PACTO DE OPÇÃO
CONTRATO PROMESSA
Sumário

I – O contrato de opção está sujeito à forma do contrato definitivo, pelo que, quer o contrato, quer o exercício do direito de opção, têm de ser celebrados e exercidos por escritura pública ou documento particular autenticado se o contrato definitivo tiver de assumir esta forma, como é o caso da compra e venda de um imóvel e, se não o forem, os contratos são nulos por falta de forma (artigos 220 e 875 do CC).
II – Resultando o contrato definitivo automaticamente do exercício do direito de opção que completa o contrato de opção não há nada a executar especificamente (art. 830 do CC).
III – Tendo o optante o direito potestativo de completar o contrato definitivo através da simples manifestação da opção, com ela adquirindo automaticamente a propriedade do imóvel, pode registar a compra a seu favor logo que exerça a opção e basta-lhe, para o caso de o imóvel não estar na sua posse e não lhe ser entregue, reivindicá-lo do vendedor ou de terceiro que esteja em seu poder.
IV – Num contrato de opção, em que não esteja previsto um preço de opção, não tem sentido a entrega de dinheiros por parte do optante, como antecipação de pagamento, porque nada é devido por ele.
V – Prevendo-se, num contrato, a futura celebração da escritura de compra e venda de um imóvel, e entregando o futuro comprador quantias em dinheiro em antecipação do pagamento do preço da compra e venda, o que existe é, não um contrato de opção, mas um contrato-promessa de compra e venda.
VI – Este contrato-promessa ainda não pode ser executado especificamente se o promitente comprador ainda tem de obter um empréstimo bancário para pagar o resto do preço e precisa para isso que o promitente vendedor lhe entregue os documentos necessários à obtenção desse empréstimo e à formalização do contrato (por escritura pública ou por documento particular autenticado).
VII – Pelo que, em vez da execução específica, a acção que a pretenda tem de ser julgada procedente apenas parcialmente, isto é, na parte em que se pede implicitamente o reconhecimento do direito de crédito ao cumprimento do contrato-promessa e à obrigação de entrega dos documentos necessários.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados

Y intentou contra C-Lda., uma acção comum pedindo que: seja proferida sentença que, produzindo os efeitos da declaração de venda omitida pela ré, declare transferido para a autora o imóvel para habitação identificado. Pediu também o registo da acção (art. 8-B/3-a e 3/1-a do Código do Registo Predial).
Para tanto alega, em síntese, que: celebrou com a ré em 28/04/2014 um contrato denominado de arrendamento com opção de compra sobre o imóvel, tendo utilizado tal contrato para assegurar a realização do contrato prometido enquanto decorria o processo de obtenção de crédito bancário pela autora para aquisição do imóvel; o contrato permitia à autora habitar o imóvel e pagar à ré as rendas até à concretização do contrato definitivo; a autora mudou-se para o imóvel; o preço seria de 170.000€; foram feitos acertos nos valores das rendas em vista do preço da aquisição e o valor final a ser entregue no acto da escritura; a autora entregou 10.000€ a título de sinal, assim como 1500€ a título de caução a ser considerado no contrato prometido; foi acordado o exercício da opção pela compra até Abril de 2017, o que veio a acontecer [artigos 9 e 11]; o crédito foi concedido e a autora comunicou o facto à ré e pediu-lhe que facultasse a documentação necessária à celebração do contrato definitivo (registo da hipoteca e para instruir a escritura de compra e venda) e que celebrasse o contrato; ré não facultou a documentação, nem celebra o contrato; o banco nega-se a marcar a escritura sem a exibição e entrega da documentação; a autora conclui pela existência da mora da ré e pelo direito à execução específica nos termos do artigos 830/3 e 410/3 do Código Civil.
A ré contestou impugnando de facto e de direito, alegando, em suma, que: o contrato existente não é um contrato promessa e por isso não faz sentido a aplicação ao caso do regime dos arts. 410 e 830 do CC; e excepcionou a caducidade do direito da autora: só em Março de 2020 é que a autora informou a ré do interesse na aquisição do imóvel, sendo que nessa data a opção de compra já havia caducado pelo decurso do prazo fixado no contrato; termina assim concluindo pela improcedência da acção.
Notificada para se pronunciar sobre a matéria da excepção (sendo que a ré e a sentença entenderam que a negação da existência do contrato e da não aplicação ao caso do art. 830 do CPC era uma excepção em vez de uma impugnação, sendo, no entanto, esta a qualificação certa como resulta do art. 571/2, 2.ª alternativa da 1.ª parte, do CPC), veio a autora fazê-lo: discutiu a qualificação do contrato e os efeitos daí decorrentes; impugnou a verificação da caducidade; alegou ainda o aproveitamento, pela ré (em posição de vantagem no negócio), da situação da autora, que é chinesa e não fala nem entende a língua portuguesa, logrando criar nesta a convicção e expectativa certa da compra do imóvel e não assegurou que a mesma entendesse a complexidade e a atipicidade do contrato; a autora não entendeu o risco de perder todo o investimento que fez no imóvel ou o próprio imóvel ao celebrar este tipo de contrato; a ré com desrespeito pelo princípio de boa fé na negociação não fez constar no contrato a necessidade da comunicação escrita da opção de compra para salvaguardar a prova do facto; houve manifestamente um aproveitamento inadmissível da fragilidade da autora para obter rendimento de forma considerada ilícita, com arrecadação para os cofres da ré de todas as rendas, caução e o sinal entregues pela autora sem que esta tivesse entendido o risco daquele género de contrato, que, se tivesse entendido, teria preferido o contrato promessa com eficácia real ou outro negócio; e requereu a modificação da causa de pedir e a ampliação do pedido, este nos seguintes termos (na parte que subsiste): condenar ainda [para além do pedido inicial] a ré a reconhecer o sinal pago no valor de 10.000€; e para o caso de se considerar que o contrato celebrado é um contrato de arrendamento com opção de compra: condenar a ré a i\ reconhecer que a autora manifestou a intenção de compra em prazo com o pagamento dos 10.000€; ii\ na celebração da escritura de compra e venda; e iii\ em sanção compulsória por cada mês de atraso na realização da escritura.
Em 23/05/2021, o tribunal admitiu, com oposição da ré, a alteração do pedido (entendendo que não havia modificação da causa de pedir) nos termos transcritos acima e determinou a notificação da autora para juntar aos autos as comunicações enviadas à ré em cumprimento da cláusula 2-c do contrato. E determinou que a secção diligenciasse pelo registo da acção (a acção foi registada a 04/06/2021; a fracção não tem nenhum outro registo; o edifício de que ela faz parte está constituído em propriedade horizontal e a compra, de todo ele, está registada a favor da ré).
Depois de realizada a audiência final, a 10/04/2024 foi proferida sentença julgando a acção improcedente e, em consequência, absolvendo a ré dos pedidos.
A autora recorre desta sentença – para que seja revogada e substituída por outra que julgue a acção procedente – impugnando a decisão de dar como não provadas três das afirmações de facto que ela, autora, tinha feito e ainda a decisão de direito, com fundamentos sintetizados nas conclusões que se transcreverão mais abaixo.
A ré não contra-alegou.
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Questões que importa decidir: a impugnação da decisão da matéria de facto e se os pedidos formulados pela autora deviam ter sido julgados procedentes.
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Estão dados como provados os seguintes factos [os factos 12 a 15 foram agora acrescentados em consequência da impugnação da decisão da matéria de facto; no facto 3 transcreveu-se toda a cláusula 2, sendo que o contrato foi dado por integralmente reproduzido no facto 1 na sentença recorrida]:
1\ A autora e a ré celebraram em 28/04/2014 o contrato junto aos autos a fls. 7 a 9, que aqui se dá por integralmente reproduzido, que denominado/ram contrato de arrendamento com opção de compra, tendo por objecto a fracção autónoma designada pela letra AB, do prédio, em regime de propriedade horizontal, sito em Queluz, Amadora, inscrito na matriz predial sob o artigo 0000 e descrito na Conservatória de Registo Predial de Queluz sob o número 1111 [não há qualquer prova de que as partes tenham denominado o contrato; do que há prova é que o contrato era denominado, porque foi isto o alegado pela autora e aceite pela ré – redacção corrigida por este TRL ao abrigo dos art. 662/1 do CPC; por outro lado, o imóvel fica em Queluz, não na Amadora – parenteses deste TRL].
2\ O contrato foi celebrado pelo prazo certo de 3 anos a começar em 01/06/2014 e terminar em 31/05/2017, no regime de renda livre.
3\ A cláusula 2.ª tem o seguinte teor:
A renda é de 750€.
a\ Pelo facto do contrato ser com opção de compra, por parte da 2.ª outorgante, o imóvel objecto deste contrato é-lhe atribuído um valor de aquisição de 170.000€;
b\ No valor que é recebido com renda do imóvel, será descontada a quantia de 550€ mensais no primeiro ano, no segundo será de 500€ mensais e no terceiro e último ano será de 450€ mensais, a título de acerto com o valor de aquisição do referido, no acto de escritura de compra e venda, se esta se efectuar;
c\ Para que se efectue a referida escritura de compra e venda, terá que o 2.º outorgante exercer o direito de opção no decorrer da vigência do presente contrato, sendo o mês de Abril do ano de 2017 o limite da decisão da opção de compra.
d\ Mais se informa que no caso do exercício do direito de opção, todas as despesas inerentes à aquisição do imóvel, objecto deste contrato, serão da inteira responsabilidade do 2.º outorgante;
e\ Caso a situação referida na alínea c) da presente clausula não se verifique, todos os valores entregues pelo 2.º outorgante, até então, revertem na totalidade para o 1.º outorgante;
f\ No acto de assinatura do presente contrato será pago ao 1.º outorgante, a título de sinal, do qual o presente contrato serve de quitação do mesmo, a quantia de 10.000€, a descontar no valor de aquisição;
g\ será igualmente pago o valor de duas rendas, uma a título de caução, 1500€, que caso se verifique a situação referida na alínea c) serão descontadas pela mesma forma que se refere na alínea b), ou seja  1100€, no valor da aquisição.
4\ Com a celebração do contrato a autora mudou-se para a fracção. 5\ A autora necessitou de solicitar a concessão de financiamento para a aquisição do imóvel junto do M/BCP.
6\ Em 04/03/2020, a autora, através da sua mandatária, informou a ré que mantinha “interesse na aquisição do imóvel (…) tendo para tanto, conforme é do V. conhecimento, solicitado crédito bancário que se encontra em análise”.
7\ A esse e-mail a ré respondeu nos seguintes termos “Tal como é do seu conhecimento e também de acordo com o que foi por nós transmitido à cliente, estamos perante um contrato de arrendamento com opção de compra, a qual não foi exercida dentro do prazo estipulado no contrato. No contrato está bem explicito que a opção de compra teria de ser exercida até Abril de 2017 o que não aconteceu…”
8\ Por requerimento apresentado no Tribunal Judicial da Amadora a autora solicitou a notificação judicial avulsa da ré dando-lhe conhecimento da manutenção do interesse na celebração do contrato definitivo e da necessidade da entrega da documentação ao M/BCP a fim de o mesmo agendar a escritura pública de compra e venda, notificando-a para no prazo de 5 dias entregar certidão do registo comercial da ré, certidão de registo predial do imóvel, caderneta predial, licença de utilização e certificado energético.
9\ A notificação da ré efectivou-se em 02/06/2020 na pessoa de S gerente da ré.
10\ A ré não procedeu à entrega da documentação solicitada pela autora.
11\ O contrato foi celebrado entre a autora e a ré representada pelo seu legal representante à data, JS, o qual veio a falecer em data não concretamente apurada de 2018 [o legal representante era o Sr. RS e não o Sr. JS, pai daquele – é uma confusão demonstrada no decurso da audiência final que vem da leitura do art. 25 da réplica – parenteses deste TRL].
12\ A autora, aquando da celebração do contrato, com a ajuda da testemunha W que trabalhava no M/BCP como promotor imobiliário, disse à ré que celebrava o contrato para comprar o imóvel, mas que os bancos só emprestavam 80% do preço da compra e venda do imóvel; o Sr. R, como representante da ré, fez o contrato de modo a que a autora fosse pagando o preço, apesar de, da forma como foi feito, a autora ir pagar, até Abril de 2017, menos do que os 20% referidos.
13\ A autora em Abril de 2017 informou a ré que já tinha iniciado o processo de financiamento no M/BCP, mas que o M/BCP só emprestaria 80% do preço da compra e venda do imóvel; em fins de Dez2017 ou em Jan2018 repetiu a informação à ré; e, em data indeterminada entre Abril e Julho de 2018, a autora pediu à ré que lhe desse os documentos necessários para a escritura de compra e venda, visto que já tinha pago 20% do preço da compra e venda do imóvel.
14\ A autora é estrangeira e não domina a língua portuguesa.
15\ A ré, pela voz do Sr. R, respondeu à autora, em Abril de 2017, que não havia problema, para ela continuar a pagar o que vinha pagando até perfazer 20% do preço da compra e venda do imóvel e que depois celebrariam a escritura.
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Da impugnação da decisão da matéria de facto
Na decisão recorrida, não se consideraram provadas as seguintes afirmações de facto feitas pela autora:
a\ A autora comunicou à ré até Abril de 2017 a sua opção de compra do imóvel.
b\ a autora comunicou à ré, em momento prévio à notificação judicial avulsa, a aprovação do seu pedido de financiamento junto da instituição bancária.
c\ A ré, aproveitando-se do facto de a autora ser estrangeira e não dominar a língua portuguesa, não se assegurou que a autora entendesse o contrato e a possibilidade de perder todo o investimento realizado.
Para fundamentação desta decisão o tribunal recorrido escreveu o seguinte:
A dificuldade de a autora fazer prova do eventualmente negociado com alguém que já faleceu não pode levar ao extremismo de facilitar a prova, nem de a dificultar ao limite de ser impossível a sua demonstração.
Somos do entendimento que a autora não logrou provar que em Abril de 2017 tivesse comunicado a sua opção de compra à ré. A única testemunha a referir esse tema é a testemunha W, que não tem conhecimento directo, mas apenas de “ouvir dizer” à autora, uma vez que não a terá acompanhado na pretensa deslocação aos escritórios da ré e não terá presenciado a conversa com o Sr. R. Temos apenas e tão só as declarações de parte da autora as quais, desacompanhadas de qualquer outro princípio de prova, não podem ser valoradas como suficientes e bastantes para dar como provado tal facto.
Haveria factos instrumentais que poderiam indiciar essa comunicação: um comprovativo de pedido de financiamento ao banco datado de data próxima de meados de 2017, interpelações escritas para dar os documentos (uma vez que a autora referiu que pediu várias vezes os documentos e que ficou a pedi-los até pôr a acção…).
Acontece que dos autos consta apenas o e-mail de Março de 2020 e posteriormente a notificação judicial avulsa. Mais nenhuma interpelação existe fisicamente nos autos que nos crie a convicção de que efectivamente a autora deu a conhecer a opção de compra e a foi conversando e acordando com o então representante da ré. Mas mais: em Março de 2020, no e-mail enviado à ré, a autora refere que o crédito bancário está em análise. É do conhecimento geral que os créditos bancários têm as suas burocracias e os seus timings….mas se a autora tivesse comunicado a opção de compra em 2017 (ou mesmo que se conceda que o tivesse feito em 2018 com o acordo do legal representante da ré) nunca o processo estaria em análise dois anos depois. Dizemos mais até: não era exigível à ré que, tendo fixado como prazo para a opção de compra Abril de 2017, tivesse de aguardar durante 3 anos, sem qualquer contrapartida pela valorização do mercado imobiliário, a concretização de uma venda a preços de 2014.
Aliás, se bem atentarmos na petição inicial em momento algum a autora diz que comunicou a opção de compra até Abril de 2017, nem mesmo o faz na réplica, quando responde à excepção de caducidade. Nessa sede escuda-se a autora na renovação do contrato de arrendamento e renovação, consequente, da opção de compra. Só em sede de julgamento, aquando das declarações de parte, vem a autora referir que em 2017 comunicou ao Sr. R essa opção.
Também o documento junto em sede de julgamento – e cuja contextualização resultou mal explicada de parte a parte ao tribunal – não nos permite concluir que a autora exerceu a opção de compra atempadamente. Permite-nos, quanto muito, concluir que em Abril de 2018 a mulher do legal representante da ré ainda equacionava essa venda. Mas do facto de ainda colocar a hipótese dessa venda em Abril de 2018 não resulta (i) nem que a autora tenha comunicado até Abril de 2017 a opção de compra; (ii) nem que a ré tivesse de ficar presa de Abril de 2018 a Março de 2020 a uma disposição de ainda celebrar o contrato.
[…]
No que respeita à al. (b), do e-mail enviado pela mandatária da autora à ré em Março de 2020 resulta que o pedido de crédito estava em análise. Nesse e-mail não é referida qualquer aprovação do crédito. Dessa comunicação até à notificação avulsa não há notícia nos autos de qualquer comunicação entre as partes, nomeadamente da autora comunicando a aprovação do crédito.
No que respeita à al. (c) sendo evidente que a autora é estrangeira e não domina a língua portuguesa – tendo inclusive o tribunal recorrido à presença de um tradutor/interprete no julgamento – não é menos verdade, conforme resultou do depoimento da testemunha W, que esta se rodeou da ajuda do próprio nessa tarefa exactamente por essa situação. Assim, do depoimento dessa testemunha resultou que qualquer fragilidade da autora estava salvaguardada com a assessoria que lhe foi dada por aquela que, conforme resultou do depoimento, é inclusive promotor do M/BCP.A autora, pelo contrário, nas conclusões 12 a 25 entende que estas alegações deviam ter sido dadas como provadas.
Como fundamentação da sua pretensão a autora invoca algumas passagens das suas declarações de parte e outras do depoimento da testemunha W e fala das circunstâncias que rodearam a produção desta prova pessoal.
Na conclusão 37\, já na discussão sobre o Direito, a autora diz ainda: os factos provados que corroboram a nossa conclusão [de Direito] devem ser aditados à lista dos factos dados como provados. E passa a enumerar uma série de factos:
15/ A autora não domina a língua portuguesa,
16/ A autora teve uma relação de amizade e de confiança com o falecido representante legal da ré,
17/ A autora, à data da celebração do contrato, não distinguia o contrato de arrendamento com opção de compra do contrato promessa de compra e venda,
18/ Apesar [de] a autora e a ré terem celebrado o contrato de arrendamento, a vontade das partes foi a de outorgarem o contrato promessa de compra e venda;
19/ A autora pagou o sinal de 10.000€,
20/ A ré, na pessoa do Sr. R, em Abril de 2017, prorrogou o prazo para a celebração do contrato de compra e venda,
21/ Após o falecimento do Sr. R, a ré recusou a entrega dos documentos sobre o imóvel para a escritura pública de compra e venda.
Apreciação:
Diga-se, desde já, que se concorda, no essencial, com tudo o que a autora diz sobre as circunstâncias que rodearam a produção de prova pessoal e o que se pode retirar desta prova, mas anote-se também que a autora não tem em conta as limitações processuais que se referirão a seguir.
Antes ainda, faz-se a seguir a síntese de prova produzida sobre a matéria destas alegações/factos:
Testemunha W (ouvido das 9h48 às 10h17m34 e das 10h17m47 às 10h27) explicou que acompanhou quase toda a negociação do contrato e disse que faz trabalho de promoção imobiliária para o M/BCP. Como a autora não sabe falar português, a autora ligava-lhe e a testemunha explicava ao Sr. R, dono da ré, o que é que a autora queria. A autora queria comprar o imóvel, mas não tinha dinheiro. O Sr. R dizia estar convencido que os bancos emprestavam, também aos estrangeiros/chineses, 90% do crédito para a compra de habitação e foi por isso que o contrato celebrado com a autora previa o pagamento de uma percentagem inferior a 20% do valor do imóvel que a autora queria comprar. Isto apesar de a testemunha saber que os bancos só emprestavam 20% do valor do imóvel aos chineses e de ter dito isso ao Sr. R. Este respondeu que não havia problemas, que se fosse preciso ele ajudava a autora. Quando se chegou a Abril de 2017, a autora falou com a testemunha (no M/BCP, onde a testemunha trabalhava), a testemunha faz as contas, chegou à conclusão de que ainda não chegavam aos 20%, por isso fala [por telefone] com o Sr. R e explica-lhe o que antecede. O Sr. R diz que não faz mal, espera mais um ano e a autora continua a pagar. Para o ano fazem a escritura, quando chegar aos 20% e o banco já emprestar. Em Junho de 2018 a autora foi (a testemunha não foi com a autora) ao escritório da empresa e estiveram a fazer contas e já estavam nos [ou melhor, acima dos] 20%; então voltou a pedir os documentos para fazer o crédito. A ré não entregou documentos, pelo que o banco não chegou a avançar com o processo. Só aos 17h20 é que a testemunha começa a explicar todas estas coisas com mais pormenor a perguntas da Sr.ª juíza. Diz que em Abril de 2017 só atingia os 10% que o Sr. R entendia que era suficiente. Verifica-se então uma grande confusão (que dura mais de 5 minutos) de contas da parte do tribunal, que pensava que em Abril de 2017 já se tinham atingido, segundo o contrato, os 20%; o tribunal acaba por fazer as contas, mas mal, e acaba por desistir (diz: mais tarde faço as contas). E, por isso, a instância da testemunha, continua na base do erro de contas [é isto que pode ser retirado de um depoimento prestado por um Sr. chinês, que desde o início do momento em que lhe iria ser pedido para prestar juramento demonstrou não dominar bem o português e, apesar de desde então ter atrás de si o intérprete que lhe tinha explicado o necessário para o juramento, nunca mais interrogado com o auxílio desse intérprete para facilitar o depoimento e a compreensão do mesmo].
O preço que consta do contrato é de 170.000€. 20% disto é 34.000€. O contrato prevê o pagamento de 550€ mensais x 12 no primeiro ano = 6600€. 500€ mensais no segundo ano = 6000€. 450€ mensais no terceiro ano = 5400€. Logo => 18.000€. Mais 10.000€ de sinal. Mais 550€ da caução. Pelo que, em Abril de 2017, a autora já teria pago, pelo menos, 28.550€ [mais que 10% = 17.000€ e mais que 15% = 25.500€ [a percentagem de 15% foi referida, de passagem, pela autora em alternativa à de 10%], mas menos que 34.000€, correspondentes aos 20%].
A autora vai dizendo: foram [ela e o marido] ter com a testemunha W por ele falar melhor português e por ser entendido em empréstimos bancários; o Sr. W foi tratar do empréstimo junto do banco a pedido dela. Depois da assinatura do contrato é que foram pedir à testemunha W para tratar do empréstimo. A autora diz que a testemunha W sempre a tem acompanhado ao longo do processo. O tribunal pergunta à autora porque é que foi celebrado um contrato arrendamento com opção de compra e não um contrato promessa de compra, sendo que a autora já tinha dado mostras, por um lado, que pensava estar a comprar e, por outro, que não percebe a distinção entre aqueles contratos. A autora respondeu: não fala português; eram muito amigos (ela e o Sr. R); quando o Sr. R começou a fazer essas alternativas ao contrato ela acreditou…. O intérprete é interrompido na resposta pelo tribunal que pergunta porque é que o Sr. R fez as alternativas, quais eram os constrangimentos? A autora/o intérprete responde novamente que a autora não entende nada de contratos, confiou a 100% no Sr. R e ele, isto é, ela (os pronomes são mal utilizados dando origem a inúmeras confusões) aceitou logo (10h47 – estas referências, aqui como de seguida, aos tempos da gravação, são aos momentos finais do período em que foram ditas as coisas que se consideraram relevantes, não ao início). Nunca falaram de contratos promessas de compra e venda. O tribunal pergunta, com base no contrato: … até Abril de 2017, quando é que a autora decidiu comprar ou não e como é que transmitiu essa intenção? (11h58). Naquela altura, em Abril de 2017, quando eles decidiram, o Sr. R, por acaso, deslocou-se à loja deles (dela e do marido) e eles comunicaram-lhe a intenção. E o Sr. R disse-lhes que então continuavam a pagar as rendas combinadas e quando chegar a altura, quando atingir o valor para pagar a primeira prestação [o necessário para o banco emprestar o resto] … O tribunal diz: mas as rendas estavam pagas! [o que não tem razão de ser perante o que se estava a dizer e converte a conversa numa confusão]. A autora lá responde que até Abril de 2017 ainda não tinha chegado aos 10% ou 15% necessários. Em Abril de 2017 o Sr. fez as contas e faltava por volta de 3000€. A autora esclarece que não sabia bem os valores que constavam do contrato nem os termos do contrato (até 16:23). E a testemunha também não sabia. Depois a autora esclarece, espontaneamente, que afinal o Sr. R só foi à loja em princípios/Janeiro de 2018 (18:24 e 31:40 – em 27:59 esclarece que foi em Janeiro 2018 e mais à frente, 31:22, fala em finais de 2017). Antes do contrato caducar, em Abril de 2017, a autora foi ao escritório do Sr. R (no prédio onde ela vive) falar com ele (19:56). Sozinha, com o tradutor do google. Mostraram [mostrou] o contrato e o Sr. R disse para ela continuar a pagar a renda como tinha combinado (21:21) até que o banco lhe desse o financiamento; nessa altura o pedido já tinha sido entregue ao banco (23:07). Não obteve resposta do banco porque antes tinha que entregar os documentos complementares que o banco tinha solicitado (23:33). Nessa altura já tinha pedido ao Sr. R os documentos, tal como já o tinham feito os empregados do banco que estavam a tratar do financiamento (24:18). Ela deu o n.º de telefone do Sr. R ao empregado do banco e ele falou, na presença dela, com o Sr. R (25:18). O Banco era o M/BCP, em Queluz (25:50). Só consultando os documentos em casa é que pode dizer o nome do empregado e o n.º do contrato (26:31). Depois do Sr. R ficar doente eles não iam ao escritório do Sr. R, só telefonavam (29:01). Chegou a ir ao escritório do Sr. R com a testemunha W depois de o Sr. R estar doente, mas este já lá não estava, quem lá estava era o filho (30:18). Quando o Sr. R foi à loja era também para saber como é que estava o processo de financiamento no banco (32:50). Ela tinha ido a vários bancos (34:51).  Ela ia frequentemente ao escritório do Sr. R (35:18). Tribunal: fazer o quê se a renda era paga por depósito bancário? (35:31) Mas o tribunal tinha lido mal o contrato, que diz expressamente que a renda podia ser paga directamente ou por depósito bancário. A autora diz que inicialmente o Sr. R só queria que ela pagasse em notas (35:48), só mais tarde é que entrou em vigor uma alteração para o sistema de transferência bancária (35:52). Tribunal: depois de Abril de 2017 como é que era feito o pagamento? (36:19). Autora: depois de Abril de 2017 iam lá fazer o pagamento, estando lá um empregado da ré que recebia (36:42). Tribunal: então não era depósito bancário? Autora: não, ainda não era. Tribunal: ainda não era? Autora: depois de Abril de 2017 continuou a pagar em dinheiro. Tribunal: então desde o início do contrato, não obstante o contrato dizer que era por depósito numa conta, ela não fez por depósito? Enquanto o intérprete está a traduzir a pergunta, o tribunal apercebe-se que não era isso que o contrato dizia (37:43) e rectifica: o contrato dizia que podia ser de uma ou outra maneira; ela fez sempre de forma directa, é isso? (37:46). Autora: em dinheiro. Tribunal: depois do Sr. R morrer ela fez alguma coisa com vista a celebrar o contrato e quando? (38:11) Ela, autora, continuou a ir à loja do Sr. R para pedir o que já tinha pedido, os documentos para continuar o financiamento (38:50). [note-se que em Abril de 2018, a autora já tinha pago mais 5400€, pelo que o pagamento já ia em 33.950€] Nessa altura encontrava a mulher do Sr. R e o filho e nunca lhe deram nenhum documento (39:27). Inicialmente a mulher do Sr. R dizia que sim, mas que um dos sócios não passava os documentos (40:33). Nos minutos seguintes fala-se, sem interesse, na questão do pagamento do condomínio. A 44:45 a advogada da autora (que sabe mandarim) chama a atenção que a autora tem estado a dizer, também, que o Sr. R lhe disse várias vezes que a casa era dela. O intérprete, depois de ouvir a explicação da autora, diz que isso foi em 2014, quando a autora foi assinar o contrato e por a casa ser dela era ela que tinha que pagar o condomínio (45:31). A 47:17 “acaba” a questão do condomínio e a Sr.ª juíza passa a palavra à advogada da autora. A advogada da autora levanta a questão de uma mensagem que terá sido recebido pela autora e pede-lhe que mostre (diz que só hoje é que autora encontrou a mensagem e só hoje é que a advogada soube disse). Os minutos seguintes perdem-se na discussão da existência, natureza e descoberta da mensagem (para além dos 15 minutos finais se terem perdido com a notificação da testemunha M e com um ditado para a acta).
[é isto, depois de ouvidas por duas vezes, o que resulta das declarações de parte da autora; note-se que não foi dito à autora, no início das declarações de parte, que esclarecesse o que tinha a esclarecer sobre os factos em que tivesse intervindo pessoalmente ou de que tivesse conhecimento directo; em vez disso foi submetida a um interrogatório com perguntas com várias frases traduzidas por um intérprete, feitas pelo tribunal que, naturalmente, não estava a par dos factos – ainda só tinha sido ouvida uma testemunha, W -; esta forma de ouvir a autora deu origem a várias respostas relativas a vários momentos diferentes e locais diferentes, tudo misturado (tanto mais que o tribunal não esclareceu onde é que era a morada da loja da autora – que poderá ser na Amadora -, que é diferente da morada onde ela vive, em Queluz [e não na Amadora, como por lapso se escreve no facto 1, erro que vem da PI, mas não do contrato, e que deu origem, na audiência final, a confusão, como se vê de uma pergunta do tribunal ao Sr. D, gerente da ré), e que só ao fim de uma hora acabou por ficar minimamente claro e seguro o que consta acima, com todas as confusões inerentes: note-se, em relação aos valores da mensagem, que os 34.850€ já pagos, só diferem das contas feitas acima em 900€, ou seja, o valor das rendas pagas em Maio e Junho de 2018].
A mensagem de que se está a falar é a seguinte: No decorrer dos contactos com a autora, em 04/07/2018, a viúva do Sr. R enviou um SMS à Sr.ª M a dizer: “M então em relação ao 4.E temos: valor aquisição 170.000€ Total abatimentos: 34.850€ Total em dívida em 30/06/2018: 135.150€. 1 beijinho e uma boa noite. I.” SMS 20:23.
A testemunha M, ouvida por iniciativa do tribunal, trabalhava como mediadora da ré. Conta que foi ela que vendeu [os termos foram espontaneamente da testemunha] o imóvel à autora. Conta também que recebeu a mensagem da viúva do Sr. R a 04/07/2018 e que a mostrou à autora.
A viúva do Sr. R , Sr.ª I, tentou desvalorizar o que pudesse resultar da participação da Sr.ª M, dizendo que ela tinha sido uma antiga colaboradora (com a sugestão de que não tinha tido nada a ver com os factos) e depois não forneceu nenhuns elementos de modo a possibilitar a identificação da Sr.ª M para ser notificada pelo tribunal, dizendo que nem sequer lhe conhecia outros nomes para além de M. Quanto ao demais dito por ela, Sr.ª I, não tem qualquer valor pois não demonstrou ter conhecimento concreto dos factos, designadamente, mínimo que fosse, da negociação do contrato, e admite apenas a hipótese de ter sido ela a redigir o contrato (do que aliás não convence); tudo o que diz não passam de especulações tecidas, de forma interessada (por ser sócia da ré), sobre o que consta do contrato.
Quanto às declarações de parte da ré, prestadas pelo filho do Sr. R, D, não tiveram também qualquer valor pois que as declarações de parte se destinam a esclarecer os factos em que se tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha tido conhecimento directo, e o filho foi claro a dizer que até ter sido nomeado como gerente da sociedade, alguns meses depois da morte do pai em Junho de 2018, não tinha trabalhado na ré, mas para outrem; ou seja, o filho não sabia absolutamente nada, em concreto, sobre o contrato, ou sobre as negociações, nem sobre o que se tinha passado a seguir; a única coisa de que sabia – e aí notou-se logo a diferença do que se diz quando se sabe do que se fala e quando não se sabe – era sobre o pagamento do condomínio, explicando, sem deixar margem para dúvidas, o que é que se tinha passado, e demonstrando que, nessa parte, a argumentação da autora não tinha valor (a ré, com nova gerência, face a um  novo condomínio também com nova administração, acabou por pagar, por erro, as quotas de todas as fracções de que era proprietária, incluindo a da autora; por isso, quando esta quis pagar o condomínio foi-lhe dito que já estava pago; o pagamento do condomínio não tem qualquer interesse para a questão, pois que também nos arrendamentos esse pagamento pode ser posto a cargo dos arrendatários, como o demonstra o art. 1078/1 do CC e aconteceu no caso concreto, pelo que não se perderá mais tempo com esta questão).
Veja-se então.
Tendo em conta o que antecede, considera-se desde logo que devem ser aditados os seguintes factos:
12\ A autora, aquando da celebração do contrato, com a ajuda da testemunha W que trabalhava no M/BCP como promotor imobiliário, disse à ré que celebrava o contrato para comprar o imóvel, mas que os bancos só emprestavam 80% do preço da compra e venda do imóvel; o Sr. R, como representante da ré, fez o contrato de modo a que a autora fosse pagando o preço, apesar de, da forma como foi feito, a autora ir pagar, até Abril de 2017, menos do que os 20% referidos.
13\ A autora em Abril de 2017 informou a ré que já tinha iniciado o processo de financiamento no M/BCP, mas que o M/BCP só emprestaria 80% do preço da compra e venda do imóvel; em fins de Dez2017 ou em Jan2018 repetiu a informação à ré; e, em data indeterminada entre Abril e Julho de 2018, a autora pediu à ré que lhe desse os documentos necessários para a escritura de compra e venda, visto que já tinha pago 20% do preço da compra e venda do imóvel.
Isto porque:
Em relação a (a\) tem que se precisar (no facto 12) o que aconteceu de facto, nos termos conjugados das declarações da autora e do depoimento da testemunha W, e o que aconteceu não foi precisamente uma comunicação feita 3 anos depois da celebração do contrato, em Abril de 2017, mas o que foi dito logo aquando da negociação do contrato que dá o contexto do que a autora, depois, em Abril de 2017, diz ao Sr. R, representante da ré (a aditar no facto 13 para precisão do que aconteceu relativamente a (b\).
Note-se, que as pretensões da autora, relativamente a (a\) e a (b\), não impedem estas precisões porque em (a\) se refere “até Abril de 20)17” e em (b\) se refere ‘em momento prévio à notificação’. Por outro lado, o que a autora dizia na PI tem amplitude suficiente para permitir a concretização que consta de 12 e 13 sem se ir além do que a autora alegou.
É certo que a autora e a testemunha W falam, em resposta às perguntas da Sr.ª juíza, da comunicação da intenção de compra em Abril de 2017, mas visto que (i) a resposta da autora não sai espontaneamente e que o que o Sr. W diz está baseado, nesta parte, no que diz que lhe foi dito pela autora e que (ii) a comunicação da intenção de compra não tem sentido face àquilo que a autora e a testemunha tinham dito ao Sr. R eles não convenceram da existência dessa comunicação nesses termos (como uma comunicação de uma intenção surgida então e não como uma simples reafirmação do que já tinha sido dito aquando da negociação). Também é evidente que o que é dito pela testemunha W não coincide, em pormenores, com o que é dito pela autora, mas tal resulta da forma como eles foram interrogados, o 1.º sem o auxílio de um intérprete que se mostrava necessário, e a segunda através de um interprete, mas nas circunstâncias já apontadas, sendo que, para além disso, os factos já tinham ocorrido há perto de 9 e de 6 e 5 anos. E, por isso, a forma como o contacto ocorreu em Abril de 2017 não é completamente segura, mas é seguro que o contacto ocorreu e que teve aquele conteúdo, em resultado de mais de um contacto e em circunstâncias diferentes (a testemunha W a falar por telefone com o Sr. R e a autora na presença deste).
Face ao que antecede, tal como o tribunal recorrido, também este TRL não fica convencido que tenha havido qualquer aprovação de um crédito por parte do M/BCP. Nem teria sentido, visto que, do que foi dito pela testemunha W e pela autora, vê-se que o pedido de financiamento nunca chegou a ser formulado formalmente já que ambos sabiam que o banco não ia aprovar o empréstimo sem a autora pagar antes os 20%. Quer a autora quer a testemunha W estavam à espera que o pagamento chegasse aos 20% e a ré entregasse os documentos necessários para então formalizarem o pedido. Daí que não se possa dizer que (b\) está provado nos precisos termos pretendidos pela autora, embora seja também evidente que o que agora se aditará como 13\ está provado. Tendo em conta o que antecede, compreende-se que não haja nenhuma razão para estranhar (ao contrário do que entende o tribunal de 1.ª instância) que a autora diga que fez o pedido ao banco em 2017 e em 2020 ainda estivesse em análise: o pedido tinha sido feito à testemunha W e esta só lhe daria seguimento quando estivesse feito o pagamento dos 20% do preço e, depois, o pedido estava dependente da entrega dos documentos pela ré e esta nunca os entregou.
Em suma, a autora produziu prova suficiente (através dela própria e da testemunha W, com o sms da ré e com o contexto dado pelo depoimento da testemunha M que não foi arrolada por ela e que prestou um depoimento perfeitamente espontâneo; a acrescer também o facto instrumental esclarecido pela Dª I, a perguntas do tribunal, de que as rendas nunca foram aumentadas de 2014 a 2023, o que demonstra a irrelevância do contrato de arrendamento no espírito das partes e aponta para que a venda, através da promessa, foi sempre o que as motivou, nunca estando em dúvida se a autora ia ou não exercer a “opção”) do que consta de 12 e 13 (e também, como se verá, do que consta de 15) e a ré não produziu qualquer prova que tornasse esses factos duvidosos. Daí a sua prova (art. 346 do CC).
Em relação a (c\) deve ser aditado (como facto 14) que A autora é estrangeira e não domina a língua portuguesa, face às declarações da autora e da testemunha W. Aliás, a própria sentença recorrida fala destes factos como provados. Apesar de serem instrumentais, entende-se que tem relevo porque está em causa, potencialmente, uma questão de interpretação do contrato. Quanto ao mais que consta de (c\) vale o que se vai dizer a seguir quanto a 17 e 18.
Quanto aos factos de que a autora fala na conclusão 37:
Quanto a 15/, a questão já está decidida.
Quanto a 16/, é um facto instrumental que apenas tem interesse como tal, isto é, para discutir a prova dos factos principais. Pelo que não tem de ser consignado (art. 607/4, a contrario, do CPC).
Quanto a 17/ e 18/: a questão é irrelevante, já que a acção não versa sobre um erro na declaração da vontade, ou na formação do contrato, nem sobre negócios usurários, nem sobre a responsabilidade civil pré-contratual, extracontratual ou contratual. Nem sequer se trata de averiguar a vontade real da autora, porque a autora também não a alegou na petição inicial. A acção baseia-se na interpretação que a autora fez do contrato com base apenas nele e não houve modificação da causa de pedir (não se verificavam os pressupostos dela, nem ela foi admitida).
O que consta de 19/ já está nos factos provados (facto 3\f\).
Quanto a 20/: A resposta dada pelo Sr. R, referida pela autora durante as declarações de parte, com corroboração do depoimento da testemunha W, sem deixarem dúvidas tendo em conta o contexto dado pelo depoimento da testemunha M e o posterior sms, é um facto que tem a ver com esta matéria e pode servir para interpretar o contrato celebrado e nessa medida pode ser acrescentada aos factos provados (facto 15); outro alcance desse facto, como prorrogação da opção será matéria a discutir a nível de direito se necessário.
Quanto a 21/: o facto da recusa é um pressuposto lógica da acção e não tinha que ser consignado, mas, de qualquer modo, já está consignado no facto 10.
*
Do recurso sobre matéria de direito
A sentença tem a seguinte fundamentação em síntese:
Começa por dizer que, no caso, não estamos perante um contrato promessa de compra e venda; estamos perante um contrato de arrendamento com opção de compra.
Depois invoca a seguinte doutrina sobre este contrato, seguindo de muito perto o ac. do TRL de 09/04/2019, proc. 9286/16.8T8ALM.L1-7:
O chamado pacto de opção é, como refere Ana Prata (no Dicionário Jurídico, 3.ª ed., págs. 712/713), o “acordo segundo o qual dado contrato, cujos termos ficam desde logo estabelecidos vinculativamente, pode vir a celebrar-se entre as partes, se e quando uma delas o quiser; esta convenção é estruturalmente caracterizada por uma das partes emitir uma declaração ou proposta de contrato, ficando a outra parte com a faculdade de aceitar ou rejeitar o contrato dentro de certo prazo.
Segundo Tiago Soares da Fonseca (Do Contrato de Opção - Esboço de Uma Teoria Geral, Lex, Lisboa 2001, pág. 21), “o contrato de opção consiste na convenção mediante a qual, uma das partes (concedente) emite a favor da outra (optante) uma declaração negocial, que se consubstancia numa proposta contratual irrevogável referida a um certo contrato (principal), fazendo nascer, nesta última, o direito potestativo de decidir unilateralmente sobre a conclusão ou não do mesmo.” [desta obra, este TRL só teve a possibilidade de consultar as páginas 56 e segs.]
Ou, como refere Calvão da Silva, [Sinal e Contrato Promessa, 11ª ed., Almedina, 2006, pág. 26], “o pacto de opção é um contrato – e nisto se distingue da proposta irrevogável -, tal como a promessa unilateral, sendo, todavia, diverso o mecanismo de realização do direito ao contrato emergente de ambos: na segunda, fonte de uma obrigação de contratar, tem de haver nova declaração contratual de ambas as partes para que o contrato definitivo se conclua – direito de crédito, portanto, o do promissário, já que exige a cooperação ou colaboração do promitente; no primeiro, para a conclusão do contrato é suficiente a declaração de vontade do beneficiário: se este aceita, exercendo o seu direito potestativo, o contrato, aperfeiçoa-se, inelutavelmente, sem necessidade de nova declaração da contraparte. […].” [a indicação da obra de Calvão da Silva e as quatro últimas linhas foram colocadas por este TRL, já que, por lapso não constavam da sentença recorrida.]
Ac. do STJ de 10/11/2011, proc. 3109/08.9TVLSB.L1.S1: “A distinção entre contrato-promessa unilateral e pacto de opção está em que este ‘consiste no acordo em que uma das partes se vincula à respectiva declaração de vontade negocial, correspondente ao negócio visado, e a outra tem a faculdade de aceitá-la ou não, considerando-se essa declaração da primeira uma proposta irrevogável” (Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 12.ª edição, pág. 382), portanto, “do pacto de opção deriva um direito potestativo à aceitação da proposta contratual emitida e mantida pela outra parte” (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 10.ª edição, pág. 311) considerando-se ainda que a promessa unilateral “assenta sobre um contrato consumado” (Varela, loc. cit., pág. 311).”
Por isso, conclui: “no pacto ou contrato de opção existe uma declaração contratual de uma das partes, que a vincula de forma irrevogável, enquanto a outra parte se reserva a faculdade de, livremente, aceitar ou não esse mesmo contrato.”
A seguir diz: “No entanto, como o contrato respeita a um bem imóvel, o que obriga à formalização das declarações de vontade em escritura pública, sob pena de nulidade (artigos 875 e 220 do CC), neste caso, ao contrário do que sucede na generalidade dos casos, o contrato ainda não está perfeito, apesar da aceitação do beneficiário, ou seja, não há contrato concluído.”
Entretanto, tinha dito que “é pacífico, em tese, na jurisprudência, que sendo o contrato optativo a compra e venda de um bem imóvel sujeito à formalização da declaração de vontade das partes, pode o beneficiário do direito de opção, em caso de recusa do vendedor na realização da respectiva escritura pública, recorrer à execução específica […].” [a sentença não refere nenhum acórdão neste sentido, mas, como se disse acima, ela está a seguir de muito perto o ac. do TRL de 09/04/2019, proc. 9286/16.8T8ALM.L1-7, que vai nesse sentido – parenteses deste TRL]               
Depois a sentença diz em que é que se traduz a execução específica (art. 830 do CC) e quais os respectivos requisitos e diz, com suporte num acórdão do STJ de 26/03/1974 (BMJ 235º/275), que um deles é haver incumprimento por parte do demandado, pelo que diz ir passar a verificar a existência desse incumprimento por parte da ré.
A seguir diz que “a questão que concretamente aqui se suscita é a de saber se, cabendo o direito de opção de compra da fracção à autora, a mesma o exerceu dentro dos parâmetros estabelecidos no contrato, ou se ao invés o mesmo havia caducado (como defende a ré)” e, a seguir, com base nos factos provados 1 a 3 e 6, diz:
O contrato foi celebrado em 28/04/2014, com início em 01/06/2014 e termo em 31/05/2017. A opção de compra tinha, nos termos desse mesmo contrato, como data limite da comunicação dessa opção Abril de 2017.
Não se suscitam quaisquer dúvidas ao tribunal que, em caso de renovação do contrato de arrendamento, não se renovava a opção de compra, como parece ser a tese da autora quer no e-mail enviado à ré em Março de 2020, quer na réplica. Para além de tal posição não ter o mínimo de correspondência no texto do contrato – que é sempre o ponto de partida e de chegada da tarefa de interpretação do mesmo – as próprias cláusulas do contrato, igualmente bussolas na tarefa interpretativa, apontam em sentido diverso: disso exemplo é a clausula 2.ª/-e, bem como a própria alínea (b), a[o] referir quais as rendas a descontar no valor do preço. A articulação e leitura transversal no seu todo da cláusula 2.ª não permite qualquer outra leitura, e, acima de tudo, não permite a leitura e interpretação feita pela autora em sede de resposta à contestação.
O exercício da opção de compra dentro do prazo contratualmente estipulado – ou dentro de um prazo consensualmente prorrogado (que não resultou provado) – era facto constitutivo do direito da autora, que a mesma não logrou provar.
A autora apenas provou ter comunicado essa opção de compra em Março de 2020, e, mesmo assim, apenas e ainda com o crédito em fase de análise.
Ora nessa data já havia caducado a opção de compra da autora, não se podendo por isso considerar a ré vinculada a qualquer obrigação de venda.
Em face do exposto, somos do entendimento que nenhum incumprimento é imputável à ré na medida em que, não tendo a autora comunicado a opção de compra no prazo estabelecido no contrato, o seu direito caducou, e se extinguiu a obrigação da ré de proceder à venda nos moldes e termos em que se havia obrigado. E sem direito não existe lugar ao pressuposto da execução específica.
Contra isto, a autora diz o seguinte:
4\ O tribunal a quo fez um errado enquadramento jurídico do contrato que a autora e a ré celebraram, considerando que estamos perante um contrato misto e atípico denominado de contrato de arrendamento com opção de compra.
5\ O contrato de arrendamento com opção de compra, não está regulado na lei e, por isso, impõem-se as regras dos contratos tipificados na lei.
6\ Em causa estão os elementos do tipo do contrato promessa (a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato, art. 410 do CC) misturados e confundidos com os elementos do tipo do contrato de arrendamento.
7\ Por estarem em causa dois tipos de contratos, é necessário saber por que regras se rege a relação jurídica das partes, a saber se as do arrendamento ou as da promessa de compra e venda, […] para tanto é necessário desvendar qual o verdadeiro negócio, vale o mesmo que dizer, desvendar o que as partes no fundo pretendiam.
8\ Ora, o julgador, foi omisso na fundamentação [quando] decidiu não estarmos “perante um contrato promessa de compra e venda; estamos perante um contrato de arrendamento com opção de compra (…).
9\ Ao decidir pelo contrato de arrendamento, o julgador também não explica como articula a opção de compra no negócio com o pagamento da quantia de 10.000€ intitulado de sinal.
10\ O tribunal a quo foi omisso na pronúncia sobre o pedido de reconhecimento pela autora do pagamento de 10.000€ como pagamento do sinal ou como o exercício de opção de compra. Posição da autora, que foi alegada nos autos, no requerimento de ampliação do pedido, no articulado §9 “De modo que, ou se entende que a entrega do valor de 10.000€ é manifestação da opção de compra do imóvel”, e no §12 “Com a entrega de 10.000€ como manifestação de opção de compra considera-se o imóvel (…)” e nos pedidos,“ a) condenar a ré a reconhecer que a autora manifestou a opção de compra do imóvel, em prazo, com o pagamento da quantia de 10.000€;
11\ Parece-nos, pois, que, antes do mais, é imprescindível a interpretação do negócio pretendido pelas partes, o que implica analisar o contexto e as circunstâncias do negócio, as motivações e intenções das partes segundo o critério da impressão do destinatário presente no artigo 236 do CC, o que neste caso claramente não aconteceu.
[…]
27\ O conceito de opção de compra, por não estar regulado na lei, tem de ser regido segundo as regras do sinal por força da interpretação analógica do artigo 442 do CC.
28\ Esta interpretação analógica do regime do sinal permite dar um sentido e efeito útil ao pagamento da quantia de 10.000€ pela autora à ré, cujo facto não pode ser juridicamente irrelevante ao caso, como parece ser a posição do julgador.
29\ No nosso caso coexistem dois tipos de contratos e por isso é necessário identificar o contrato predominante no negócio para sabermos por que regras se rege o caso.
30\ Para tanto, comecemos por saber qual é o negócio que as partes realmente pretenderam segundo o critério presente no artigo 236 do CC.
31\ O depoimento da autora e das testemunhas prestadas até aqui, por si só, provam a existência de um contrato promessa de compra e venda, mas atentemos ao que a autora ainda esclarece, (45:25)“(…) quando foi assinado o contrato … o Sr. R na altura falou para a senhora que, olha a casa já é sua e você é que vai pagar o condomínio.”, (41:37) “depois de ter entregue o processo no tribunal é que eles não deixaram a senhora a pagar o condomínio (…).” Esta alteração do comportamento da ré, o retrocesso quanto ao pagamento do condomínio, prova que a ré prometeu vender o imóvel, tendo, por isso, ocorrido a traditio rei e ficou a cargo da autora o pagamento do condomínio.
32\ Todos os factos provam que não obstante as partes terem celebrado o contrato denominado de arrendamento, com opção de compra, as partes nunca pretenderam o arrendamento do imóvel como negócio principal, mas a promessa da compra e venda ou a compra e venda do imóvel para habitação.
33\ O tribunal a quo sobre os factos relatados não explicou quais foram as situações, se é que existiram, que considerou serem desviantes do padrão normal do comportamento humano para justificar que os relatos contradizem com a vontade de promessa de compra e venda.
34\ O mesmo tribunal a quo sobre a prova testemunhal não clarificou quais os depoimentos que considerou mais credíveis e os menos credíveis, bem como não fundamentou o que o levou a concluir acreditar, parcial ou totalmente, nuns e não outros.
35\ A autora e as testemunhas da autora relatam versões, ricos em pormenores, congruentes e coerentes, sem animosidade e credíveis segundo as regras de experiência e normalidade de acontecer e o tribunal a quo, que aprecia livremente a prova, não clarificou como formulou a sua convicção e como se processou a sua análise crítica da prova testemunhal.
36\ É que conjugando os depoimentos, as circunstâncias do negócio e o conteúdo do contrato, o contrato predominante é indubitavelmente o de promessa de compra e venda.
[…]
38\39\ O tribunal a quo determinou “que a autora e a ré acordaram, no contrato de arrendamento celebrado entre ambos, na opção de compra da autora/arrendatária”, mas bem sabemos pela prova produzida que o pagamento das rendas era meramente instrumental relativamente ao objectivo primordial que é a compra e venda do imóvel e além da real intenção das partes, falta conjugar o pagamento do sinal de 10.000€ no negócio.
40\ Analisemos as alíneas (c) e (f) da cláusula 2.ª do contrato.
41\ As duas alíneas, (c) e (f), têm de ser interpretadas de acordo com a lei sobre o regime do sinal, artigos 440 e seguintes e 830/2 do CC e o regime da declaração da vontade, artigos 217 e seguintes do CC.
42\ Leia-se o que a doutrina diz sobre o sinal: “o sinal tem carácter de sinal confirmatório se é clausulado para selar a promessa, garantindo ou reforçando as obrigações assumidas no contrato, como testemunho ou prova de que efectivamente se quer cumprir; terá de sinal penitencial quando constituído como preço de desistência ou de retractação. Se as partes nada convencionarem acerca do carácter e dos efeitos que atribuem à quantia ou quantias entregues pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, nos termos do referido do artigo 441 do CC, presume-se que têm carácter de sinal e, nos termos do art. 830/2 do CC, presume-se que se trata de sinal penitencial” (in Contrato-promessa de compra e venda de fracção autónoma, Guia prático, 2.ª ed., de Carlos Ricardo Soares, Almedina, pág. 74)
43\ Assim, no momento que a autora paga o sinal de 10.000€ à ré, manifesta a opção de compra.
44\ Comparemos o regime geral do sinal (artigos 440 e seguintes do CC) ao regime da declaração da decisão de optar (artigos 217 e seguintes do CC), o primeiro tem o efeito jurídico confirmatório e garantístico e o seu peso jurídico absorve a declaração prevista na al. (c) da cláusula 2.ª do contrato atípico.
45\ A ré, por sua vez, ao dar de quitação o sinal validou e conferiu eficácia à opção de compra da autora.
46\ Assim, seguindo o raciocínio do julgador, se estamos no âmbito do contrato de arrendamento, a autora manifestou a opção de comprar no dia do pagamento da quantia de 10.000€ à ré.
         47\ Por fim, dois apontamentos sobre as restantes conclusões do tribunal a quo, sobre as quais discordamos em absoluto: 1.ª Quem emite a declaração tem de acautelar nos termos do artigo 236 do CC, que o declaratário compreende o sentido jurídico tal como seria apreendido por um declaratário médio, de modo que compete à ré provar que a autora entendeu a declaração negocial transmitida por aquela, já para não referir que o ónus da prova negativa recai sobre a ré e não a autora. A ré não se deu ao trabalho de esclarecer convenientemente o conteúdo do contrato atípico à autora. 2.ª Perante a evidente desigualdade de posição negocial das partes no negócio, sendo uma empresa de construção e outra pessoa singular que não domina a língua portuguesa, e tendo sido a primeira quem elaborou o contrato no uso da liberdade contratual (art. 405 do CC), não é justo, nem lógico que o julgador conclua como concluiu na sentença assim, “não era exigível à ré que tendo fixado como prazo para a opção de compra o mês de Abril de 2017, tivesse de aguardar 3 anos, sem qualquer contrapartida pela valorização do mercado imobiliário, a concretização de uma venda a preços de 2014.”
Apreciação:
Antes de mais, e em complemento do que consta da fundamentação de direito da sentença, veja-se o que a doutrina tem dito sobre o contrato ou pacto de opção, nas partes que interessam ao caso:
Soares da Fonseca, obra citada na sentença recorrida:
“[…O] contrato de opção não está sujeito a qualquer forma especial, mas está sempre condicionado à forma exigida para o contrato principal. [pág. 58]. […] com a celebração de um contrato de opção, uma das partes, o obrigado, fica numa situação de sujeição, caracterizada pela emissão antecipada de uma proposta contratual irrevogável. Ora, para que esta declaração negocial valha como proposta contratual, necessário é que reúna cumulativamente, os seguintes requisitos: […] c) Deve revestir a forma requerida para o contrato cuja formação se trate [nota 116: Ou seja, deve assumir a forma do contrato principal]. [pág. 59] […] Assim, devemos concluir que a forma da proposta contratual resultante da celebração do contrato de opção, será a forma que legalmente for exigida para o contrato principal; caso contrário, o contrato celebrado será invalido, conforme disposto no art. 220 do CC […]. Dito de outro modo: sempre que o negócio jurídico final, resultante do exercício do direito de opção, seja solene, o contrato de opção, para ser válido, terá de assumir essa mesma forma, sob pena de nulidade. […]
Questão que, sem dúvida, nos parece mais polémica prende-se em saber qual a forma que deverá assumir o exercício do direito de opção, resultante da celebração do contrato de opção. Naturalmente, que tal como no anterior ponto […], esta questão só se tornará problemática quando a forma erigida para a celebração do contrato principal for solene e, mais concretamente, escritura pública. […] [o autor lembra a seguir, com extensão, as posições de Baptista Machado Parecer Sobre Reserva de Opção"..., op. cit., p. 237, e de Adriano Vaz Serra, anotação ao ac. do STJ de 25/04/1972, no sentido a liberdade de forma do exercício do direito de opção, faz a crítica dessa posição e depois defende a seguinte posição]:  É nosso entendimento que o exercício do direito potestativo de opção se consubstancia numa verdadeira declaração negocial que corresponde a uma aceitação, através da qual resulta um outro contrato. Ora, para que esta declaração negocial possa valer como aceitação, é necessário que reúna, cumulativamente, os seguintes requisitos: (a) Deve traduzir uma concordância total e inequívoca; (b) Deve revestir a forma exigida para o contrato. Se bem que a forma deva ser sempre projectada para o contrato final, quando a lei exige o cumprimento de determinada formalidade esta deve abarcar todos os elementos da relação contratual, inclusive a aceitação da proposta contratual. Na verdade, o negócio não poderá nascer validamente para o ordenamento jurídico quando um dos elementos essenciais da sua formação, a aceitação, não preenche um dos requisitos necessários para valer enquanto tal: a forma. Assim, podemos concluir que o exercício do direito de opção, não estando, em regra, sujeito a qualquer forma especial (art. 219 do CC), terá sempre de ter a forma do contrato que resultar do seu exercício. Esta é, no nosso entendimento, a solução que se nos afigura como a mais correcta, até porque estamos perante regras injuntivas que, como tais, são impostas às partes.” [págs. 60 a 64]. […]
[…E]xiste incumprimento do contrato de opção pelo concedente, sempre que este pratica qualquer acto que fruste o exercício do direito de opção, por exemplo, destruindo o bem objecto do contrato principal ou simplesmente não o entregando ao optante. [pág. 81] […] Se a alienação [do bem, pelo concedente] for feita depois de exercida a opção, então, porque o efeito translativo da propriedade já se verificou - art. 879/-a do CC -, o que existe é uma venda de bens alheios, como tal nula conforme o disposto no art. 892 do CC. O optante, encontrando-se numa posição de proprietário poderia, inclusive, socorrer-se da acção de reivindicação (art. 1311 do CC) para ver tutelado o seu direito. [pág. 83] […] No contrato de opção não se pode exigir judicialmente sentença que substitua a declaração faltosa, porque a opção cria por si mesma o contrato principal. Logo, se este nasce com o exercício do direito de opção, não existe declaração faltosa para substituir. Assim, quando o concedente se nega a cumprir o contrato principal depois do optante ter exercido eficazmente o seu direito de opção, é possível a imposição coactiva ao concedente do comportamento devido, através de uma acção de cumprimento, prevista no art. 817 do CC, dirigida à condenação do concedente na prestação em dívida. Deste modo, apenas é admissível sentença judicial que ordene a imediata execução do contrato já perfeito. Naturalmente, não se exige a substituição de declaração omissa, porque esta existe, mas, tão só, o seu cumprimento. Tal sentença, ao contrário da sentença de execução específica que adquire carácter constitutivo, adquire apenas carácter declarativo: declara-se cumprido o contrato final.” [pág. 85]
Menezes Cordeiro, CC comentado, II, Das obrigações em geral, CIDP/FDUL, Almedina, 2021, anotação ao artigo 411 do CC, páginas 182-187, especialmente:
“Diz-se opção o contrato pelo qual uma das partes (o beneficiário, o titular ou o optante) recebe o direito de, mediante uma simples declaração de vontade dirigida à outra parte (o vinculado ou o adstrito à opção), fazer surgir um contrato entre ambas combinado: o contrato definitivo. […] [N]a opção, embora uma das partes tenha o poder unilateral de fazer surgir o [contrato] definitivo este não depende da parte vinculada. (pág. 183).
O regime do pacto de opção é enformado pelo princípio da equiparação: ele segue o regime do contrato definitivo, excepto no que tange ao cumprimento deste. […A] opção, por mera declaração unilateral, dá azo ao contrato definitivo. Logo, só será válida e eficaz se, perante o concreto contrato definitivo em causa, ela reunir os diversos requisitos prefigurados. São eles: (1) quando à forma, aplica-se, sem aligeiramento, a forma do definitivo pois a opção, tornando-se eficaz a declaração do optante, é o definitivo. (pág. 184).
[… A] opção cessa com o seu exercício, passando a integrar o definitivo; […]. A execução do pacto em estudo centra-se na comunicação de opção: uma declaração recipienda (art. 224 do CC). […] Quanto à forma dessa declaração duas teorias: (1) a declaração poderia ser meramente consensual (Vaz Serra e Baptista Machado [anotação e parecer citados - TRL]; (2) a declaração deve assumir a forma exigida para o contrato definitivo (Soares da Fonseca – [obra já citada - TRL]. No primeiro sentido, invoca-se a semelhança com a declaração de preferência e o facto de, na declaração de opção, não haver negócio autónomo: tudo se jogara na própria conclusão do pacto. No segundo, aduz-se a natureza constituinte que a declaração de opção assume no contrato definitivo. (pág. 185). Embora com reservas quanto à justificação, subscrevemos esta última orientação. A declaração de opção é um acto jurídico unilateral: comporta liberdade de celebração, mas não de estipulação, uma vez que tudo foi decidido no próprio pacto. Aplica-se-lhe o regime dos negócios jurídicos, por via do art. 295 do CC, mas na medida em que a analogia das situações o justifique, segundo esse mesmo preceito. A declaração de opção é um acto sobre um negócio: vai alterar a eficácia que já advinha deste. As razões especiais que, junto da lei, determinem uma forma solene são-lhes aplicáveis (art. 221/2 do CC)
Incumprimento. No cerne da opção, temos um direito potestativo e uma sujeição. Esta não pode ser violada, por natureza. […] Na hipótese de o adstrito à opção alienar, a terceiros, a coisa que era suposto manter para o optante, aplica-se, por analogia, o art. 274 do CC: a venda a terceiro torna-se ineficaz quando a opção seja exercida; o optante adquire a propriedade da coisa onde quer que ela esteja, podendo exigir, depois, a sua entrega. […] Se o adstrito destruir a coisa ou se recusar a entregá-la, o optante pode exercer o seu direito, o qual visa o contrato e não a coisa. Caso o exerça e a coisa haja sido destruída, verifica-se a violação da propriedade e do contrato definitivo; de igual modo, a recusa da entrega da coisa implica a inobservância do definitivo e o desrespeito pela propriedade. O optante pode reagir, lançando mão dos competentes remédios: exeptio non adimpleti contractus, indemnização por incumprimento ou por via aquiliana ou/e reivindicação da coisa, quando ainda seja possível.
Actuada a opção, surge o contrato definitivo: a parte compradora deve pagar o preço e a vendedora entregar a coisa, quando se trate de opção relativa à compra e venda (art. 879 do CC) […]. (pág. 186). […] Por parte do obrigado, o contrato definitivo não tem qualquer voluntariedade, uma vez que ele nem é chamado a dizer seja o que for; e da parte do optante, ele opera, apenas, como o produto de um acto unilateral. Em termos analíticos, o pacto de opção consome o essencial da autonomia das partes, surgindo o definitivo como uma decorrência do exercício de um direito potestativo. […]” (pág. 187).
Nuno Manuel Pinto de Oliveira, Contrato de compra e venda, vol. II, Gestlegal, 2023:
Fala no contrato ou pacto de opção nas págs. 501 (ou mais precisamente 507) a 524, citando as obras já referidas de Antunes Varela [vejam-se também as páginas 218 e 219  do CC anotado, vol. II, 4.ª edição, Coimbra Editora, 1997], Almeida Costa e Calvão da Silva, a propósito da 1.ª modalidade da venda a contento (art. 923 do CC), embora refira a existência de três diferenças entre aquele e esta (págs. 515-516). E, entre o muito mais, diz que o contrato definitivo é ainda um contrato em formação; a declaração de vontade negocial do promitente corresponde a uma proposta; o promissário tem o direito potestativo de a aceitar ou de a recusar e o promitente tem o correlativo estado de sujeição, ou a correlativa sujeição; desde que o promissário a aceite, o contrato definitivo conclui-se – “se [o promissário o] aceita, exercendo o seu direito potestativo, o contrato aperfeiçoa-se, inelutavelmente, sem necessidade de nova declaração da contraparte”. Depois diz que deve preferir-se a construção da venda a contento como pacto de opção e que os problemas causados por essa construção devem resolver-se ainda dentro do conceito de contrato, pela coordenação do caso à figura de um contrato preliminar atípico (pág. 517) e mais à frente (pág. 518) defende que os requisitos de forma da compra e venda devem aplicar-se à venda a contento.
Mais ou menos no mesmo sentido, mas sem referência a questões de forma, Ana Isabel Afonso, A condição, reflexão crítica em torno de subtipos de compra e venda, UCE-Porto, 2014, páginas 522-529.
Ana Prata, quer no artigo ‘Os contratos em volta (da compra e venda), nos estudos em homenagem a Galvão Telles, vol. IV, Almedina, 2003, páginas 379-381 (mas com interesse também na parte relativa à locação venda prevista no art. 936/2 do CC – págs. 377-379) quer na anotação ao art. 411 do CC no CC anotado, coord. pela mesma, 2.ª edição, 2019, Almedina, pág. 553:
Fala no pacto de opção nos mesmos termos, lembrando embora, no primeiro artigo, que “contrato-promessa unilateral e pacto de opção são, aliás, figuras tão próximas que se justifica a dúvida de saber se eles devem ser considerados contratos diversos ou, antes, subespécies de um mesmo tipo contratual” e que há “que ter em atenção que, na maioria dos casos, a designação não encontra correspondência com o clausulado, tratando-se de verdadeiros contratos-promessa. […].”
A propósito desta posição e também da de Ana Afonso (quanto ao sinal), citada abaixo, veja-se o caso do ac. do STJ de 14/09/2023, proc. 6670/21.9T8LSB.L1.S1, que, dissimulado sob o contrato apelidado de arrendamento com opção de compra, vê um contrato promessa de compra e venda, confirmando o ac. do TRL de 13/04/2023, proc. 6670/21.9T8LSB.L1-8, e aceitando a execução específica deste, por já estar pago todo o preço, apesar da falta de observância das formalidades do art. 410/3 do CC.
Carlos Ferreira de Almeida, Contratos I, 2015, 5.ª edição, Almedina, n.º 49, páginas, 144-145, entre o mais escreve:
“O contrato de opção deve assim, tal como a proposta [contratual - TRL], revestir-se da forma adequada ao contrato optativo [= definitivo - TRL] […] Por sua vez, o exercício do direito de opção dá lugar à formação do contrato optativo, desde que a declaração dirigida à outra parte seja, tal como a aceitação de uma proposta contratual, conforme, tempestiva e emitida pela forma adequada. […D]iferentemente do contrato-promessa, do contrato de opção não resulta a obrigação de celebrar o contrato definitivo. A sua formação não exige novas declarações contratuais, bastando-se com uma declaração unilateral posterior que, em conjunto, com o contrato preliminar de opção dá lugar ao contrato definitivo. A formação deste é independente do comportamento da parte sujeita à opção, que a não pode incumprir, obstando à formação do contrato definitivo.” (outros desenvolvimentos, no mesmo sentido do acima, constam de Contratos II, 2011, 2.ª edição, n.º 30/II, páginas 216-217, entre o mais esclarecendo, em nota, 327, que a execução específica, em relação ao contrato de opção, não é necessária [julga-se melhor dizer que é impossível - TRL], porque o exercício unilateral da opção, em termos adequados tem, por si só, o efeito de formação do contrato optativo” [definitivo - TRL].
Dá, no essencial, a mesma definição de pacto de opção, Ana Afonso, no Comentário ao CC, Direito das Obrigações, das Obrigações em geral, da UCP/FD/UCE, 2018, em anotação ao art. 411, pág. 85, e, na pág. 86, embora para o contrato-promessa unilateral, lembra que não constituem sinal as quantias entregues à promitente vendedora pela contraparte que não assume a obrigação de comprar a coisa (cf., por exemplo, o a. do TRE de 28/10/2004, proc. 1796/2004 [CJ2004.IV, páginas 253 a 256]).
Também Gravato Morais, Manual do contrato-promessa, Editora d’ideias, Março de 2022, página 68, onde diz que “o mecanismo da execução específica é inaplicável ao pacto de opção [já que para a conclusão do contrato optativo é apenas necessária a aceitação pelo optante/beneficiário - em nota remete para Tiago Soares da Fonseca], sendo a mesma a conclusão quanto ao regime do sinal, em sede de incumprimento definitivo.”
E, apenas quanto à noção de contrato de opção, João Leal Amado, Contrato de trabalho desportivo e pacto de opção, em Ab vno ad omnes – 75 anos da Coimbra Editora, Março 1998, páginas 1169 e segs., especialmente 1172-1174.
No mesmo sentido, ainda, Galvão Telles, Manual dos contratos em geral, 4.ª edição, Almedina, 2002, páginas 240-241.
E ainda, consultadas online, as seguintes dissertações de mestrado, já para além da noção do contrato: de Catarina Agostinho Roriz Ferreira Fernandes, Contributo para o estudo da Tutela do Promitente – Comprador, 2015, Universidade do Minho, Escola de Direito, Dissertação de Mestrado, onde diz, entre o mais, na nota 43 da página 14: A promessa unilateral atribui ao não promitente uma pretensão de celebrar o contrato prometido, ao passo que do pacto de opção deriva um direito potestativo à aceitação e manutenção da proposta contratual. O pacto de opção é um contrato atípico, sem regulamentação específica no código civil, apresentando, não obstante, algumas similitudes com a promessa unilateral, ora em análise. Assim, apenas o concedente se vincula à obrigação de contratar (tal como o obrigado em sede de promessa unilateral), do lado oposto, o optante (e o promissário) dispõe de plena liberdade quanto à decisão de celebrar, ou não, o contrato. Porém, para a conclusão do contrato optativo é apenas necessária a aceitação pelo optante (já a realização do contrato prometido não prescinde de duas declarações negociais). Em caso de incumprimento do pacto de opção, não lhe serão aplicáveis a execução específica, tampouco o regime do sinal. Ver Tiago Soares da Fonseca, obra citada, pp.46 ss.; e de Roana Frazão Ribeiro, Contrato-promessa e pacto de opção: vantagens, e desvantagens de cada figura, Faculdade de Direito da UCP, Escola do Porto, 2022, a qual, nas páginas 19-20, sobre a questão da forma, depois de invocar as posições já conhecidas, diz que “No viés seguido por este estudo, percebemos que, embora a declaração da opção seja um acto jurídico unilateral, em razão de esse mecanismo incidir sobre um negócio, estamos de acordo com a ideia de que a declaração deve seguir o definitivo, pois este determina tanto o exercício da opção quanto a estrutura subjectiva final; assim, a forma deve ser observada na própria declaração.”
Sempre no mesmo sentido (sobre o contrato de opção), Vaz Serra, na anotação ao ac. do STJ de 25/04/1972, na RLJ 106, páginas 125 a 127, donde resulta que o contrato de opção, respeitante a um imóvel, tem de assumir a forma do contrato de compra e venda de um imóvel, e de ser assinada pelos dois contraentes, embora defenda que o exercício do direito de compra [= de opção] não tenha de assumir essa forma.
E também Baptista Machado, no parecer Sobre “reserva de opção” emergente do pacto social, publicado na Obra dispersa, vol. I, páginas 215 a 256, especialmente págs. 223 a 246, e na subsequente anotação ao ac. do STJ de 16/02/1984, publicada na RLJ ano 117, especialmente páginas 201-205, defendendo, no parecer, que o exercício da opção não está dependente de forma porque funciona como simples requisito de eficácia do contrato previsto no contrato principal [de opção], sendo que o contrato de opção teve que assumir a forma legal de que carece o contrato definitivo, e acrescentando outra razão para isso, razão essa que deixa de valer porque na anotação altera a sua posição quanto à interpretação do contrato, aderindo à posição de Ferrer Correia e Henrique Mesquita de que, no caso, do exercício do direito de opção resultou apenas a conclusão de um contrato-promessa (como explica na nota 3 da página 204), perdendo também força a referência que faz à execução específica no parecer, sobressaindo agora a defesa, constante da nota 2 da pág. 204, de que “mesmo uma sentença proferida em processo de simples apreciação na qual se declarasse a quota transferida por efeito do exercício do direito de opção poderia servir à mesma finalidade.”
Como amostra de outra situação de divergência, ainda a anotação de M. Henrique Mesquita ao acórdão de 25/09/1993 do Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, na RLJ ano 129, páginas 81, 121 e 152 (especialmente páginas 158 a 160, com a defesa de que o contrato em causa era um contrato de opção, consumando-se a venda logo que o A comunicou a B a vontade de lhe vender as acções, enquanto o tribunal arbitral (Raúl Ventura, Antunes Varela e Galvão Telles) entendeu que se tratava de um contrato-promessa de compra, por isso susceptível de execução específica (páginas 90-91).
Posto isto,
Consistindo o contrato de opção naquilo que é dito pela sentença com a invocação de vária doutrina nesse sentido – sendo que todos os autores acabados de referir, coincidem no essencial no mesmo entendimento -, então, no caso, não se pode concluir estar-se perante um pacto de opção, pois que as partes previram expressamente que, depois do exercício da “opção” pela autora, se procederia à celebração do contrato definitivo (à escritura da compra e venda – clª 2.ª/b).
Ou seja, toda a doutrina – sem excepções – concorda que o contrato definitivo se consuma com o exercício do direito de opção pela optante (ou seja: o contrato de opção de compra e venda mais o exercício subsequente do direito de opção faz surgir, sem mais nada, o contrato definitivo de compra e venda); sendo assim, não é compatível com isso a previsão da futura celebração do contrato definitivo [para um caso paralelo – portanto o que se segue tem de ser entendido com adaptações -, Calvão da Silva escreve que “[a]o dizerem que ‘após a obtenção da licença de construção, será celebrado o contrato-promessa de compra e venda’ […], as partes manifestam que são precisas outras (novas) declarações de vontade para a formação do (futuro) contrato-promessa, não se tornando este prefeito com a aceitação pelo promissário da declaração irrevogável do proponente.” (Estudos de direito civil e processo civil, Almedina, 1996, pág. 82)].
É também por isso que toda a doutrina que se pronuncia sobre a questão exige que o contrato de opção que tenha por objecto um imóvel seja celebrado pela forma que o contrato de compra e venda de imóvel deve ser celebrado (ou seja, actualmente, escritura pública ou documento particular autenticado: artigo 875 do CC [se o contrato de opção + o exercício do direito de opção, faz surgir, sem mais, o contrato definitivo de compra e venda, então necessariamente que tem de ser celebrado na forma deste, porque a vinculação do vendedor tem de assumir essa forma]). No que já há divergências é se o exercício posterior do direito de opção, pelo optante, também deve observar essa forma. Mas, mesmo aqui, quase toda a doutrina, defende que sim, já que o contrato de compra e venda se consuma com a declaração do optante. Ora, para se poder ter um contrato de compra e venda de um imóvel, as duas declarações (de venda e de compra) que formam esse contrato, têm de observar a forma legal. A posição contrária, quanto à forma do exercício do direito de opção, por parte de Baptista Machado e Vaz Serra pressupõem que tendo o contrato de opção já assumido a forma (solene) necessária [e, portanto, quanto a ele, não discutem a necessidade da forma solene], o exercício da opção já não tem de ser solene, porque se limita a integrar o contrato de opção.
E, sendo assim, se se concluísse pela existência de um contrato de opção de compra e venda de imóvel, estar-se-ia perante um contrato nulo por falta de observância da forma (arts. 220 e 875 do CC).
Também por isso, quase toda a doutrina defende, expressa ou implicitamente, que o contrato de opção não é susceptível de execução específica [na anotação em causa Vaz Serra não diz nada sobre a execução específica e Baptista Machado defendeu-a quando estava a defender uma interpretação do contrato concreto diferente daquela que depois vem a defender], sendo que, apesar de a sentença dizer o contrário e dizer que é essa uma tese pacífica na jurisprudência, não invoca expressamente nenhum acórdão nesse sentido (embora, como se referiu, esteja a seguir um acórdão que admite a execução específica, acórdão esse que não afasta antes os argumentos em sentido contrário que a doutrina dá).
E toda a doutrina, aqui sem excepções, diz o contrário do que a sentença diz, ou seja, toda a doutrina diz que o contrato [definitivo] está perfeito com a aceitação do beneficiário e é válido se tiver sido observada a forma legal (e se esta não o tiver sido, o que há é um contrato nulo por falta de forma, não um contrato ainda não concluído).
*
O art. 440 do CC, sob a epígrafe ‘antecipação do cumprimento’, dispõe que: “Se, ao celebrar-se o contrato ou em momento posterior, um dos contraentes entregar ao outro coisa que coincida, no todo ou em parte, com a prestação a que fica adstrito, é a entrega havida como antecipação total ou parcial do cumprimento, salvo se as partes quiserem atribuir à coisa entregue o carácter de sinal.”
Em ambos os casos, está-se perante uma entrega que coincide, no todo ou em parte, com a prestação a que se fica adstrito.
Ora, já se sabe que no pacto de opção, a parte optante não está vinculada à emissão da declaração de vontade que vai dar origem ao contrato definitivo. E, por outro lado, no caso do contrato dos autos, não foi clausulado um preço da opção.
Assim, se no caso dos autos se estivesse em causa um pacto de opção, não haveria qualquer prestação a que o optante estivesse vinculado, na qual a entrega de parte das rendas pudesse ser imputada. O que aponta para que essa parte das rendas só possa ser imputada no preço devido pela futura compra e venda do imóvel, o que aponta para a interpretação do contrato como respeitante a uma promessa de compra e venda a que a autora também está vinculada.
O mesmo vale para a quantia entregue a título de sinal, a descontar no valor da aquisição segundo a cláusula 2.ª/-f, aqui com o peso acrescido da própria qualificação das partes, já que um sinal não é um preço da opção.
É que o sinal, como explica Antunes Varela, Das obrigações em geral, vol. I, 9.ª edição, Almedina, 1998, pág. 320, e decorre do disposto nos artigos 440 a 442 do CC -, “consiste na coisa (dinheiro ou outra coisa fungível ou não fungível) que um dos contrates entrega ao outro, no momento da celebração do contrato ou em momento posterior, como prova da seriedade do seu propósito negocial e garantia do seu cumprimento [sinal confirmatório], ou como antecipação da indemnização devida ao outro contratante, na hipótese de o autor do sinal se arrepender do negócio e voltar atrás, podendo a coisa entregue coincidir (no todo ou em parte) ou não com o objecto da prestação devida ex contractu [sinal penitencial].”
Ora, se se aceita – como é correcto e a sentença aceita – que o optante não fica vinculado a celebrar o contrato definitivo, já que o que ele tem é o direito potestativo de decidir unilateralmente sobre a conclusão ou não do mesmo, ele não poderia ter prestado sinal nem como garantia de que viria a celebrar (porque ele não se teria obrigado a tal) o contrato de compra e venda, nem como antecipação da indemnização devida na hipótese de se arrepender e já não querer celebrar o contrato definitivo, porque o “arrependimento” é lícito e não daria lugar a indemnização.
Assim, a referência de Ana Afonso, citada acima, Comentário ao CC, pág. 86, [com adesão ao invocado ac. do TRE], de que não constituem sinal as quantias entregues pela parte que não assume a obrigação de comprar a coisa, reforça a interpretação do contrato em causa como um contrato-promessa bilateral e não com um contrato de opção, porque a existência de facto de um sinal, num contrato em que não foi estabelecido um preço de opção, aponta para a existência de uma vinculação, do que presta o sinal, à celebração de um contrato futuro, o que não é compatível com um contrato de opção.
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É certo que seria possível fazer outra interpretação da cláusula 2/-b-e-f-g. Ao prever-se que as quantias (parte das rendas e sinal) entregues pelo autora reverteriam para a ré no caso de a escritura de compra e venda não se verificar, e caso contrário seriam descontadas no preço da compra, estar-se-ia implicitamente a prever um preço de opção, que seria pago assim e seria tanto maior quanto mais tempo estivesse por exercer a opção.
Mas entre a interpretação feita acima, e esta, que pressupõe a construção de um preço – uma cláusula contratual onerosa - de opção não expressamente previsto, num contrato em que o que já foi analisado antes aponta para a existência de um contrato-promessa bilateral de compra e venda e não para um pacto de opção, considera-se a primeira muito mais linear e segura, sendo que, na dúvida, devia ser ela a prevalecer por conduzir a um maior equilíbrio das prestações (art. 237 do CC).
Um declaratário normal, colocado na posição da autora, naturalmente entendia que enquanto não pudesse pagar o preço do imóvel que pensava estar a prometer comprar, estivesse a pagar antecipadamente o preço dele em prestações mensais; já não se vê que pudesse imaginar que se estava a arriscar pagar um preço que não constava expressamente do contrato e que podia vir a totalizar quase 20% do valor do preço do imóvel, ficando sem qualquer direito sobre este.
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Em suma: tendo as partes previsto a futura celebração do contrato de compra e venda se a autora “optasse” pela compra e tendo a autora logo entregue – e a ré aceite - 10.000€ como sinal confirmatório (já que na dúvida se presume como tal – por exemplo, Ana Afonso, Comentário citado, em anotação ao art. 440 do CC, pág. 164 - e não como penitencial e não há indícios de que seja penitencial) e antecipação de pagamento, o que existe é um contrato-promessa de compra e venda.
Neste contexto, a cláusula que previa a existência de um prazo para a opção, opção que não existe, não faz sentido. De qualquer modo, o contrato-promessa foi logo celebrado, tendo a autora, com a celebração do contrato, manifestado logo a vontade de se vincular à futura celebração do contrato de compra e venda, pelo que, mesmo que se aceitasse dar qualquer conteúdo útil a tal cláusula, o facto que a preenchia tinha-se verificado no próprio momento da celebração do contrato.
Isto tudo (interpretação do contrato e da cláusula de caducidade)  resulta também do comportamento posterior da ré, que sabia que a autora tinha que obter um financiamento bancário para a celebração do contrato definitivo e que depois da data que constava daquela cláusula continuou a aceitar os pagamentos feitos pela autora e as explicações dadas por ela, e a foi informando do que já estava pago e do que faltava pagar. Aliás, sabendo a ré que a autora lhe dizia que só conseguia contrair o empréstimo depois de já estar pago 20% do preço da compra, redigiu o contrato de forma que, na data daquela cláusula, a autora ainda não teria pago 20% do preço, pelo que ainda não podia obter o empréstimo bancário, o que demonstra a irrelevância da data e da cláusula que a continha.
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O contrato-promessa, por força do art. 410 do CPC, devia conter o reconhecimento presencial das assinaturas do promitente ou promitentes e a certificação, pela entidade que realiza aquele reconhecimento, da existência da respectiva licença de utilização ou de construção; contudo, como continua o n.º 3, o contraente que promete transmitir ou constituir o direito só pode invocar a omissão destes requisitos quando a mesma tenha sido culposamente causada pela outra parte.
Do que decorre também que a omissão destas formalidades não é de conhecimento oficioso.
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Sendo o contrato em causa, na parte que interessa, um contrato-promessa de compra e venda, a autora tem direito, no caso do incumprimento do contrato pela ré, a pedir a execução específica do contrato (art. 830 do CC).
Como a ré se comprometeu a celebrar a escritura de compra e venda, estava também obrigada, entre o mais, por força do princípio da boa fé no cumprimento das obrigações (art. 762 do CC), a fornecer à autora a documentação necessária para instruir o processo de pedido de empréstimo, o que a ré não fez apesar de notificada para o efeito (factos 7 a 10), pelo que se verifica o incumprimento do contrato.
O facto de haver sinal não impede a execução específica do contrato, porque esse direito não pode ser afastado pelas partes nas promessas a que se refere o n.º 3 do artigo 410.º do CC (art. 830/2-3 do CC).
O n.º 5 do art. 830 do CC, lembram, entretanto, que preço devido pode não estar ainda pago, e isto, o que, aliás, se sabe ser o caso, sabendo-se ainda que a autora ainda tem que obter um empréstimo bancário para poder pagar o preço em falta.
Ora, sendo assim, a autora não pode ainda pedir a execução específica do contrato – ainda não pagou todo o preço, nem o depositou à ordem dos autos, nem se prontificou a pagá-lo num prazo que lhe fosse concedido por uma sentença condicional, nem tem sequer a certeza de que lhe vá ser concedido um empréstimo bancário para o pagamento do preço.
Assim, para já, nesta acção não pode ser proferida sentença que se substitua à ré no cumprimento da obrigação de proceder à venda do imóvel.
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O facto de o contrato-promessa de compra e venda ter sido celebrado em conjunto com um contrato de arrendamento não tem relevo para a solução das questões que o processo levanta.
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O pedido principal da autora abrange implicitamente o de reconhecimento do direito de crédito da autora à celebração do contrato prometido e, por isso, de que a ré está obrigada a fornecer à autora a documentação necessária para instruir o pedido de empréstimo bancário e a subsequente escritura de compra se o empréstimo for concedido à autora, sendo que este pedido deve proceder, como já resulta demonstrado do que antecede, incluindo o pedido expresso de reconhecimento de que a autora já pagou pelo preço um sinal de 10.000€ (é claro que já pagou mais, mas não há razão para estar a fazer a discriminação do que já pagou; a referência ao sinal faz-se, porque há um pedido expresso, se não também não seria necessária – sendo certo, por outro lado, que a autora tem razão ao dizer, na conclusão 10, que se verifica uma nulidade da sentença  - art. 615/1-d do CPC - ao não se ter pronunciado sobre este pedido, mas a questão tem pouco relevo, visto a possibilidade de substituição do tribunal recorrido por este: art. 665/1 do CPC).
Procedendo apenas parcialmente o pedido principal, haveria ainda que apreciar o pedido subsidiário, mas de tudo o que já se disse resulta que o contrato não é de contrato de arrendamento com opção de compra e, se o fosse, dele não resultaria a obrigação de celebração de escritura pública; e, assim sendo, nem que fosse por isso, improcederia também o pedido de condenação em sanção compulsória.
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Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso, revogando-se a sentença recorrida, em substituição da qual se decide agora pela parcial procedência da acção, reconhecendo o direito de crédito da autora ao cumprimento do contrato-promessa celebrado com a ré em 28/04/2014, pelo qual a autora já pagou, entre o mais, um sinal de 10.000€, bem com o direito de exigir da ré a entrega de toda a documentação necessária à instrução do pedido de empréstimo bancário e da posterior escritura de compra e venda.
Custas, na vertente de custas de parte, pela autora e pela ré, quer do recurso quer da acção, em 1/3 pela autora e 2/3 pela ré.
Se e quando este acórdão transitar em julgado, deve proceder-se ao registo predial do resultado do acórdão.

Lisboa, 05/12/2024
Pedro Martins
Fernando Alberto Caetano Besteiro
Higina Castelo