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JUNÇÃO DE DOCUMENTO
RECURSO
DECISÃO SURPRESA
INDEFERIMENTO LIMINAR DA PETIÇÃO
INJUNÇÃO
TÍTULO
Sumário
SUMÁRIO (da exclusiva responsabilidade da Relatora – art. 663.º, n.º 7, do CPC) I – Ao abrigo do princípio da cooperação (cf. art. 7.º do CPC) é admissível a junção com a alegação de recurso de “documento” que constitui cópia de acórdão citado pela Apelante, já que facilita a consulta a realizar por este Tribunal, não estando aquele disponível nas bases de dados de acesso livre, mas é completamente desnecessário juntar cópia da decisão recorrida. II – Tendo em atenção os artigos 423.º a 451.º do CPC e também o n.º 1 do art. 651.º do CPC, não é admissível vir juntar com a alegação do recurso (do despacho de rejeição oficiosa da execução), cópia das faturas indicadas no Requerimento de injunção apresentado como título executivo, já que tais documentos podiam ter sido apresentados com o Requerimento executivo (e os factos a que respeitam aí alegados), não se podendo entender que a junção se tornou necessária em virtude dessa decisão. III – Uma decisão surpresa é a que se pronuncia sobre questões não suscitadas nos autos pelas partes e que estas não poderiam prever ou antecipar que o tribunal fosse apreciar, considerando o sistema jurídico na parte aplicável, não se incluindo aqui as decisões que, nos termos da lei (cf. artigos 590.º, 726.º e 734.º do CPC), determinem o indeferimento liminar da petição inicial ou do requerimento executivo ou a rejeição oficiosa da execução, pelo menos em situações como a dos autos, em que, seguindo o processo a forma sumária, a decisão foi proferida na primeira vez em que foi concluso ao juiz. IV – Ante a ressalva expressa constante do art. 3.º, n.º 3, do CPC, é de considerar lícita a prolação de uma tal decisão sem previamente convidar as partes a pronunciarem-se a esse respeito, considerando ainda que, no caso, nem sequer tinha sido efetuada a citação da Executada (a qual só veio a ser realizada nos termos do art. 641.º, n.º 7, do CPC), tendo sido possível à Exequente, não obstante o valor da execução fosse inferior à alçada da 1.ª instância, interpor recurso da decisão de rejeição oficiosa da execução (cf. art. 853.º, n.º 3, do CPC), pronunciando-se sobre as questões aí apreciadas, pelo que o exercício do contraditório, que estava diferido, acabou por se cumprir. Logo, não se mostra violado o princípio do contraditório e, mais especificamente, o princípio da proibição de decisões-surpresa. V – Servindo a injunção para facilitar/agilizar a cobrança de quantias atinentes ao cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos (procedimento de injunção geral) ou obrigações emergentes de transações comerciais cujo pagamento esteja em atraso, podem ser exigidas na injunção relativa a obrigação emergente de transação comercial, “outras quantias” atinentes a custos de cobrança da dívida por força do art. 7.º do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10-05, sendo em qualquer caso inadmissível o uso da injunção para obter título executivo com vista à cobrança de outras quantias indemnizatórias decorrentes desse incumprimento, mormente as fundadas em cláusulas penais. VI – Resulta dos termos conjugados dos artigos 14.º-A do Anexo ao DL n.º 269/98, e 578.º e 857.º do CPC, que o uso indevido do procedimento de injunção constitui uma exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso, que pode ser conhecida não apenas no procedimento de injunção, mas também na execução sumária fundada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória; trata-se de uma exceção dilatória não suprível de conhecimento oficioso, que, por inquinar (no todo ou em parte) o próprio título executivo se subsume na previsão da alínea a) do n.º 2 do art. 726.º do CPC, o que conduz ao indeferimento liminar do requerimento executivo (ainda que parcial) ou à rejeição oficiosa da execução (no todo ou em parte). VII – Um tal vício pode não contaminar todo o título executivo – se da análise do requerimento executivo e do título apresentado, formado no procedimento geral de injunção, resultar claro que apenas uma parte da quantia peticionada/exequenda não respeita ao valor contratualmente devido pelos serviços prestados (e respetivos juros de mora), não sendo o procedimento de injunção o meio legalmente adequado (atenta a sua finalidade) para obter título executivo quanto à(s) quantia(s) atinente(s) a cláusula penal ou aos encargos associados à cobrança da dívida, não poderá a ação executiva, intentada com base no mesmo, servir para cobrança coerciva das mesmas, verificando-se uma insuficiência do título. VIII – Não sendo possível, salvo quanto à quantia reclamada a título de “encargos associados à cobrança da dívida”, aferir do uso indevido do procedimento, por a Exequente se ter furtado a alegar, tanto no Requerimento de injunção, como no Requerimento executivo, a que respeitavam concretamente as quantias faturadas cujo pagamento exigiu, limitando-se a alegar a celebração do contrato que vigorou entre as partes e a mera emissão de faturas, como se estas últimas constituíssem fonte de obrigações pecuniárias, numa forma de litigar que afronta princípios fundamentais do processo civil (mormente, o do dispositivo) e do Direito das Obrigações, não poderá beneficiar do prosseguimento dos autos nos termos requeridos, apenas com “a recusa do título executivo relativamente à parte que integra tais custos administrativos”. IX – Um tal aproveitamento do título quanto à parte restante não se mostra possível, por se desconhecer a que respeitam as quantias assim peticionadas (nada tendo sido oportunamente alegado a esse propósito, incluindo que respeitavam a serviços prestados pela Exequente à Executada), verificando-se a nulidade de todo o processo, que não se pode considerar sanada, sendo o Requerimento executivo inepto, por falta de causa de pedir, como inepto era o Requerimento de injunção, por não terem sido alegados alguns dos factos essenciais constitutivos do direito que a Exequente se arroga ao pagamento das quantias faturadas - cf. artigos 724.º, n.º 1, al. e), 726.º, n.º 2, al. b), e 734.º do CPC.
Texto Integral
Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados
I - RELATÓRIO
A …, S.A., Exequente na ação executiva para pagamento de quantia certa que, sob a forma sumária, intentou contra B … o presente recurso de apelação da decisão, proferida em 24-04-2024, cujo segmento decisório tem o seguinte teor: “Em face de todo o exposto, por verificação da exceção dilatória da falta de título executivo, decido rejeitar a presente execução (cf. artigos 734.º n.º 1 e 726.º n.º 2 al. a) do CPC). Custas pela exequente. Registe e notifique.”
Os autos tiveram início em 18-05-2023, com a apresentação de Requerimento executivo, em que a Exequente alegou que: é portadora de requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, requerimento esse que constitui título executivo; no contrato que está na origem da dívida, foi convencionado domicílio para efeito de citação/notificação; a Executada, apesar de notificada no âmbito da injunção, não procedeu ao pagamento do valor do título executivo (1.937,95 €) de que é devedora, quantia à qual acrescem os juros de mora vencidos desde a data de entrada da injunção (no valor de 243,48 €) e vincendos.
Juntou formulário de Requerimento de injunção (entregue em 27-10-2022), de cujo cabeçalho constam os dizeres “Este documento tem força executiva Ref. (…) Porto, 05-12-2022 O Secretário de Justiça”, bem como a menção de que não se trata de obrigação emergente de transação comercial e de que se trata de contrato com consumidor e que comporta cláusulas gerais; nesse requerimento consta o pedido de notificação da aí Requerida (ora Executada) para pagamento da quantia total de 1.937,95 €, assim discriminada: capital de 1.478,42 €, juros de mora no valor de 82,35 €, “Outras quantias” no valor de 300,68 €, e a taxa de justiça paga (76,50 €); mais constando, quanto à causa de pedir: “Contrato de: Fornecimento de bens ou serviços” e “Data do contrato: 13-03-2013 Período a que se refere: 13-03-2013 a 28-07-2022”, bem como, na “Exposição dos factos que fundamentam a pretensão”, o seguinte: “A Req.te (Rte), anteriormente designada C …, S.A. -cert.on-line …-…-…-, celebrou com o Req.do (Rdo) um contrato de prestação de bens e serviços telecomunicações a que foi atribuido o n.º …. No âmbito do contrato, a Rte obrigou-se a prestar os bens e serviços solicitados pelo Rdo, e este obrigou-se a efetuar o pagamento tempestivo das faturas, a devolver com a cessação do contrato os equipamentos da Rte e a manter o contrato pelo período acordado, sob pena de, não o fazendo, ser responsável pelo pagamento de cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato. Das facturas emitidas, permanece(m) em dívida a(s) seguinte(s): €667,66 de 04/10/2021, €150,23 de 03/11/2021, €177,57 de 04/01/2022, €123,74 de 02/02/2022, €3,78 de 03/03/2022, €135,27 de 05/04/2022, €195,96 de 03/05/2022, €21,21 de 02/06/2022, €3 de 04/07/2022, vencidas, respectivamente, em 28/10/2021, 28/11/2021, 28/01/2022, 26/02/2022, 28/03/2022, 28/04/2022, 28/05/2022, 28/06/2022 e 28/07/2022. Enviada(s) ao Rdo logo após a data de emissão e apesar das diligências da Rte, não foi(ram) a(s) mesma(s) paga(s), constituindo-se o Rdo em mora e devedor de juros legais desde o seu vencimento. Mais, é o Rdo devedor à Rte de €300,68, a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida. Termos em que requer a condenação do Rdo a pagar a quantia peticionada e juros vincendos. O valor em dívida poderá ser pago, nos próximos 15 dias, realizando uma transferência bancária para o IBAN (…)”.
Após várias diligências efetuadas pela Agente de Execução, foi dado conhecimento à Exequente de que a Executada se encontra a residir no estrangeiro e, posteriormente, de que não havia sido possível determinar a existência de bens penhoráveis, devendo proceder à sua indicação no prazo de 10 dias, nos termos do art. 750.º do CPC, e requerer o que tivesse por conveniente.
Nada tendo sido requerido pela Exequente, foram os autos conclusos ao juiz, vindo a ser proferida a Decisão acima referida, em que se menciona, além do mais, que se tratava da primeira vez que o processo vinha a despacho - atenta a forma (sumária) do processo - cf. art. 550.º, n.º 2, al. b), do CPC -, que dispensa a prolação de despacho liminar - cf. artigos 855.º e 726.º a contrario, do CPC.
Inconformada com tal decisão, a Apelante interpôs o presente recurso de apelação, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões: 1. Não foi a Recorrente notificada para se pronunciar em relação à exceção dilatória inominada de indevida utilização do procedimento de injunção, em clara violação do Princípio do Contraditório. 2. Contrariamente ao vertido na sentença da qual se recorre, a Recorrente não peticiona nos presentes autos qualquer valor a título de cláusula penal pelo incumprimento do contrato. 3. Sendo que, todas as faturas peticionadas dizem respeito a serviços prestados e não pagos pelo mesmo. 4. Pelo que, não peticionando a Recorrente qualquer valor a título de cláusula penal, não se verifica qualquer exceção dilatória inominada de indevida utilização do procedimento de injunção. 5. Considerou o Tribunal a quo existir exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção, absolvendo o Apelado da instância; 6. Por a Recorrente ter lançado mão de injunção destinada a exigir o cumprimento de obrigação emergente de contrato e de despesas associadas à cobrança da dívida; 7. Salvo, porém, o devido respeito, tal decisão carece de oportunidade e fundamento, sendo contrária à Lei; 8. Desde logo porque a lei não habilita o Tribunal a quo a conhecer oficiosamente de exceções dilatórias relacionadas com o conteúdo do título executivo; 9. Das causas admissíveis de indeferimento liminar do requerimento executivo constantes do artigo 726.º do CPC não resulta o uso indevido do procedimento de injunção; 10. Permitir-se ao juiz da execução pronunciar-se ex officio relativamente à exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção esvaziaria de função o artigo 14.º-A n.º 2 do DL 269/98, de 01 de setembro, e atentaria contra o princípio da concentração da defesa ínsito no artigo 573.º do CPC; 11. Não obstante, a injunção constitui um meio adequado para o pagamento das despesas associadas à cobrança das faturas relativas à prestação dos serviços contratados pelo Apelado; 12. Dado que, à semelhança do que sucede com os juros de mora, também as despesas de cobrança resultam diretamente da falta de pagamento da obrigação pecuniária principal e, por conseguinte, constituem uma obrigação pecuniária em sentido estrito, isto é, diretamente emergente do contrato; 13. Sem prescindir, o entendimento de que as despesas de cobrança não podem integrar o procedimento injuntivo não determina que a extinção total da instância executiva, mas somente a recusa do título executivo relativamente à parte que integra tais custos administrativos. 14. A sentença proferida pelo Tribunal a quo trata-se de um indeferimento liminar da petição inicial, o que legitima a apresentação do presente recurso.
Terminou a Apelante pugnando pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por decisão que admita o requerimento executivo e mande prosseguir os autos nos termos acima expostos, dando-se provimento ao presente recurso.
Com a sua alegação, a Apelante juntou 11 documentos.
No despacho que admitiu o recurso, o Tribunal a quo pronunciou-se, ao abrigo do disposto no art. 617.º, n.º 1, do CPC, nos seguintes termos: «Relativamente à nulidade suscitada e em face do disposto no artigo 641.º, nº1, do CPC, cumpre dizer o seguinte: Analisadas criticamente as alegações de recurso constata-se que, embora não resulte expressamente invocada qualquer nulidade, a recorrente alega que o Tribunal se pronunciou sobre questão que lhe estava vedada por, no seu entender, não ser de conhecimento oficioso. Ora, verifica-se a nulidade da decisão por excesso de pronúncia (artigo 615.º, nº1, alínea d), do CPC) quando o tribunal aprecia questões de facto ou de direito que não tenham sido invocadas pelas partes ou que não sejam de conhecimento oficioso – ver, neste sentido, Ac. STJ, de 15.09.2022, relatado pelo Colendo Conselheiro Nuno Ataíde das Neves, processo 3395/16.0T8BRG.G1.S1 (in www.dgsi.pt). Entende, porém, este Tribunal que não se verifica a apontada nulidade. Como se deixou exposto na decisão sob recurso, tem sido entendimento maioritário dos Tribunais Superiores (contrariamente ao que defende a recorrente) que o recurso ao procedimento de injunção quando este não se ajusta à pretensão formulada, porque acarreta exceção inominada, nulidade de conhecimento oficioso, pode, esta, ser conhecida em sede execução cujo título executivo é o requerimento injuntivo ao qual, embora ao arrepio da lei, tenha sido atribuída força executória por secretário judicial – ver, neste sentido, Ac. RE, de 16.12.2010, relatado por Mata Ribeiro (in www.dgsi.pt). Com efeito, a aposição de fórmula executória pelo Secretário Judicial, na sequência de falta de oposição, não tem força constitutiva de caso julgado, não precludindo a apreciação do aludido vício de uso indevido de procedimento injuntivo. Como se refere no acórdão da Relação de Lisboa, de 15.02.2018, relatado por Anabela Calafate, processo 2825/17.9T8LSB.L1-6 (in www.dgsi.pt), “não pode ser equiparada a decisão judicial a aposição da fórmula executória por um secretário de justiça. Por isso a rejeição por despacho judicial da execução baseada em injunção não constitui violação de caso julgado.” Por outro lado, a omissão ou insuficiência de título executivo são de conhecimento oficioso e podem ser apreciadas e declaradas até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados (artigos 734.º n.º 1 e 726.º n.º 2 al. a) do CPC), sendo irrelevante, para esse efeito, que o/s executado/s se tenha/m abstido de invocar tal vício, nomeadamente em sede de oposição à execução – ver, neste sentido, Ac. RL, de 12.07.2018, relatado por Jorge Leal (in www.dgsi.pt). Como recentemente se entendeu no Ac. RP, de 27.09.2022, relatado por Anabela Dias da Silva, o procedimento de injunção não é meio processual próprio para se peticionar o pagamento de uma quantia a título de cláusula penal indemnizatório ou qualquer outra quantia a título de indemnização pelos encargos com a cobrança da dívida. Intentando-se a execução dando-se como título executivo injunção de onde resulte que abrange semelhantes quantias, há que se verificar exceção dilatória de conhecimento oficioso que conduz à absolvição da instância, devendo-se indeferir liminarmente o requerimento executivo. No sentido de que “a injunção à qual foi aposta fórmula executória nestas circunstâncias está assim afetada de vício que constitui exceção dilatória inominada justificativa do indeferimento liminar da execução”, ver, ainda, Ac. RP, de 08.11.2022, relatado por Alexandra Pelayo (in www.dgsi.pt), bem como o Ac. RE, de 28.04.2022, relatado por Mata Ribeiro (in www.dgsi.pt), assim sumariado: “1 - O procedimento de injunção não é meio adequado para peticionar o pagamento da obrigação resultante da aplicação da cláusula penal acordada para o incumprimento do período de fidelização. 2 - No procedimento de injunção não se pode obter título executivo cumulando pretensão por dívidas referentes a prestações pecuniárias emergentes de contrato com indemnização por incumprimento contratual. 3 - A injunção à qual foi aposta fórmula executória nestas circunstâncias está assim afectada de vício que constitui exceção dilatória inominada justificativa do indeferimento liminar da execução.” Conclui-se, assim, no sentido de que a questão apreciada é de conhecimento oficioso e, por conseguinte, pela inexistência da nulidade apontada.»
A Executada foi citada, para os termos do recurso e da causa (cf. art. 641.º, n.º 7, do CPC), mediante carta registada com a/r enviada para a sua residência (no Luxemburgo), não tendo apresentado alegação de resposta.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC).
Além da questão prévia da admissibilidade da junção documental efetuada, identificamos as seguintes questões a decidir:
1.ª) Se ao proferir a decisão recorrida o Tribunal a quo violou o princípio do contraditório;
2.ª) Se não devia ter sido rejeitada (no todo ou em parte) a execução - apreciando designadamente se não se verifica a exceção dilatória, de conhecimento oficioso, da indevida utilização do procedimento de injunção, podendo a execução prosseguir pelo menos no tocante às quantias faturadas e respetivos juros.
Os factos relevantes para o conhecimento do objeto do recurso são os que constam do relatório. Questão prévia da admissibilidade da junção documental
Cumpre apreciar da admissibilidade da junção documental efetuada pela Apelante com a sua alegação de resposta, a qual inclui 11 documentos, a saber:
Doc. 1 – a decisão recorrida:
Docs. 2 a 10 – faturas;
Doc. 11 – um acórdão da Relação do Porto.
Apreciando.
Sobre a junção documental na fase de recurso releva o disposto nos artigos 423.º a 451.º do CPC e também o n.º 1 do art. 651.º do CPC, nos termos do qual as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º do mesmo Código ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. O art. 425.º do CPC preceitua que, depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento. Em anotação a este artigo, explicam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, pág. 243, “Constituem exemplos de impossibilidade de apresentação o de o documento se encontrar em poder da parte ou de terceiro, que, apesar de lhe ser feita a notificação nos termos do art. 429 ou 432, só posteriormente o disponibiliza, de a certidão de documento arquivado em notário ou outra repartição pública, atempadamente requerida, só posteriormente ser emitida ou de a parte só posteriormente ter conhecimento da existência do documento. Acresce o caso em que o documento, com que se visa provar um facto já ocorrido e alegado, só posteriormente se tenha formado (contendo, por exemplo, uma declaração confessória extrajudicial desse facto); mas não o documento que, embora posteriormente formado, prove um facto não alegado e, ele próprio, de ocorrência posterior (…). A ocorrência posterior que torna necessário o documento pode ser a própria sentença, que haja decidido com base em facto novo oficiosamente cognoscível (art. 412) ou em solução de questão de direito nova (art. 5-3), com desrespeito do princípio do contraditório”.
Os denominados documentos 1 e 11 não foram juntos enquanto meio de prova, sendo irrelevantes do ponto de vista probatório, tratando-se, o primeiro, de cópia da decisão recorrida, e o segundo, de um acórdão proferido pelo TRP no proc. n.º 2432/20.9T8VLG-A.P1, que não estará publicado online, pelo menos em base de dados de livre acesso, face à pesquisa que efetuámos. Ora, mostra-se inútil juntar um “documento” que é cópia de um ato processual que consta do processo, tanto mais que o recurso tem subida nos próprios autos (como, aliás, a própria Apelante indicou no requerimento de interposição de recurso). A junção do segundo “documento” é admissível, ao abrigo do princípio da cooperação (cf. art. 7.º do CPC), já que facilita a consulta a realizar por este Tribunal.
Quanto às faturas, parece-nos evidente que não se está perante uma situação de impossibilidade da junção documental antes da prolação da decisão na 1.ª instância, uma vez que tais documentos podiam ter sido apresentados com o Requerimento executivo. Também não se poderá entender que a junção se tornou necessária em virtude dessa decisão, pois, na verdade, indispensável era que tivesse sido oportunamente alegado, conforme adiante melhor se explicará, que “todas as faturas peticionadas dizem respeito a serviços prestados pela Apelante à Apelada e não pagos pela mesma”, facto esse que só agora, na alegação de recurso, a Exequente veio alegar, pretendendo usar a junção documental para suprir a falta de oportuna alegação de facto essencial.
Pelo exposto, admite-se a junção do documento 11, rejeita-se, quanto ao mais, a junção documental ora efetuada em sede de recurso pela Apelante, que será condenada no pagamento de multa, que se afigura adequado fixar em 0,5 UC, nos termos dos artigos 443.º, n.º 1, do CPC e 27.º, n.º 1, do RCP. Da violação do princípio do contraditório
Afirma a Apelante, embora sem daí extrair qualquer consequência, que o princípio do contraditório, plasmado no n.º 3 do art. 3.º do CPC foi violado, por não ter sido notificada para se pronunciar em relação à exceção dilatória inominada de indevida utilização do procedimento de injunção.
Vejamos.
É inquestionável que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem – cf. art. 3.º, n.º 3, do CPC. Este comando é, aliás, uma decorrência do princípio mais abrangente da tutela jurisdicional efetiva contido no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa e do direito a um processo equitativo consagrado no art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
E também se nos afigura fora de dúvida que a inobservância desse princípio pode gerar nulidade processual, nos termos do art. 195.º, n.º 1, do CPC (“quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”), a qual, quando coberta por decisão judicial, poderá implicar a própria nulidade dessa decisão, a arguir no respetivo recurso.
Com efeito, o meio próprio para reagir contra as nulidades processuais cobertas por uma decisão judicial (despacho) que ordenou, autorizou ou sancionou (ainda que só de modo implícito) o respetivo ato ou omissão é o recurso desse despacho, como já explicava Manuel de Andrade, referindo a “doutrina tradicional, condensada na máxima: dos despachos recorre-se; contra as nulidades reclama-se” (in “Noções elementares de Processo Civil”, Reimpressão, Coimbra Editora, pág. 183). Não estando a nulidade a coberto de decisão judicial (despacho), a mesma deve ser arguida, mediante reclamação, nos termos e prazo do art. 199.º do CPC.
Daí que alguma jurisprudência venha defendendo, em termos não inteiramente coincidentes, que:
- No caso do tribunal entender ser de rejeitar oficiosamente a execução ao abrigo do disposto no art. 734.º do CPC, para mais num processo executivo sob a forma sumária, baseado num requerimento injuntivo no qual foi aposta a fórmula executória, o que, sem mais, consubstancia título executivo, deve proceder à audição da exequente de molde a permitir-lhe influenciar a decisão (o que poderia fazer, designadamente alertando para a não verificação dos requisitos de que depende uma tal decisão) e evitando a prolação de decisão-surpresa; a violação do contraditório, omissão de ato que a lei prescreve, conduz à nulidade uma vez que tal irregularidade pode influir no exame ou na decisão da causa (art. 195.º, n.º 1, do CPC); esta nulidade, nos termos dos artigos 197.º, n.º 1, e 199.º, n.º 1, do CPC, deve ser invocada pelo interessado no prazo de 10 dias após a intervenção em algum ato praticado no processo, sob pena de ficar sanada; estando a mesma coberta por decisão judicial nada impede que o tribunal superior da mesma conheça (da nulidade da decisão recorrida) se invocada nas alegações de recurso. – assim, acórdão da Relação de Guimarães de 28-01-2021, proc. n.º 7911/19.8T8VNF.G1, disponível em www.dgsi.pt;
- A prolação de decisão de rejeição da execução, nos termos previstos no art. 734.º do CPC, sem prévia audição das partes, configura uma decisão-surpresa, decorrente da omissão de um ato legalmente prescrito, a saber a observância do princípio do contraditório (art. 3.º, n.º 3, do CPC); Quando o Tribunal profere uma decisão depois da omissão de um ato obrigatório, tendo essa omissão relevância para o exame ou decisão da causa verifica-se não só uma nulidade secundária (art. 195.º do CPC), mas também a nulidade da decisão, por excesso de pronúncia - art. 615.º, n.º 1, al. d) -, uma vez que, ao proferir tal decisão, conhece de matéria que, naquelas circunstâncias, não podia apreciar; no acórdão que assim entendeu, afirmou-se o seguinte: “Questão diversa reside em determinar se relativamente à prolação da decisão de rejeição da execução, prevista no art. 734º do CPC, também pode considerar-se dispensada a observância do princípio do contraditório. A esta questão respondeu negativamente o ac. RG 28-01-2021 (Margarida Almeida Fernandes), p. 7911/19.8T8VNF.G1. Subscrevemos inteiramente este entendimento. Na verdade, como bem observaram os acs. primeiramente citados, a dispensa da observância do princípio do contraditório em sede de despacho liminar reside nas circunstâncias de o mesmo se consubstanciar num momento de apreciação judicial situado a montante da citação e de a lei processual propiciar às partes um contraditório diferido, em sede de recurso, prevendo-se expressamente a citação do executado para os termos da causa e do recurso (art. 641º, nº 7 do CPC). O mesmo não se passa com a rejeição da execução nos termos previstos no art. 734º do CPC, que é proferida em momento subsequente à citação do executado ou ato equivalente. Conclui-se, por isso, que a prolação de decisão de rejeição da execução com fundamento em vício que nenhuma das partes invocou e sobre a qual não teve oportunidade de se pronunciar configura uma nulidade simultaneamente do processo (art. 195º, nº 1 do CPC) e daquela decisão ((art. 615º, nº 1m al. d) do mesmo Código). Em consequência, deve a decisão apelada ser anulada. Note-se que nos casos de violação do p. do contraditório não se coloca a questão do o Tribunal da Relação se substituir ao Tribunal a quo, nos termos previstos no art. 665º do CPC, visto que a anulação dos efeitos de uma decisão surpresa pressupõe que todas as partes se possam vir a pronunciar sobre a questão, antes de a mesma ser apreciada.” – assim acórdão da Relação de Lisboa de 26-09-2023, proc. n.º 7165/22.9T8LSB.L1-7, disponível em www.dgsi.pt;
- A decisão-surpresa de rejeição da execução ao abrigo do art. 734.º do CPC sem contraditório prévio das partes constitui uma nulidade processual, conforme disposto no art. 195.º do CPC, traduzida na prática de ato em momento processualmente indevido; neste acórdão, não se tomou posição imediata sobre se um tal vício podia redundar em nulidade da sentença (cf. art.º 615.º do CPC) ou apenas nulidade processual, porque se entendeu que, caso fossem subsistentes alguns dos outros fundamentos recursórios, a surpresa da decisão poderia ser absorvida por tal fundamento, dispensando liminarmente a necessidade de substituição do despacho por outro que convidasse à pronúncia prévia das partes, que traduziria um ato inútil, ficando sanado qualquer vício processual; na situação contrária, ou seja, caso se mostrassem consistentes os fundamentos da decisão recorrida, importaria então fazer uma análise adicional para determinar os atos adequados a suprir o vício da prolação de decisão-surpresa; decidiu-se relegar para momento posterior (após o conhecimento dos fundamentos de recurso relativos ao título executivo), a questão da qualificação e consequências do vício verificado; concluiu-se, a final, que se tratava de simples nulidade processual, traduzida na prolação de decisão sem prévio exercício de contraditório (decisão não inserida no iter processual necessário desta forma processual) - assim acórdão da Relação de Lisboa de 10-10-2024, proc. n.º 5765/24.1T8SNT.L1-2, disponível em www.dgsi.pt;
- A prolação de decisão de rejeição da execução, nos termos previstos no art. 734.º do CPC, sem prévia audição das partes, configura uma decisão surpresa, decorrente da omissão de um ato legalmente prescrito, a saber a observância do princípio do contraditório; proferindo tal decisão, o tribunal recorrido conhece de matéria que não podia apreciar, naquelas circunstâncias, o que torna a decisão nula por excesso de pronúncia; Ainda que a exequente venha arguir essa nulidade, na medida em que se apreenda que na sua alegação de recurso apresentou os seus argumentos no sentido da revogação da decisão de rejeição da execução, e impondo-se ao tribunal de recurso conhecer do objeto da apelação, ainda que declare a nulidade da decisão em questão (por força do art. 665.º, n.º 1, do CPC), não mais há que extrair as consequências do referido vício processual da omissão do exercício do contraditório, correspondentes à destruição de todo o processado tendo em vista a prática do ato omitido, exatamente porque esse contraditório foi, entretanto, garantido e exercido. – acórdão da Relação de Lisboa de 07-11-2024, proc. n.º 6121/23.4T8SNT.L1, sumário disponível em https://trl.mj.pt/2a-seccao-civel/;
- A decisão proferida ao abrigo do art. 734.º do CPC tem de ser precedida da comunicação dos fundamentos em que vai estribar-se aos sujeitos processuais; mas se nas alegações de recurso o exequente apresentou argumentos que sustentam o seu ponto de vista, o vício pode considerar-se sanado, permitindo a apreciação da substância da decisão recorrida. – acórdão da Relação de Lisboa de 07-11-2024, proc. n.º 5740/24.6T8SNT.L1, disponível em www.dgsi.pt.
- O incumprimento do contraditório conducente à prolação de decisão surpresa, traduzindo a omissão da prática de um ato ou formalidade legalmente prevista e que é suscetível de influir no exame ou decisão da causa, constitui uma nulidade processual, nos termos do art. 195.º, n.º 1, do CPC; essa nulidade não constitui, por si só, causa da nulidade da decisão proferida, nomeadamente, por excesso de pronúncia, pois a omissão cometida pré-existe à sua prolação; no entanto, essa nulidade reflete-se na própria decisão, na medida em que, determinando a nulidade dos atos praticados na sequência da dita omissão e que dela dependem em absoluto, tal como resulta do disposto no art. 195.º, n.º 2, do CPC, importa a nulidade da decisão proferida – acórdão da Relação de Lisboa de 21-11-2024, proc. n.º 5660/24.4T8SNT.L1, sumário disponível em https://trl.mj.pt/2a-seccao-civel/
Não adotamos esta solução (em qualquer uma das suas formulações).
Com efeito, uma decisão surpresa não é aquela que surpreende a parte quanto à concreta solução dada pelo tribunal à questão ou questões com cuja apreciação a parte não podia deixar de contar, muito menos quanto à fundamentação desenvolvida a esse propósito, limitada que esteja à análise das questões sobre as quais as partes já tiveram oportunidade de se pronunciar ou relativamente às quais é desnecessário que o façam ante o estado dos autos e a tramitação legalmente prevista. Uma decisão surpresa é a que se pronuncia sobre questões não suscitadas nos autos pelas partes e que estas não poderiam prever ou antecipar que o tribunal fosse apreciar, considerando o sistema jurídico na parte aplicável, não se incluindo aqui, desde já o adiantamos, as decisões que, nos termos da lei (cf. artigos 590.º, 726.º e 734.º do CPC), determinem o indeferimento liminar (ou aperfeiçoamento) da petição inicial ou do requerimento executivo ou, pelo menos em situações como a dos autos, a rejeição oficiosa da execução.
Como é sabido, o juiz pode proferir despachos de indeferimento liminar de petição ou requerimento inicial, incluindo no âmbito de procedimentos cautelares e do processo executivo, nas situações expressamente previstas na lei, designadamente nos artigos 590.º e 726.º do CPC, por exemplo, julgando verificadas exceções dilatórias insupríveis; caso o autor/requerente/exequente discorde do assim decidido, poderá sempre interpor recurso, atenta a recorribilidade dessas decisões (veja-se, no que ora importa, o disposto no art. 853.º, n.º 3, do CPC), o que evidencia bem que fica diferido o exercício do contraditório quanto a tais questões.
Tal vem sendo, desde há muito (incluindo na vigência do anterior CPC), a posição largamente maioritária da jurisprudência no tocante ao indeferimento liminar da petição/requerimento inicial, destacando-se, a título exemplificativo, os seguintes acórdãos, que podem ser consultados em www.dgsi.pt, conforme se alcança das seguintes passagens dos respetivos sumários:
- Ac. da Relação do Porto de 04-11-2008, no proc. n.º 0826336: “Havendo fundamento (substantivo e processual) para indeferimento liminar, o respectivo despacho liminar negativo deve ser proferido (sem necessidade de prévia audição da parte destinatária dessa decisão negativa), tendo a parte a faculdade de apresentar nova petição, nas condições e com as vantagens previstas no artº 476º do CPC — e sem prejuízo da possibilidade de recurso (artº 234º-A, nº 2).”
- Ac. da Relação de Coimbra 27-02-2018, no proc. n.º 5500/17.0T8CBR.C1: “No caso de indeferimento liminar da petição inicial, o princípio do contraditório não impõe a audição prévia do autor sobre o motivo do indeferimento (despacho preliminar), além do mais porque a lei prevê o contraditório diferido, dada ampla admissibilidade legal de recurso, independentemente do valor e da sucumbência, e em situação de igualdade das partes.”
- Ac. da Relação de Coimbra 09-10-2018, no proc. n.º 1809/17.1T8ACB.C1: “Tendo em consideração a conjugação que deve existir entre os princípios processuais, quando operam dinamicamente nos processos concretos, designadamente entre o princípio do contraditório, por um lado, e os da celeridade e da economia processual, por outro, o tribunal pode indeferir liminarmente a petição executiva com fundamento em incompetência em razão da matéria, sem ouvir antes a Exequente, nos termos do n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo.”
- Ac. da Relação de Évora de 11-04-2019, no proc. n.º 1501/17.7T8SLV.E1: “Não tem cabimento a prolação de um despacho prévio ao despacho de indeferimento liminar, nomeadamente com vista a conceder, ao autor ou ao exequente, a possibilidade de se pronunciar acerca de uma questão, a indicar nesse despacho prévio, como podendo vir a constituir fundamento de um “projectado” indeferimento liminar.”
- Ac. da Relação de Lisboa de 04-02-2020, no proc. n.º 959/13.8TBALQ-A.L17: “(…) 2. O n.º 3 do art. 3.º do C.P.C., consagra o chamado contraditório dinâmico, garantindo a participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, facultando-lhes a possibilidade de influírem em todos os elementos processuais (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que apareçam como potencialmente relevantes para a decisão, pois o escopo principal do princípio do contraditório deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo do direito à incidência ativa no desenvolvimento e no êxito do processo. 3. A decisão-surpresa de que trata aquele dispositivo, é uma decisão que transporta consigo uma solução jurídica que a parte interessada não podia prever, que não tinha obrigação de prever, ocorrendo uma decisão dessa natureza quando lhe é inexigível que a tivesse perspetivado como possível no processo. 4. Não assume tal natureza um despacho de indeferimento liminar da petição ou requerimento inicial, subespécie no contexto da rejeição liminar da lide, nas situações taxativamente previstas no art. 590.º, n.º 1, entre elas, a manifesta improcedência do pedido, não sendo, portanto, exigível ao juiz ouça previamente o autor ou o requerente.”
- Ac. da Relação de Lisboa de 11-05-2021, no proc. n.º 82020/19.9YIPRT.L1-7: “1 - O princípio do contraditório consagrado no artigo 3º, n.º 3 do Código de Processo Civil confere à parte o direito ao conhecimento de que contra ela foi proposta uma acção e um direito à audição prévia antes de ser tomada qualquer decisão ou providência, mas também um direito a conhecer todas as condutas assumidas pela contraparte e a poder tomar posição sobre elas, ou seja, um direito de resposta. 2 - Apenas em caso de manifesta desnecessidade poderá ser dispensada a audição prévia. 3 - Será esse o caso do despacho de indeferimento liminar, pois que este apenas pode ter lugar em face de razões evidentes e indiscutíveis, em termos de razoabilidade, que determinem a manifesta improcedência do pedido ou a verificação evidente de excepções dilatórias insupríveis e de conhecimento oficioso, que tornam inútil qualquer instrução e discussão posterior.”
Ora, esta jurisprudência pode, sem dúvida, ser transposta para a rejeição oficiosa da execução, pelo menos em situações como a dos autos, considerando que se trata de decisão proferida na primeira vez que os autos foram conclusos ao juiz, assente nos mesmos exatos fundamentos do despacho de indeferimento liminar - como resulta da remissão expressa efetuada no art. 734.º para o disposto no art. 726.º (“questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo”) - e equiparada no plano da recorribilidade, já que nos termos do art. 853.º, n.º 3, do CPC, cabe sempre recurso do despacho de indeferimento liminar, ainda que parcial, do requerimento executivo, bem como do despacho de rejeição do requerimento executivo proferido ao abrigo do disposto do art. 734.º do mesmo Código.
Portanto, ao proferir uma decisão de rejeição oficiosa da execução, à semelhança do que sucede nos despachos de indeferimento liminar de petição ou requerimento inicial, não é necessário que o juiz proceda à prévia audição das partes (as mais das vezes, apenas do autor/requerente/exequente), já que, sendo caso disso, ainda poderá vir a ser exercido o contraditório quanto às questões apreciadas (incluindo do réu/requerido/executado, nos termos do art. 641.º, n.º 7, do CPC). É, assim, lícito ao juiz, ante a ressalva expressa constante do art. 3.º, n.º 3, do CPC, proferir uma tal decisão sem previamente convidar as partes a pronunciarem-se a esse respeito, pois o contraditório não deixará de ser cumprido, nos termos previstos na lei (o que não significa que não possa, se o julgar conveniente, ouvi-las, ao abrigo do dever de gestão processual).
Isto mesmo, foi reconhecido no recente acórdão da Relação de Lisboa de 07-11-2024, proferido no proc. n.º 8399/23.4T8SNT.L1 (disponível em www.dgsi.pt), cujo recurso visava uma decisão de rejeição oficiosa da execução idêntica à que é objeto do presente processo e em que se considerou que improcedia a questão atinente à invocada irregularidade por violação do princípio do contraditório plasmado no n.º 3 do art. 3.º do CPC (atenta a falta de notificação da apelante para se pronunciar sobre a pretensa verificação de fundamento conducente ao indeferimento do requerimento executivo); lembra-se, nesse acórdão, ter sido consagrado no anterior Código de Processo Civil o instituto da proibição de decisões surpresa e a doutrina a respeito do mesmo, acrescentando-se que (omitimos na citação as notas de rodapé): “a mesma doutrina, cedo também passou a considerar que, e utilizando uma expressão muito popular na nossa língua, importava não passar do 8 para o 80, que o mesmo é dizer, não cair em excessos e ou exageros [ prática e/ou vício de resto bem Português, mormente em sede de interpretações da lei após alterações introduzidas pelo legislador em direito adjectivo]. É assim que, v.g. para OTHMAR JAUERNIG (3), o tribunal “não é obrigado sem mais a apresentar à discussão das partes, antes da decisão, o seu parecer jurídico” , ou seja, e como assim já o considerou com total cabimento o nosso mais Alto Tribunal (4), “a estrutura do nosso processo civil não prevê que o tribunal “discuta” com as partes o que quer que seja”, sendo que, se é certo que o 3.º, n.º 3 do Código Processo Civil, exige do juiz uma diligência aturada de observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo o princípio do contraditório, o mesmo dispositivo é assertivo em ressalvar os casos em que a obrigatoriedade de ouvir as partes é manifestamente desnecessária. (…) Ora, precisamente a propósito de tal matéria, e não se olvidando que entendimentos existem que [ v.g. no tocante a situações de indeferimento liminar de petição inicial, e com vista ao cumprimento do disposto no artº 3º, nº 3, do CPC ] apontam para a obrigatoriedade de prolação de um despacho pré-liminar de audição (5), é nosso entendimento que in casu a prolação deste último é de todo dispensável, não justificando a sua omissão, de pronto, a qualificação da decisão proferida pelo tribunal como consubstanciando uma efectiva/real “decisão-surpresa”, violadora portanto do princípio do contraditório, plasmado no art. 3º, nº 3, do C.P.Civil. É que, como bem se chama à atenção em Ac. do STJ de 24/2/2015 (6), se é a própria Lei que prevê na situação em apreciação a possibilidade de haver lugar à prolação de um despacho liminar [que no nosso caso pode ser de indeferimento liminar, cfr. artº 726º, nº2, alínea b), do CPC], então a obrigatoriedade de qualquer audição prévia da parte visada revela-se de todo contraditória [sendo para nós mesmo inútil , pois que, como com total lógica e acuidade e recorda em douto Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul (7),“para haver lugar a indeferimento liminar é necessário que se trate de uma razão evidente, indiscutível, em termos de razoabilidade (…), e que torne inútil qualquer instrução e discussão posterior, isto é, «quando o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, seja desperdício manifesto de actividade judicial» ], pois que se o despacho liminar está legalmente previsto como podendo ser de rejeição liminar, não faria qualquer sentido a parte ser ouvida preliminarmente sobre a aludida eventualidade de vir a ser produzida uma decisão de não admissão … [no nosso caso de indeferimento liminar do requerimento executivo], sendo que, como os respectivos vocábulos logo indicam, a decisão surpresa faz supor que a parte possa ser apanhada em falta por uma decisão que embora pudesse ser juridicamente possível, não esteja prevista nem tivesse sido configurada por aquela. (8) (9) Ou seja, e em rigor, a questão da existência de um título executivo [ cfr. artº 10º, nº5, do CPC ], porque necessária e obrigatoriamente previamente ponderada e apreciada pela parte que propõe a acção executiva [logo, não pode a parte invocar ter sido confrontada, com surpresa, com questão e/ou fundamento que em momento algum considerou, porque a tal não estava obrigada ], não justifica de todo um despacho pré-liminar de audição, antes deve fazer parte do rol dos casos “de manifesta desnecessidade”, a que se refere expressis verbis o próprio nº 3, do art. 3, do CPC.»
No presente processo, é evidente a similitude do despacho recorrido em apreço com um despacho de indeferimento liminar, já que foi proferido na primeira vez que os autos foram conclusos ao juiz, quando ainda nem sequer tinha sido efetuada a citação da Executada (pois estavam a ser efetuadas pela AE, até à data sem êxito, diligências tendentes à realização penhora), citação que só veio a ser realizada ao abrigo do disposto no art. 641.º, n.º 7, do CPC. O valor da execução é de 2.181,43 €, inferior à alçada da 1.ª instância, tendo a Exequente podido interpor recurso da decisão de rejeição oficiosa da execução, pronunciando-se sobre as questões aí apreciadas, pelo que o exercício do contraditório, que estava diferido, acabou por ser cumprido. Logo, não se mostra violado o princípio do contraditório e, mais especificamente, o princípio da proibição de decisões-surpresa, havendo sim que averiguar da (im)procedência das questões suscitadas à luz dos referidos artigos (734.º e 726.º do CPC).
Improcede, pois, a conclusão da alegação de recurso em que foi invocada a violação do princípio do contraditório, cumprindo apreciar se foi acertada a decisão de rejeição da execução. Da rejeição oficiosa da execução
Na fundamentação da decisão recorrida constam as seguintes considerações «Nos termos do disposto no artigo 734.º do CPC, “o juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo” (nº1), sendo que, “rejeitada a execução ou não sendo o vício suprido ou a falta corrigida, a execução extingue-se, no todo ou em parte” (nº2). O procedimento de injunção é aplicável às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos (não tendo a virtualidade de servir para exigir obrigações pecuniárias resultantes da responsabilidade civil contratual), sendo certo que tal prestação só pode ter por objeto imperativamente uma obrigação pecuniária, isto é, uma entrega em dinheiro em sentido restrito (em contraposição com a obrigação de valor, que não tem por objeto a entrega de quantias em dinheiro e visa apenas proporcionar ao credor um valor económico de um determinado objeto ou de uma componente do património). Este regime processual só é aplicável às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos, pelo que não tem a virtualidade de servir para a exigência de obrigações pecuniárias resultantes, por exemplo, de responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, de enriquecimento sem causa ou de relações de condomínio. A jurisprudência tem-se inclinado, de forma praticamente unânime, para a inadmissibilidade do pedido de pagamento da cláusula penal por incumprimento contratual nesta forma processual e/ou de indemnização (RL 08.10.2015, processo 154495/13.0YIPRT.L1-8; 12.05.2015, processo 154168/13.YIPRT.L1-7; RL 15-10-2015, processo 96198/13.1YIPRT.A.L1-2; RL 17.12.2015, processo 122528/14.9YIPRT-L1.2; RL, de 25.01.2024, processo 101821/22.2YIPRT.L1-8). Ou seja, as injunções, incluindo as decorrentes de transação comercial, e a ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, não são a via processual adequada para acionar a cláusula penal, mesmo que compulsória, decorrente da mora ou de qualquer vicissitude na execução do contrato – ver, neste sentido, Ac. RL, de 15.10.2015, relatado por Teresa Albuquerque (in www.dgsi.pt); João Vasconcelos Raposo e Luís Baptista Carvalho, in «Injunções e Ações de Cobranças», 2012, p.22. A cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato e a indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida peticionadas no procedimento injuntivo de que emergiu o requerimento/documento dado à execução não consubstanciam “uma obrigação pecuniária diretamente emergente de um contrato”. Assim, relativamente ao pedido de pagamento do montante correspondente à cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato e à indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida, foi lançado mão de uma forma processual que legalmente não é a prevista para tutela jurisdicional respetiva. O objetivo do legislador com o procedimento de injunção não foi o da economia processual, mas sim o de facilitar a cobrança das obrigações pecuniárias como instrumento essencial da regulação do sistema económico, ou seja, das dívidas que, pela sua própria natureza, implicam uma tendencial certeza da existência do direito de crédito. A exequente não poderia ter recorrido ao requerimento de injunção e, tendo-o feito, deu causa à verificação de uma exceção dilatória inominada, prevista nos artigos 555.º, n.º 1, 37.º, n.º 1, primeira parte, e geradora de absolvição da instância ao abrigo do vertido nos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, 578.º e 278.º, n.º 1, alínea e), todos do Código de Processo Civil. Tal exceção atinge e contagia todo o procedimento de injunção, por não se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente exigíveis para a sua utilização, e não apenas o pedido referente ao valor da cláusula penal peticionada – ver, neste sentido, Ac. RL, de 23.11.2021, relatado por Edgar Taborda Lopes, proc.88236/19.0YIPRT.L1-7; Ac. RP, de 15.01.2019, relatado por Rodrigues Pires, proc.141613/14.0YIPRT.P1 (in www.dgsi.pt). Ver, ainda, o recente acórdão da Relação de Lisboa, de 28.04.2022, relatado por Cristina Pires Lourenço, proc.28046/21.8YIPRT.L1-8 (in www.dgsi.pt), assim sumariado: “O uso indevido do procedimento de injunção inquina na totalidade a ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias em que se se transmutou, consubstanciando exceção dilatória inominada (art. 577º, do Código de Processo Civil), de conhecimento oficioso, que conduz à absolvição da instância, impedindo qualquer apreciação de mérito, designadamente, dos créditos cuja cobrança poderia ter sido peticionada por via daquele procedimento.” E, ainda, o Ac. RC, de 14.03.2023, relatado por Henrique Antunes (in www.dgsi.pt), assim sumariado: “I - Não é admissível, através do procedimento de injunção, a exigência de créditos pecuniários objecto de reconhecimento unilateral do devedor; II - Ainda que através de negócio jurídico unilateral o devedor tenha reconhecido a dívida, o credor está vinculado, no procedimento de injunção, a alegar o contrato objecto da relação jurídica fundamental do qual a obrigação emerge; III - O procedimento de injunção não é o adequado à exigência de créditos resultantes de cláusula penal com função indemnizatória ou despesas feitas pelo credor com a actuação ou exercício do crédito de que se diz titular; IV- O uso inadmissível ou inadequado, ainda que meramente parcial do procedimento inquina e torna inaproveitável, in totum, a acção especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato em que o procedimento, por virtude da oposição, se convolou, e dá lugar a uma excepção dilatória, conducente à absolvição do requerido da instância.” (…). Nesta conformidade, ao requerimento de injunção dado à execução não deveria ter sido aposta força executiva, uma vez que não podia deixar-se prosseguir ação especial/comum para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que houvesse resultado da transmutação de injunção interposta para acionamento dessa cláusula, pois, de contrário, estar-se-ia a admitir que o credor, para obter título executivo, que bem sabia, à partida, que não podia obter, defraudasse as exigências prescritas nas disposições legais que disciplinam o procedimento de injunção. Caso tivesse sido submetido a apreciação jurisdicional, deveria ter tido lugar um juízo de improcedência total do pedido, por recurso indevido ao procedimento de injunção, o que, repita-se, constitui exceção inominada de conhecimento oficioso – neste sentido, além dos arestos supra citados, Acs. RP de 31.05.2010 (Maria de Deus Correia), de 26.09.2005 (Sousa Lameiras); Acs. RL, de 07.06.2011 (Rosário Gonçalves), de 08.11.2007 (Ilídio Sacarrão Martins); João Vasconcelos Raposo e Luís Baptista Carvalho, in «Injunções e Acções de Cobranças», 2012, p.39 e 40). Porém, o recurso ao procedimento de injunção quando este não se ajusta à pretensão formulada, porque acarreta exceção inominada, nulidade de conhecimento oficioso, pode esta ser conhecida em sede execução cujo título executivo é o requerimento injuntivo ao qual, embora ao arrepio da lei, tenha sido atribuída força executória por secretário judicial – neste sentido, Ac. RE, de 16.12.2010, relatado por Mata Ribeiro (in www.dgsi.pt). Com efeito, a aposição de fórmula executória pelo Secretário Judicial, na sequência de falta de oposição, não tem força constitutiva de caso julgado, não precludindo a apreciação do aludido vício de uso indevido de procedimento injuntivo. Como se refere no acórdão da Relação de Lisboa, de 15.02.2018, relatado por Anabela Calafate, processo 2825/17.9T8LSB.L1-6, consultável em www.dgsi.pt, “não pode ser equiparada a decisão judicial a aposição da fórmula executória por um secretário de justiça. Por isso a rejeição por despacho judicial da execução baseada em injunção não constitui violação de caso julgado.” Por outro lado, a omissão ou insuficiência de título executivo são de conhecimento oficioso e podem ser apreciadas e declaradas até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados (artigos 734.º n.º 1 e 726.º n.º 2 al. a) do CPC). Sendo irrelevante, para esse efeito, que o/s executado/s se tenha/m abstido de invocar tal vício, nomeadamente em sede de oposição à execução – ver, neste sentido, Ac. RL, de 12.07.2018, relatado por Jorge Leal (in www.dgsi.pt). Como recentemente se entendeu no Ac. RP, de 27.09.2022, relatado por Anabela Dias da Silva, o procedimento de injunção não é meio processual próprio para se peticionar o pagamento de uma quantia a título de cláusula penal indemnizatório ou qualquer outra quantia a título de indemnização pelos encargos com a cobrança da dívida. Intentando-se a execução dando-se como título executivo injunção de onde resulte que abrange semelhantes quantias, há que se verificar exceção dilatória de conhecimento oficioso que conduz à absolvição da instância, devendo-se indeferir liminarmente o requerimento executivo. – No sentido de que “a injunção à qual foi aposta fórmula executória nestas circunstâncias está assim afetada de vício que constitui exceção dilatória inominada justificativa do indeferimento liminar da execução”, ver, ainda, Ac. RP, de 08.11.2022, relatado por Alexandra Pelayo (in www.dgsi.pt). Entende, assim, este Tribunal não dispor a exequente de título executivo eficaz, por a pretensão formulada não se ajustar à finalidade do procedimento de injunção.»
A Apelante discorda deste entendimento, argumentando, em síntese, que: o tribunal não podia conhecer oficiosamente da exceção dilatória inominada de indevida utilização do procedimento de injunção; ainda que assim não se entenda, não se verifica essa exceção, porque as quantias peticionadas não respeitam a uma cláusula penal, antes respeitam aos serviços prestados e a despesas de cobrança da dívida, sendo que estas, tal como os juros de mora, podem ser exigidas no procedimento de injunção; quanto muito, apenas se justificaria a rejeição parcial da execução, relativamente a tais despesas.
Apreciando.
É sabido que o requerimento de injunção no qual tenha sido aposta, pelo Secretário, fórmula executória constitui título executivo, só podendo aquele recusar a aposição dessa fórmula quando o pedido não se ajuste ao montante ou à finalidade do procedimento – cf. art. 703.º, n.º 1, al. d), do CPC, e artigos 14.º e 14.º-A do Regime Jurídico da Injunção (RJI) em Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01-09. A respeito deste título executivo, incluindo o seu enquadramento histórico, âmbito, requisitos e tramitação, veja-se Marco Carvalho Gonçalves, “Lições de Processo Civil Executivo”, Almedina, 2.ª edição, págs. 115-131.
Quanto ao montante e à finalidade do procedimento, trata-se, conforme decorre do disposto no art. 7.º do RJI, de conferir força executiva ao requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular - ou seja, o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000 € -, ou de obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17-02, cujo art. 10.º, n.º 1, estabelece precisamente que “O atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida.”
Nesta conformidade, a jurisprudência (que também preconizamos) vem entendendo que o procedimento de injunção apenas pode servir para exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contrato, e não também o pagamento de indemnizações decorrentes desse incumprimento, mormente as fundadas em cláusulas penais expressamente previstas no contrato; já quanto a despesas de cobrança da dívida (naturalmente distintas das que integram as custas de parte), a jurisprudência mostra-se dividida. Nesta linha, a título exemplificativo, destacamos os seguintes acórdãos (todos disponíveis em www.dgsi.pt):
- o acórdão da Relação de Coimbra de 17-12-2015, no proc. n.º 122528/14.9YIPRT.L1-2, em cujo sumário se refere que: «I - Constitui pressuposto objectivo genérico do procedimento da injunção a presença de obrigações pecuniárias geradas por um contrato. II - A obrigação “directamente” pecuniária, corresponde à pecuniária em sentido estrito: aquela em que a quantia pecuniária é o próprio objecto da prestação. III - Por isso, no procedimento da injunção, não podem estar em causa obrigações de valor – estas não têm originariamente por objecto quantias pecuniárias, mas prestações de outra natureza, intervindo o valor pecuniário apenas como meio de liquidação. IV - O legislador em matéria de injunções foi sensível à circunstância de que a cobrança de dívidas pecuniárias (em sentido estrito) implica para se alcançar a satisfação plena do credor a esse nível, que o mesmo se ressarça dos juros referentes ao atraso no pagamento e das quantias despendidas para a respectiva cobrança. Apesar desses juros e destas despesas constituírem obrigações de indemnização, têm origem directa no ressarcimento das dívidas pecuniárias accionadas, e não levantam “a priori” problemas de quantificação: ali, porque a liquidação dos juros se faz pelo modo abstracto de cálculo a que se refere o art 806º/1 CC; aqui, porque as despesas de cobrança são praticamente padronizadas e pouco significativas. V - A cláusula penal não comunga das características acima enunciadas. Ainda que se possa traduzir numa quantia pecuniária já fixada contratualmente – pois que em contratos como o dos autos resulta simplesmente da multiplicação do valor da mensalidade pelo período de permanência em falta - não é expressão, «mera consequência», como os acima referidos juros e as despesas de cobrança, da simples recuperação de dívidas pecuniárias.»
- o acórdão da Relação de Coimbra de 14-03-2023, no proc. n.º 14529/22.6YIPRT.C1: “(…) III - O procedimento de injunção não é o adequado à exigência de créditos resultantes de cláusula penal com função indemnizatória ou despesas feitas pelo credor com a actuação ou exercício do crédito de que se diz titular; IV- O uso inadmissível ou inadequado, ainda que meramente parcial do procedimento inquina e torna inaproveitável, in totum, a acção especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato em que o procedimento, por virtude da oposição, se convolou, e dá lugar a uma excepção dilatória, conducente à absolvição do requerido da instância.”
- o acórdão da Relação do Porto de 29-09-2022, no proc. n.º 2040/21.7T8VLG-A.P1: «I - Atenta a redação legal do artigo 10º nº 2 alínea e) do Dl 269/98 de 1/09 é de admitir como abrangidas no regime legal aprovado por este diploma, as obrigações respeitantes às despesas tidas com a cobrança da dívida desde que no seu cômputo global (i) o valor peticionado se contenha no limite de €15.000,00 previsto no seu artigo 1º (ii) que estejam antecipadamente fixadas no contrato, isto apesar de não serem obrigações emergentes diretamente do contrato. II - Não é admissível o pedido de injunção de quantias referentes ao “incumprimento do período mínimo do contrato” mesmo que inferiores a 15.000 euros, porquanto estas obrigações são decorrentes da responsabilidade civil contratual, estando excluídas do respetivo regime processual, por força do disposto no artigo 7º nº 1 do Dl 269/98 (redação atual).»
- o acórdão da Relação do Porto de 12-07-2023, no proc. n.º 3889/21.6T8VLG-A.P1: «Não cabe no âmbito das “outras quantias devidas”, no que respeita ao procedimento de injunção geral, o pedido de pagamento de encargos associados à cobrança da dívida, os quais constituem danos decorrentes do incumprimento contratual, não sendo obrigação directamente emergente do contrato.»
- o acórdão da Relação do Porto de 14-09-2023, no proc. n.º 109743/21.8YIPRT.P1: “(…) II - O procedimento de injunção só pode ter por objecto o cumprimento de obrigações pecuniárias directamente emergentes de contrato, não comportando cumprimento de obrigações emergentes de outra fonte, designadamente derivada de responsabilidade civil. III - O uso, de forma indevida, do procedimento de injunção, configura uma excepção dilatória inominada, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância. IV - A transmutação do procedimento de injunção, por via de oposição que seja deduzida, em acção declarativa de condenação, não legitima a utilização indevida daquele, derivada da falta de pressupostos que o possibilitariam.” [de salientar que, nesse procedimento, o requerido havia sido demandado com fundamento em responsabilidade contratual decorrente da resolução do contrato de mútuo celebrado entre as partes, com a contabilização de juros moratórios e a aplicação da sobretaxa convencionada a título de cláusula penal];
- o acórdão da Relação do Porto de 04-07-2024, no proc. n.º 3368/23.7T8VLG-A.P1: “(…) II - Só pode ser objeto do pedido de injunção o cumprimento de obrigações pecuniárias diretamente emergentes do contrato, mas já não pode ser peticionado naquela forma processual obrigações com outra fonte, nomeadamente, derivada de responsabilidade civil. III - O uso, de forma indevida, do procedimento de injunção, configura uma excepção dilatória inominada, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância. IV - Não cabe no âmbito do procedimento de injunção geral, o pedido de pagamento de encargos associados à cobrança da dívida, os quais constituem danos decorrentes do incumprimento contratual, não sendo obrigação directamente emergente do contrato.”
- o acórdão da Relação de Lisboa de 10-10-2024, no proc. n.º 21181/22.7T8SNT.L1-2: “I - A injunção traduz-se num procedimento ou mecanismo eivado de simplicidade e celeridade, tendo por desiderato subjacente a cobrança simples de dívidas, por forma a “aliviar os Tribunais da massificação decorrente de um exponencial aumento de ações de pequena cobrança de dívidas”, surgindo num quadro de evidente necessidade de melhoramento dum sistema que “estava a permitir uma instrumentalização do poder soberano dos tribunais, transformando-os em agências de cobranças de dívidas, que o legislador criou o procedimento da injunção”; (…) IV - segundo diferenciado entendimento jurisprudencial, tal uso indevido do procedimento injuntivo ou traduz erro na forma do processo, nos termos expostos no artº. 193º, do Cód. de Processo Civil, o que constitui excepção dilatória nominada de nulidade de todo, ou parte, do processo, de oficioso conhecimento, conducente à absolvição da instância ; ou traduz excepção dilatória inominada tout court, afectadora de todo o procedimento injuntivo (e consequente aposição da fórmula executória) e destruidora da natureza do título executivo, determinante de consequente falta de um pressuposto processual da acção executiva, em que se traduz o próprio título, o que conduz ao necessário indeferimento liminar (total ou parcial) da execução, nos termos dos artigos 726.º n.ºs 2 al. a) e 5 e 734.º, ambos do Cód. de Processo Civil; V - tendo fundamentalmente em conta que, para a legitimação de recurso ao procedimento injuntivo, devemos estar perante o cumprimento de obrigações pecuniárias estritamente emergentes de contratos, não pode a lei deixar de reportar-se a tipologia contratual cuja prestação principal, a onerar o devedor, consiste numa estrita obrigação pecuniária de quantidade, ou seja, numa dívida em pecunia ou dinheiro; VI - o processo de injunção não se configura como adequado para o ressarcimento indemnizatório por incumprimento contratual, o qual abrange não só as cláusulas penais, indemnizatórias ou compulsórias, como ainda a própria indemnização pelas despesas originadas pela cobrança da dívida, em virtude de, em ambas as situações, não estarmos perante a previsão de prestações principais de obrigações pecuniárias de quantidade, mas antes perante cláusulas com índole ou natureza acessória, determinantes do pagamento de obrigações de valor, ainda que estabelecidas em quantidade;”.
A Apelante não parece discordar da inadmissibilidade do recurso à injunção no tocante a pretensões indemnizatórias fundadas em cláusulas penais, apenas defendendo, em síntese, que a injunção constitui um meio adequado para o pagamento das despesas associadas à cobrança das faturas relativas à prestação dos serviços contratados, dado que, à semelhança do que sucede com os juros de mora, também as despesas de cobrança resultam diretamente da falta de pagamento da obrigação pecuniária principal.
Ora, em nosso entender, as “despesas de cobrança da dívida” não resultam diretamente do incumprimento da obrigação principal, como acontece com os juros de mora, que são devidos nos termos da lei (cf. art. 806.º do CC) e até, não raras vezes, nos termos do próprio contrato, enquanto obrigação acessória da obrigação principal. De assinalar, todavia, que o legislador lhes conferiu alguma relevância, como resulta do disposto no art. 7.º do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10-05 (o qual transpôs para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.º 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, que estabelece medidas contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais). Aí se prevê sob a epígrafe “Indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida” que: “Quando se vençam juros de mora em transações comerciais, nos termos dos artigos 4.º e 5.º, o credor tem direito a receber do devedor um montante mínimo de 40,00 EUR (quarenta euros), sem necessidade de interpelação, a título de indemnização pelos custos de cobrança da dívida, sem prejuízo de poder provar que suportou custos razoáveis que excedam aquele montante, nomeadamente com o recurso aos serviços de advogado, solicitador ou agente de execução, e exigir indemnização superior correspondente.” Aliás, no preâmbulo desse diploma legal, refere-se precisamente que: “Os credores devem ser ressarcidos de forma justa dos custos suportados com a cobrança de pagamentos em atraso, incluindo os custos administrativos e internos associados com essa cobrança. Conforme previsto na diretiva, é estabelecido um valor fixo de 40,00EUR a título de indemnização pelos custos administrativo e internos associados à cobrança dos pagamentos em atraso, que acresce aos juros de mora devidos, sem prejuízo de o credor poder exigir indemnização superior por danos adicionais resultantes do atraso de pagamento do devedor ou pelos custos incorridos pelo credor com o recurso a serviços de advogado, solicitador ou agente de execução.”
Não se podendo olvidar que no art. 10.º, n.º 2, al. e), do RJI, se prevê que, no requerimento de injunção, deve o requerente formular o pedido, com discriminação do valor do capital, juros vencidos e “outras quantias devidas”, o que foi refletido no Formulário do requerimento de injunção, em que constam menções ao capital atinente à quantia devida, bem como aos respetivos juros de mora, e ainda a “Outras quantias” (cf. Portaria n.º 21/2020, de 28-01).
Assim, servindo a injunção para facilitar/agilizar a cobrança de quantias atinentes ao cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos (procedimento de injunção geral) ou obrigações emergentes de transações comerciais cujo pagamento esteja em atraso, concedemos que possam ser exigidas, neste último caso – e só neste (ou seja, injunção relativa a obrigação emergente de transação comercial) –, “outras quantias” atinentes a custos de cobrança da dívida (por força do citado art. 7.º), sendo inadmissível o uso da injunção para obter título executivo com vista à cobrança de outras quantias indemnizatórias, em particular as fundadas em cláusulas penais.
Não nos parece que exista uma lacuna que justifique a aplicação analógica do citado art. 7.º à “injunção geral”, tanto mais quando no art. 2.º do Decreto-Lei n.º 62/2013 se estabelece expressamente que ficam excluídos do âmbito de aplicação desse diploma: a) Os contratos celebrados com consumidores; b) Os juros relativos a outros pagamentos que não os efetuados para remunerar transações comerciais; c) Os pagamentos de indemnizações por responsabilidade civil.
Em conclusão, não tem cabimento legal, no procedimento de injunção, reclamar o pagamento de “cláusula penal convencionada para rescisão antecipada do contrato”; tão pouco tem cabimento na “injunção geral” peticionar “encargos associados à cobrança da dívida”, os quais, a existirem, constituem danos decorrentes do incumprimento contratual, não se tratando de obrigação (acessória) diretamente emergente do contrato, e não sendo aplicável o art. 7.º do Decreto-Lei n.º 62/2013.
Posto isto, importa saber se um requerimento de injunção ao qual tenha sido conferida força executiva, apesar de o pedido não se ajustar (no todo ou em parte) à finalidade do procedimento, não poderá valer como título executivo, sendo de considerar, oficiosamente, verificada a previsão do art. 726.º, n.º 2, al. a), do CPC - a manifesta falta ou insuficiência do título.O problema pode ser equacionado noutros termos, supondo-se, por exemplo, que está em causa o cumprimento de uma obrigação não emergente de transação comercial e que o requerente pretende obter, por via da injunção geral, título executivo para cobrança da quantia de 1.000.000 € (um milhão de euros). Poderá ser feito valer em juízo um título assim formado, com um pedido que manifestamente não se ajusta ao montante máximo legal, ou caberá ao tribunal, oficiosamente, tomar posição a esse respeito? Sendo certo que à execução podem servir de base, nos termos do art. 703.º, n.º 1, al. d), do CPC, “Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva”, e constatando o juiz que o procedimento de injunção foi usado indevidamente, em clara violação da lei, deverá considerar que o documento assim obtido não se reveste, apesar da fórmula no mesmo aposta, de força executiva (quanto à totalidade ou parte da quantia exequenda)?
O Tribunal recorrido entendeu que se impunha conhecer oficiosamente dessa questão, afirmando que no requerimento de injunção dado à execução não deveria ter sido aposta a fórmula executória, pois, de contrário, estar-se-ia a admitir que o credor, para obter título executivo, que bem sabia, à partida, que não podia obter, defraudasse as exigências prescritas nas disposições legais que disciplinam o procedimento de injunção.
A Apelante discorda, defendendo, em síntese, que: a lei não habilita o Tribunal a conhecer oficiosamente de exceções dilatórias relacionadas com o conteúdo do título executivo, já que, das causas admissíveis de indeferimento liminar do requerimento executivo constantes do art. 726.º do CPC, não resulta o uso indevido do procedimento de injunção; permitir-se ao juiz da execução pronunciar-se ex officio relativamente à exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção esvaziaria de função o art. 14.º-A, n.º 2, do DL n.º 269/98, de 01-09, e atentaria contra o princípio da concentração da defesa ínsito no art. 573.º do CPC.
Com algumas das citações de jurisprudência que fizemos, já adiantámos, em parte, a resposta a dar à questão que nos ocupa, mas importa que nos detenhamos com mais atenção sobre esta temática, procurando fazer o seu enquadramento jurídico.
Assim, começamos por lembrar que, nos termos do art. 11.º, n.º 1, al. h), do RJI, o requerimento de injunção só pode ser recusado se (além das circunstâncias enunciadas nas demais alíneas) “O pedido não se ajustar ao montante ou finalidade do procedimento”. Por sua vez, o art. 14.º, n.º 3, do RJI, preceitua que: “O secretário só pode recusar a aposição da fórmula executória quando o pedido não se ajuste ao montante ou finalidade do procedimento.”
A Apelante invoca o disposto no art. 573.º do CPC, mas não nos parece que daí se retire algum argumento relevante para o caso em apreço. Com efeito, existem regras próprias aplicáveis no procedimento de injunção e na ação executiva, mormente, nesta última, o art. 732.º do CPC, das quais resulta que o princípio da concentração da defesa na oposição à execução tem um efeito preclusivo, obstando a que o executado venha alegar, decorrido o prazo de oposição, matéria de exceção perentória e exceções dilatórias sanáveis que não alegou e que poderia ter alegado nessa sede.
Ora, no presente processo, aquando da prolação da decisão recorrida, a Executada nem sequer havia sido citada, tendo apenas sido notificada no âmbito do procedimento de injunção. Assim, como se refere no acórdão da Relação de Lisboa de 10-10-2024, relatado pelo ora 2.º Desembargador-Adjunto, “pressupondo-se que a aposição de fórmula executória em injunção conteve uma adequada comunicação ao requerido, com as advertências impostas e, portanto, até certo ponto, envolve um reconhecimento tácito das obrigações reclamadas, esse ponto-limite situa-se precisamente na preclusão da oportunidade de dedução de defesa substantiva por meio de embargos. Isto quer dizer que não se pode perder a noção central de se tratar de um título não jurisdicional e não declarativo de direitos e, portanto, em que o juiz mantém a jurisdição que a lei lhe conceder. A lei retirou ao requerido de injunção (e executado com base na mesma) a faculdade de, por via de embargos, pôr em causa o fundo das obrigações reclamadas em injunção (que receba a legal advertência de preclusão do direito de defesa ampla) e, consequentemente, retirou ao juiz da execução jurisdição sobre tais fundamentos de oposição à execução. Porém, ao manter o legislador a previsão, que é um poder-dever do juiz da execução, de avaliar da exequibilidade de todos os títulos (no referido art.º 734.º do CPC) está a manter controlo jurisdicional sobre os mesmos, independentemente das faculdades que concede às partes. É, por isso, errado dizer, neste caso como em qualquer situação em que sejam concedidos ao juiz poderes de conhecimento oficioso de qualquer falta ou vício processual, que isso viola o princípio de concentração da defesa. Esta é apenas mais uma manifestação das faculdades de controlo da legalidade de atos concedidas ao decisor judicial ex officio, que não se deve considerar retirada pela aludida alteração ao disposto no art.º 857.º do CPC. Diga-se, a concluir esta linha, que este é um poder vinculado do juiz e não, portanto, um poder discricionário, decorrente de qualquer juízo de conveniência ou de oportunidade. Quer isto dizer que o juiz da execução, mais que poder, tem o dever de rejeitar a execução quando constate que está a correr com falta de título, com título insuficiente ou quando se verifique exceção dilatória insuprível.”
Mais relevante se nos afigura, o art. 14.º-A do RJI [aditado pelo art. 7.º da Lei n.º 117/2019, de 13-09, na esteira da jurisprudência, incluindo constitucional (face à declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do art. 857.º, n.º 1, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 264/2015)], o qual estabelece, no seu n.º 1, que se o requerido, pessoalmente notificado por alguma das formas previstas nos n.ºs 2 a 5 do art. 225.º do CPC e devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido naquele artigo, não deduzir oposição (no procedimento de injunção), ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, sem prejuízo do disposto no número seguinte, ou seja, do seu n.º 2, em cuja alínea a) consta precisamente que a preclusão prevista no número anterior não abrange “A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso”.
Esta norma deve ainda ser conjugada com o disposto no art. 857.º, n.º 1, do CPC (com a redação introduzida pelo art. 3.º da referida Lei n.º 117/2019), nos termos do qual “Se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, para além dos fundamentos previstos no artigo 729.º, aplicados com as devidas adaptações, podem invocar-se nos embargos os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual.”
Como explica, a respeito desta norma, Lurdes Varregoso Mesquita, in “Algumas notas à Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro – alterações aos embargos de executado e outras conexas”, Julgar Online, abril de 2020, págs. 38 e 41: “O que se preceitua é coerente e justificado. Tendo em conta o sistema de injunção português, a preclusão consagrada no n.º 1 do citado art. 14.º-A não impede o posterior conhecimento de questões que podiam ter obviado à formação do título executivo caso houvesse uma «fiscalização» liminar. (…) Assim, o que parece ter escapado ao legislador foi a congruente articulação entre o regime que agora criou e a anterior redação do art. 857.º. É o n.º 2 do art. 857.º que está a «duplicar» soluções pouco ajustáveis entre si. O art. 857.º n.º 1 é, por si, suficiente para o resultado que, ao que parece, o legislador pretendeu.”
Portanto, o uso indevido do procedimento de injunção foi considerado pelo legislador um meio de defesa que não deve considerar-se precludido, constituindo uma exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso (neste sentido, veja-se, por exemplo, Marco Carvalho Gonçalves, obra citada, pág. 120, e jurisprudência aí indicada em nota de rodapé). É claro que pode, como tal, ser conhecida, não apenas no procedimento de injunção, mas também, conforme resulta da remissão expressa feita no art. 857.º, n.º 1, do CPC para o citado art. 14.º-A, na execução sumária fundada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória. Trata-se de uma exceção dilatória não suprível de conhecimento oficioso, que, por inquinar (no todo ou em parte) o próprio título executivo se subsume na previsão da alínea a) do n.º 2 do art. 726.º do CPC, o que conduz ao indeferimento liminar do requerimento executivo (ainda que parcial) ou à rejeição oficiosa da execução (no todo ou em parte). Efetivamente, a exceção subsiste, não ficou sanada, é insuprível, prejudicando a força executiva do requerimento de injunção dado à execução.
Daí a inconsistência da tese da Apelante, ao defender que a lei impõe que a apreciação jurisdicional da exceção de uso indevido de procedimento injuntivo seja invocada pelo executado, em sede de embargos à execução, não sendo o vício de conhecimento oficioso. Basta ver que a inexistência do título executivo ou a falta de um pressuposto processual estão previstos no art. 729.º, alíneas a) e c) do CPC como fundamentos de oposição à execução, não deixando de ser de conhecimento oficioso. Que o uso indevido do procedimento de injunção se trata de uma exceção dilatória insuprível, incluindo na ação executiva fundada em requerimento de injunção, resulta expressamente da lei, pois se fosse uma mera exceção do procedimento de injunção (cujo suprimento adviesse por via da sua falta de invocação em sede de oposição deduzida nesse procedimento), não teria sentido algum a remissão expressa feita no citado art. 857.º, n.º 1, do CPC para o referido art. 14.º-A, nos termos do qual a preclusão, por não ter sido deduzida oposição no procedimento de injunção, não abrange a “alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso”. Repete-se: o legislador qualificou esse meio de defesa (não precludido) como exceção dilatória de conhecimento oficioso, em linha, aliás, com o disposto no art. 578.º do CPC, nos termos do qual “(O) tribunal deve conhecer oficiosamente das exceções dilatórias, salvo da incompetência absoluta decorrente da violação de pacto privativo de jurisdição ou da preterição de tribunal arbitral voluntário e da incompetência relativa nos casos não abrangidos pelo disposto no artigo 104.º.”
Na medida em que o vício do procedimento de injunção é insanável, “contamina” o próprio título executivo, pelo que não podemos deixar de considerar, ante a ilegalidade de um título assim formado (requerimento de injunção com fórmula executória), que isso equivale à falta de título executivo: se o título não se formou validamente, não pode valer como tal, o que se reconduz à previsão da alínea a) do n.º 2 do art. 726.º do CPC, verificando-se a falta do título (ou a sua insuficiência, no caso de o uso indevido apenas respeitar a uma parte do pedido), o que constitui fundamento para indeferimento liminar (ainda que parcial) do requerimento executivo e, por força do art. 734.º do CPC, para rejeição oficiosa da execução (no todo ou em parte).
Em suma, quando o tribunal, na execução sumária para pagamento de quantia certa, se depare com um requerimento de injunção cuja fórmula executória foi aposta em violação das citadas disposições legais atinentes à finalidade do procedimento de injunção, deverá oficiosamente rejeitá-la (no todo ou em parte, com a extinção da instância nessa conformidade), dado que é a própria génese do título executivo que ficou comprometida, o que origina a falta (ou insuficiência) de título, reconhecendo não ter sido validamente formado no procedimento de injunção.
Nesta linha de pensamento, a título exemplificativo, destacamos:
- o referido acórdão da RL de 10-10-2024, no proc. n.º 21181/22.7T8SNT.L1-2, em cujo sumário se refere designadamente que: “VII - pelo que, peticionando-se no âmbito do requerimento injuntivo, ao qual foi aposta fórmula executória, indemnização por despesas decorrentes da cobrança da dívida, estamos perante excepção dilatória inominada (uso indevido do procedimento injuntivo), afectadora do processo injuntivo, bem como do consequente título executivo que se formou, o que configura consequente omissão de um pressuposto processual da acção executiva, em que se traduz o próprio título, com necessária repercussão nos ulteriores termos processuais executivos, de acordo com o estatuídos nos artigos 726º, nº. 2, alín. a) e 734º, ambos do Cód. de Processo Civil; VIII - na ponderação do argumento da oficiosidade extraível do artº. 734º, em conjugação com a alínea a), do nº. 2, do artº. 726º, ambos do Cód. de Processo Civil, o controlo jurisdicional não é apenas possível em sede de processo de injunção ou na oposição à execução que venha a ser deduzida pelo executado, pois, reportando-se ao concreto controlo da falta ou insuficiência do título dado em execução, tem igualmente lugar, ex officio, nos próprios quadros da consequente execução; IX - tal controlo não encontra fundamento ou base legal na alínea b), do nº. 2, do mesmo artº. 726º - ocorrência de excepções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso -, mas antes na aludida alínea a), por referência à concreta afectação do título apresentado, decorrente da sua inadequada e viciada formação, ao recorrer-se, de forma ilegal e injustificada, ao procedimento injuntivo; X - nas situações de indevida cumulação de pedidos no âmbito do procedimento injuntivo (em que se cumula o cumprimento de obrigações pecuniárias estritamente emergentes de contrato, com a indemnização decorrente de cláusulas penais, indemnizatórias ou compulsórias, bem como de despesas originadas pela cobrança da dívida), impõe-se a aproveitabilidade e utilização do título na parte remanescente, relativa aos pedidos e valores admissíveis no âmbito injuntivo, atenta a existência, apenas de uma parcial viciação, decorrente da inclusão de pedido(s) não admissível(is), com consequente prolação de um juízo de indeferimento liminar parcial; XI - o que é justificado por imperativo dos princípios ou regras de economia processual e da proporcionalidade, bem como na adopção de um princípio de aproveitabilidade dos actos processuais, a determinar a manutenção e reconhecimento da validade do título executivo na parte relativa ao pedido ou pedidos com legal cabimento no âmbito do procedimento injuntivo;”
- o já referido acórdão da Relação de Lisboa de 07-11-2024, no proc. 5740/24.6T8SNT.L1, conforme se alcança da seguinte passagem do respetivo sumário: “III. A inclusão de pedido de pagamento de quantias não abrangidas pelo conceito de obrigações pecuniárias emergentes de contrato em sentido estrito no procedimento injuntivo, no qual foi aposta fórmula executória, constitui um vício do título executivo, de conhecimento oficioso ao abrigo dos artigos 726º nº 2 alínea a) e 734º do Código de Processo Civil, conduzindo a indeferimento liminar ou rejeição parciais. IV. O aproveitamento do título executivo por referência à parte não viciada apenas é possível quando seja possível distinguir os montantes correspondentes à remuneração dos serviços fornecidos pela exequente e os valores respeitantes aos respetivos juros.”
- o também já referido acórdão da Relação de Lisboa de 07-11-2024, no proc. n.º 6121/23.4T8SNT.L1, em cujo sumário se refere precisamente que: “4- A aposição de fórmula executória no requerimento de injunção, na sequência da falta de oposição ao mesmo pelo requerido, não preclude a apreciação do vício da utilização indevida do procedimento de injunção. 5- Tal vício, repercutindo-se na falta ou insuficiência do título dado à execução, permite o seu conhecimento oficioso na execução, nos termos do art.º 734º do Código de Processo Civil, face ao disposto na al. a) do nº 2 do art.º 726º do Código de Processo Civil. 6- O procedimento de injunção só deve ser utilizado para a cobrança de obrigações pecuniárias directamente emergentes do contrato, e não para cobrança de outros valores, como aqueles relativos ao accionamento de uma cláusula penal ou correspondentes a despesas associadas à cobrança da dívida. 7- Estando-se perante a excepção dilatória do uso indevido do procedimento de injunção, bem como da consequente falta ou insuficiência do título executivo (que se formou com a aposição da fórmula executória no requerimento de injunção), impõe-se o aproveitamento desse título, na parte relativa aos pedidos e valores admissíveis no âmbito do procedimento de injunção, em obediência aos princípios da economia processual e do aproveitamento dos actos processuais.”
- o referido acórdão da Relação de Lisboa de 21-11-2024, no proc. n.º 5660/24.4T8SNT.L1, em cujo sumário se refere designadamente que: “III - O procedimento de injunção não se configura como adequado para o pagamento de indemnização por incumprimento contratual, o qual abrange as cláusulas penais, indemnizatórias ou compulsórias, em virtude de não estarmos perante a previsão de prestações principais de obrigações pecuniárias de quantidade, mas antes perante cláusulas com índole ou natureza acessória, determinantes do pagamento de obrigações de valor, ainda que estabelecidas em quantidade; IV - Assim, no que concerne aos valores peticionados a título de cláusula penal indemnizatória pela rescisão antecipada do contrato, verifica-se um uso indevido do procedimento de injunção; V - Peticionando-se, no requerimento injuntivo ao qual foi aposta fórmula executória, cláusula penal indemnizatória pela rescisão antecipada do contrato, estamos perante exceção dilatória inominada de uso indevido do procedimento injuntivo que afeta o processo injuntivo, bem como o consequente título executivo que se formou; VI - Na ponderação do argumento da oficiosidade extraível do art.º 734º, em conjugação com a alínea a), do n.º 2, do art.º 726º, ambos do CPC, o controlo jurisdicional do título executivo não é apenas possível em sede de processo de injunção ou na oposição à execução que venha a ser deduzida pelo executado, pois, reportando-se ao concreto controlo da falta ou insuficiência do título dado em execução, tem igualmente lugar, ex officio, nos próprios quadros da consequente execução; VII - Nas situações de indevida cumulação de pedidos no âmbito do procedimento injuntivo (em que se cumula o cumprimento de obrigações pecuniárias estritamente emergentes de contrato, com a indemnização decorrente de cláusulas penais, indemnizatórias ou compulsórias), impõe-se, sempre que possível, o aproveitamento do título na parte remanescente, relativa aos pedidos e valores admissíveis no âmbito injuntivo, atenta a existência, apenas, de uma parcial viciação, decorrente da inclusão de pedido(s) não admissível(is), com consequente prolação de um juízo de indeferimento liminar parcial.”
Diga-se, para terminar, esta breve resenha da jurisprudência, que a Apelante se estriba em acórdão da Relação do Porto proferido num processo no qual também era exequente, mas de cujo relatório logo resulta que versa sobre uma situação distinta da que nos ocupa, já que a exequente aí dera à execução um requerimento de injunção, no valor de 1.577,90 € e no qual reclamara: o pagamento de faturas no valor total de 1.243,31 € referentes ao incumprimento do “período mínimo do contrato”, o pagamento da dívida de 248,66 € “a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida” e 9,43 € correspondentes a juros de mora contabilizados à taxa comercial desde a entrada da injunção, os juros compulsórios e as quantias exigíveis nos termos do art. 33.º, n.º 4, da Lei n.º 32/2014 (que aprovou o procedimento extrajudicial pré-executivo), e 26.º, n.º 3, al. c), do Regulamento das Custas Processuais, e havia inclusivamente sido proferido despacho a convidar a aí exequente a esclarecer que montantes do pedido executivo respeitavam às quantias exigíveis nos termos destes artigos 33.º e 26.º, esclarecimento que foi prestado, tendo sido proferido despacho de indeferimento liminar parcial, precisamente por se ter considerado que não podia a exequente ter-se socorrido do procedimento de injunção para se fazer munir de título executivo relativamente à quantia de 1.057,50 € (prosseguindo apenas para cobrança das quantias de 271,74 € e 94 €, acrescidas de juros moratórios e compulsórios), já que o regime processual da injunção “só é aplicável às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos, pelo que não tem a virtualidade de servir para a exigência de obrigações pecuniárias resultantes, por exemplo, de responsabilidade civil, contratual ou extracontratual”, citando-se Salvador da Costa, “A Injunção e as Conexas Acção e Execução”, 6.ª ed., pág. 48; considerou-se aí que igual conclusão valia para a quantia indemnizatória de 248,66 €, e foi apenas quanto a esta parte da decisão que o recurso foi interposto, conformando-se, pois, nesse caso, a exequente com a posição adotada pelo tribunal de 1.ª instância, o que não fez nos presentes autos, não sendo assim coerente nas posições que adota nos diferentes processos.
Resta saber se, no caso em apreço, a rejeição - total ou apenas parcial - da execução se justificava, apreciando se não existiu um uso indevido do procedimento de injunção.
Se bem percebemos, o Tribunal recorrido assumiu que pelo menos uma parte da quantia cujo pagamento estava a ser peticionado se referia à indemnização fundada na cláusula penal, concluindo não dispor a Exequente de título executivo eficaz, por a pretensão formulada não se ajustar à finalidade do procedimento de injunção.
A Apelante sustenta, na sua alegação recursória, que, ao contrário do referido na decisão recorrida, a Exequente não peticionou nos presentes autos qualquer valor a título de cláusula penal pelo incumprimento do contrato, sendo que, todas as faturas peticionadas dizem respeito a serviços prestados e não pagos pela Executada.
Da pesquisa de jurisprudência (incluindo a já citada) resulta serem vários os recursos apreciados neste Tribunal da Relação de Lisboa, com contornos fácticos idênticos ao do caso que nos ocupa, mas com respostas diferenciadas.
Assim, por exemplo, no referido acórdão de 07-11-2014, proferido no proc. n.º 5740/24.6T8SNT.L1-2, julgou-se o recurso improcedente, porque se considerou não ser possível o aproveitamento do título na parte que diz respeito à obrigação pecuniária stricto sensu (excluídas pois as obrigações fundadas em cláusula penal e as obrigações atinentes à reparação dos danos do credor com despesas realizadas para assegurar a satisfação do seu crédito, dada a sua feição ressarcitória), isto porque, embora em tese, fizesse sentido o seu aproveitamento, desde que extirpado da parte em que se encontra viciado, admitindo-se, assim, uma rejeição parcial, no caso concreto isso não era viável, já que pressupunha que a exposição dos factos que fundamentam a pretensão subjacente ao processo de injunção, permitisse discernir com clareza a origem dos montantes, sendo que, no caso aí em apreço, o conjunto de seis faturas dizia respeito a valores díspares, nenhum dos quais coincidente com a contrapartida mensal fixada no contrato (€ 58,03); logo, não se sabia se, pelo menos, as faturas nos montantes que excediam esse valor incluíam indemnização moratória e como foi calculada ou, até, se correspondiam a uma cláusula penal devida pelo atraso, e se as faturas nos montantes inferiores se reportavam a juros, o que relevaria para determinar a correção da liquidação do valor dependente de simples cálculo aritmético; mais sucedendo que, confrontando o valor do capital identificado na injunção e a quantia exequenda fundada no título havia uma divergência que indiciava ter havido um pagamento voluntário parcial, sem esclarecimento quanto ao critério da sua imputação, impondo-se concluir que, por motivo imputável à exequente, que identificou a causa de pedir do requerimento injuntivo de modo insuficiente e não teve o cuidado de instruir o requerimento executivo com cópia das faturas, não era possível discernir quais os montantes correspondentes à contrapartida da prestação do serviço, o que inquinava a solução admissível de aproveitamento parcial.
De igual modo, no acórdão da Relação de Lisboa de 10-10-2024, relatado pelo ora 2.º Desembargador-Adjunto, negou-se provimento ao recurso, considerando-se que “como se sustenta na decisão recorrida e decorre do argumento histórico de interpretação (vide preâmbulo do Decreto-Lei n.º 269/98), que as injunções foram constituídas como mecanismo de desbloqueio das cobranças de dívidas de consumidores, associado a um assumido propósito de retirada dos tribunais de um conjunto alargado de ações de cobrança deste tipo. Este argumento histórico, ligado racionalmente à função de cobrança em causa, ao facto de estar também prevista uma ação declarativa, a que corresponderá uma decisão jurisdicional (art.º 1.º e seguintes do Regime Anexo), ligando-se à literalidade do art.º 7.º do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, permitem sustentar a interpretação da decisão recorrida sobre o tipo de obrigações contratuais passíveis de serem exigidas em injunção, i.e., as que decorram da normal execução do contrato, ou direta e necessariamente emergentes do mesmo (ficando excluída a cobrança de obrigações derivadas do incumprimento e unilateralmente liquidadas pelo requerente).”
Todavia, já no acórdão da Relação de Lisboa de 21-11-2024, relatado pela ora 2.ª Desembargadora-Adjunta, o recurso foi julgado parcialmente procedente, tendo sido determinado que, na parte da quantia exequenda que, sem dúvida havia sido peticionada a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida e eventuais juros computados sobre a mesma, era de manter a decisão recorrida, por se verificar a exceção dilatória inominada de uso indevido do requerimento de injunção, conducente ao reconhecimento de falta de título executivo, mas determinou-se o prosseguimento da execução, no que concerne ao remanescente da quantia exequenda, já que: “Em ponto algum desse requerimento de injunção é dito que o contrato foi objeto de rescisão antecipada e que a Exequente acionou a cláusula penal convencionada para essa rescisão, correspondendo a mesma a algum dos valores titulados pelas faturas nele identificadas. Acresce que essas faturas não se encontram juntas aos autos. Ou seja, não é possível afirmar que a Exequente recorreu ao requerimento de injunção para obter o pagamento do montante correspondente à cláusula penal convencionada, pois tal não resulta do requerimento de injunção.”
De salientar que neste acórdão, a Relatora primitiva votou vencida, por discordar da rejeição oficiosa da execução, entendendo que não se estava perante uma situação de falta ou insuficiência de título.
A divisão da jurisprudência está igualmente bem espelhada no referido acórdão da Relação de Lisboa de 07-11-2024, proferido no proc. n.º 5735/24.0T8SNT.L1-6, em que se decidiu, por maioria, determinar o prosseguimento da execução com vista à cobrança coerciva de todas as quantias reclamadas pela exequente à exceção das relativas a cláusula penal pela rescisão antecipada do contrato e de despesas associadas à cobrança da dívida, tendo a Relatora primitiva votado vencida, por considerar que estava inquinado todo o processo de formação do título, implicando a inaproveitabilidade total do mesmo e justificando o indeferimento liminar in totum, pelas razões que estiveram subjacente ao acórdão desta Relação de 10-10-2024, proc. n.º 5820/24.8T8SNT.L1, de que havia sido Relatora.
O que pensar?
Em tese, não temos dúvidas em considerar que o vício pode não contaminar todo o título executivo – se da análise do requerimento executivo e do título apresentado, formado no procedimento geral de injunção, resultar claro que apenas uma parte da quantia peticionada/exequenda não respeita ao valor contratualmente devido pelos serviços prestados (e respetivos juros de mora). Nessa eventualidade, estamos perante uma exceção (o uso indevido do procedimento de injunção) que, no referido procedimento, só poderia ter conduzido à absolvição parcial da instância, isto caso os autos tivessem sido remetidos à distribuição (como AECOPEC), parecendo-nos muito duvidoso - dada a lógica de “tudo ou nada” dos artigos 10.º, n.º 1, al. h), 14.º do RJI -, que pudesse ter existido recusa do requerimento de injunção pela secretaria ou recusa de aposição da fórmula executória pelo secretário. Numa tal situação, o vício - o uso indevido do procedimento de injunção (e não erro na forma do processo, como alguma jurisprudência também entende) - afeta apenas uma parte do título, aquela que respeita à(s) quantia(s) atinente(s) a cláusula penal ou aos encargos associados à cobrança da dívida. Não sendo o procedimento de injunção o meio legalmente adequado (atenta a sua finalidade) para obter título executivo quanto a tais quantias, não poderá a ação executiva, intentada com base no mesmo, servir para cobrança coerciva das mesmas, verificando-se uma insuficiência do título.
Todavia, repete-se, para isso é preciso que resulte percetível o que está a ser peticionado na ação executiva e qual a respetiva causa de pedir (ou seja, a obrigação exequenda, que constitui o seu fundamento substantivo), que não se confunde com o título executivo, o qual se apresenta como um instrumento documental da relação jurídica, um documento demonstrativo de um direito que, nos termos da lei, é condição necessária da ação executiva.
A causa de pedir pode ser definida [tendo em atenção o disposto nos artigos 5.º, n.º 1, 186.º, 552.º, n.º 1, al. d), 581.º, n.º 3 e 4, e 724.º, n.º 1, al. e), do CPC] como o conjunto de factos jurídicos/factos essenciais (nucleares ou principais) ou factos substantivamente relevantes em que se fundamenta o pedido (sendo este o efeito jurídico que o autor/requerente/exequente pretende obter), o que significa que o autor/requerente/exequente deve concretizar os factos em que baseia a sua pretensão, em termos inteligíveis, não sendo suficiente o apelo a conclusões jurídicas, conceitos legais ou a invocação do direito sem indicação da sua origem.
No requerimento executivo, a alegação da causa da obrigação exequenda poderá ser necessária quando a mesma não resulte (pelo menos inteiramente) do título executivo que é a base da execução, podendo carecer, em alguns casos, de alegação (e prova) complementar para fundar a pretensão deduzida na execução. É o que resulta expressamente do disposto no art. 724.º, n.º 1, al. e), do CPC, ao prever que, no requerimento executivo, o exequente, “Expõe sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo, podendo ainda alegar os factos que fundamentam a comunicabilidade da dívida constante de título assinado apenas por um dos cônjuges”.
Portanto, na ação executiva, os factos integrantes da causa de pedir podem resultar do próprio título executivo, caso em que o exequente poderá remeter para o mesmo, mas também podem ser articulados pelo exequente no respetivo requerimento executivo. Não constando do título executivo os factos que são fundamento do pedido, nem tão pouco estando indicada no requerimento executivo a respetiva causa de pedir - com a alegação, de forma completa e inteligível, dos factos essenciais constitutivos do direito de crédito cujo pagamento coercivo o exequente reclama -, verifica-se a ineptidão desse requerimento, geradora da nulidade de todo o processo, o que constitui uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, que, consoante os casos, determina o indeferimento liminar do requerimento executivo, a absolvição dos executados da instância executiva ou a rejeição oficiosa da execução, nos termos dos artigos acima referidos (cf. art. 551.º, n.º 1, do CPC) conjugados com os artigos 726.º, n.º 2, al. b), 732.º, n.º 4, e 734.º do CPC (aplicáveis também na execução sumária – cf. art. 551.º, n.º 3, do CPC). Neste sentido, na doutrina mais recente, destaque para Rui Pinto, “A Ação Executiva”, AAFDL Editora, 2018, pp. 311 e 312, e Marco Carvalho Gonçalves, in “Lições de Processo Civil Executivo”, 2.ª edição Revista e Aumentada, Almedina, pág. 214 (que, por sua vez, também cita outros autores e jurisprudência). Na doutrina mais antiga, destacamos os ensinamentos de Castro Mendes, in “Direito Processual Civil, Recursos e Acção executiva”, AAFDL, 1989, págs. 272-273, explicando, a propósito do preceito a que corresponde o atual art. 186.º, que: “Sendo o art. 193.º disposição geral e comum, parece que também o requerimento inicial para uma acção executiva deve ser tido como inepto se não contiver menção duma causa de pedir. Assim o temos sustentado: se por exemplo o credor dispuser dum título meramente probatório por exemplo que não faça referência à causa debendi, não pode instaurar a acção executiva remetendo apenas para o título, e abstendo-se de indicar no requerimento da execução a causa de pedir.”; também Fernando Amâncio Ferreira, “Curso de Processo de Execução”, 12.ª edição, 2009, Almedina, páginas 41 a 43, e José Lebre de Freitas, “A Acção Executiva”, 5.ª edição, 2009, Coimbra Editora, páginas 59, 62 e 63, 156, 158, 163; idem na 7.ª edição, páginas 184 e 189, nota 6; aliás, este último autor, já na 2.ª edição da referida obra (Coimbra Editora, 1997, págs. 133-134), afirmava: “Uma vez que a execução tem sempre por base um título executivo e esta deve acompanhar a petição inicial, bastará quanto à causa de pedir, remeter para o título, a menos que: - este careça de prova complementar, - a obrigação precise de ser liquidada; - tratando-se de obrigação causal, o título não lhe faça referência concreta. Esta falta de referência ocorrerá quando o título executivo contiver uma promessa de cumprimento ou o reconhecimento duma dívida sem indicação da respectiva causa (art. 458 CC) (…) A mesma alegação deve ter lugar nos outros casos de título que não mencione a causa.”
Aliás, de igual modo, é inepto o requerimento de injunção que não contenha a exposição (ainda que sucinta) dos factos que fundamentam a pretensão, com a consequente verificação da exceção dilatória, de conhecimento oficioso, de nulidade de todo o processo [cf. artigos 186.º, 196.º, 278.º, n.º 1, al. b), 552.º, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. b), e 590.º, n.º 1, todos do CPC, e art. 10.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01-09, de cujo n.º 2, al. d), consta que o requerente deve, no requerimento “Expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão”], exceção essa que, quando naquele tenha sido aposta fórmula executória, pode ser conhecida, na oposição à execução - cf. art. 857.º, n.º 3, al. b), do CPC, e do art. 14.º-A, n.º 2, al. a), 2.ª parte, do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01-09.
Nos presentes autos, a Exequente, no requerimento executivo, limitou-se a alegar que é portadora de requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, requerimento esse que constitui título executivo; no contrato que está na origem da dívida, foi convencionado domicílio para efeito de citação/notificação, não tendo a Executada, apesar de notificada no âmbito da injunção, procedido ao pagamento do valor do título executivo (1.937,95 €) de que é devedora, à qual acrescem os juros de mora vencidos desde a data de entrada da injunção (no valor de 243,48 €) e vincendos. Tal alegação teria sido suficiente se, no requerimento de injunção, constasse a indicação, de forma inteligível e completa, da causa de pedir do seu pedido. Porém, aí apenas foram alegados os factos atinentes à celebração de um contrato dito de fornecimento de bens e serviços (que até admitimos possa ser a prestação de serviços de telecomunicações), não cuidando a ora Apelante de alegar, na sede própria (que não é seguramente a alegação de recurso), os factos essenciais relativos à efetiva prestação dos serviços a que porventura se referem as faturas cuja falta de pagamento invocou.
É, assim, inequívoco que a Exequente se furtou, tanto no requerimento de injunção como no requerimento executivo, a alegar, de forma cabal, a que respeitavam concretamente as quantias faturadas cujo pagamento exigiu – não alegou se foram prestados bens ou serviços nos valores faturados, se existiu uma rescisão antecipada do contrato por parte da ora executada que a fez incorrer na obrigação de pagar a(s) quantia(s) faturada(s) a título de cláusula penal, ou se não foram por ela devolvidos equipamentos após a cessação do contrato assim incorrendo igualmente na obrigação de pagar a(s) quantia(s) indicada(s) na(s) fatura(s), como seria de esperar face à descrição que fez do objeto do contrato. A incipiente alegação que fez inviabiliza naturalmente a aplicação do direito aos factos (salvo quanto à verba de 300,68 €), pois não foram alegados factos essenciais integrantes da causa de pedir, não se podendo afirmar se as faturas indicadas no requerimento de injunção dizem respeito a bens ou serviços prestados ou a cláusulas penais convencionadas para a rescisão antecipada do contrato e/ou para a não devolução dos equipamentos após a cessação do contrato; apenas se retira que a verba de 300,68 € (que nada tem a ver com as ditas faturas, mas “outras quantias”) é peticionada “a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida”, sendo certo que relativamente a esta, conforme resulta do acima exposto, se verificou claramente um uso indevido do procedimento de injunção em apreço.
Com essa única ressalva, constatamos que a incipiente alegação, constante do Requerimento de injunção e do Requerimento executivo, não permite aferir do uso indevido do procedimento e, concomitantemente, da existência/falta e suficiência do título de executivo, não se podendo, nesta medida, acompanhar inteiramente as considerações feitas na decisão recorrida.
Mas daí não se segue que assista razão à Apelante quando defende, numa linha de argumentação subsidiária, que “os princípios da economia processual, de aproveitamento dos atos processuais, da proporcionalidade e o carácter tendencialmente definitivo da decisão administrativa não impugnada impõem a utilização do título obtido na parte não afetada pela exceção em apreço”, ou seja, que possa sair beneficiada mediante o aproveitamento do título na parte relativa às quantias faturadas (e respetivos juros), apesar da sua forma de litigar, que afronta princípios fundamentais do processo civil (mormente o princípio do dispositivo) e do Direito das Obrigações, uma vez que, como vimos, se limitou a alegar a celebração do contrato que vigorou entre as partes e a mera emissão de faturas, como se estas últimas constituíssem fonte de obrigações pecuniárias.
Não se ignora que, tantas vezes, isso até acaba por ser suficiente, já que, sendo deduzida oposição, com a convolação do procedimento de injunção numa ação declarativa, se o tribunal constatar que o requerido/réu interpretou convenientemente o requerimento de injunção/petição inicial, e perceber o que está a ser reclamado (mormente pela análise das faturas entretanto juntas aos autos), torna-se irrelevante a ineptidão (cf. art. 186.º, n.º 3, do CPC). Aliás, também no processo executivo isso pode acontecer, como é, desde há muito, jurisprudência pacífica (veja-se, a título de exemplo, o acórdão da Relação de Lisboa de 17-06-2010, proferido no proc. n.º 8016/08.2TBOER-C.L1-6, disponível em www.dgsi.pt: “3. Quando do título executivo não constem os factos que fundamentam o pedido o exequente deve expô-los sucintamente no requerimento executivo;4. O requerimento executivo do qual, nessas circunstâncias, não constem os factos que fundamentam o pedido, não será de considerar inepto se o executado deduzir oposição em que revele ter compreendido de forma conveniente o requerimento e os factos omissos.”). Tivesse a Executada deduzido oposição à execução evidenciando ter compreendido de forma conveniente o Requerimento executivo e os factos omissos, e a Exequente vindo, na contestação aos embargos, juntar as faturas em causa, estaria o Tribunal habilitado a tomar posição a esse respeito (na esteira da doutrina e jurisprudência acima referidas), e não seria caso para julgar verificada a nulidade de todo o processo.
Mas o certo é que a Exequente não alegou, nem no Requerimento de injunção, nem no Requerimento executivo, se as quantias cujo pagamento reclama dizem respeito à prestação concreta e efetiva de serviços (designadamente de telecomunicações) num determinado período de tempo, ou à indemnização pela falta de devolução com a cessação do contrato de equipamentos ou ainda à cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato ou a qualquer outra situação de facto, limitando-se a alegar, além da celebração do contrato e da sua vigência (de 13-03-2013 a 28-07-2022), a emissão de faturas que não foram pagas, o que se traduz numa nulidade de todo o processo (a que, em rigor, nem escapa o que se refere às despesas de cobrança da dívida; com efeito, não obstante o que já referimos quanto a estas, sempre se dirá que só teriam razão de ser se estivesse a ser devidamente exigido o cumprimento de obrigações pecuniárias nos termos acima referidos, o que não podemos assumir; aliás, em bom rigor, a Exequente nem sequer alegou, no requerimento de injunção, que suportou tais despesas, nomeadamente com o recurso aos serviços de advogado, solicitador ou agente de execução, tão pouco tendo alegado, no requerimento executivo, que suportou os referidos valores no âmbito de procedimento extrajudicial pré-executivo, nos termos do art. 33.º, n.º 4, da Lei n.º 32/2014, de 30-05, que aprovou o procedimento extrajudicial pré-executivo).
Cabia à Exequente, logo quando lançou mão do procedimento de injunção, fazer, no respetivo Requerimento, uma “Exposição dos factos que fundamentam a pretensão”, o que não fez, nem sequer, como vimos, no Requerimento executivo, só agora, na sua alegação de recurso, tendo alegado que “todas as faturas peticionadas dizem respeito a serviços prestados pela Apelante à Apelada e não pagos pela mesma”. Apesar da litigância em massa que pratica, a Exequente deve observar as regras legais e os princípios basilares do sistema jurídico, designadamente o princípio do dispositivo e o princípio da autorresponsabilidade das partes, como qualquer outro sujeito processual, o que, manifestamente, não fez, sendo inaceitável que os autos pudessem prosseguir nos termos requeridos, apenas com “a recusa do título executivo relativamente à parte que integra tais custos administrativos”. Obsta ao prosseguimento dos autos, com aproveitamento do título, a circunstância de o Requerimento executivo ser inepto, por falta de causa de pedir, como inepto era o Requerimento de injunção, por não terem sido aí alegados, como se impunha, alguns dos factos constitutivos do direito que a Exequente se arroga.
Não pode, pois, a Exequente exigir, com base no Requerimento de injunção em apreço, o pagamento coercivo das quantias peticionadas no Requerimento executivo, pois não alegou (nem sequer neste último por remissão para as faturas ali mencionadas, que então poderia ter juntado), a que respeitavam as mesmas, só agora, na sua alegação de recurso, vindo dizer que “todas as faturas peticionadas dizem respeito a serviços prestados e não pagos pelo mesmo”.
Assim, improcedem as conclusões da alegação de recurso, ao qual será negado provimento, embora por fundamentação não inteiramente coincidente com a da decisão recorrida.
Vencida a Apelante, é responsável pelo pagamento das custas processuais (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).
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III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se:
- Rejeitar a junção documental efetuada em sede de recurso pela Apelante (salvo quanto ao doc. 11), condenando-a no pagamento de multa, que se fixa em 0,5 UC;
- Negar provimento ao recurso, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida;
- Condenar a Apelante no pagamento das custas do recurso.
D.N.
Lisboa, 05-12-2024
Laurinda Gemas
Susana Mesquita Gonçalves (vencida em parte, conforme Declaração de voto infra)
João Paulo Raposo
Declaração de voto:
Entendo que a prolação de decisão de rejeição da execução, nos termos previstos no art.º 734º do CPC, sem prévia audição das partes, configura uma decisão surpresa, decorrente da omissão de um ato legalmente prescrito, concretamente, a observância do princípio do contraditório. Essa omissão constitui uma nulidade processual, nos termos do art.º 195º, n.º 1, do CPC, pré-existente à sua prolação mas que se reflete na própria decisão, nos termos do n.º 2 do mesmo normativo, importando a sua nulidade. Sucede que, na presente situação, a Exequente pronunciou-se, adequadamente, nas respetivas alegações de recurso, sobre o enquadramento jurídico na base dessa decisão, motivo pelo qual a concessão de novo prazo de pronúncia redundaria na prática de um ato inútil, revelando-se de todo desnecessário extrair as consequências próprias da inobservância do princípio do contraditório.
Entendo igualmente que a verificação da exceção inominada de uso indevido do procedimento de injunção conduz à falta de título executivo que, na presente situação, levaria, a meu ver, à rejeição da execução apenas no que concerne ao montante de 300,68 €, peticionado no requerimento de injunção a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida, determinando-se o seu prosseguimento quanto ao valor remanescente da quantia exequenda, porquanto desse mesmo requerimento de injunção não resulta que o contrato foi objeto de rescisão antecipada e que a Exequente acionou a cláusula penal convencionada para essa rescisão, correspondendo a mesma a algum dos valores titulados pelas faturas nele identificadas, faturas essa que não foram oportunamente juntas aos autos.