mas sobretudo, por serem mulheres.
10. Em todas as condutas, agiram os arguidos de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo da sua reprovabilidade em termos penais.
Mais se provou que:
11. GG, ora assistente, tinha à data dos factos em causa nos autos, participação política activa, tendo sido candidata pelo partido Movimento Alternativa Socialista às eleições legislativas.
12. O arguido AA publicou na revista Sábado no dia 21 de Fevereiro de 2022 um artigo denominado de “Direito de Resposta – Direito de Resposta de AA”, datado de 18 de Fevreiro de 2022 com o teor constante de fls. 84 que aqui se dá por integralmente reproduzido.
13. No decurso da prestação de declarações por parte da ora assistente, e quando a mesma relatou os sentimentos por si vivenciados por via dos factos em causa nos autos, os arguidos não evidenciaram qualquer manifestação de empatia pela mesma, sorrindo em alguns momentos.
14. Consta do relatório social elaborado pela DGRSP a propósito do arguido BB que percurso de vida daquele tem sido pautado pelo investimento na trajetória profissional e estabilidade familiar. Relativamente ao presente processo, BB distancia-se de qualquer ligação ao coarguido e nega qualquer relacionamento com o mesmo, não obstante se conheçam e se sigam mutuamente nas redes sociais. Como pontos positivos destaca-se que BB apresenta um enquadramento profissional e económico equilibrado e uma rede familiar que representa um suporte afetivo-emocional. As relações interpessoais que estabelece a par com a suas convicções poderão constituir-se como um ponto negativo na sua vivência atual.
15. Do certificado do registo criminal do arguido nada consta.
16. Consta do relatório social elaborado pela DGRSP a propósito do arguido AA que este provém de um meio familiar estruturado, de nível socioeconómico e cultural médio, tendo o seu processo de socialização sido marcado, a partir da adolescência, pela identificação e adesão a uma cultura grupal de cariz ideológico nacionalista e contra os costumes e valores liberais individuais, que lhe moldou e definiu o comportamento, manifestando desde a adolescência, condutas agressivas na defesa dos seus princípios, tendo tido contacto com a Justiça Penal ainda enquanto jovem adulto. Ainda que, na atualidade, AA verbalize o seu afastamento de contextos de cariz ideológico em organizações nacionalistas, ao longo do seu percurso vivencial investiu em atividades de persuasão e de liderança ideológica nesse tipo de organizações, mais recentemente através das redes sociais. Relativamente a familiares e às pessoas que lhe são próximas, AA expressa sentimentos favoráveis, considerando que lhe transmitem estabilidade e segurança afetiva e funcional. Em sintonia dispõe do apoio incondicional da mãe. Como fatores de estabilidade assinalam-se o apoio familiar e a integração laboral, ainda que sem vínculo laboral. Como características de funcionamento pessoal, destacam-se a capacidade de iniciativa de AA e de liderança, embora denote tendência para a impulsividade no plano interpessoal. No confronto com situações relacionadas com o seu percurso de vida denota capacidade para avaliar causas e consequências de condutas que, atualmente, considera serem do passado. Face ao exposto, o processo de adaptabilidade socio normativa de AA parece estar essencialmente dependente da alteração da sua forma de pensar e de agir e da vontade de superar vulnerabilidades pessoais que, na atualidade, continua a reconhecer, ainda que verbalize ter, entretanto, abandonado.
17. Do certificado do registo criminal do arguido consta que o mesmo já foi julgado e condenado no âmbito do:
a. Processo n.º 704/03.6JDLSB, do Tribunal de Comarca de Lisboa- 5ª Vara - 2ª Secção, por decisão proferida no dia 19.07.2006 e transitada em julgado em 04.09.2006, pela prática, em concurso efetivo, de 1 crime de detenção de arma proibida, por factos ocorridos em 14.01.2003, e de 1 crime de extorsão na forma tentada e de 2 crimes de sequestro, por factos ocorridos em 11.12.2003, na pena única principal de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por 4 anos, julgada extinta pelo seu cumprimento.
b. No Processo n.º 65/06.1SLSB, do 2.º Juízo de Pequena Instância Criminal de Loures, por decisão proferida no dia 16 de Julho de 2007 e transitada em julgado em 31 de Julho do mesmo ano, pela prática, em concurso efetivo, de 1 crime de detenção ilegal de arma e de 1 crime de detenção ou tráfico de armas proibidas, por factos ocorridos em 5 de Maio de 2006, na pena única de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por 5 anos, julgada extinta pelo seu cumprimento.
c. No Processo n.º 1706/04.0PTLSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - 2ª Vara Criminal, por decisão proferida no dia 3 de Outubro de 2008 e transitada em julgado em 5 de Novembro do mesmo ano, pela prática, em concurso efectivo, de 1 crime de introdução em lugar vedado ao público, de 1 crime de dano qualificado, de 1 crime de discriminação racial ou religiosa, de 1 crime de coacção agravada, de 1 crime de detenção de arma proibida, de 1 crime de ofensa à integridade física grave qualificada, de 2 crimes de ameaça, por factos ocorridos em 2004 (os crimes de discriminação racial, coação agravada e ameaça em 11 de Outubro do mesmo ano), na pena de 4 anos e 10 meses de prisão e na pena de 45 dias de multa, à taxa diária de 10 euros, no total de 450 euros.
d. No Processo n.º 460/05.3GCMFR, do Tribunal Judicial da Comarca do Baixo Vouga - Juízo de Instância Criminal de Estarreja, por decisão proferida em 20 de Fevereiro de 2009 e transitada em julgado em 15 de Janeiro de 2010, pela prática, em concurso efectivo, de 1 crime de detenção de arma proibida (por factos ocorridos em 24 de Junho de 2005) e de 1 crime de dano simples (por factos ocorridos em 24 de Julho de 2005), na pena de 48 períodos de prisão por dias livres.
e. No Processo n.º 726/07.8TALRS, do 1.º Juízo Criminal de Loures, por decisão proferida em 15 de Julho de 2010 e transitada em julgado em 30 de Setembro do mesmo ano, pela prática de 1 crime de detenção de arma proibida, por factos ocorridos em 6 de Junho de 2006, na pena de 220 dias de multa, à taxa diária de 2 euros, no total de 440 euros, julgada extinta pelo seu cumprimento.
f. No Processo n.º 5759/07.1TDLSB, da 4ª Vara Criminal de Lisboa, por decisão proferida em 31 de Janeiro de 2011 e transitada em julgado em 2 de Março de 2011, pela prática de 1 crime de difamação agravada, por factos ocorridos em 1 de janeiro de 2007, na pena de 4 anos e 10 meses de prisão e de 45 dias de multa, à taxa diária de 10 euros, no total de 450 euros, depois de efetuado o cúmulo destas penas com as penas aplicadas no Processo n.º 1706/04.0PTLSB, pena de multa esta julgada extinta pelo seu cumprimento.
g. No Processo n.º 14/09.5TELSB, do Tribunal de Família e Menores de Loures- 1ª Vara de Competência Mista de Loures, por decisão proferida em 18 de agosto de 2010 e transitada em julgado em 18 de Abril de 2011, pela prática, em concurso efetivo, de 1 crime de roubo, de 1 crime de roubo qualificado, de 2 crimes de sequestro e de 1 crime de coação na forma tentada, por factos ocorridos em 2008, na pena única de 6 anos e 10 meses de prisão.
h. No Processo n.º 14/09.5TELSB, do Tribunal de Família e Menores de Loures- 1ª Vara de Competência Mista de Loures, por decisão proferida em 19 de Dezembro de 2012 e transitada em julgado em 21 de Janeiro de 2013, foram cumuladas as penas aplicadas no Processo n.º 14/09.5TELSB com as penas aplicadas ao arguido nos Processos n.º 460/05.3GCMFR, 1706/04.0PTLSB e 5759/07.1TDLSB, tendo sido condenado na pena única de 10 anos de prisão efetiva. Quanto à pena de prisão efetiva aplicada neste processo, por decisão proferida pelo Tribunal de Execução de Penas de Lisboa- 4.º Juízo, no dia 1 de Abril de 2016 e transitada em julgado em 4 do mesmo mês e ano, foi concedida a liberdade condicional a partir de 22 de Junho de 2016.
i. No Processo n.º 2178/14.7TDLSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa- Juízo Central Criminal de Lisboa-J22, por decisão proferida em 27 de Junho de 2016 e transitada em julgado em 2 de Novembro do mesmo ano, pela prática de 1 extorsão na forma tentada, por factos ocorridos em 30 de Novembro de 2013, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão.
Por decisão proferida pelo Tribunal de Execução de Penas de Lisboa- 2.º Juízo no dia 17 de Maio de 2017 e transitada em julgado em 18 do mesmo mês e ano, foi concedida a liberdade condicional a partir de 2 de Maio de 2017.
j. No Processo n.º 17/18.9LBLSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo de Pequena Instância Criminal de Lisboa-J4, por decisão proferida em 15 de Junho de 2022 e transitada em julgado em 15 de Julho do mesmo ano, pela prática de 1 crime de difamação agravada, por factos ocorridos em 17 de Março de 2018, na pena de 350 dias de multa, à taxa diária de 8 euros, no total de 2.800 euros, julgada extinta pelo seu cumprimento.
k. No Processo n.º 708/18.4PECSC, do Tribunal de Comarca de Lisboa Oeste- Juízo Local Criminal de Cascais-J2, por sentença proferida em 10 de Julho de 2023 e transitada em julgado em 25 de Setembro do mesmo ano, pela prática de 2 crimes de ameaça agravada, por factos ocorridos em 8 de Dezembro de 2018, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na execução por 1 ano.
l. Em 18 de Março de 2009, o arguido AA iniciou o cumprimento da pena de 10 anos de prisão que lhe foi aplicada no Processo n.º 14/09.5 TELSB, tendo-lhe concedida liberdade condicional aos 5/6 da referida pena, em 22 de Junho de 2016.
m. Em 22 de Junho de 2016, o arguido AA ficou em prisão preventiva à ordem do processo 2178/14.7 TDLSB.
n. O arguido AA esteve preso à ordem do Processo N.º 2178/14.7TDLSB, ininterruptamente, desde 22 de Junho de 2016 a 2 de Maio de 2017, data em que lhe foi concedida a liberdade condicional pelo período de tempo que que lhe faltava cumprir, ou seja, até 21 de Novembro de 2020.
Matéria de facto não provada
Não existem factos não provados com relevo para a decisão da causa.
*
Consigna-se que não se fez constar dos factos assentes e não assentes factos conclusivos, bem como matéria irrelevante para a boa decisão da causa ou meramente instrumental para a mesma, em face dos factos que se consideraram provados.
Fundamentação da matéria de facto
O Tribunal formou a sua convicção na ponderação, à luz das regras da experiência comum e na livre convicção do julgador, da análise crítica e conjugada do conjunto da prova produzida, nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.
A livre apreciação da prova não se confunde com apreciação arbitrária da prova, pois que tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios de experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
Os arguidos ao abrigo de um direito que lhes assiste não prestaram declarações.
A assistente prestou declarações, de uma forma que se revelou objectiva, relatando como teve conhecimento dos factos em causa nos autos e os sentimentos por si vivenciados por via da sua ocorrência. Referiu que não conhece os arguidos pessoalmente mas somente da comunicação social e das redes sociais. Na altura dos factos, recebeu uma chamada de NN que lhe dava conta de uma conversa entre estes dois arguidos, na rede social da Twitter e que era aquele que está em causa nos autos. Também tinha conta na rede social. Em Janeiro desse ano tinha sido candidata pelo partido político MAS às eleições legislativas intervindo no debate de partidos sem assento parlamentar. Tinha “ganho alguma visibilidade como militante anti-fascistas”. Já conhecia a conta que imputa como sendo do arguido AA em data anterior a dos factos s em causa nos autos pelas publicações que eram feitas. Naquela viu publicações da filha do arguido, referências ao facto de que a conta seria eventualmente banida, reacções de outros utentes da mesma rede social que iam publicando o que naquela conta ia sendo publicado. Alterou os seus hábitos diários por via do teor das publicações. Na sequência da apresentação da queixa é que soube do cancelamento da conta cuja titularidade imputa ao arguido AA, sendo que este teve duas contas a coexistir ao mesmo tempo. Refere ainda o direito de resposta publicado na revista sábado.
A titularidade das contas em causa nos autos por parte dos arguidos decorre, no que respeita ao arguido AA, desde logo, do teor do auto de análise de prova digital junto a fls. 166 a 176 em que por via da análise aos equipamentos ali enunciados (cartão de memória, cartão Sim e telemóvel), apreendidos ao arguido no âmbito de outro processo judicial, foi possível constatar que o arguido em conversações no WhatsApp, admite que a conta da rede social Twitter @AA… é sua (“Epaa o Twitter deu-me razão e devolveu-me a conta” (13 de Setembro de 2021) e outra referindo “Segue-me na conta principal @AA…” (17 de Setembro de 2021) - fls. 172 a 175 - e em emails naqueles equipamentos existentes, provenientes da plataforma Twitter, constam informações sobre aquela conta (bloqueio de conta, redefinição de password, etc). No histórico, foram também localizadas 2 entradas de URL´s para a página de twitter com o perfil @AA….
Este meio de prova elaborado com base na apreensão de equipamentos determinada e autorizada no âmbito de outro processo judicial, pode nos presentes autos ser tida em conta uma vez que foi devidamente autorização a sua utilização (cfr. fls. 160 a 161 dos autos).
Também as declarações da assistente GG e o depoimento das testemunhas CC, OO, DD e NN, permite ao Tribunal concluir pela titularidade da conta pelo arguido AA.
De facto, a assistente nas suas declarações demonstrou acompanhar a conta acima referida desde data anterior ao evento e referiu que a conta era utilizada para a partilha de fotos pessoais do arguido AA, inclusive da sua família, com comentários de seguidores e respostas em tom familiar.
Por conseguinte, todos estes elementos permitem concluir que a conta Twitter com o vanity name “@AA…” era titulada pelo AA desde a sua criação até à sua suspensão, incluindo na data em causa nos autos.
Quanto à titularidade da conta Twitter com o vanity name “@BB...” resulta dos documentos de fls. 11 e 25 ((print da conversa respeitante aos factos em causa nos autos) e dos documentos de fls. 35 a 49 ((prints das reproduções das publicações da referida conta), uma vez que de tais elementos decorre existência de uma conta no Twitter com o vanity name “BB…” aberta em Dezembro de 2020, com publicações desde 14 de Novembro de 2021 até Março de 2022.
Da análise destes documentos e da sua conjugação com a reprodução da fotocópia do cartão de cidadão do arguido BB, junta a fls. 61, também se verifica que o arguido BB surge como sendo o titular da conta acima referida, atendendo à integral coincidência da pessoa representada na fotografia do cartão de cidadão deste arguido junta a fls. 61 com a pessoa representada na fotografia principal da página associada àquela conta (fotografia de corpo inteiro do arguido BB), bem como na pessoa que se apresentou em audiência de julgamento.
Ademais, da análise dos documentos de fls. 35 a 49 verifica-se que, na conta com o vanity name @BB..., surgem várias publicações (imagens de 30 de Novembro de 2021 fls. 47 verso - e de 13 de Dezembro de 2021 fls. 46, de 24 de Dezembro de 2021 fls. 44, de 22 de Fevreiro de 2022 fls. 39, e de 23 de Março de 2022 fls. 34), onde o sujeito representado coincide na íntegra com o sujeito representado na fotografia do cartão de cidadão do arguido BB. O autor de tais publicações legenda as fotografias publicadas como sendo o sujeito representado por tais imagens, falando diretamente na 1ª pessoa - “Desejo”, “A ler”- ou falando estilisticamente na 2ª pessoa do singular, embora se refira, na verdade, a si próprio- “Tu quando conheces o teu ídolo” – esta em legenda a uma fotografia em que é retratado com o arguido AA) .
Tais factos, aliados às regras da experiência comum, permitem ao Tribunal concluir que a conta com o vanity name @BB... foi aberta pelo arguido BB e tem vindo, desde a sua abertura, a ser titulada pelo mesmo, sendo, por conseguinte, o arguido BB o titular de tal conta na data dos factos em causa nos autos.
Que as contas eram públicas e acessíveis a quem as quisesse consultar, resulta da conjugação das declarações da assistente com os depoimentos das testemunhas CC, OO, DD, NN.
E a prática dos factos pelos arguidos resulta, por um lado, do documento de fls. 11 e 25 (print das ditas conversas em questão), tendo o conteúdo das conversas aí descritas sido igualmente confirmado pela assistente GG e pelas testemunhas OO, NN e FF (que viram tais conversas diretamente, enquanto navegavam na rede social Twitter), CC e DD (que viram a conversa reproduzida em prints) e EE (que teve conhecimento do conteúdo de tais conversas através da Internet- redes sociais).
Ademais, as observações acima feitas acerca da efectiva titularidade das contas intervenientes na conversa (contas Twitter com os vanity name @AA… e @BB...) permitem concluir que foi o arguido AA, enquanto utilizador e titular da conta @AA..., a publicar os comentários “E prostituição forçada das gajas do Bloco” e “Tudo tipo arrastão” e que foi o arguido BB, enquanto utilizador e titular da conta @BB…, a publicar os comentários ““Concordo. Incluam as do PCP, MRPP, MAS e PS” e ““A GG terá tratamento VIP” e “Servirão para motivar as tropas”.
Cumpre também referir que o direito de resposta publicado na página de Telegram do arguido AA datado de 18 de Fevereiro de 2022 (fls. 52) e no Jornal Público (fls. 54) corroboram a autoria dos comentários acima mencionados, uma vez que o arguido AA refere que os mesmos terão sido publicados a título humorístico e que a denúncia de GG apenas deve ser vista como uma forma de limitar a sua actuação nas redes sociais.
De acordo com as regras da experiência comum, alguém que não seja o autor de tais publicações não publicaria um texto de direito de resposta com o teor como aquele que o arguido AA fez.
A suspensão da conta resulta da informação junta a fls. 35, tendo sido igualmente confirmado pela assistente GG.
Os factos relativos ao elemento subjectivo, decorrem da conjugação da prova produzida com as regras da experiência comum e as presunções ligadas ao princípio da normalidade.
De facto, ditam-nos tais regras e presunções que, ao actuarem como actuaram, e ao dirigirem os comentários com o conteúdo acima mencionado, através da rede social Twitter, os arguidos não agiram com mero intuito humorístico (o que é alegado pelo arguido AA no seu direito de resposta). Actuaram antes com o intuito de ofender, através desta rede social, a assistente GG e todas as mulheres que, à semelhança da assistente, tinham vida política ativa e faziam parte do Bloco de Esquerda, Partido Socialista, do Movimento Alternativa Socialista, do Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses e do Partido Comunista Português, apelidando-as de prostitutas e conotando-as com a actividade da prostituição, ofendendo-as não só por partilharem de ideias políticas distintas mas, sim, e sobretudo, pelo facto de, serem mulheres. Ditam-nos também as regras da experiência comum e as presunções ligadas à normalidade que os arguidos sabiam que quiseram ofender a assistente e as mulheres dos partidos acima mencionados da forma como ofenderam e sabiam que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Tais factos são também reforçados pelo próprio direito de resposta acima mencionado (que faz alusão à assistente GG como sendo “ uma senhora de extrema-esquerda radical que anda a ser catapultada pelos avançados do regime através da comunicação social …”) e da imagem retirada da conta Telegram do arguido AA, com o endereço https://AA… (fls. 55/56), na qual surgem os dois arguidos com uma máquina de lavar-roupa, um fogão, um ferro de engomar e uma vassoura e na qual constam as legendas “GG, faz-me uma sandes” e “Luta contra o matriarcado”, ao lado de uma publicidade à marcha do Dia Internacional das Mulheres agendada para o dia 8 de Março de 2022 que havia sido partilhada pela assistente no Twitter no dia 17 de Fevereiro de 2022. De facto, com estas imagens, o arguido AA não faz mais do que apelar ao papel de GG e das mulheres em geral como domésticas e dedicadas ao governo do lar, numa posição subalterna em relação ao homem, desvalorizando, assim, o papel da mulher como cidadã activa, social, profissional e laboralmente inserida e com as mesmas oportunidades do que o homem, atitude esta que reforça o verdadeiro intuito das publicações acima mencionadas.
Cumpre também referir que a circunstância de os arguidos, com a sua conduta, terem ofendido as mulheres militantes do MAS, do PCP, do BE, do MRPP e do PS e, em particular, da assistente foi confirmada não só pela assistente GG como pelos depoimentos das testemunhas CC, OO, DD, NN, FF e EE. De facto, quer a assistente quer todas estas testemunhas afirmaram que, ao serem apodadas de prostitutas, enquanto militantes dos referidos partidos, se sentiram ofendidas na sua honra e consideração, não só pelo facto de serem militantes destes partidos como ainda, e sobretudo, pelo facto de serem mulheres.
O facto relativo à falta de empatia demonstrada pelos arguidos resulta do que foi permitido constatar em sede de audiência de julgamento, sendo ponto assente que a comunicação não se estabelece apenas por palavras mas também pela postura corporal dos interlocutores e que estas devem ser apreciadas no contexto da mensagem em que se integram. Trata-se de um acervo de informação não verbal e dificilmente documentável face aos meios disponíveis, mas imprescindível e incindível para a valoração da prova produzida e apreciada, segundo as regras de experiência comum.
Foi possível constatar que no decurso das declarações da assistente, em alguns momentos, o arguido AA abana a cabeça e sorri no que é acompanhado pelo arguido BB.
Atendeu-se ao teor dos relatórios sociais elaborados pela DGRSP no que respeita às condições socioeconómicas dos arguidos e aos certificados dos registos criminais no que respeita aos antecedentes criminais.
Atendeu-se ainda ao teor das certidões de fls. 229 a 234, 235 a 271 e 274 a 329».
FUNDAMENTAÇÃO
1. Considerações comuns a ambos os recursos
É sabido que em face do nosso quadro normativo, a decisão da primeira instância pode ser modificada (artigo 431.º/b) por duas vias diferentes:
Ou através da invocação dos vícios referenciados no artigo 410.º/2 do CPP (a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova, onde, consabidamente, se vem inserindo a violação do princípio in dubio pro reo), vícios, aliás, de conhecimento oficioso, no que se vem denominando de “revista alargada”.
Ou mediante o que se vem denominando de “impugnação ampla”, procedendo-se à invocação de erros de julgamento, de harmonia com o estatuído no artigo 412.º/3 e 4 do mesmo diploma.
No caso dos vícios do artigo 410.º/2 do CPP estamos perante vícios da decisão, sendo que qualquer das situações aí mencionadas se traduzem em deficiências na construção e estruturação da decisão e ou dos seus fundamentos, maxime na sua perspetiva interna, não sendo por isso o domínio adequado para discutir os diversos sentidos a conferir à prova.
Qualquer um dos vícios previstos no n.º 2 do referido artigo 410.º do CPP, é inerente ao silogismo da decisão e apenas dela pode ser apurado em face da mesma - não sendo possível o recurso a outros elementos que não o texto da decisão, para sua afirmação - ainda que conjugado com as regras da experiência - sendo a consequência lógica e imediata, da sua existência, salvo o caso de ser possível conhecer da causa, o reenvio do processo, nos termos do estatuído no artigo 426.º CPP.
Na sequência lógica destes pressupostos, a sua emergência, como resulta expressamente referido no artigo 410.º/2 CPP, terá que ser detetada do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum.
Em sede de apreciação dos vícios do artigo 410.º do CPP, não está em causa a possibilidade de se discutir a bondade do que se considerou provado ou não provado, a maior ou menor abundância de prova para sustentar um facto.
Qualquer dos vícios do artigo 410.º/2 C P Penal, pressupõe uma outra evidência, não podendo ser confundidos com uma suposta insuficiência dos meios de prova para a decisão tomada em sede de matéria de facto, nem podem emergir da mera divergência entre a sua convicção pessoal sobre a prova produzida em julgamento e a convicção que o tribunal firmou sobre os factos, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova inserto no artigo 127.º do CPP.
2. Pretendem ambos os recorrentes, ainda que em moldes diversos, impugnar o julgamento sobre a matéria de facto nos termos prescritos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do CPP.
Nesta situação a apreciação do Tribunal ad quem alarga-se à análise da prova produzida em audiência, mas com os limites impostos pela norma invocada.
Nos termos deste preceito,
“1 - A motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

3 - Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõe decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
4 - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata nos termos do nº 2 do art.º 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.

6 - No caso previsto no n.º 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.”
Assim, nos termos do normativo acabado de citar, incumbe sobre o recorrente que pretende impugnar amplamente a matéria de facto “o ónus de uma tripla especificação, a saber: a especificação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; a especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; a especificação das provas que devem ser renovadas [esta, nos termos do art.º 430º, nº 1 do C. Processo Penal, apenas quando se verificarem os vícios da sentença e existam razões para crer que a renovação permitirá evitar o reenvio], acrescendo, relativamente às concretas provas, que quando tenham sido gravadas, as duas últimas especificações devem ser feitas por referência ao consignado na ata, com a concreta indicação das passagens em que se funda a impugnação, devendo todas estas especificações constar ou poder ser deduzidas das conclusões formuladas…” - cf. Ac. do TRC de 06-07-2016, proc. n.º 340/08.0PAPBL.C1, www.dgsi.pt.
Em síntese, o recorrente tem o ónus de expressamente indicar, de acordo com o disposto no artigo 412.º/3, do CPP:
i) Os factos individualizados que constam da sentença recorrida e que considera incorretamente julgados;
ii) O conteúdo específico do meio de prova e com a explicitação da razão pela qual essas provas impõem decisão diversa da recorrida; e
iii) Se for caso disso, os meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda, no âmbito dos vícios previstos no artigo 410.º/2, do CPP, e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. o artigo 430.º/1, do CPP).
No que tange às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente o ónus de, havendo gravação das provas, as mesmas deverem ser efetuadas com referência ao consignado na ata (caso funde as razões da sua discordância em prova gravada), com a concreta indicação das passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, não bastando a simples remissão para a totalidade de um ou vários depoimentos, pois são essas concretas passagens que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes, nos termos dos nºs 4 e 6 do artigo 412.º, do CPP.
Por outro lado, a procedência da impugnação, com a consequente modificação da decisão sobre a matéria de facto, não se satisfaz com a circunstância de as provas produzidas possibilitarem uma decisão diversa da proferida pelo tribunal a quo. Este decide, salvo existência de prova vinculada, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção, e por isso, não é suficiente para a pretendida modificação da decisão de facto que as provas especificadas pelo recorrente permitam uma decisão diferente da proferida pelo tribunal, sendo imprescindível, para tal efeito, que as provas especificadas pelo recorrente imponham decisão diversa da recorrida.
E a demonstração desta imposição recai igualmente sobre o recorrente, que deve relacionar o “conteúdo específico de cada meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorretamente julgado” (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, pág. 1135).
Como se refere no ac. do TRC de 12-07-2023 (proc. n.º 982/20.6PBFIG.C1, www.dgsi.pt) a impugnação alargada não se satisfaz com “mera discordância do recorrente quanto à valoração feita pelo tribunal recorrido quanto à prova produzida, contrapondo apenas os seus argumentos, críticas, a negação dos factos, suscitando dúvidas – próprias que não do julgador - e não analisando o teor dos depoimentos das indicados nas respetivas passagens da gravação, indicando por que tal facto ou factos devem ser dados como provados ou não provados.”
Analisemos, então, cada um dos recursos.
A) Recurso de AA:
1. Erro de julgamento
Alega o recorrente que o facto provado sob o ponto 8 deve ser dado como não provado.
Fundamenta a sua pretensão na circunstância de as declarações que lhe são imputadas – e cuja autoria não belisca - deverem ser consideradas declarações não sérias e porque as motivações da assistente e das testemunhas são de ativismo político.
O facto provado sob o ponto 8 tem a seguinte redação: Os arguidos agiram com o propósito de, utilizando as redes sociais acessíveis a um número indeterminado de pessoas, apodar de prostitutas todas mulheres dos partidos políticos Bloco de Esquerda, PCP, MRRP, MAS e PS e em especial GG, o que quiseram.
Trata-se de factualidade referente ao dolo subjacente ao crime pelo qual o arguido foi condenado.
Em termos objetivos, provou-se – e este arguido não o questionou - que:
1. Os arguidos AA e BB eram à data dos factos infra descritos, titulares das páginas da rede social “Twitter” com os “vanity name” @AA… e @BB..., respectivamente.
2. Tais contas eram públicas e acessíveis a quem as quisesse consultar.
3. Por razões e em contexto não concretamente apurados, no dia 17 de Fevereiro de 2022, cerca das 17H03 o arguido AA em resposta a uma intervenção de natureza e teor não determinados publicado por um indivíduo com a “vanity name” @BB…, na rede social “Twitter”, publicou na sua página o seguinte comentário: “E prostituição forçada das gajas do Bloco”.
4. Em reacção ao referido comentário, o arguido BB respondeu na sua página: “Concordo. Incluam as do PCP, MRRP, MAS e PS”.
5. A partir desse momento, estabeleceu-se uma conversa na referida rede social entre ambos, sendo que em resposta ao comentário antes mencionado e ao referido indivíduo titular da página “vanity name” @BB…, o arguido AA escreveu: “Tudo, tipo arrastão”.
6. Retorquindo, o arguido BB escreveu: “A GG terá tratamento VIP” e “Servirão para motivar as tropas”.
Em primeiro lugar, o arguido não pôs em causa, como deveria ter feito em coerência com a sua pretensão, o facto provado em 10 (“Em todas as condutas, agiram os arguidos de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo da sua reprovabilidade em termos penais”).
Ainda assim, podem estas expressões ser entendidas como declarações não sérias ou mero exercício humorístico?
A sentença recorrida entendeu que não. E justificou-o assim:
«De facto, ditam-nos tais regras e presunções que, ao actuarem como actuaram, e ao dirigirem os comentários com o conteúdo acima mencionado, através da rede social Twitter, os arguidos não agiram com mero intuito humorístico (o que é alegado pelo arguido AA no seu direito de resposta). Actuaram antes com o intuito de ofender, através desta rede social, a assistente GG e todas as mulheres que, à semelhança da assistente, tinham vida política ativa e faziam parte do Bloco de Esquerda, Partido Socialista, do Movimento Alternativa Socialista, do Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses e do Partido Comunista Português, apelidando-as de prostitutas e conotando-as com a actividade da prostituição, ofendendo-as não só por partilharem de ideias políticas distintas mas, sim, e sobretudo, pelo facto de, serem mulheres. Ditam-nos também as regras da experiência comum e as presunções ligadas à normalidade que os arguidos sabiam que quiseram ofender a assistente e as mulheres dos partidos acima mencionados da forma como ofenderam e sabiam que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Tais factos são também reforçados pelo próprio direito de resposta acima mencionado (que faz alusão à assistente GG como sendo “ uma senhora de extrema-esquerda radical que anda a ser catapultada pelos avançados do regime através da comunicação social…”) e da imagem retirada da conta Telegram do arguido AA, com o endereço https://AA (fls. 55/56), na qual surgem os dois arguidos com uma máquina de lavar-roupa, um fogão, um ferro de engomar e uma vassoura e na qual constam as legendas “GG, faz-me uma sandes” e “Luta contra o matriarcado”, ao lado de uma publicidade à marcha do Dia Internacional das Mulheres agendada para o dia 8 de Março de 2022 que havia sido partilhada pela assistente no Twitter no dia 17 de Fevereiro de 2022. De facto, com estas imagens, o arguido AA não faz mais do que apelar ao papel de GG e das mulheres em geral como domésticas e dedicadas ao governo do lar, numa posição subalterna em relação ao homem, desvalorizando, assim, o papel da mulher como cidadã activa, social, profissional e laboralmente inserida e com as mesmas oportunidades do que o homem, atitude esta que reforça o verdadeiro intuito das publicações acima mencionadas».
Concorda-se com a apreciação da primeira instância.
As expressões em causa, proferidas na rede social Twitter, por si só e/ou conjugadas com a imagem retirada da conta Telegram do arguido ora recorrente, são expressões que visam ofender, rebaixar, conotar com a prostituição.
E têm como destinatários mulheres.
É certo que não são todas as mulheres do mundo, mas apenas aquelas que defendem ideologias de esquerda.
Porém, o que motiva a atuação do arguido não é ofender, rebaixar, vexar, humilhar quem perfilha ideologias de esquerda ou quem é militante ou ativista de esquerda. Note-se que o arguido não se dirige a todos os simpatizantes / militantes / ativistas de esquerda (onde se incluem também pessoas do sexo masculino), mas apenas a quem, de entre eles, é do sexo feminino. Dito doutra forma, apenas as mulheres de esquerda são objeto das palavras do arguido. Palavras essas desprovidas de qualquer sentido de humor e com o intuito óbvio de humilhar: é evidente, segundo os padrões da experiência comum e da sã convivência em sociedade que quem diz “prostituição forçada das gajas …”, “tudo, tipo arrastão” não o faz em tons de mera piada, mas com intuitos pejorativos.
Por outro lado, também está provado – sem censura por parte do ora recorrente – que o seu processo de socialização foi marcado, “a partir da adolescência, pela identificação e adesão a uma cultura grupal (…) contra os costumes e valores liberais individuais” - vide facto 16 -, o que mais reforça a ideia de que o arguido não pretendeu fazer um exercício de humor, mas sim dizer o que verdadeiramente pensa e pretende.
Improcede, assim, o recurso nesta parte.
2. Preenchimento do tipo legal de crime
Entende o recorrente que o crime pelo qual foi condenado não se mostra preenchido porquanto o arguido não quis nem ofendeu todas as mulheres, já que apenas se sentiram ofendidas as ativistas de esquerda no âmbito limitado da sua atividade política.
Refere o artigo 240 do CP, com a epígrafe discriminação e incitamento ao ódio e à violência:
1 - Quem:
a) Fundar ou constituir organização ou desenvolver atividades de propaganda que incitem ou encorajem à discriminação, ao ódio ou à violência contra pessoa ou grupo de pessoas em razão da sua origem étnico-racial, origem nacional ou religiosa, cor, nacionalidade, ascendência, território de origem, religião, língua, sexo, orientação sexual, identidade ou expressão de género ou características sexuais, deficiência física ou psíquica; ou
b) Participar nas organizações referidas na alínea anterior, nas atividades por elas empreendidas ou lhes prestar assistência, incluindo o seu financiamento;
é punido com pena de prisão de um a oito anos.
2 - Quem, publicamente, por qualquer meio destinado a divulgação, nomeadamente através da apologia, negação ou banalização grosseira de crimes de genocídio, guerra ou contra a paz e a humanidade:
a) Provocar atos de violência contra pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua origem étnico-racial, origem nacional ou religiosa, cor, nacionalidade, ascendência, território de origem, religião, língua, sexo, orientação sexual, identidade ou expressão de género ou características sexuais, deficiência física ou psíquica;
b) Difamar ou injuriar pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua origem étnico-racial, origem nacional ou religiosa, cor, nacionalidade, ascendência, território de origem, religião, língua, sexo, orientação sexual, identidade ou expressão de género ou características sexuais, deficiência física ou psíquica;
c) Ameaçar pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua origem étnico-racial, origem nacional ou religiosa, cor, nacionalidade, ascendência, território de origem, religião, língua, sexo, orientação sexual, identidade ou expressão de género ou características sexuais, deficiência física ou psíquica; ou
d) Incitar à discriminação, ao ódio ou à violência contra pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua origem étnico-racial, origem nacional ou religiosa, cor, nacionalidade, ascendência, território de origem, religião, língua, sexo, orientação sexual, identidade ou expressão de género ou características sexuais, deficiência física ou psííquica;
é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos.
3 - Quando os crimes previstos nos números anteriores forem cometidos através de sistema informático, o tribunal pode ordenar a eliminação de dados informáticos ou conteúdos».
Especificamente sobre a alínea b) do nº 2 – preceito que alicerçou a condenação do recorrente -, a conduta do agente traduz-se em difamar, ou injuriar, pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional, ascendência, religião, sexo, orientação sexual, identidade de género ou deficiência física ou psíquica, desde que tal seja feito publicamente, por qualquer meio destinado a divulgação, sendo exemplo dado pelo legislador a apologia, negação ou banalização grosseira de crimes de genocídio, guerra ou contra a paz e a humanidade.
Exige-se a prova do dolo específico do agente, i.e., exige-se que a expressão difamatória ou injuriosa tenha a intenção de incitar à discriminação, por exemplo em função do sexo do visado, sendo necessário que o agente atue com intenção de incitar à discriminação ou de a encorajar.
Seguindo de perto o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07.06.2023, relator Raúl Esteves, disponível no site da dgsi:
«(…a liberdade de expressão surge no nosso ordenamento jurídico com uma eficaz e rigorosa tutela constitucional, iniciando esse diploma fundamental, logo no seu artigo 2º por referir que a República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais (…), reforçando no seu artigo 37º que todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações e que o exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.
A liberdade de expressão é assim um valor/direito que assume a dignidade Constitucional e como refere Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Anotada, pág 573) o direito de expressão é desde logo e em primeiro lugar a liberdade de expressão, isto é o direito de não ser impedido de exprimir-se e de divulgar ideias e opiniões. Neste sentido, enquanto direito negativo ou direito de defesa, a liberdade de expressão é uma componente da clássica liberdade de pensamento. Referem ainda esses autores que a exclusão constitucional da possibilidade de qualquer tipo de limitação ou censura é tão vincado que se exclui obviamente o “delito de opinião” mesmo quando se trate de opiniões que se traduzam em ideologias ou posições anticonstitucionais.
Contudo, e no próprio artigo 37º da CRP, no seu número 3, aponta o legislador constitucional a possibilidade de o exercício do direito de expressão poder envolver responsabilidade criminal, dizendo, e transcreve-se: “As infrações cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respetivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei.”
Tal possibilidade, foi aflorada no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 81/84 (2ª série do DR de 31 de janeiro de 1985) onde se referiu expressamente que: “A liberdade de expressão - como de resto, os demais direitos fundamentais - não é um direito absoluto, nem ilimitado. Desde logo, a proteção constitucional de um tal direito não abrange todas as situações, formas ou modos pensáveis do seu exercício. Tem, antes, limites, imanentes. O seu domínio de proteção pára, ali onde ele possa pôr em causa o conteúdo essencial de outro direito ou atingir intoleravelmente a moral social ou os valores e princípios fundamentais da ordem constitucional (v. neste sentido: J. C. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, 1983, pp. 213 e segs.). Depois, movendo-se num contexto social e tendo, por isso, que conviver com os direitos de outros titulares, há-de ele sofrer as limitações impostas pela necessidade de realização destes. E, então, em caso de colisão ou conflito com outros direitos - designadamente com aqueles que se acham também directamente vinculados à dignidade da pessoa humana [v. g. o direito à integridade moral (artigo 25º, nº 1) e o direito ao bom nome e reputação e à reserva da intimidade da vida privada e familiar (artigo 26º, nº 1)] -, haverá que limitar-se em termos de deixar que esses outros direitos encontrem também formas de realização. Dizer isto é reconhecer que, sendo proibida toda a forma de censura (artigo 37º, nº 2), é, no entanto, lícito reprimir os abusos da liberdade de expressão».
No caso dos autos, já se concluiu supra que as expressões são injuriosas.
E são expressões que consubstanciam uma possível ofensa à honra de um grupo (mulheres que perfilham ideias de esquerda) e não de uma qualquer pessoa individual integradora desse mesmo grupo.
Repete-se que o que motiva a atuação do arguido não é ofender, rebaixar, vexar, humilhar quem perfilha ideologias de esquerda ou quem é militante ou ativista de esquerda. Com os comentários que publica, o arguido não se dirige a todos os simpatizantes / militantes / ativistas de esquerda (onde se incluem também pessoas do sexo masculino), mas apenas a quem, de entre eles, é do sexo feminino. A lei não exige como alvos todas as mulheres do mundo ou sequer do país, bastando-se com um grupo de mulheres, no caso aquelas que, em Portugal, defendem ideologias de esquerda e /ou são militantes /ativistas dessa tendência.
Improcede, também, este argumento recursório.
3. Adequação da medida da pena
Neste particular, conclui o recorrente que foram relevadas circunstâncias agravantes erradas, constantes dos factos 12 e 13, já que, ao atentar-se no direito de resposta, desconsiderou-se o caráter humorístico das expressões por si antes proferidas e as reações do arguido não diferem duma frase jocosa da assistente.
Por outro lado, a pena ultrapassa a culpa do arguido, que apenas atuou com dolo eventual e não direto, como se considerou na sentença recorrida.
Apreciando.
São os seguintes os factos provados em 12. e 13:
12. O arguido AA publicou na revista Sábado no dia 21 de Fevereiro de 2022 um artigo denominado de “Direito de Resposta – Direito de Resposta de AA”, datado de 18 de Fevereiro de 2022 com o teor constante de fls. 84 que aqui se dá por integralmente reproduzido.
13. No decurso da prestação de declarações por parte da ora assistente, e quando a mesma relatou os sentimentos por si vivenciados por via dos factos em causa nos autos, os arguidos não evidenciaram qualquer manifestação de empatia pela mesma, sorrindo em alguns momentos.
Lido por este Tribunal o direito de resposta que consta a fls. 84, o mesmo está assinado por AA, reitera a argumentação de que as publicações são o exercício da ironia e do humor e que “uma senhora da Extrema Esquerda Radical anda a ser catapultada pelos avençados do regime através da comunicação social”, sendo a apresentação da queixa crime um ato “ridículo” e de “auto-promoção óbvia”. Refere que “existe uma tentativa de condicionamento da participação de AA nas redes sociais” e que “não será coincidência que a sua conta no Twitter foi eliminada”.
Já se decidiu, nos anteriores pontos deste acórdão, que as expressões usadas pelo arguido não têm caráter humorístico, antes visando ofender na honra e consideração.
No que concerne ao ponto dado como provado sob o número 13, e com todo o respeito, a sua redação não é de todo feliz, já que não se refere a um facto, mas a uma constatação feita pela Meritíssima Juíza aquando do julgamento.
Dos pontos de facto nº 9 e 10 facilmente se conclui que o arguido atuou com dolo direto e não com dolo eventual.
A medida da pena é fixada de acordo com os critérios determinativos constantes dos arts. 70º e 71º do CP.
No caso dos autos, a moldura penal abstrata é de prisão de 6 meses a 5 anos.
Lê-se na sentença recorrida que:
«A prevenção geral afigura-se elevada, tendo em conta o crescente índice de cometimento deste tipo de crimes na nossa sociedade e o sentimento de impunidade muitas vezes ao mesmo associado, sendo que as manifestações de intolerância expressas através de actos que integram ilícitos criminais, exigem uma reacção firme por parte das instâncias judiciais em defesa da ordem jurídica e do Estado de Direito democrático.
No que tange à prevenção especial de socialização, ressalta que os arguidos não prestaram declarações, não admitindo assim os factos em causa nos autos, nem manifestando qualquer arrependimento.
O arguido AA tem antecedentes criminais registados pela prática de crime da mesma natureza bem como pela prática de crimes de natureza diversa.
(…)
De acordo com o teor dos relatórios sociais estão inseridos social, profissional e familiarmente.
Na ponderação da pena concretamente aplicável devem ser atendidos os critérios estabelecidos nos artigos 71.º e 72.º do Código Penal, sendo que a pena deve ser determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção especial de socialização e geral de integração que ao caso se imponham, atendendose a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, deponham a favor ou contra o arguido.
A pena concreta há-de pois, fixar-se entre um limite mínimo e um limite máximo sempre adequados à culpa, tendo como referencial os mencionados fins de prevenção geral e especial.
Há que ter em conta a ilicitude que se revela elevada, tendo em conta o teor das expressões proferidas (“prostituição forçada”, “tipo arrastão”; “servirão para motivar as tropas”). Actuaram com dolo directo, ou seja, na sua forma mais gravosa, sendo exigível a ambos uma actuação diversa.
Assim, ponderando, então, todo o circunstancialismo descrito, sopesando as atenuantes e, globalmente, a culpa dos arguidos, sendo esta reconduzível a um juízo valorativo que atende a todos os elementos aduzidos e conjugando-os com regras de experiência comum e com apelo, ainda, a elementos relativos à lógica, à moral e ao direito, entende o Tribunal, como justa, adequada e necessária a condenação dos arguidos nas seguintes penas:
- o arguido AA na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão.
(…)».
Em primeiro lugar, não se faz aqui qualquer referência à constatação levada aos factos provados sob o ponto 13. Mas ainda que essa perceção tivesse sido considerada – para efeitos de apuramento da personalidade que o arguido evidenciara em julgamento -, qualquer comentário jocoso da assistente não o legitimaria. E, bem vistas as coisas, o que o recorrente alega é que a assistente, a propósito do direito de resposta publicado pelo arguido, disse “Ele escreve na 3ª pessoa, mas isso o HH também faz”. O arguido, surpreendentemente, melindra-se com uma mera frase deste teor quando escreve frases de maior gravidade. Resta saber, querendo efetivamente a assistente escarnecer de alguém, quem seria na verdade a pessoa visada com a referida frase. Fosse quem fosse, nada justificaria a conduta do arguido.
A pena fixada foi-o em medida que nos parece adequada e proporcional, atentas as razões expressas na sentença, que se sufragam, nenhum reparo havendo a fazer.
Consequentemente, também improcede o recurso nesta parte.
4. Suspensão da execução da pena de prisão
O recorrente pugna que a pena de prisão deve ser suspensa na sua execução.
Sublinhou a sua estabilidade, a sua segurança afetiva e emocional e a sua integração laboral.
Dispõe o art.º 50º, nº 1, do CP, que o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Neste particular, consta na sentença recorrida que:
«Já no que respeita ao arguido AA há que ter em conta que o arguido tem uma longa e persistente carreira criminal que teve início em 2003, tendo o arguido actualmente 47 anos de idade. Já foi condenado por crime de natureza diversa, em penas de multa, prisão suspensa na sua execução e prisão.
No âmbito do proc. n.º 2178/14.7TDLSB foi-lhe concedida liberdade condicional em 02-05-2017 até 21-11-2020. Praticou os factos pelos quais vai condenado nos presentes autos, cerca de 15 meses após o termo da liberdade condicional. No decurso do período de liberdade condicional praticou outros dois crimes (sendo um de natureza relacionada com aquele em que é condenado nos presentes autos, na medida em que no proc. n.º 17/18.9JBLSB foi condenado pela prática de um crime de difamação agravada), pelos quais veio a ser condenado por decisões transitadas em julgado em data posterior à dos factos em causa nos presentes autos.
Não prestou declarações, pelo que não assumiu a prática dos factos não demonstrando arrependimento. Não evidenciou qualquer sentimento de empatia para com a assistente nos presentes autos.
Como resulta do relatório social elaborado pelos serviços da DGRSP o processo de adaptabilidade socio normativa de AA parece estar essencialmente dependente da alteração da sua forma de pensar e de agir e da vontade de superar vulnerabilidades pessoais que, na atualidade, continua a reconhecer, ainda que verbalize ter, entretanto, abandonado.
Ora, a actuação do arguido nos presentes autos, quer por via dos factos em concreto praticados, considerando o bem jurídico atingido e cuja validade da norma que o protege tem de ser reafirmada, quer por via da não assunção das suas responsabilidades, quer por via da ausência de empatia para com a assistente, não permite ao Tribunal concluir por um juízo de prognose favorável quanto à sua capacidade para não voltar a delinquir, pelo que não se suspende a pena de prisão em que é condenado.
Se deve privilegiar-se a socialização em liberdade, não é menos certo que a defesa do ordenamento jurídico não pode ser postergada, sob pena de se sacrificar a função de tutela de bens jurídicos que a pena, irrenunciavelmente, desempenha (neste sentido, cfr. Ac do TRL de 9-02-2023 proferido no proc. n.º 80/21.5PCLRS.L1-9 in www.dgsi.pt)».
Considerando todo o descrito circunstancialismo factual, o Tribunal recorrido, em face delas, não se convenceu que o arguido irá afastar-se da prática de novos crimes. Não concluiu que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
E fê-lo com acerto, sufragando-se, nesta parte, a decisão recorrida: os antecedentes criminais do recorrente afastam a possibilidade de aplicação de qualquer pena que não seja de prisão, a cumprir efetivamente em estabelecimento prisional.
Na verdade, as condenações constantes no certificado de registo criminal do recorrente, elencadas na sentença em sede de factos provados e acima mencionadas, espelham um carreira criminosa e uma insensibilidade face às primeiras condenações, que nada serviram para que alterasse a sua conduta e repensasse o seu modo de vida, pelo que é manifesto que qualquer pena que não seja a de prisão e a simples censura do facto e a ameaça da prisão já não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Improcede, assim, igualmente este segmento do recurso.
B) Recurso de BB
1. Vício do artº 410º, nº 2, al. a), do CPP
Alega o recorrente que, inexistindo uma falta absoluta de provas para a sua condenação, existe “uma clara insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”.
Alicerça a sua argumentação na circunstância de não ter sido feita qualquer perícia ao seu equipamento informático, que nem é objeto de menção nos autos, e de ter sido condenado com base numa presunção.
Conclui que deveria ter sido absolvido por falta absoluta de provas.
O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a que se reporta a alínea a) do nº 2 do art.º 410º do CPP, ocorre quando, da factualidade elencada na decisão recorrida, resulta que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição e decorre da circunstância do tribunal não se ter pronunciado (dando como provados ou não provados) todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados pela acusação ou pela defesa, ou tenham resultado da discussão.
Este vício resultará do texto da própria sentença, em termos de se poder afirmar, em face apenas desta, que os factos que nela constam não integram a prática do crime.
Traduz-se na insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito. Dito de outra forma, é necessário que se verifique uma lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para a decisão de direito.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada nada tem a ver com a eventual insuficiência da prova para a decisão proferida - questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, enquadrado nos termos do art.º 127º do Cód. Proc. Penal -, sendo que o vício em questão só pode ter-se como existente quando os factos provados forem insuficientes para justificar a decisão final.
Ou seja, os vícios do artigo 410.º, nº 2, do CPP não podem ser confundidos – como faz o arguido - com uma suposta insuficiência dos meios de prova para a decisão tomada em sede de matéria de facto, nem podem emergir da mera divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em julgamento e a convicção que o tribunal firmou sobre os factos, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova inserto no artigo 127.º CPP. Nesta sede, poderá haver erro de julgamento, sindicável nos termos definidos no artigo 412.º CPP mas que consubstancia uma realidade diferente da alegada e que infra se apreciará.
A sentença contém os factos essenciais ao preenchimento do crime em causa, os quais constam no elenco dos factos provados.
Inexiste, assim, o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a que alude a alínea a) do nº 2 do art.º 410º do CPP.
2. Erro de julgamento
Sustenta o recorrente que os factos provados sob os pontos 1. (quanto à sua titularidade da conta vanity name @BB...), 4. 5. 6. e 10. devem ser considerados não provados.
Esses factos são os seguintes:
- Os arguidos AA e BB eram à data dos factos infra descritos, titulares das páginas da rede social “Twitter” com os “vanity name” @AA... e @BB…, respectivamente.
- Em reacção ao referido comentário, o arguido BB respondeu na sua página: “Concordo. Incluam as do PCP, MRRP, MAS e PS”.
- A partir desse momento, estabeleceu-se uma conversa na referida rede social entre ambos, sendo que em resposta ao comentário antes mencionado e ao referido indivíduo titular da página “vanity name” @BB…, o arguido AA escreveu: “Tudo, tipo arrastão”.
- Retorquindo, o arguido BB escreveu: “A GG terá tratamento VIP” e “Servirão para motivar as tropas”.
- Em todas as condutas, agiram os arguidos de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo da sua reprovabilidade em termos penais.
O recorrente defende que esses factos devem ser julgados não provados porque não foi feita qualquer perícia ao seu equipamento informático, que nem é objeto de menção nos autos e porque exerceu o seu direito ao silêncio, que não o pode desfavorecer.
Alega que apenas foi condenado com base em prints e fotos da conta, que se presumiram ser genuínos. Essa presunção é manifestamente insuficiente no caso frequente dos perfis falsos na internet; nada garante que esse perfil seja do arguido.
Atentemos na fundamentação da sentença recorrida nesta parte.
«Quanto à titularidade da conta Twitter com o vanity name “@BB...” resulta dos documentos de fls. 11 e 25 ((print da conversa respeitante aos factos em causa nos autos) e dos documentos de fls. 35 a 49 ((prints das reproduções das publicações da referida conta), uma vez que de tais elementos decorre existência de uma conta no Twitter com o vanity name “BB…” aberta em Dexembro de 2020, com publicações desde 14 de Novembro de 2021 até Março de 2022.
Da análise destes documentos e da sua conjugação com a reprodução da fotocópia do cartão de cidadão do arguido BB, junta a fls. 61, também se verifica que o arguido BB surge como sendo o titular da conta acima referida, atendendo à integral coincidência da pessoa representada na fotografia do cartão de cidadão deste arguido junta a fls. 61 com a pessoa representada na fotografia principal da página associada àquela conta (fotografia de corpo inteiro do arguido BB), bem como na pessoa que se apresentou em audiência de julgamento.
Ademais, da análise dos documentos de fls. 35 a 49 verifica-se que, na conta com o vanity name @BB..., surgem várias publicações (imagens de 30 de Novembro de 2021 fls. 47 verso - e de 13 de Dezembro de 2021- fls. 46, de 24 de Dezembro de 2021 - fls. 44, e 22 de Fevereiro de 2022 fls. 39, e de 23 de Março de 2022 fls. 34), onde o sujeito representado coincide na íntegra com o sujeito representado na fotografia do cartão de cidadão do arguido BB. O autor de tais publicações legenda as fotografias publicadas como sendo o sujeito representado por tais imagens, falando diretamente na 1ª pessoa - “Desejo”, “A ler”- ou falando estilisticamente na 2ª pessoa do singular, embora se refira, na verdade, a si próprio- “Tu quando conheces o teu ídolo” – esta em legenda a uma fotografia em que é retratado com o arguido AA) .
Tais factos, aliados às regras da experiência comum, permitem ao Tribunal concluir que a conta com o vanity name @BB... foi aberta pelo arguido BB e tem vindo, desde a sua abertura, a ser titulada pelo mesmo, sendo, por conseguinte, o arguido BB o titular de tal conta na data dos factos em causa nos autos».
Em primeiro lugar, a falta de perícia não acarreta consequências processuais. Como o arguido reconhece, os autos não contêm o seu equipamento informático. As perícias, para se poderem determinar, têm como pressuposto a possibilidade da sua realização, designadamente o acesso ao objeto a submeter a esse meio de prova.
Se é certo que o arguido não pode ser prejudicado pelo seu silêncio e por não colaborar na descoberta da verdade, certo é igualmente que, como arguido, pode sempre requerer as diligências de prova que entender por necessárias (art.º 61º, nº 1, al. g), do CPP). E é verdade que o Tribunal não determinou qualquer perícia, mas é também verdade que o Tribunal não tinha o objeto sobre o qual a perícia poderia incidir. Nem era obrigado a tê-lo e não se vê que diligências poderia ter feito (cientes de que qualquer nulidade do inquérito sempre teria que ter sido arguida no prazo a que alude o art.º 120º, nº 3, al. c), do CPP).
Se a não realização da perícia impediu a prova dos factos é questão a que a primeira instância respondeu negativamente. Vejamos o seu acerto:
Analisando a fundamentação da decisão sobre os factos, resulta manifesto que o Tribunal recorrido se socorreu de prova indiciária ou indireta para poder concluir que o arguido é o titular da conta @BB….
Estamos aqui no domínio da leitura de prova circunstancial ou indireta, deduzindo um facto desconhecido a partir de um facto conhecido, através de presunções, como permitido pela conjugação do disposto no art.º 125º do Código de Processo Penal, nos termos do qual são admissíveis em processo penal as provas que não forem proibidas por lei, com o preceituado pelo. art.º 349º do Código Civil acerca da prova por presunções.
As presunções naturais, válidas também no processo penal, constituem um meio ou processo lógico de aquisição de factos, em que o juiz, valendo-se de um certo facto, e associando-o a um princípio empírico ou às regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto até então desconhecido.
Estas regras da experiência ou regras de vida, segundo Santos Cabral, no artigo intitulado Prova Indiciária e as Novas Formas de Criminalidade, publicado na Revista Julgar nº 17, pág. 33, reconduzem-se aos «ensinamentos empíricos que o simples facto de viver nos concede em relação ao comportamento humano (…) que se obtêm mediante generalização de diversos casos concretos que tendem a repetir-se ou a reproduzir-se logo que sucedem os mesmos factos que serviram de suporte para efectuar a generalização.
Estas considerações facilitam a lógica de raciocínio judicial porquanto se baseiam na provável semelhança das condutas humanas realizadas em circunstâncias semelhantes, a menos que outra coisa resulte no caso concreto que se analisa, ou porque se demonstre a existência de algo que aponte em sentido contrário ou porque a experiência ou perspicácia indicam uma conclusão contrária.».
Nada obsta ao recurso da prova indireta para obter uma resposta quanto à matéria de facto levada à apreciação do Tribunal. Com efeito, «Sabido é que o tribunal a quo pode prevalecer-se da prova indirecta ou indiciária para chegar à convicção que formou, pois, esta prova (que se distingue da prova directa) é admissível pelo nosso ordenamento jurídico.
A prova indirecta ou indiciária reporta-se a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência (sendo estas “definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentemente do caso concreto sub judice, assentes na experiência comum e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade.
A eficácia probatória da prova indiciária está dependente da verificação de quatro requisitos, a saber: a prova dos indícios; concorrência de uma pluralidade de indícios; raciocínio dedutivo entre os indícios provados e os factos que deles se inferem, devendo existir um nexo preciso, directo, coerente, lógico e racional.
Se o tribunal recorre à prova indiciária, tem de dar a conhecer o seu raciocínio dedutivo e, sendo este omitido, impede a instância de recurso de sindicar se efectuou (ou não) uma apreciação objectiva da prova produzida, em conformidade com as regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos.» (vide acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/09/2019, Relator Artur Vargues, disponível no site da dgsi)
Como este mesmo citado Juiz Desembargador acrescenta, agora no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12/09/2023, disponível no site da dgsi, «De acordo com o artigo 349º, do Código Civil, “presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido”, admitindo-se as presunções judiciais nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal, como se extrai do artigo 351º do mesmo. E é perfeitamente possível o recurso à prova indirecta ou indiciária para chegar à convicção que formou o tribunal a quo, pois esta prova (que se distingue da prova directa) é admitida no nosso ordenamento jurídico também no âmbito do processo penal – cfr. neste sentido, entre outros, os Acs. do STJ de 11/12/2003, Proc. nº 03P3375; 07/01/2004, Proc. nº 03P3213; 09/02/2005, Proc. nº 04P4721; 04/12/2008, Proc. nº 08P3456; 12/03/2009, Proc. nº 09P0395 e de 18/06/2009, Proc. nº 81/04PBBGC.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt e também o Ac. do Tribunal Constitucional nº 391/2015, em DR nº 224, II Série, de 16/11/2015, que decidiu não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 127º, do CPP, na interpretação de que a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador permite o recurso a presunções judiciais em processo penal –assim também o Acórdão deste mesmo Tribunal nº 521/2018, de 17/10/2018, que pode ser lido no respectivo sítio.
A prova indirecta reporta-se a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, da lógica, do raciocínio indutivo e inferência, extrair uma ilação quanto ao tema da prova.»
No mesmo sentido vide também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/11/2006, Relator Santos Carvalho, também disponível no site da dgsi, «As normas dos artigos 126° e 127° do CPP podem ser interpretadas de modo a permitir que possam ser provados factos sem que exista uma prova directa deles. Basta a prova indirecta, conjugada e interpretada no seu todo.
Essa interpretação não ofende quaisquer princípios constitucionais, como o da legalidade, ou das garantias de defesa, ou da presunção de inocência e do contraditório, consagrados no art.º 32.º, n.ºs 1, 2, 5 e 8 da Constituição da República Portuguesa, desde que haja uma fundamentação crítica dos meios de prova e um grau de recurso em matéria de facto para efectivo controlo da decisão.»
Ou seja, a prova indireta tem regras para a sua utilização e não produz decisões arbitrárias ou incoerentes. Tem um substrato objetivo e é fruto de um processo indicável. «A prova indirecta (ou indiciária) não é um “minus” relativamente à prova directa. Pelo contrário, pois se é certo que na prova indirecta intervêm a inteligência e a lógica do julgador que associa o facto indício a uma regra da experiência que vai permitir alcançar a convicção sobre o facto a provar, na prova directa intervém um elemento que ultrapassa a racionalidade e que será muito mais perigoso de determinar, como é o caso da credibilidade do testemunho. No entanto, a prova indirecta exige um particular cuidado na sua apreciação, uma vez que apenas se pode extrair o facto probando do facto indiciário quando tal seja corroborado por outros elementos de prova, de forma a que sejam afastadas outras hipóteses igualmente possíveis.
A nossa lei processual penal não estabelece requisitos especiais sobre a apreciação da prova indiciária, pelo que o fundamento da sua credibilidade está dependente da convicção do julgador que, sendo embora pessoal, deve ser sempre motivada e objectivável, nada impedindo que, devidamente valorada, por si e na conjugação dos vários indícios e acordo com as regras da experiência, permita fundamentar a condenação.» - vide acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16/11/2010, Relatora Alda Tomé Casimiro, publicado no site da dgsi.
Voltando ao caso dos autos, e analisando a fundamentação da sentença recorrida, que se acolhe, constata-se um nexo preciso, direto, coerente, lógico e racional entre os indícios provados e os factos que dos mesmos se inferiram.
Atentando na documentação referida na sentença e na demais que consta nos autos, este Tribunal também não tem quaisquer dúvidas de que o arguido é o titular da conta @BB....
Em complemento das razões aduzidas na sentença, anota-se ainda que:
1 – A fls. 60 encontra-se a publicação, feita na conta @BB..., da mesma foto, ainda que sem palavras ou legendas, que o arguido AA publicou na sua conta Telegram onde constam as expressões “luta contra o matriarcado” e “GG faz-me uma sandes” (vide fls. 55/56). Sintomaticamente, o recorrente BB não alega que o coarguido tenha publicado uma foto onde aparece a seu lado – abraçados, aliás – sem a sua autorização, tal como não alega que não é ele a pessoa retratada ao lado do coarguido ou que essa foto é uma montagem. Ora, vistas as fotos do arguido BB enunciadas na sentença, trata-se efetivamente duma foto sua, publicada, repete-se, na conta @BB....
2 – No facto provado em 14., extraído do relatório social do arguido BB e que não mereceu a sua censura, lê-se que “Relativamente ao presente processo, BB distancia-se de qualquer ligação ao coarguido e nega qualquer relacionamento com o mesmo, não obstante se conheçam e se sigam mutuamente nas redes sociais”. Ou seja, o ora recorrente admite conhecer o coarguido AA e segui-lo nas redes sociais.
E perguntamos:
- se não é esta a conta do arguido BB a partir da qual segue o coarguido AA nas redes sociais, qual é essa conta?
- quem teria interesse em criar uma conta falsa com o nome e a foto do arguido BB, aí começando a seguir o arguido AA?
- e por que razão essa conta falsa seria criada com o nome do arguido BB e com a sua foto e não com os dados de outra qualquer pessoa? Dito por outras palavras, quem teria interesse em, com a descrita conduta, prejudicar o arguido, associando-o às publicações do coarguido? Quem urdiu este plano altamente reprovável?
A resposta parece-nos clara: juntando todos os elementos probatórios, apenas o arguido BB teria interesse em criar essa conta, sendo o mesmo o seu titular.
Não merece censura o juízo feito pelo tribunal recorrido em sede de apuramento da factualidade provada.
Improcede este segmente do recurso.
3. Violação do princípio in dubio pro reo
O recorrente invoca ainda a violação deste princípio na decorrência da sua argumentação (improcedente) em torno da falta de provas no julgamento dos factos.
O referido princípio assenta numa situação em que, mesmo depois de compulsada toda a prova, o Tribunal permanece com dúvidas, que não consegue ultrapassar.
Ora, perante uma dúvida objetiva e razoável que não foi ultrapassada em audiência, o non liquet sobre os factos constitutivos da infração criminal (ou sobre factos que afastem a ilicitude ou a culpa) deve transformar-se numa decisão favorável ao arguido em homenagem ao princípio da presunção de inocência consagrado no artigo 32º nº1 da Constituição da República Portuguesa, o qual abarca o princípio in dubio pro reo e decorre igualmente do primado da culpa.
Num situação em que se discutia a aplicação do princípio em análise e a prova por presunções (mais exatamente o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18.05.2022, disponível no site da dgsi, Relatora Cristina Almeida e Sousa), expendeu-se que «a concatenação entre os princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo e o da admissibilidade da prova indirecta, através de presunções judiciais em Direito Penal, implica que as dúvidas acerca da demonstração de determinados factos, sejam resolvidas em benefício do arguido, conduzindo à sua absolvição, mas a questão da existência da dúvida e consequente aplicação deste princípio só pode colocar-se depois de esgotado todo o iter probatório, ou seja, quando o non liquet persiste, mesmo depois de analisadas todas as provas directas e de concluído todo o esforço lógico-dedutivo inerente ao apuramento dos factos através de presunções judiciais».
Como consideram Gomes Canotilho e Vital Moreira, a propósito do o princípio in dubio pro reo, «além de ser uma garantia subjetiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa» (Cfr, Gomes Canotilho e Vital Moreira, in "Constituição da República Portuguesa Anotada", Coimbra Editora, 1993, p. 203 e seguintes).
Também se lê no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08.02.2022, disponível no site da dgsi, Relator João Amaro, «quando o tribunal não forma convicção, a dúvida determina inelutavelmente a absolvição, de harmonia com o princípio in dubio pro reo, o qual consubstancia principio de direito probatório decorrente daqueloutro princípio, mais amplo, da presunção da inocência (constitucionalmente consagrado no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa».
O apelo a este princípio, fundamentalmente como corolário da apreciação que o recorrente faz da prova, não colhe no caso em apreço, porquanto não se demonstra que o tribunal de primeira instância se tivesse defrontado com qualquer dúvida na formação da convicção, resolvida contra si.
Efetivamente, atentando na motivação da decisão de facto, logo se constata que a Senhora Juíza não ficou em estado de dúvida: fica-se a conhecer, cristalinamente, o processo de formação da sua convicção, através do enunciado sobre o exame crítico da prova, com a justificação das razões pelas quais foram valorados e tidos em consideração os depoimentos das testemunhas indicadas, em conjugação com os demais meios de prova produzidos, referentes a todos os segmentos da decisão, como se deixou explícito, incluindo o recurso à prova indireta ou por presunções, em detrimento da defesa apresentada pelo recorrente.
Portanto, na ausência de qualquer dúvida por parte do julgador, é desprovido de fundamento apelar-se a este princípio, que pressupõe um estado de dúvida.
Improcede, nesta parte, o recurso.
4. Adequação da medida da pena.
Nesta sede, alega o recorrente que o tribunal a quo relevou uma circunstância agravante errada, constante do facto 13.
E conclui que a pena deve ser atenuada.
O teor do facto provado em 13 é o já mencionado “No decurso da prestação de declarações por parte da ora assistente, e quando a mesma relatou os sentimentos por si vivenciados por via dos factos em causa nos autos, os arguidos não evidenciaram qualquer manifestação de empatia pela mesma, sorrindo em alguns momentos”.
Como acima já se referiu, a redação deste ponto não se refere a um facto, mas a uma constatação feita pela Meritíssima Juíza em sede do julgamento.
A medida da pena é fixada de acordo com os critérios determinativos constantes dos arts. 70º e 71º do CP.
No caso dos autos, a moldura penal abstrata é de prisão de 6 meses a 5 anos.
Lê-se na sentença recorrida que:
«A prevenção geral afigura-se elevada, tendo em conta o crescente índice de cometimento deste tipo de crimes na nossa sociedade e o sentimento de impunidade muitas vezes ao mesmo associado, sendo que as manifestações de intolerância expressas através de actos que integram ilícitos criminais, exigem uma reacção firme por parte das instâncias judiciais em defesa da ordem jurídica e do Estado de Direito democrático.
No que tange à prevenção especial de socialização, ressalta que os arguidos não prestaram declarações, não admitindo assim os factos em causa nos autos, nem manifestando qualquer arrependimento.
(…)
O arguido BB não tem antecedentes criminais registados.
De acordo com o teor dos relatórios sociais estão inseridos social, profissional e familiarmente.
Na ponderação da pena concretamente aplicável devem ser atendidos os critérios estabelecidos nos artigos 71.º e 72.º do Código Penal, sendo que a pena deve ser determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção especial de socialização e geral de integração que ao caso se imponham, atendendo se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, deponham a favor ou contra o arguido.
A pena concreta há-de pois, fixar-se entre um limite mínimo e um limite máximo sempre adequados à culpa, tendo como referencial os mencionados fins de prevenção geral e especial.
Há que ter em conta a ilicitude que se revela elevada, tendo em conta o teor das expressões proferidas (“prostituição forçada”, “tipo arrastão”; “servirão para motivar as tropas”). Actuaram com dolo directo, ou seja, na sua forma mais gravosa, sendo exigível a ambos uma actuação diversa.
Assim, ponderando, então, todo o circunstancialismo descrito, sopesando as atenuantes e, globalmente, a culpa dos arguidos, sendo esta reconduzível a um juízo valorativo que atende a todos os elementos aduzidos e conjugando-os com regras de experiência comum e com apelo, ainda, a elementos relativos à lógica, à moral e ao direito, entende o Tribunal, como justa, adequada e necessária a condenação dos arguidos nas seguintes penas:
- o arguido BB na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão.
(…)».
Não se faz aqui qualquer referência à perceção levada aos factos provados sob o ponto 13.
A pena fixada foi-o em medida que nos parece adequada e proporcional, atentas as razões expressas na sentença, que se sufragam, nenhum reparo havendo a fazer.
Não se entende como considera o recorrente que a pena deve ser atenuada, já que não fundamenta minimamente esta sua previsão.
E a sentença, em moldes que nos parecem ajustados, afastou a substituição da pena de prisão por pena de trabalho a favor da comunidade, segmento, aliás, que não mereceu crítica por parte do recorrente.
Destarte, também improcede o recurso nesta parte.
*
Em síntese: improcedem integralmente ambos os recursos interpostos pelos arguidos.
DECISÃO
Nestes termos, e face ao exposto, acordam os juízes desembargadores deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar não provido o recurso interposto pelo arguido AA, bem como em julgar não provido o recurso interposto pelo arguido BB, confirmando assim a sentença recorrida.
Condenam-se os arguidos nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça devida por cada um em 4 Ucs – artigos 513.º e 514.º, ambos do Código de Processo Penal e artigo 8.º/9 do Regulamento das Custas Processuais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, por remissão para a tabela III ao mesmo anexa.
Notifique.

Lisboa, 5 de dezembro de 2024
Ana Cristina Cardoso
Sandra Oliveira Pinto
Alexandra Veiga