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DANO PRIVAÇÃO DE USO
PRIVAÇÃO DE USO
COLISÃO
SIMULAÇÃO
JUÍZOS CONCLUSIVOS
Sumário
SUMÁRIO (da exclusiva responsabilidade da Relatora – art. 663.º, n.º 7, do CPC) I – Na presente ação, em que a Autora, proprietária do veículo danificado, exige da Ré, Seguradora, o cumprimento - e a indemnização pelo incumprimento no tocante ao dano da privação do uso de veículo - do contrato de seguro do ramo automóvel celebrado entre as partes, em que um dos riscos contratados é o de “Choque, colisão e capotamento”, é àquela demandante que incumbe o ónus probatório da verificação desse evento concreto, no caso da invocada colisão e capotamento, como facto constitutivo do direito que se arroga (cf. art. 342.º, n.º 1, do CC). II – Sobre a demandada (Seguradora) recai o ónus de alegação e prova de factos que configuram matéria de exceção perentória conducente à exclusão da sua responsabilidade (cf. art. 342.º, n.º 2, do CC), muito embora possa também limitar-se à defesa por impugnação e a procurar produzir contraprova (não lhe sendo exigível a prova do contrário), de modo a abalar a relevância e força probatória dos meios de prova que se destinam a demonstrar a efetiva verificação do sinistro. III – Ainda que não sejam de considerar provados factos dos quais resulte que o sinistro foi forjado ou simulado, pode suceder, como aconteceu no caso, que não tenha sido feita “a demonstração efectiva (segundo a convicção do juiz) da realidade dum facto”, julgando o tribunal não provadas, por falta de prova convincente, as alegações de facto feitas pela Autora a respeito da ocorrência de um acidente de viação e toda a dinâmica inerente, designadamente que o seu veículo circulava nos termos que descreveu e tenha estado envolvido numa colisão com outro veículo que vinha “fora de mão”, seguida de capotamento. IV – Improcede igualmente a impugnação da decisão da matéria de facto na parte em que a Autora pretende ver aditada matéria (de facto) puramente conclusiva ou redundante, mormente no que concerne à privação de uso do veículo, pois, se já consta ou resulta do elenco dos factos provados na sentença, mostra-se inútil um tal aditamento (cf. art. 130.º do CPC). V – De igual modo não pode ser aditado ao elenco dos factos provados que “o valor diário da privação de uso é de 50,00 €, IVA incluído”, já que isso não constitui uma realidade objetiva passível de ser apreendida por um qualquer meio de prova, mas antes um juízo conclusivo, avaliativo e equitativo, porventura baseado em factos ou presunções judiciais que a Apelante ora não veio indicar, por ser evidente que não se está a referir a um concreto gasto que tenha tido ou sequer ao valor tabelado, numa rent-a-car, para o aluguer de viatura idêntica, mas sim a uma estimativa do que considera ser um valor adequado para ressarcir o invocado dano de privação do uso do veículo. VI – Não tendo a Autora logrado fazer prova dos factos essenciais que alegou, uma vez que não resultou provada nem a ocorrência da (suposta) colisão seguida de capotamento nos termos alegados, nem tão pouco que os danos que o seu veículo apresenta são decorrentes desse acidente, não pode a Ré ser considerada responsável pelo pagamento de qualquer quantia ao abrigo do contrato de seguro em apreço.
Texto Integral
Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados
I - RELATÓRIO
“A …, LDA. interpôs o presente recurso de apelação da sentença que julgou improcedente a ação declarativa que, sob a forma de processo comum, intentou contra AA …,, S.A..
Na Petição Inicial, apresentada em 13-07-2019, a Autora peticionou que a Ré fosse condenada “a cumprir o contrato de seguro com a Apólice (…)31 e a pagar à Autora a quantia de 15.033,27 €” (ou, pelo menos, a quantia de 14.179,24 €), bem como “a indemnizar a Autora pelo seu incumprimento contratual, no valor correspondente ao número de dias pelos quais esta esteve, está e estará privada o uso do seu referido veículo, até ao pagamento em que vier a ser condenada, num montante actual de 1.600,00€ e no montante diário de 50,00€ (privação vincenda)”; e ainda a pagar os juros vencidos no valor de 151,57 € e os juros vincendos, à taxa supletiva para as operações de natureza comercial, acrescida de 1%, sobre os capitais em dívida.
Alegou, para tanto e em síntese, que:
- A Autora, em 28-05-2019, era a proprietária do veículo de matrícula (…)-ON-(…), de marca Volvo e de modelo V60 1.6 D2 Momentum Eco;
- Tendo tal veículo seguro com cobertura de danos próprios apta a cobrir os danos relacionados com atos de choque, colisão e capotamento e outros, mediante contrato celebrado com a Ré a que se refere a apólice (…)31;
- Na madrugada de 27-05-2019 para 28-05-2019, o alarme do estabelecimento comercial da Autora (sito na Rua (…), Souselas) foi ativado e o seu Diretor de Tráfego foi advertido da ativação pelos serviços da entidade que gere o sistema de alarme;
- O Diretor de tráfego da Autora saiu de casa e, na referida viatura, dirigiu-se a tal estabelecimento comercial, para ver se era algo resolúvel por si ou se era necessário chamar a autoridade policial;
- Aí chegado, após verificar não haver qualquer tentativa de intrusão, regressou à referida viatura, tomando o destino de sua casa, seguindo pela Rua (…), no sentido Souselas-Brasfemes;
- Quando eram cerca das 3h30 da madrugada de 28-05-2019, circulando, “na sua mão” e observando todas as regras viárias, o veículo foi embatido por um outro veículo que, circulava em sentido contrário, “em velocidade aparentemente excessiva” e com os “máximos ligados”, “fora de mão” e ocupando a faixa de rodagem contrária (do sentido Brasfemes-Souselas);
- O Diretor de Tráfego da Autora tentou evitar o embate, chegando-se o mais possível à berma, mas o choque com tal veículo foi inevitável, dando-se entre a lateral esquerda do veículo de matrícula (…)-ON-(…) e a parte anterior esquerda do veículo que circulava “fora de mão”;
- Em consequência do embate, o veículo da Autora foi projetado para fora do leito da via, caindo por um “barranco”, e imobilizou-se capotado;
- O Diretor de Tráfego da Autora não conseguiu, face ao aparecimento inesperado do veículo que vinha “fora de mão”, identificar o mesmo, quer pela matrícula, quer pela marca/modelo, somente conseguindo, aperceber-se que era um veículo ligeiro e de cor clara (branco ou cinzenta clara);
- O veículo que vinha “fora de mão” prosseguiu a sua marcha, abandonando o local do acidente, sem se preocupar com a saúde e a vida do Diretor de tráfego da Autora que ficou dentro do veículo capotado;
- O Diretor de Tráfego da Autora, apesar do susto, ficou consciente e sem lesões que o incapacitassem para chamar a autoridade policial;
- Procurou o seu telefone telemóvel, encontrou-o, saiu do veículo (pela porta do “pendura”, porque a do condutor não abria), subiu o “barranco” e chamou a autoridade policial e os Bombeiros Voluntários de Brasfemes;
- A autoridade policial compareceu no local, onde tomou declarações ao Diretor de Tráfego da Autora, elaborou um croquis, tirou fotografias e, com aquele, procurou vestígios que pudessem ajudar a identificar o veículo que vinha “fora de mão”, tendo, mais tarde, elaborado a participação do acidente de viação;
- Foram encontrados, no local do embate, vidros e um pedaço de um retrovisor que, no seu interior, ostentava a marca Seat, sendo crível que tais vidros e tal retrovisor tenham sido consequência do embate descrito;
- Os Bombeiros Voluntários de Brasfemes chegaram ao local antes da autoridade policial, mediram a tensão do Diretor de Tráfego da Autora e verificaram se ele estava em estado grave, concluindo que não, mas perguntando-lhe se queria que o levassem às Urgências Hospitalares, oferta que ele declinou, por não sentir tal necessidade, pelo que os bombeiros se foram embora;
- A Autora participou o sinistro à Ré, dirigindo a participação à mediadora desta;
- A Ré apurou os danos no veículo da Autora em 23.685,37 €, quantia necessária à reparação do mesmo (em peças e mão-de-obra);
- O veículo estava segurado por 19.683,27 €, mas a Ré considerou-o como estando segurado por 18.829,24 € e avaliou o salvado em 4.400 €;
- De todo o modo, sempre o valor da reparação seria superior ao valor que estava segurado: a) Ou em 4.002,10 € (23.685,37 € - 19.683,27 € ꞊ 4.002,10 €); b) Ou em 4.856,10 € (23.685,37 € - 18.829,24 € ꞊ 4.856,10 €);
- A Ré, partindo do valor de 18.829,24 € a que subtraiu o valor da franquia (250 €), autorizou a Autora a comercializar o salvado (o que a Autora fez) e, subtraindo ainda ao resultado o valor de 4.400 €, colocou condicionalmente à disposição da Autora a quantia de 14.179,24 €;
- Quase um mês depois, a Ré recusou-se a assumir a responsabilidade;
- De 28-05-2019 até 12-06-2019, a Ré facultou à Autora um veículo de substituição;
- A partir de 12-06-2019, a Autora ficou privada do uso do seu referido veículo ou de um de substituição;
- A Autora usava o seu referido veículo para as deslocações do seu Diretor de Tráfego e, menos regularmente, dos seus outros funcionários e prestadores de serviços;
- O dano sofrido pela Autora (privação de uso) não é inferior ao valor correspondente àquele que a Autora teria de suportar no aluguer de um veículo de classe equivalente, sendo que o veículo de substituição que a Ré alugou (e facultou à Autora) teve um custo diário de 40,65 €, acrescidos de IVA (isto é, 50,00 €).
A Ré apresentou Contestação, em que se defendeu por impugnação motivada, de facto e de direito, negando que os danos invocados tenham sido devidos à ocorrência de um sinistro [ou seja, negando a fortuitidade, aleatoriedade e imprevisibilidade do evento de que resultaram os estragos no veículo] e alegando não ser devida indemnização pelos danos invocados a título de privação do uso, ante a circunstância de a Ré não se encontrar contratualmente obrigada a tanto.
Foi realizada audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, bem como despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Realizou-se a audiência de julgamento, em que o legal representante da Autora prestou declarações de parte e foi produzida prova testemunhal.
Após, foi proferida a Sentença (recorrida), que julgou a ação improcedente, absolvendo a Ré dos pedidos; mais julgou não verificada a litigância de má-fé da Autora e ser a mesma responsável pelas custas processuais.
É com esta decisão, na parte em que julgou a ação improcedente, que a Autora não se conforma, tendo interposto o presente recurso de apelação, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões: Conclusão Um - O douto Tribunal julgou mal o concreto ponto de facto relativo à fortuitidade, à aleatoriedade e à imprevisibilidade do sinistro que deu por não provado (isto é, julgou mal, o douto Tribunal toda a matéria factual descritiva do sinistro, matéria factual que deu por não provada, sendo que o meio probatório constituído pelo depoimento de “B” (…) em 16/11/2023 (prestado em 16/11/2023 – marcador com início às 01:18:24 – passagens da gravação desde 1:28:00 até 1:50:06, com as especiais referências mais detalhadas), conciliado com a prova documental (documentos 3 e 4, da petição inicial), impunha uma decisão sobre os pontos da matéria de factual diversa da decisão recorrida, devendo ser dado como provado que: a) - Em 28/05/2019, “B” (…) tomou o destino de sua casa, conduzindo o veículo de matrícula (…)-ON-(…), de marca Volvo e de modelo V60 1.6 D2 Momentum Eco; b) - No trajecto, o “B” (…) tomou a Rua (…), no Sentido Souselas-Brasfemes; c) - Ainda no trajecto, circulando na sua mão e observando todas as regras viárias, o veículo antes referido, conduzido pelo “B” (…), foi embatido por um veículo que, circulando em sentido contrário, em velocidade aparentemente excessiva e com os “máximos” ligados, vinha fora de mão e ocupando a faixa de rodagem contrária (ocupando a faixa de rodagem do sentido Brasfemes-Souselas); d) – “B” (…) evitar o embate, para isso se chegando o mais possível à berma, mas o choque com tal veículo que vinha fora de mão foi inevitável – Choque entre a lateral esquerda do veículo de matrícula (…)-ON-(…) e a parte anterior esquerda do veículo que circulava fora de mão; e) - Em consequência do embate, o veículo conduzido por “B” (…) foi projectado para fora do leito da via, caindo por um “barranco” e imobilizou-se capotado; f) - “B” (…) não conseguiu, face ao aparecimento inesperado do veículo que vinha fora de mão, identificá-lo, quer por matrícula, que não conseguiu ver, quer pela marca e pelo modelo; g) – “B” (…), face à rapidez dos acontecimentos, somente conseguiu aperceber-se que o veículo que vinha fora de mão era um veículo ligeiro e de cor clara (aparentemente, ou branca, ou cinzenta-clara); h) - Tal veículo que vinha fora de mão prosseguiu a sua marcha, abandonando o local do acidente, ficando “B” (…) dentro do veículo capotado; Conclusão Dois - O douto Tribunal julgou mal o concreto ponto de facto relativo à privação de uso desde 12/06/2019 (data em que a Autora deixou de ter um veículo de substituição facultado pela Ré) até à PI (13/07/2019) – 32 dias – e daí em diante, sendo que os meios probatórios são prova documental (documentos 3, 4 – data do sinistro – e 7 – Turiscar, da petição inicial) e o depoimento de de I … (…), prestado em 16/11/2023 – marcador com início às 00:06:02 – passagens da gravação desde 31:00 até 38:04, os quais impunham uma decisão sobre os pontos da matéria de factual diversa da decisão recorrida, devendo ser dado como provado que: a) - A Autora esteve privada de uso do veículo (ou de um de substituição fornecido pela Ré) desde 12/06/2019 até à actualidade; b) - O valor diário da privação de uso é de 50,00€, IVA incluído; Conclusão Três - O douto Tribunal julgou mal o concreto ponto de facto relativo aos danos físicos no veículo, nomeadamente, o valor da reparação, o valor da cobertura, o valor do salvado e o valor da franquia, sendo que os meios probatórios são prova documental (documento 5, da petição inicial), o qual impunha uma decisão sobre os pontos da matéria de factual diversa da decisão recorrida, devendo ser dado como provado que: a) - O valor dos danos físicos no veículo sinistrado é de 23.685,37€; b) - O valor da cobertura é de 18.829,34€; c) - O valor do salvado é de 4.400,00€; d) - O valor da franquia é de 250,00€. Conclusão Quatro - Deve ser alterada a matéria de facto, conforme antecedentemente exposto; Conclusão Cinco - E deve a sentença em crise ser revogada e substituída por uma outra que condene a Ré: a) - A indemnizar a Autora pelos danos físicos no veículo em 14.179,24€ (valor da cobertura menos valor do salvado menos valor da franquia); b) - A indemnizar a Autora em 50,00€ diários pelo seu incumprimento contratual, no valor correspondente à multiplicação desse valor pelo número de dias pelos quais esta esteve, está e estará privada o uso do seu referido veículo, até ao pagamento em que vier a ser condenada, num montante apurado à data da petição inicial de 1.600,00€ e no montante diário de 50,00€ quanto à privação sucessiva e à vincenda; c) - A indemnizar a Autora em juros vencidos e vincendos.
Foi apresentada alegação de resposta, em que a Ré defendeu que deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC).
Identificamos as seguintes questões a decidir:
1.ª) Se deve ser modificada a decisão da matéria de facto, com o aditamento ao elenco dos factos provados da matéria de facto indicada pela Apelante;
2.ª) Se a Ré está contratualmente obrigada a pagar à Autora a quantia peticionada, em cumprimento do contrato de seguro e indemnização pelo não cumprimento. Factos provados
Na sentença foram considerados provados os seguintes factos:
1. A Autora acordou com a Ré, por escrito, titulado pela apólice n.º (…)31, a transferência dos riscos emergentes da circulação do veículo automóvel ligeiro com a matrícula (…)-ON-(…), com primeira matrícula de março de 2014, pertencente à Autora, mais acordando, além do mais, na cobertura facultativa de danos próprios (choque, colisão e capotamento), com capital seguro de 19.683,27 € e uma franquia de 250,00 €, a partir de 15 de fevereiro de 2019.
2. As Partes tinham acordado nas seguintes coberturas:
3. Da respetiva apólice consta, além do mais:
Detalhe do Objeto Seguro
Categoria: Ligeiro Passageiros Marca: VOLVO
Matrícula: …-…-… Modelo: V60 Diesel
Data da 1ª matrícula: …-… Versão: V60 1.6 D2 M0MENTUM ECO
Combustível: Diesel N.° lugares: 5
Capital: 19 683,27 € Cilindrada: 1560
Valor dos extras: 0,00 €
Natureza: Particular Tabela de desvalorização: 03
O Veículo Seguro atrás indicado, encontra-se sujeito à tabela de desvalorização a seguir apresentada:
Tabela de Desvalorização (03) do Veículo
A partir do início do período de vigência após o. 10° ano de construção o objeto seguro não sofrerá desvalorização.
O valor do capital seguro do veículo indicado nas Condições Particulares corresponde ao da início do período de vigência do contrato e sofrerá até ao termo do mesmo período a desvalorização mensal prevista na tabela.
VMP - Percentagem a aplicar sobre o valor correspondente ao do início de cada período de vigência para determinação do Valor Medio Ponderado sobre o qual incidiu a taxa para cálculo do prémio.
O prémio das coberturas de danos próprios desta anuidade foi calculado com base no Valor Médio Ponderado de 18 344,80 €.
4. Do acordo constam, entre outras, as seguintes condições gerais: Cláusula 39.ª – Cobertura facultativas 1. (...) o Presente Contrato poderá garantir, nos termos estabelecidos nas Condições especiais e relativamente àquelas que expressamente constem das Condições Particulares, o pagamento das indemnizações, para além do âmbito do seguro de responsabilidade civil automóvel, devidas por: b) Choque, colisão e capotamento; Cláusula 42.º - Valor Seguro 1. Com excepção das coberturas com capitais próprios, a determinação dos valores seguros para cada cobertura facultativa contratada, devidamente identificados nas Condições Particulares, será da responsabilidade do Tomador do Seguro e/ou do Segurado. 2. Salvo estipulação em contrário nas Condições Particulares, o valor seguro para as coberturas previstas nas alíneas b), c), d), g) e h) do n.º 1 da cláusula 39.ª corresponde ao valor actual do veículo no momento do início da produção de efeitos do contrato, ou das suas alterações, podendo ser determinado de acordo com uma das seguintes formas: a) por indicação do respectivo valor em novo, tal como definido na cláusula 38.º. deduzido, se o veículo for usado, do coeficiente de desvalorização constante na tabela de desvalorização aplicável ao veículo e prevista nas condições particulares; (...) Cláusula 43.ª – Regras de desvalorização. 1. Após determinação do valor seguro nos termos da cláusula anterior, e salvo se outro regime de desvalorização for acordado e expresso nas Condições Particulares, o valor do veículo seguro para efeitos de terminação do montante a indemnizar em caso de perda total, será, nos meses e anuidades seguintes aos da celebração do contrato, automática e sucessivamente alterado de acordo com a tabela de desvalorização aplicável
5. Do aludido acordo constam, entre outras, as seguintes Condições Especiais: CHOQUE, COLISÃO E CAPOTAMENTO Para efeito da presente Condição Especial considera-se: CHOQUE: Danos no veículo seguro resultantes do embate contra qualquer corpo fixo ou sofrido por aquele quando imobilizado; COLISÃO: Danos no veículo seguro resultantes do embate com qualquer outro corpo em movimento; CAPOTAMENTO: Danos no veículo seguro resultantes de situação em que este perca a sua posição normal e não resulte de Choque ou Colisão. Cláusula 2.ª - Âmbito de cobertura (...) presente Condição Especial garante ao Segurado o ressarcimento dos danos que resultem para o veículo seguro em virtude de choque, colisão ou capotamento. A presente Condição Especial é exclusivamente aplicável a veículos ligeiros. (...) AUTOMÓVEL DE SUBSTITUIÇÃO Cláusula 1.ª – Âmbito da cobertura 1. A presente Condição Especial garante ao Segurado, em caso de privação forçada do uso do veículo seguro, em consequência de danos enquadráveis nos riscos de Choque, colisão ou capotamento, Furto ou roubo ou de Incêndio, raio e explosão, a atribuição, nas condições previstas na presente Condição Especial, de uma viatura de substituição da classe C, F ou H, conforme definido nas Condições Particulares. (...) Cláusula 2.ª – Condições de funcionamento da cobertura 1. A privação, para efeitos desta cobertura, considera-se imediatamente após o início da reparação ou do pedido de peritagem, quando o veículo seguro não possa circular, ou, em caso de furto ou roubo, após a participação do desaparecimento do veículo seguro às Autoridades, e cessa com o termo da sua reparação efetiva ou com a sua localização. Para acionar a presente cobertura, o Tomador do Seguro ou o Segurado deverão solicitar previamente ao Segurador a viatura de substituição, a qual deverá ser levantada pelo Tomador do Seguro/Segurado no local e Rent-a-Car indicados pelo Segurador. 2. Em caso de perda total, os efeitos da cobertura cessam na primeira das seguintes datas: - No dia em que for posta à disposição do Segurado a indemnização garantida pela cobertura do risco em causa, quando à mesma tenha sido subscrita; - No final do prazo limite definido na cláusula 3.ª desta Condição Especial. 3. Quando, por razões não imputáveis ao Segurador, não seja possível encontrar, para o período em causa, uma viatura de substituição da Classe prevista nas Condições Particulares, o Segurador fornecerá uma viatura da classe imediatamente inferior de acordo com as disponibilidades de oferta do mercado. 4. Sempre que o Tomador do Seguro ou o Segurado, por sua iniciativa e risco, proceda ao aluguer de uma viatura sem a aceitação prévia do Segurador, este apenas ficará obrigado a responder pelo valor máximo indicado no n.º 5 da presente cláusula, desde que feita prova do efetivo pagamento à entidade legalmente autorizada para o exercício da atividade de aluguer de veículos sem condutor. 5. Para efeitos do disposto no n.º 4 da presente cláusula, o valor da prestação a cargo do Segurador ficará sujeito aos seguintes limites:
Classe
Valor Máximo a Cargo do Segurador / dia
C
14,70 €
F
19,60 €
H
31,20 €
Cláusula 3.ª – Limites da cobertura 1. O período de privação, para efeitos da presente Condição Especial, não poderá ultrapassar o período máximo de quinze (15) dias por anuidade. 2. Sem prejuízo do número máximo de dias acima definido, as garantias da presente Condição Especial somente poderão ser acionadas duas vezes durante a mesma anuidade.
6. Em 28 de maio de 2018, a Autora participou à Ré a ocorrência de acidente automóvel, através da declaração amigável de acidente, na qual constam, entre outras, as seguintes menções:
Data do acidente 28/05/2018
Hora 3.30
Localização País: Portugal
Local: Estrada Souselas/Brasfemes
Feridos, mesmo ligeiros não X (…)
9. Condutor (…)
APELIDO: “B”
Nome:…
Data de nascimento (…)
(…)
4-DESCRIÇÃO PORMENORIZADA DO ACIDENTE
Indique a que velocidade seguia o seu veículo: 80/90 Km/h
Circulava na estrada de Souselas/Brasfemes, quando uma viatura de cor brança ou cinza (…) que não posso assegurar veio de frente, cortando a minha faixa. Deixei o que pude. no entanto a mesma embateu lateralmente na viatura (…)-ON-(…), atirado-a mesmo para fora da estrada. A viatura que embateu seria segundo a GEN um veículo da marca Seat pois no local ficou um destroço de espelho.
5-Foi levantado auto pelas autoridades? Sim GNR (…) Posto (…) Coimbra/Souselas.
Algum dos intervenientes foi submetido ao teste de pesquisa de álcool? Não (…).
7. Em 30 de maio de 2019, a Ré procedeu à realização de peritagem, tendo verificado a existência de estragos no veículo na frente esquerda e direita, lateral esquerda e direita, traseira, parte superior, e apurado que o custo de reparação era de 19.256,40 €, acrescido de IVA, a título de peças necessárias e contabilizando mão-de-obra.
8. Em 4 de Junho de 2019 foi apresentada proposta de cotação do salvado de 4.400,00 € por parte de entidade terceira, UON Salvados.
9. Em 5 de Junho de 2019, a Ré remeteu à Autora a seguinte comunicação:
No seguimento da vistoria efetuada pelos nossos serviços técnicos à viatura, informamos que a estimativa de reparação (€ 23.685,37) se torna excessivamente onerosa face ao valor seguro.
Nos termos do Decreto-Lei n.º 214/97, de 16 de Agosto, o valor seguro à data do sinistro é de € 18.829,24 e o veículo com danos foi avaliado em € 4.400,00.
Face ao exposto, embora ainda não nos seja possível assumir uma posição quanto a responsabilidades, colocamos condicionalmente à sua disposição a quantia de € 14.179,24, já deduzida a franquia contratual de € 250,00 e mantendo V/Exa(s)., a posse do veículo com danos do qual pode dispor livremente, pelo que aguardamos que nos remeta fotocópias do cartão de cidadão ou bilhete de identidade e cartão de contribuinte do proprietário, assim como dos documentos da viatura.
Na eventualidade de pretender desde já comercializar o veículo sinistrado, no estado em que ele se encontra, pelo valor de € 4.400,00, indicamos desde já a entidade que deverão contactar:
UON Salvados
Av.(…)
Tel/Tlm (…)
Email: (…).
10. Entre 28 de maio de 2019 e 12 de junho de 2019, a Ré entregou à Autora um veículo de substituição.
11. Em 4 de Julho de 2019, a Ré remeteu à Autora a seguinte comunicação:
Reportamo-nos ao sinistro em título, de cuja regularização nos ocupamos.
Serve a presente para informar V. Exa.(s) que, após análise aos elementos que integram o nosso processo, nomeadamente averiguação efetuada e respetiva peritagem, se constatou a existência de um conjunto de irregularidades que nos levam a concluir que o sinistro não terá ocorrido de uma forma aleatória, súbita e/ou imprevista, pelo que declinamos qualquer responsabilidade pela liquidação dos danos decorrentes do mesmo.
Se pretender obter algum esclarecimento adicional, por favor contacte-nos através de um dos meios abaixo indicados.
12. O veículo em apreço era utilizado por parte do Diretor de Tráfego, “B”, funcionários e outros prestadores da Autora, no exercício da respetiva atividade comercial. Da modificação da decisão da matéria de facto
A Apelante pugna pelo aditamento ao elenco dos factos provados de um conjunto de factos, fazendo-o sem impugnar a decisão quanto a qualquer um dos factos constantes desse elenco.
De salientar que na decisão da matéria não consta propriamente (como teria sido preferível) um elenco de factos considerados não provados, mencionando-se antes que: “Não se lograram provar quaisquer outros factos, não foram considerados as conclusões, as alegações de direito, e as circunstâncias fácticas irrelevantes para o presente juízo jurisdicional.”
No entanto, resulta da motivação da decisão da matéria de facto (adiante reproduzida na íntegra) que, na verdade, alguns dos factos essenciais alegados na Petição Inicial foram considerados não provados, designadamente que: em 28 de maio de 2019, cerca das 3.30h, o veículo com a matrícula …-ON-… tenha sido embatido por veículo que circulava em sentido contrário, em velocidade excessiva e com os “máximos” ligados, ocupando a faixa de rodagem contrária, no sentido Brasfemes – Souselas.
A Apelante, na conclusão um da sua alegação recursória, sustenta que o Tribunal julgou mal o “concreto ponto de facto relativo à fortuitidade, à aleatoriedade e à imprevisibilidade do sinistro”, ou seja, toda a matéria factual descritiva do sinistro que deu por não provada, invocando, para estribar o invocado erro de julgamento, o depoimento da testemunha “B”, conjugado com os documentos 3 e 4 juntos com Petição Inicial, defendendo que deverá ser dado como provado que:
a) Em 28/05/2019, “B” tomou o destino de sua casa, conduzindo o veículo de matrícula (…)-ON-(…), de marca Volvo e de modelo V60 1.6 D2 Momentum Eco;
b) No trajecto, o “B” tomou a Rua (…), no Sentido Souselas-Brasfemes;
c) Ainda no trajecto, circulando na sua mão e observando todas as regras viárias, o veículo antes referido, conduzido pelo “B”, foi embatido por um veículo que, circulando em sentido contrário, em velocidade aparentemente excessiva e com os “máximos” ligados, vinha fora de mão e ocupando a faixa de rodagem contrária (ocupando a faixa de rodagem do sentido Brasfemes-Souselas);
d) “B” evitar o embate, para isso se chegando o mais possível à berma, mas o choque com tal veículo que vinha fora de mão foi inevitável – Choque entre a lateral esquerda do veículo de matrícula (…)-ON-(…) e a parte anterior esquerda do veículo que circulava fora de mão;
e) Em consequência do embate, o veículo conduzido por “B” foi projectado para fora do leito da via, caindo por um “barranco” e imobilizou-se capotado;
f) “B” não conseguiu, face ao aparecimento inesperado do veículo que vinha fora de mão, identificá-lo, quer por matrícula, que não conseguiu ver, quer pela marca e pelo modelo;
g) “B”, face à rapidez dos acontecimentos, somente conseguiu aperceber-se que o veículo que vinha fora de mão era um veículo ligeiro e de cor clara (aparentemente, ou branca, ou cinzenta-clara);
h) Tal veículo que vinha fora de mão prosseguiu a sua marcha, abandonando o local do acidente, ficando “B” dentro do veículo capotado;
A Apelada discorda, argumentando, em síntese, que: a Apelante limita-se a invocar os “testemunhos” de I … e “B”, remetendo para passagens da gravação descontextualizadas e desfasadas da realidade; aqueles são protagonistas de um “sinistro simulado”, como resulta dos depoimentos da testemunha MA e da testemunha “D”; em particular, o depoimento deste último é “Deveras elucidativo”, ficando claramente provado que não estamos perante um acidente de viação com carácter súbito ou imprevisto; bastava essa prova no que à “dinâmica do acidente” diz respeito, mas está também documentalmente provada nos autos uma reiterada prática fraudulenta em relação à indústria seguradora do “Grupo ...”.
A motivação da decisão de facto tem, no que ora importa, o seguinte teor (sublinhado nosso): «(…) No mais, a convicção do Tribunal, com vista à formulação de juízo de verificação e falsificação das restantes circunstâncias fácticas alegadas pelas partes fundou-se na análise crítica e reflexiva da prova documental carreada aos autos, da livre apreciação da prova testemunhal e das declarações de parte do legal representante da Autora, à luz de critérios de lógica e de experiência. O punctum crucis do presente juízo de verificação e falsificação radica na existência, ou não, do sinistro invocado por parte da Autora [entenda-se a circunstância de, em 28 de Maio de 2019, cerca das 3.30h, o veículo com a matrícula (…)-ON-(…) ter sido embatido por veículo que circulava em sentido contrário, em velocidade excessiva e com os “máximos” ligados, ocupando a faixa de rodagem contrária, no sentido Brasfemes – Souselas] e que tal evento foi fortuito, aleatório e imprevisto. É certo que o veículo da Autora apareceu com estragos materiais, que, como referido, é factualidade que não se apresenta controversa entre as partes [veja-se o depoimento de F …, na qualidade de perito avaliador, subscritor do relatório de peritagem “estimativa de danos”, documento n.º 15, junto em anexo à contestação], contudo uma coisa é a demonstração de que o veículo apresenta estragos materiais outra distinta é a demonstração do modo como os mesmos foram produzidos [repita-se, que o embate alegado tenha ocorrido e seja reconduzível a um evento fortuito, aleatório e imprevisto]. E, aqui, refira-se, desde logo, que o contexto probatório se afigura adverso à demonstração da tese factual proposta por parte da Autora, considerando que não foi carreada aos autos prova suficiente, com um nível de prova clara e preponderante, exigida em processo civil, para sustentar a sua convicção quanto à respectiva verificação. O depoimento que, abstractamente, se apresentaria decisivo / primordial [epistemicamente] – o depoimento de “B”, na qualidade de condutor do veículo – torna-se ambíguo e vago, em especial, na recondução, rectius na relação entre a dinâmica descrita e os estragos verificados no veículo. Hic et nunc, apresentam-se decisivos os depoimentos “C”, na qualidade de perito averiguador, e de “D”, na qualidade de perito averiguador coordenador, que, de forma coerente e concordante, referem a falta de enquadramento dos estragos na lateral esquerda do veículo, a ausência de “amolgadela acentuada”, ante o relato efectuado [o embate], “não apresenta uma pancada evidente / amolgadela que o projectasse [o veículo]; ainda, a projecção não se apresentar compatível com a posição do veículo, por confronto com o croqui elaborado [vide documento n.º 3, junto em anexo à petição inicial]. Correlativamente, veja-se que, do depoimento de F …, na qualidade de perito avaliador, resultou a referência de que o veículo apresentava mais estragos do lado direito e que os estragos verificados do lado esquerdo seriam “eventualmente” [decorrentes] do rebolar, ao capotar. Tal circunstância permite fundar a razoabilidade da dúvida do modo como se verificaram os estragos no veículo da Autora. De qualquer modo, apenas com o fito de perscrutar todos os elementos probatórios produzidos, refira-se: a) a irrelevância epistémica do depoimento de G …, na qualidade de irmão do gerente da Autora e filho do condutor, que referiu apenas ter tido conhecimento ulterior da situação, por intermédio daqueles [irmão e pai] e do depoimento de H …, na qualidade de profissional e seguros e da circunstância de a Autora ser sua cliente, apenas descrevendo procedimentalmente o modo de celebração do acordo e a circunstância de não ter sido indicado a pessoa que conduziria o veículo segurado [o que per si não permite retirar qualquer conclusão, positiva ou negativa, de verificação ou falsificação]. R) a parcial relevância epistémica oa) das declarações de parte do legal representante da Autora, I …, que se deslocou ao local após o sinistro invocado, não se recordando, não sabendo precisar quais os estragos verificados no veículo, relatando o que lhe foi comunicado por parte do seu pai [embate lateral de veículo não identificado] – conhecimento indirecto - e descrevendo procedimentalmente a actuação da seguradora [realização de peritagem, comunicações e atribuição de veículo de substituição, por referência, ainda, aos documentos n.º 6 a 8 juntos em anexo à petição inicial]. RR) do depoimento de “E”, na qualidade de militar da GNR, que confirmou a elaboração da participação de acidente de viação, o referido documento n.º 3, junto em anexo à petição inicial, e, ainda, as fotografias juntas em anexo ao ofício de ref.ª Citius … de 29-02-2024, bem como os actos praticados no local. Mais, É certo que, dos elementos carreados / produzidos, não se questiona o Leitmotiv da deslocação efectuada por parte do condutor do veículo da Autora – aqui, veja-se, a informação prestada por parte da Securitas Direct Portugal [ref.ª Citius …] -, contudo tal circunstância per si não permite corroborar a versão descrita do sinistro [sendo certo que não se coloca em crise, quer o local onde o veículo foi encontrado, quer a circunstância de o mesmo ser, à data, conduzido por “B”]. Ainda, Resultou a circunstância de ter sido encontrado no local um pedaço de um retrovisor [que no interior tinha a indicação da marca Seat], vide, em correlação, registo fotográfico anexo à participação do acidente de viação, depoimento de “E”, de “B” e de declarações do legal representante, sendo certo que é invocada a circunstância dubitativa quanto à respectiva localização do pedaço do retrovisor, o invocado local de embate e o local onde o veículo da Autora foi encontrado, isto, por referência aos depoimentos de “C”, de “D” [não se olvidando que o croqui não foi elaborado à escala, o que, de resto, resulta do próprio e do depoimento de “E”]. Tal dado per si não permite extrair / corroborar a dinâmica descrita: é certo que pertence a outro veículo, mas não se sabe se pertence ao veículo que alegadamente embateu no veículo da Autora. Nesse conspecto, tal dado / tal elemento não permite dissipar a dúvida supra-referida [a relação entre os estragos materiais e a dinâmica descrita]. A ambiguidade, rectius insuficiência dos elementos probatórios produzidos é potenciada pela ausência de qualquer outro elemento probatório exógeno, que permita confirmar a versão carreada por parte da Autora e / ou descrita na declaração amigável de acidente de viação / participação – note-se que, esta, não consubstancia per si um elemento exógeno. Assertiva e normativamente: a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita (artigo 414.º do Código de Processo Civil), no caso a Autora, eis, pois, o critério que soluciona o presente juízo de verificação e falsificação. [Apela-se à inversão do ónus da prova, n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil, ante a circunstância de a Ré não ter procedido à junção do relatório de averiguação – vide, em correlação, despacho proferido em 25-11-2021, ref.ª Citius …, requerimento de ref.ª Citius … de 02-05-2022 e requerimento de ref.ª Citius … de 05-05-022 -, contudo por não verificação dos respectivos pressupostos o efeito prático normativo da falta de junção não poderá ser o pretendido, porquanto, independentemente da conduta volitiva, a prova do facto não se tornou impossível. Tratar-se-ia de uma hiperbolização da eventual relevância probatória de um relatório elaborado posteriormente ao facto / episódio que se alega e pretende provar. Mobilizando-se uma ideia comezinha: tomando em toda a linha o raciocínio da Autora, chegar-se-ia à conclusão de que a mesma ficou impossibilitada de conhecer / provar a factualidade por si própria alegada, pela mera circunstância de não conhecer o modo como a própria Ré apreciou, confirmou ou infirmou a história por si narrada / por não conhecer as conclusões da Ré, no âmbito de diligências meramente internas. Por fim, sempre se diga que, apesar da falta de junção do aludido relatório, o resultado das diligências internas foi carreado aos autos por intermédio das supra-referidas testemunhas, “C” e de “D”]. Explicite-se que o presente juízo não se funda na dúvida convocada por parte da Ré, através de circunstâncias relacionais entre os intervenientes e / ou da correlativa suspeita invocada relativamente ao condutor e de histórico de sinistralidade [vide, v.g. informação prestada pelas seguradoras, Liberty Seguros, ref.ª Citius (…)97 de 12-05-2022, por Fidelidade, ref.ª Citius (…)76 de 01-03-2023, ref.ª Citius (…)56 de 02-03-2023 e ref.ª Citius (…)86 de 04-04-2024]. Em verdade a circunstância de terem ocorrido sinistros anteriores, de certa tipologia, a circunstância de ter sido invocada uma relação próxima entre os intervenientes e / ou a relação de identidade entre os sinistros e certo condutor não implica lógica, necessária e facticamente que o embate objecto dos autos tenha, ou não, ocorrido de certa forma. A dúvida, como referido, radica na ausência de elementos que permitam concluir que os estragos verificados resultem do embate invocado [especificamente, parte lateral esquerda] e, como tal, posta em crise, em termos dubitativos, a respectiva compatibilidade, coloca-se decisivamente em crise a corroboração do sinistro [e correlativas características, ou seja, a sua fortuitidade, imprevisibilidade e aleatoriedade], por ausência de elementos epistemicamente relevantes e objectivos quanto à dinâmica alegada. Não se logrou fazer prova em contrário, sendo que, no mais [restantes circunstâncias fácticas alegadas pelas Partes], não foi carreada aos autos prova suficiente, com um nível de prova clara e preponderante, exigida em processo civil, para sustentar a sua convicção quanto à respectiva verificação.»
Apreciando.
É sabido que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos, conforme expressamente previsto no art. 341.º do CC, impondo o n.º 4 do referido art. 607.º que o juiz analise criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção. De salientar que a convicção (bastante) do julgador não se trata, como é pacífico (até porque seria normalmente impossível de obter), de uma certeza absoluta, assim o reconhecendo, desde há muito, a doutrina e a jurisprudência, sem alteração digna de nota no atual CPC (cuja aprovação tão pouco contendeu com as regras de direito probatório material constantes do Código Civil). Neste sentido, veja-se, por ex., Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida[in “Direito Processual Civil”, Vol. I, Almedina, fevereiro 2010, págs. 274-277 (cf. pág. 277)], afirmando que está sujeita à livre apreciação do tribunal a generalidade das provas produzidas na audiência de julgamento, v.g. a força probatória das respostas dos peritos, do resultado da prova por inspeção judicial e dos depoimentos das partes ou das testemunhas (arts. 389.º, 391.º e 396.º do CC), cedendo tal princípio perante situações de prova legal ou tarifada, e que “(N)ão se torna, porém, exigível que a convicção do julgador sobre a validade dos factos alegados pelas partes assente num juízo de certeza absoluta, bastando que se baseie num juízo de razoável probabilidade ou verosimilhança, v.g. legitimado com recurso às presunções judiciais (arts. 349.º e 352.º do CC). Tudo sendo sabido que, em caso de dúvida insanável, há que fazer funcionar as regras distributivas do ónus da prova e da respectiva satisfação/insatisfação pela parte sobre a qual esse encargo legalmente impendia” (cf. arts. 342.º a 348.º do CC e 414.º do CPC).
Lembramos também as palavras, que continuam atuais, de Antunes Varela [em anotação ao Acórdão do STJ de 22 de outubro de 1981, in RLJ Ano 116, n.º 3716, pág. 339] “A prova – quer extrajudicial, quer judicial – de um facto não visa obter a certeza absoluta, irremovível, da verificação do facto. Provar um facto no tribunal perante o juiz não é o mesmo que demonstrar um teorema na aula para o aluno, nem será o mesmo que realizar no laboratório uma análise clínica para o cliente. A prova, por força das exigências da vida jurisdicional e da natureza da maior parte dos factos que interessam à administração da justiça, visa apenas a certeza subjectiva, a convicção positiva do julgador. Se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação de justiça. A prova tem, por isso mesmo, atenta a inelutável precariedade dos meios de conhecimento da realidade (especialmente dos factos pretéritos e dos factos do foro interno de cada pessoa), de contentar-se com certo grau de probabilidade do facto: a probabilidade bastante, em face das circunstâncias concretas da espécie, para convencer o julgador (que conhece as realidades do Mundo e as regras da experiência que neles se colhem) da verificação ou realidade do facto”.
Na mesma linha, afirmava, de forma lapidar, Manuel de Andrade [in “Noções Elementares de Processo Civil”, Reimpressão, 1993, Coimbra Editora, págs. 191-192], a propósito do conceito de prova constante do art. 341.º do CC, que se tem aí em vista a prova como resultado: “É a demonstração efectiva (segundo a convicção do juiz) da realidade dum facto – da veracidade da correspondente afirmação”, acrescentando que “(A) prova não é certeza lógica, mas tão-só um alto grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica)”. E aludindo à “terminologia dos filósofos”, referia ainda que “pode dizer-se que haverá prova acerca dum ponto de facto logo que o material probatório existente nos autos já permita ao juiz uma opinião (mais do que a ignorância ou a dúvida, e menos do que a certeza, que corresponde à evidência) quanto a esse ponto.” (cf. nota de rodapé 1 da pág. 192).
Nesta senda, cumprindo a este coletivo de juízes reapreciar a prova produzida, para que possa formar a sua própria convicção a respeito da factualidade em apreço, foi ouvida, na íntegra, a gravação da prova produzida em audiência de julgamento, mais tendo sido analisados todos os documentos juntos aos autos. Estes elementos probatórios foram apreciados, conjugada e criticamente, à luz de regras de experiência e segundos juízos de normalidade. Posto isto, desde já adiantamos que não ficámos convencidos quanto à ocorrência do acidente de viação alegado pela Autora, incluindo qualquer um dos factos cujo aditamento pretende, antes acompanhamos as considerações feitas na sentença recorrida.
Não estamos com isto a afirmar que a Ré provou terem ocorrido factos dos quais resulta que o sinistro foi forjado ou simulado, mas sim que a versão dos factos que a Autora alegou não ficou demonstrada por não ter sido produzida convincente a esse respeito, atendendo à forma como foram prestadas as declarações de parte pelo legal representante da Autora e o depoimento da testemunha “B” (pai daquele) - que nos mereceram pouca credibilidade -, e face aos depoimentos prestados pelas testemunhas “C” e “D” - de forma que se nos afigurou segura e mais plausível, denotando experiência na averiguação de sinistros e chamando a atenção para um conjunto de incongruências várias de relevo que justificam que a viatura em apreço não pudesse ter estado envolvida num acidente com os contornos descritos pela testemunha “B”.
Em primeiro lugar, não ficámos convencidos da efetiva existência de um motivo para que o referido “B” (supostamente) estivesse a conduzir a viatura em apreço, àquela hora da noite e naquele no local, não estando demonstrado que nas instalações da Autora tenha efetivamente sido acionado um “falso alarme”, ou seja, que, por razões estranha à vontade do legal representante da Autora, o alarme tenha sido acionado; aliás, face aos documentos 2 e 3 juntos pela Autora no seu requerimento de 22-05-2023 e à informação que veio a ser prestada pela Securistas Direct (em 07-08-2023) apenas se pode considerar que nas instalações de uma outra empresa (ou a “Cars & Services By ..., Lda.” ou a “TGF Cars, Unipessoal, Lda.”), que beneficiava de alarme da Securistas Direct, foi acionado o alarme, desconhecendo-se as circunstâncias em que isso aconteceu.
No que mais importa, concluímos que a testemunha “B” descreveu um embate (colisão e despiste com capotamento) em termos não compatíveis com o estado em que a viatura ficou. Efetivamente, disse que “de repente vejo que o carro vem de frente, completamente fora de mão, encosto tudo à direita, sou embatido lateralmente por viatura clara na lateral esquerdo e saio da estrada”. Ora, dada as caraterísticas da estrada (em particular a sua largura de 4,20 m, como consta da participação elaborada pela autoridade policial, mais estreita do que a largura indicada para uma estrada com dupla faixa de rodagem, que, será pelo menos, de 5,5 m), parece-nos que, se a viatura viesse completamente fora de mão, o embate teria sido, pelo menos em parte, frontal e violento.
Ora, conforme foi sublinhado pelas testemunhas “C” e “D”, cujos depoimentos nos mereceram bem mais credibilidade do que o da testemunha “B”, os danos na viatura da Autora não eram compatíveis com um embate como o descrito. Aliás, isso mesmo nos dizem as regras de experiência, também não se percebendo como sairia “B” completamente ileso de um acidente que tivesse sucedido nos termos que descreveu e, sobretudo, como, a ter acontecido, nem cuidou de se deslocar ao Hospital, nessa madrugada ou no dia seguinte, para aí fazer uns exames (raio x ou outros), de modo a verificar se estava tudo bem com a sua saúde, isto quando até tinha chamado os Bombeiros, a GNR e o reboque, sendo um facto notório que acidentes como o que descreveu podem causar lesões traumáticas graves, cujas consequências (por exemplo, hemorragias internas) são passíveis de colocarem em perigo a vida.
Do mesmo modo não se percebendo que, perante o (suposto) embate com outra viatura, esta última tenha prosseguido a sua marcha, como se nada fosse, dada a ausência de quaisquer (efetivos) vestígios de embate na estrada. E não se diga que a peça do espelho do Seat era um vestígio, pois, na verdade, o lugar onde foi encontrada, mesmo ao lado do sítio onde o carro da Autora estava na ribanceira, não é compatível com as regras da física que caraterizam a dinâmica própria de um acidente, considerando a velocidade a que os veículos circulam e o tempo que demoram a travar, como bem explicaram as testemunhas “C” e “D”. De salientar que estas testemunhas, na averiguação que fizeram, tiveram o cuidado de observar o veículo da Autora na oficina, foram ao local indicado como sendo o do sinistro e também falaram pessoalmente com o referido “B” (suposto condutor).
Em particular a testemunha “D” afirmou, de forma segura, que a descrição do (alegado) acidente feita por “B” “não encaixava” face aos vestígios do carro e ao local do sinistro, explicando que existem vários pormenores que não batem certo, “desde os danos que o carro tem na lateral esquerda, para mim não são compatíveis com uma colisão repentina com outro veículo em sentido contrário, quanto mais projeção”. Acrescentou que, no seu entender, o que sucedeu “não é um despiste descontrolado, aquilo é um carro que vai a deslizar pela ravina. Depois há um espelho retrovisor mencionado no croquis da Polícia, que está na faixa de rodagem na direção onde estava o carro, não faz sentido nenhum, o espelho nunca poderia também pela direção, no sentido de marcha do carro, neste caso tinha que estar antes, se ele bate com o espelho com o canto dele contrário, só se vai despistar mais à frente, não se vai despistar naquele local e ficar ali, não é?, como é óbvio, não faz sentido”, mais afirmando que, na sua opinião, o espelho foi ali colocado.
Após as instâncias dos Senhores Advogados, ainda foi perguntado à testemunha, pelo Sr. Juiz, que indicasse, em síntese, os principais motivos que o levaram, enquanto coordenador e na validação do trabalho do Sr. “C”, a referir que este sinistro seria duvidoso, ao que a testemunha respondeu que a principal razão “foi a dinâmica do sinistro, vestígios que o veículo apresenta e a própria posição em que ficou, a posição final, o principal motivo foi este”, acrescentando que “o Sr. “B” diz que é embatido na lateral esquerda por um carro no sentido contrário, o carro na lateral esquerda não apresenta uma pancada, ou de forma evidente, e que apresente amolgadela de tal maneira que o projetasse para fora de estrada, ele diz que foi projetado para fora da estrada. O carro tem danos na lateral esquerda, algumas amolgadelas e alguns riscos que não são contínuos, que até podem ter sido causados pelo capotamento, por isso não são compatíveis com um embate na viatura em sentido oposto, ponto n.º 1. A Projeção para fora de estrada, conforme me foi assim transmitido, não é compatível com a posição do carro, o carro tem uma posição como se tivesse rolado pela valeta em velocidade reduzida e ficou imobilizado junto à água, quando o talude, digamos, acaba. Posição do espelho retrovisor colocado na via, que em nossa opinião terá sido colocado, ele está na mesma direção da posição final do carro, a gente se estiver no carro cá em baixo, na parte da vala, digamos, o carro estava na mesma direção do espelho, não pode ser, porque se o espelho, se ele bate com outro carro bate com o espelho e depois é que se despista, ele está a percorrer metros, o carro vai ter que ficar mais à frente, nunca poderia ser na direção do espelho. Por isso, isto é o principal motivo de a gente ter sugerido a recusa do sinistro.”
Tudo ponderado, reiteramos não ter sido produzida prova convincente quanto às alegações de facto feitas pela Autora, pelo que não ficámos convictos de que o veículo da Autora circulasse nos termos descritos e tenha estado envolvido numa colisão com outro veículo que vinha “fora de mão”, seguida de capotamento, improcedendo, assim, a conclusão da alegação recursória em apreço.
Sustenta a Apelante, na conclusão dois da sua alegação, que o Tribunal julgou mal o concreto ponto de facto relativo à privação de uso desde 12-06-2019 (data em que a Autora deixou de ter um veículo de substituição facultado pela Ré) até à data da propositura da ação (13-07-2019) e daí em diante, invocando os documentos 3, 4 e 7 juntos com a Petição Inicial e as declarações do legal representante da Autora para que seja dado como provado que:
a) A Autora esteve privada de uso do veículo (ou de um de substituição fornecido pela Ré) desde 12-06-2019 até à atualidade;
b) O valor diário da privação de uso é de 50,00 €, IVA incluído.
Vejamos.
Tendo ficado provado que o custo de reparação dos estragos existentes no veículo da Autora era de 19.256,40 €, acrescido de IVA, e que a cotação do salvado proposta era 4.400,00 €, bem como que, entre 28 de maio de 2019 e 12 de junho de 2019, a Ré entregou à Autora um veículo de substituição, e não estando provados outros factos a este respeito (que à Ré caberia alegar), designadamente que, a partir de 13 de junho, a Autora já tivesse o seu referido veículo reparado ou que a Ré lhe tivesse, de novo, facultado uma viatura de substituição, é inevitável concluir que a Autora esteve, desde então, privada do uso desse veículo ou de um de substituição providenciado pela Ré. Portanto, a matéria de facto vertida em a) é puramente conclusiva, na medida em que se trata de uma conclusão que se retira dos factos já assentes e cujo aditamento se mostra inútil, não sendo merecedora de um juízo probatório autónomo (cf. art. 130.º do CPC).
Quanto ao “facto” indicado em b), é evidente que a Autora não se está a referir a um concreto gasto que tenha tido, mas sim a uma estimativa do que considera ser um valor adequado para ressarcir o invocado dano de privação do uso do veículo. Aliás, nas suas declarações de parte, o legal representante da Autora disse que não se recordava se chegou a alugar um veículo de substituição (o que não deixa de ser estranho, pois o normal seria que soubesse se isso aconteceu ou não) e que tinham posteriormente adquirido quatro veículos, o primeiro dos quais em agosto de 2019, um Mercedes classe E, que veio substituir o Volvo danificado. Note-se que tão pouco se está a pretender dar como provado um valor tabelado, numa rent-a-car, para o aluguer de viatura com as caraterísticas do Volvo de que a Autora era proprietária. Portanto, o que a Autora pretende é que seja dada como provada matéria que não constitui uma realidade objetiva passível de ser apreendida por um qualquer meio de prova, mas antes um juízo avaliativo e equitativo, porventura baseado em factos ou presunções judiciais que ora não veio indicar. Estamos, assim, perante uma alegação puramente conclusiva.
Não tem, pois, cabimento ou utilidade acrescentar essas alegações ao elenco dos factos provados, a primeira porque ser já se retira do elenco dos factos (sendo desnecessário o aditamento), a segunda porque nem sequer se trata de um facto passível de ser considerado provado. Nesta linha, veja-se o acórdão da Relação do Porto de 07-10-2013, proferido no proc. n.º 488/08.1TBVPA.P1, disponível em www.dgsi.pt, conforme se alcança do respetivo sumário: “Na vigência do Código de Processo Civil anterior, mas igualmente após 1.09.2013, ocasião em que passou a vigorar a Lei 41/2003, de 26 de junho (NCPC) a matéria de facto à qual há que aplicar o direito tem de cingir-se a verdadeiros factos e não a questões de direito ou a meros juízos conclusivos. Neste sentido, a revogação do artigo 646, n.º 4 do anterior CPC, não significa que o princípio nele estabelecido haja sido alterado.” Na mesma linha de pensamento, se pronunciou STJ no acórdão de 07-05-2014, proferido no processo n.º 39/12.3T4AGD.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se afirma precisamente que: “I - Compete ao Supremo Tribunal de Justiça, por tal constituir matéria jurídica, apreciar se determinada asserção – tida como “facto” provado – consubstancia na realidade uma questão de direito ou um juízo de natureza conclusiva/valorativa, caso em que, sendo objeto de disputa das partes, deverá ser julgada não escrita.” Numa outra perspetiva, com resultado equivalente, veja-se de Paulo Ramos de Faria, no seu artigo “Escrito ou não escrito, eis a questão! (A inclusão de proposições de direito na pronúncia de facto)”, publicado na Revista JulgarOnline, novembro de 2017, em que o autor explica a razão de ser do preceito constante do art. 646.º, n.º 4, do anterior Código de Processo Civil, concluindo que “é manifestamente errada a inclusão de proposições de direito na pronúncia de facto. Sinalizado o erro, tais proposições devem ser tidas por imprestáveis, inúteis ou irrelevantes – vale qualquer predicação que evidencie a sua inidoneidade para, no lugar de um facto, servir de premissa ao silogismo judiciário –, mas nunca por inexistentes ou não escritas.”
Assim, improcede a conclusão da alegação de recurso a este respeito, não se verificando o invocado erro de julgamento.
Defende a Apelante, na conclusão três da sua alegação, que o Tribunal julgou mal o concreto ponto de facto relativo aos “danos físicos no veículo”, nomeadamente, o valor da reparação, o valor da cobertura, o valor do salvado e o valor da franquia, invocando o documento 5 junto com a Petição Inicial, do qual, no seu entender, resulta que deve ser dado como provado que:
a) - O valor dos danos físicos no veículo sinistrado é de 23.685,37 €;
b) - O valor da cobertura é de 18.829,34 €;
c) - O valor do salvado é de 4.400,00 €;
d) - O valor da franquia é de 250,00 €.
Apreciando.
Como uma leitura atenta da decisão da matéria de facto evidencia, estamos perante matéria de facto que foi considerada provada na sentença, sendo descabido e até contrário ao princípio da limitação dos atos (cf. art. 130.º do CPC) que a Apelante pugne pelo aditamento dos factos que descreve de a) a d), fazendo tábua rasa ou olvidando o que ficou decidido a respeito dos mesmos em diferentes pontos da decisão da matéria de facto, bem como a respetiva motivação, cujo teor é o seguinte: “Os pontos 1 a 5 da matéria de facto resultaram provados por documento, referente ao acordo de seguro, condições gerais, especiais e respectiva apólice [documento n.º 2, junto em anexo à petição inicial e documento n.º 1, junto em anexo à contestação, e documento junto em anexo ao requerimento de ref.ª Citius (…)02 de 31-01-2024]. Não merece controvérsia entre as Partes as comunicações efectuadas, a participação, através da declaração amigável de acidente automóvel [aqui, atendeu-se, ainda, aos documentos n.º 4 a 6, juntos em anexo à petição inicial]; ainda, a peritagem ao veículo realizada por parte da Ré [a que se reporta o documento n.º 15, junto em anexo à contestação, do qual se extrai o custo da reparação orçamentado, incluindo peças e mão de obra], a maior proposta de cotação de salvado [a que se reporta o documento n.º 16 a 19, ibidem], respectivo valor e / ou o custo de reparação do veículo / orçamentado”.
Assim, no ponto 1 do elenco dos factos provados consta expressamente, além do mais, ter sido acordada entre as partes a transferência dos riscos emergentes da circulação do veículo automóvel ligeiro com a matrícula (…)-ON-(…) incluindo a cobertura facultativa de danos próprios (choque, colisão e capotamento), com capital seguro de 19.683,27 € e uma franquia de 250,00 €. Ademais, a Ré informou, na comunicação enviada à Autora, referida no ponto 9, que “Nos termos do Decreto-Lei n.º 214/97, de 16 de Agosto, o valor seguro à data do sinistro é de € 18.829,24 € e o veículo com danos foi avaliado em € 4.400”. Está também provado, no ponto 8, que, em 4 de junho de 2019, foi apresentada proposta de cotação do salvado de 4.400,00 €.
Quanto à questão de o “valor dos danos físicos no veículo sinistrado” ser de 23.685,37 €, além de ser uma conclusão jurídica a qualificação como sinistrado do veículo da Autora, estamos perante matéria de facto que, com uma redação mais correta, já consta do ponto 7 do elenco dos factos provados, quando aí se refere que da peritagem realizada resultou a existência de estragos no veículo na frente esquerda e direita, lateral esquerda e direita, traseira, parte superior (os tais “danos físicos” no veículo) e que o custo de reparação era de 19.256,40 €, acrescido de IVA, a título de peças necessárias e contabilizando mão-de-obra; ou seja, contas feitas, é inevitável concluir que o custo da reparação dos estragos no veículo é de 23.685,37 €.
Em suma, o ora referido em b) pela Apelante, quanto ao valor da cobertura, é uma mera conclusão (jurídica), já reconhecida, aliás, pela Ré, na citada carta, não se justificando, na esteira do suprarreferido, o seu aditamento ao elenco dos factos provados; quanto aos factos referidos em a), c) e d), uma vez que já constam do elenco dos factos provados, mostra-se manifestamente inútil a repetição pretendida.
Assim, improcede a conclusão três, não se verificando o invocado erro de julgamento. Da obrigação de pagamento da quantia peticionada
Na sentença recorrida constam, na fundamentação de direito, no que ora importa, as seguintes considerações: “A pretensão da Autora radica na responsabilidade civil contratual da Ré, em ordem e em função de contrato de seguro. Conforme o prescrito normativamente, o contrato de seguro é aquele pelo qual uma das partes cobre um risco determinado da contraparte ou de outrem, obrigando-se a realizar certa prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto, mediante o pagamento de prémio correspondente pela contraparte, cfr. n.º 1 do artigo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, e subsequentes alterações, 425.º a 427.º do Código Comercial. A prestação do segurador em caso de sinistro consiste na prestação directa, com valor pré-fixado e / ou com limite convencionado, de acordo com o prejuízo verificado na coisa segurada. Inexiste controvérsia fáctica e normativa quanto à celebração de contrato de seguro; aquela [a controvérsia] radica na apreciação da verificação de sinistro que se encontre compreendido no risco tipificado no contrato [entenda-se que a obrigação da segurada, a uma prestação com um limite pré-fixado, apenas se verifica caso se verifique um sinistro]. Risco no contrato de seguro, hoc sensu enquanto elemento da estrutura do contrato, é o evento ou o conjunto de eventos, futuro e incertos, cuja verificação determina a efectividade da obrigação do segurador, sendo que a cobertura do risco é composta pelo universo dos riscos descritos no contrato, v.g. cobertura facultativa de danos próprios (choque, colisão e capotamento). Ainda, enquanto [uma das] características determinantes do risco exige-se a sua casualidade, fortuitidade ou aleatoriedade. Volvendo ao caso judicando, Apesar das circunstâncias fácticas alegadas por parte da Autora, não se logrou demonstrar a ocorrência do evento (sinistro), que permita a corroboração de que o mesmo se encontra compreendido no risco tipificado no contrato. Por falência do pressuposto normativo motriz – repita-se a ocorrência do sinistro nos termos alegados – coloca-se em crise a apreciação dos restantes requisitos / pressupostos normativos de responsabilidade civil contratual da Ré. Explicite-se que o direito do segurado à reparação / indemnização com base em contrato de seguro de danos próprios não depende apenas da prova dos danos, mas ainda da prova de que esses danos foram causados por um dos riscos cobertos pelo seguro, ou seja, da ocorrência do sinistro alegado e do nexo causal entre aquele e os danos [factos constitutivos do direito indemnizatório invocado]. Ergo, sem necessidade de maiores considerandos, a pretensão da Autora é integralmente improcedente (actore non probante, reus absolvitur, por referência ao n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil), quedando prejudicada a apreciação das restantes questões convocadas (n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil).”
A Autora defende, na Conclusão Cinco, que deve a sentença ser revogada e substituída por uma outra que condene a Ré a indemnizar a Autora: a) no montante de 14.179,24 € pelos danos físicos no veículo (subtraindo ao valor da cobertura o valor do salvado e o valor da franquia); b) no montante de 50 € diários pelo seu incumprimento contratual, com a multiplicação desse valor pelo n.º de dias em que esteve, está e estará privada do uso do referido veículo, até ao pagamento em que vier a ser condenada, sendo o montante apurado à data da petição inicial de 1.600 €, a que acresce o montante diário de 50 € quanto à privação sucessiva e à vincenda; c) em juros vencidos e vincendos.
A este respeito, a Apelante estriba-se unicamente na alteração da decisão da matéria de facto pela qual pugnou.
Na presente ação, em que a Autora, proprietária do veículo danificado, exige da Ré, Seguradora, o cumprimento - e a indemnização pelo incumprimento no tocante ao dano da privação do uso de veículo (sobre esta, veja-se, a título exemplificativo, o acórdão do STJ de 14-12-2016, no proc. n.º 2604/13.2TBBCL.G1.S1, em https://juris.stj.pt/) - do contrato de seguro do ramo automóvel celebrado entre as partes, em que um dos riscos cobertos é o de “Choque, colisão e capotamento”, é àquela demandante (Segurada) que incumbe o ónus probatório da verificação desse evento concreto (no caso dos autos, da invocada colisão e capotamento), como facto constitutivo do direito indemnizatório que se arroga (cf. art. 342.º, n.º 1, do CC).
Por sua vez, compete à demandada (Seguradora) o ónus de alegação e prova de factos que configuram matéria de exceção perentória conducente à exclusão da sua responsabilidade (cf. art. 342.º, n.º 2, do CC), muito embora possa também limitar-se à defesa por impugnação e a procurar produzir contraprova (não lhe sendo exigível a prova do contrário), de modo a abalar a relevância e força probatória dos meios de prova que se destinam a demonstrar a efetiva verificação do sinistro, assim tornando duvidosa a ocorrência do mesmo.
Neste sentido, a título exemplificativo, destacamos os seguintes acórdãos do STJ, conforme se alcança das passagens dos respetivos sumários (disponíveis em www.stj.pt):
- de 21-04-2005, na Revista n.º 856/05 - 2.ª Secção: “II - Nos acidentes de viação, a existência de seguro de danos próprios não afasta/inverte o ónus que impende sobre o lesado de provar a existência do facto danoso, isto é, do facto do qual, através de um nexo de causalidade adequado, decorreram danos para o mesmo lesado.”;
- de 18-10-2018, na Revista n.º 2593/16.1T8VNG.P1.S1: “No âmbito de uma ação em que se pretenda obter a condenação da seguradora em indemnização por danos próprios resultantes de um sinistro coberto por contrato de seguro, incumbe ao segurado o ónus de provar a ocorrência e circunstâncias do sinistro como facto constitutivo do direito invocado, nos termos do art. 342.º, n.º 1, do CC e como deflui, de resto, do disposto no art. 100.º, n.ºs 2 e 3, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro aprovado pelo DL n.º 72/2008, de 16-04.”
- de 24-05-2022, no proc. n.º 2237/20.7T8PNF.P1.S1 (também disponível em www.dgsi.pt): “VII - Da verificação de um sinistro rodoviário - que efectivamente sucedeu in casu - não resulta, por si só, a demonstração dos danos provocados, em termos causais, como consequência directa e adequada desse evento.VIII - A produção causal dos danos em causa, que foram discriminadamente alegados pelo A., constitui elemento constitutivo do seu direito subjectivo, competindo-lhe, como tal, a sua prova em juízo, nos termos gerais do art. 342.º, n.º 1, do CC.IX - Não se provando nos autos a produção causal dos danos por virtude do embate do veículo no obstáculo físico situado na berma da estrada, mas apenas que a viatura ostentava danos de origem não determinada, falha um dos pressupostos da responsabilidade da segurada - o nexo de causalidade entre a verificação do facto e o prejuízo daí adveniente -, o que necessariamente determina a improcedência da pretensão do demandante e a confirmação do acórdão recorrido.”
Na presente ação, fundando-se a pretensão indemnizatória da Autora no alegado incumprimento do contrato de seguro automóvel com a referida cobertura de danos próprios, sobre aquela recai o ónus da prova da ocorrência do sinistro concreto, no caso do alegado acidente de viação que faria incorrer a Ré seguradora na obrigação de pagar as quantias contratualmente devidas (e eventual indemnização pela mora), além da prova dos danos sofridos e do nexo de causalidade entre esse acidente e os danos, nos termos do art. 342.º, n.º 1, do CC, por se tratarem dos factos constitutivos do direito que pretende exercer.
Não tendo a Autora logrado fazer prova dos factos essenciais que alegou, uma vez que não resultou provada nem a ocorrência da (suposta) colisão seguida de capotamento nos termos alegados, nem tão pouco que os danos que o seu veículo apresenta são decorrentes desse acidente, não pode obviamente a Ré ser considerada responsável pelo pagamento de qualquer quantia indemnizatória ao abrigo do contrato de seguro em apreço.
Assim, sem necessidade de mais considerações, impõe-se concluir pela improcedência das conclusões da alegação de recurso, ao qual será negado provimento, mantendo-se a sentença recorrida, por não padecer dos invocados erros de julgamento.
Vencida a Autora, é responsável pelo pagamento das custas processuais (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).
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III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso, mantendo-se, em consequência, a sentença recorrida.
Mais se decide condenar a Autora no pagamento das custas do recurso.
D.N.
Lisboa, 05-12-2024
Laurinda Gemas
Paulo Fernandes da Silva
António Moreira