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NULIDADE DA SENTENÇA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
PROCESSO DE INVENTÁRIO
RECLAMAÇÃO CONTRA A RELAÇÃO DE BENS
VALOR
CONTRATO DE SEGURO
Sumário
SUMÁRIO (artigo 663.º, n.º 7, do CPCivil): I. Sob pena de incorrer em nulidade por excesso de pronúncia, o Juiz está limitado ao pedido, causa de pedir e matéria de exceção invocados pelas partes, salvo quanto a questões de que deva conhecer por ofício próprio. II. Em sede de saneamento do processo de inventário, artigo 1110.º do CPCivil, tendo havido reclamação quanto ao valor de um dos bens relacionados pelo cabeça de casal, não incumbe ao Tribunal atribuir-lhes um valor, na medida em que é na fase processual subsequente que tal valor deve ser fixado, quer em função de acordo das partes, quer na sequência de avaliação, quer em razão de licitação entre as partes, quer por venda de bem da herança. III. Caso o inventariado tenha celebrado contrato de seguro de vida e nele tenha estipulado terceiros beneficiários, o capital seguro não integra a herança do inventariado.
Texto Integral
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I. RELATÓRIO.
Em 22.09.2020, a Requerente “A”, instaurou contra os Requeridos “B” e “C”, processo especial de inventário por óbito de “D”, ocorrido em 11.05.2001.
A Requerente foi nomeada cabeça de casal, prestou compromisso de honra e juntou relação de bens.
Citados os interessados, o Requerido “B” reclamou da relação de bens, alegando, em suma, que:
(i) À verba n.º 2 (imóvel) deve ser atribuído o respetivo valor matricial, o qual se cifra em €91.175,40, sendo que o respetivo valor de mercado é de €350.000,00,
(ii) Não aceita o valor de €2.000,00 atribuído à verba n.º 1 (Licença de aluguer letra A, n.º 0966), cifrando-se antes o respetivo valor em €80.000,00,
(iii) Falta relacionar o veículo automóvel de matrícula (…)-MA-(…), a que atribuiu o valor de €10.000,00,
(iv) Falta relacionar a licença de aluguer de táxi letra A, n.º (…)5, com o valor de €50.000,00,
(v) Falta relacionar a licença de aluguer de táxi com o número de porta (…)2 e respetiva viatura com a matrícula (…)JJ, a que atribui o valor de 80.000,00.
(vi) Falta relacionar diversas contas bancárias, em vários bancos, de que era o titular inventariado,
(vii) Falta relacionar a quantia de €400.000,00 que o inventariado guardava em casa aquando do seu decesso,
(viii) Falta relacionar a quantia de €50.000,00 que a Cabeça de Casal recebeu em razão de seguro de vida celebrado pelo inventariado a favor de todos os seus herdeiros,
(ix) Falta relacionar as diversas peças de ouro, colares, anéis, joias com pedras preciosas, entre outros, que o inventariado tinha na sua residência, no valor de €10.000,00,
(x) Falta relacionar a quantia de €118.474,52 referente a indemnização paga pela Fidelidade na sequência do acidente mortal de “F”, irmã dos Requeridos e filha do inventariado e da Cabeça de Casal,
(xi) Falta relacionar 400 garrafas de whisky que o inventariado tinha na sua residência, no valor de €10.000,00 e
(xii) Falta relacionar um crédito a favor do Interessado/Reclamante, no valor de €60.000,00, relativo a obras que o mesmo executou no imóvel a que refere a verba n.º 1 da relação de bens.
A Requerente/Cabeça de Casal respondeu à reclamação, referindo, em síntese, que:
(i) Aceita atribuir à verba n.º 2 da relação de bens o valor de €91.175,40,
(ii) Não aceita que seja atribuído à verba n.º 1 o valor de €80.000,00,
(iii) O veículo automóvel de matrícula (…)-MA-(…) está parado há mais de vinte anos, sem manutenção e sem seguro, não fazendo sentido relacioná-lo,
(iv) A licença de aluguer de táxi letra A, n.º (…)5 inexistia à data do óbito do inventariado,
(v) A licença de aluguer de táxi com o número de porta (…)2 e respetiva viatura de matrícula (…)JJ foi adquirida pela Cabeça de Casal após o óbito do Inventariado,
(vi) À data do óbito do inventariado existia apenas uma conta bancária com o valor aproximado de €1.000,00, o qual foi gasto para a remoção do veículo acidentado que vitimou o inventariado,
(vii) Não ser verdade que o inventariado tivesse na sua residência a quantia de €400.000,00,
(viii) O Inventariado deixou um seguro de vida, mas tão-só a favor da Cabeça de Casal e da Requerida “C”,
(ix) Não ser verdade que o inventariado tenha deixado peças de ouro e joias,
(x) O referido valor de €118.474,52 não tem que ser relacionado, por não fazer parte do acervo hereditário do Inventariado,
(xi) Apenas o Interessado/Reclamante pode responder pelo destino das alegadas 400 garrafas de whisky,
(xii) Impugnar o direito de crédito invocado pelo Interessado/Reclamante.
A Cabeça de Casal e o Interessado/Reclamante juntaram documentos e requereram a produção de diversa prova.
Por despacho de 17.05.2021 as partes foram remetidas para os meios comuns quanto à reclamada quantia de €400.000,00.
Efetuadas as respetivas diligências probatórias, com prestação de depoimento de parte pela Cabeça de Casal, declarações de parte dos Interessados e audição de testemunha arrolada pelo Interessado/Reclamante, em 11.10.2023 o Juízo Local Cível de Santa Cruz decidiu o incidente de reclamação da relação de bens nos seguintes termos:
«(…) julgo a reclamação contra a relação de bens parcialmente procedente, por provada, considerando que os bens a relacionar nestes autos como pertença da herança, são:
a) Um prédio urbano localizado no sítio (…), freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, inscrito na matriz sob o art.º (…)63 dessa freguesia e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º (…)05, com o valor de €272.570,00
b) Um veículo automóvel de marca Peugeot 505, de matrícula (…)-MA-(…), sem valor comercial, fixando-se-o, para efeito de inventário, em €250,00.
c) Do saldo da conta do Montepio Geral, de depósito a prazo, com o n.º (…)04-4, com valor de €2.249,71.
d) Do saldo da conta a prazo do Banco Santander com o n.º (…)300, com um valor de €5.448,24;
e) De uma carteira de títulos, no mesmo Banco, com o número de 200, todas com o valor nominal de €50,00, no valor de €10.000,00.
Não existe passivo e os demais bens, indicados quer pela cabeça de casal, na sua relação, quer pelo reclamante, na sua relação, são estranhos a esta herança».
Inconformado com tal decisão, o Requerente veio dela interpor recurso, apresentando as seguintes conclusões:
«1. O presente recurso vem interposto da decisão proferida pelo Tribunal a quo que julgou parcialmente improcedente a reclamação contra a relação de bens apresentada pelo Recorrente.
2. O Recorrente alegou na sua reclamação contra a relação de bens, que não concordava com o valor atribuído pela Recorrida à verba n.º 1, nomeadamente à licença de táxi n.º (…)6 com o valor de € 2.000 (dois mil euros).
3. A sentença proferida conhece de questões que não foram suscitadas pelas partes, já que decide que a licença de aluguer de táxi n.º (…)6 não pertence à herança, quando deveria ter proferido decisão quanto ao valor da licença de táxi, em violação do princípio do dispositivo e do artigo 609.º, n.º 1 do CPC.
4. Face ao exposto, a sentença agora em crise padece de nulidade, por excesso de pronuncia, pelo que deve ser anulada pelo Tribunal ad quem nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, por violação do artigo 609.º, n.º 1 do CPC.
Caso assim não se entenda,
5. A sentença recorrida não contém elenco de factos provados e não provados, pelo que o Recorrente tomou a liberdade de enunciar os factos provados e não provados, conforme fundamentação da sentença agora em crise.
6. O Tribunal a quo não poderia ter decidido como o fez, sem aferir concretamente que licenças estavam averbadas em nome do inventariado aquando da sua morte, em 2001.
7. O Tribunal a quo não podia ter concluído que a licença de táxi n.º (…)2 não pertencia à herança aberta por óbito do inventariado, tendo em conta exclusivamente o ofício remetido aos autos pela Câmara Municipal de Santa Cruz, já que o depoimento de parte da Recorrida, transcrito para as presentes alegações aos minutos 11:20 a 14:00, o depoimento de parte da “E” transcrito para as presentes alegações aos minutos 04:47 a 05:35, as declarações de parte de “C”, transcritas aos minutos 27:30 a 28:56 e as declarações de parte do Recorrente “B”, transcritas de minutos 01:27 a 02:07 e de minutos 03:33 a 06:27, impunham decisão diversa.
8. Os meios de prova mencionados no ponto anterior, impunham que Tribunal a quo tivesse julgado como provado o facto nas presentes alegações, passando o mesmo a integrar o elenco de facto provados, com a seguinte redação: “A licença de aluguer de táxi n.º (…)2 é um bem que constitua o acervo hereditário.”
9. Mais se diga que o Tribunal a quo ignorou a prova produzida e valorou erradamente os ofícios juntos aos autos pela Câmara Municipal de Santa Cruz, a informar que as licenças de táxi pertencem a uma sociedade que nada tem que ver com o inventariado, sem cuidar de saber a quem pertenciam tais licenças em 2001, aquando da morte do inventariado.
10. Uma vez que ficou por esclarecer se a licença de táxi com o número de porta (…)2 pertencia ao inventariado aquando da sua morte, e se a mesma foi alienada pela Recorrida após a morte do seu marido, devem ser produzidos novos meios de prova nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea b).
11. A decisão proferida sobre a matéria de facto deve ser anulada pelo Tribunal ad quem, sendo, por isso, necessário que este Tribunal lance mão do disposto no art. 662.º n.º 2, c) do CPC e ordene a produção de novos meios de prova, tais como: oficiar a Direção Regional dos Transportes Terrestres sobre a titularidade de tais licenças em 2001 e a sua posterior alienação; ordenar a inquirição do próprio declarante, da testemunha “E” e de “G”, pessoa cujo nome foi referido por várias testemunhas e consta de alguns documentos juntos aos autos, sobre a matéria da titularidade da licença n.º (…)2, à data da morte do inventariado, tudo nos termos e para os efeitos do artigo 662.º, n.º 2, alínea b) do CPC, o que desde já se requer.
12. O Tribunal a quo julgou como não provado que a licença de aluguer de táxi n.º (…)6 não pertence à herança, tendo laborado em erro, uma vez que a Recorrida em sede de depoimento de parte, confessou que a mencionada licença valor €50.000 (cinquenta mil euros), conforme excerto que se transcreveu nas presentes alegações, de minutos 08:20 a 10:01.
13. A Cabeça de Casal relacionou na relação de bens que apresentou junto deste Tribunal no presente processo, a licença de táxi n.º (…)6 como verba número um – “Uma licença de aluguer letra A – (…)6, sem viatura.”
14. O Recorrente foi claro e conciso quando esclareceu o Tribunal a quo da existência de três licenças, informando que aquando da morte do seu pai, estes era titular de duas licenças, a (…)6 e a (…)5, conforme excertos transcritos nas presentes alegações, de minutos 1:20 a 2:07.
15. A prova produzida, mais concretamente a prova por confissão (escrita deduzida no articulado da relação de bens – verba número um) e expressa em depoimento de parte da própria Recorrida, de minutos 08:20 a minutos 10:01; e as declarações de parte do Recorrente, de minutos 01:20 a 02:07 impunham que o Tribunal a quo julgasse como provado o seguinte facto, cuja redação se propõe:
“Integra a herança aberta por morte do inventariado uma licença de aluguer de táxi letra A, n.º (…)6, com o valor de € 50.000 (cinquenta mil euros)”
16. O Tribunal a quo andou mal ao julgar como não provado que não pertencem à herança aberta por óbito do inventariado, 40 garrafas de whisky, com o valor unitário de € 25,00 (vinte e cinco euros).
17. Ao Tribunal cabe decidir as questões que são trazidas aos autos pelas partes, ao abrigo do princípio do dispositivo, pelo que não cabe ao Tribunal decidir se um bem deve ser levado à relação de bens por ser de baixo valor, como o fez.
18. A Recorrida, em sede de depoimento de parte, confessou que o inventariado possuía 40 garrafas de whiskey, conforme excerto que transcrevemos na página 14, das presentes alegações, dos minutos 22:21 a 23:15.
19. A parte “C”, em sede de declarações de parte, de minutos 14:10 a 14:40 mencionou expressamente que o inventariado possuía 40 garrafas de whiskey em sua casa, aquando da sua morte, bem como a testemunha “E”, de minutos 05:53 a 06:54, conforme excertos que transcrevemos.
20. A confissão da Recorrida em sede de depoimento de parte, as declarações de parte de “C” e as declarações de testemunha “E”, conforme excertos mencionados no ponto anterior e nas alegações, impunham que o Tribunal a quo tivesse julgado como provado o facto, cuja redação se propõe:
Integram a herança aberta por óbito do inventariado 40 garrafas de whisky, com o valor de € 100 (mil euros), com o valor unitário de € 25 (vinte e cinco euros).”
21. Quanto ao seguro de vida do inventariado, o Tribunal a quo não respondeu à solicitação da seguradora MetLife, pelo que a esta última nunca foram fornecidos os contribuintes das Partes nos autos a fim de aferir quem eram os beneficiários do seguro de vida.
22. A Recorrida limitou-se a juntar um documento a que chamou de apólice, quando na verdade é um mero recibo de indemnização vida individual.
23. Sem a apólice não poderia ter decidido o Tribunal a quo, pelo que a decisão proferida sobre esta matéria de facto deve ser anulada pelo Tribunal ad quem, sendo, por isso, necessário que este Tribunal lance mão do disposto no art. 662.º n.º 2, c) do CPC e ordene a produção de novos meios de prova, tais como oficiar a companhia de seguros MetLife Europe para juntar aos autos a apólice do seguro de vida do falecido, onde conste os beneficiários do respetivo seguro.
24. O legislador quis que as licenças cuja titularidade pertencia ao inventariado pertencessem ao seu acervo hereditário, em conformidade com o artigo o n.º 3 do artigo 37.º, com a epígrafe caducidade das licenças, do DL n.º 251/98 na redação dada pela Lei n.º 106/2001, de 31 de agosto.
25. O legislador quis proteger a família e a herança, na medida em que entendeu que a atividade poderia continuar a ser exercida pelo cabeça-de-casal do titular da licença.
26. O Tribunal a quo não cuidou de verificar que legislação era aplicável às licenças em causa, e tomou uma decisão contrária à legislação em vigor na altura, quando deveria ter decidido que as licenças de táxi n.º (…)2 e (…)6 pertenciam à herança aberta por morte do inventariado.
27. Deve ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência deve o Tribunal ad quem revogar a sentença proferida pelo Tribunal a quo, por ser nula, e caso assim não se entenda, deve revogá-la, substituindo-a por outra que julgue como provados os factos supramencionados reconhecendo-se assim que as licenças de aluguer de táxi n.ºs (…)2 e (…)6, com o valor de € 50.000 (cinquenta mil euros) e 40 garrafas de whiskey, com o valor unitário de € 25,00 (vinte e cinco euros) pertencem à herança aberta por óbito do inventariado “D”.
Nestes termos e nos demais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença proferida e substituindo-a por outra que reconheça que as licenças aluguer de táxi n.ºs (…)6 e (…)2, ambas com o valor de €50.000 (cinquenta mil euros) e 40 garrafas de whiskey, com o valor unitário de € 25,00 (vinte e cinco euros) pertencem à herança aberta por óbito do inventariado “D”, ou, caso assim não seja entendido, seja ordenada a produção de novos meios de prova pelo Tribunal de Primeira Instância ao abrigo do disposto no art. 662.º, n.º 2, c) do CPC, nomeadamente os referidos nas conclusões 11.ª e 23.ª das presentes alegações de recurso».
Não houve contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre ora apreciar a decidir. II. OBJETO DO RECURSO.
Atento o disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPCivil, as conclusões do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões que devam oficiosamente ser apreciadas e decididas por este Tribunal da Relação de Lisboa.
Nestes termos, atentas as conclusões deduzidas pelo Interessado/Reclamante, ora Recorrente, não havendo questões de conhecimento oficioso a dilucidar, cumpre no presente recurso apreciar e decidir:
- Da nulidade por excesso de pronúncia,
- Da licença de táxi n.º (…)2 como integrante da herança,
- Do valor pecuniário da licença de táxi n.º (…)6,
- Das garrafas de whisky como bem da herança e seu valor,
- Do seguro de vida do falecido como integrante da herança.
A decisão recorrida não estabelece uma clara distinção entre a fundamentação de facto, com indicação motivada dos factos provados e não provados, e a fundamentação de direito, optando antes por tecer considerações de facto e de direito quanto a cada um dos pontos controvertidos.
O Recorrente seguiu basicamente igual procedimento, embora no final da sua motivação e das conclusões aluda a um «erro de direito», reportando-se às licenças de táxi (…)6 e (…)2 que anteriormente havia considerado.
Nestes termos, opta-se por acompanhar o figurino da decisão recorrida e também essencialmente seguido pelo Recorrente, dilucidando quanto a cada uma das questões supra indicadas em termos de matéria de facto e/ou de direito, na medida em que tal se justifique em função do recurso interposto, pois na impugnação da decisão de facto o Recorrente observou os respetivos ónus, conforme artigo 640.º, n.º 1 e 2, do CPCivil, razão pela qual importa que a dilucidação seja efetuada naqueles termos.
Assim. III. DA NULIDADE POR EXCESSO DE PRONÚNCIA.
(Conclusões 1 a 4 e 12 das alegações de recurso).
Nesta sede o Recorrente entende ter havido excesso de pronúncia do Tribunal recorrido por, em suma, ter excluído da partilha a licença de aluguer n.º (…)6, a qual havia sido relacionada pela Cabeça de Casal, sem reclamação dos demais interessados, salvo quanto ao respetivo valor.
Vejamos.
No que ora releva, o artigo 615.º n.º 1, alínea d), do CPCivil dispõe que «[é] nula a sentença quando o juiz (…) conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
Ou seja, o Juiz está limitado ao pedido, causa de pedir e matéria de exceção invocados pelas partes, salvo quanto a questões de que deva conhecer por ofício próprio.
O excesso de pronúncia afere-se, pois, pelo pedido, causa de pedir e exceção deduzidos na ação ou em incidente.
Como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, edição de 2019, página 737, «[n]ão podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de excepções não deduzidas na exclusiva disponibilidade das partes (art. 608-2), é nula a sentença em que o faça».
No mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.05.2024, processo n.º 1099/21.1T8AMD.L1.S1, refere que «[t]al nulidade da sentença prende-se, essencialmente, com os comandos normativos extraídos dos arts. 608.º, n.º 2, e (…) 609.º, n.º 1, ambos do CPC, dos quais decorre que “o juiz (…) não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” e que “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir”.
Na situação vertente.
O atual regime jurídico do inventário judicial, decorrente da Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro, constitui indubitavelmente um processo de jurisdição contenciosa, ainda que com especificidades próprias inerentes ao respetivo direito substantivo.
No presente processo de inventário, a Cabeça de Casal relacionou como verba n.º 1:
Uma licença de Aluguer Letra A, n.º (…)6, sem viatura.
Valor: €2.000,00.
O Interessado “B”, aqui Recorrente, aceitou tal relacionação, impugnando, contudo, o valor indicado, por considerar que tal licença tinha o valor de €80.000,00.
Neste contexto, a decisão recorrida excluiu tal verba da herança, o que constitui manifestamente um excesso de pronúncia, afrontando o princípio dispositivo e, pois, nessa sede cometeu o Tribunal recorrido uma nulidade.
Atento o disposto no artigo 665.º, n.º 1, do CPCivil, em substituição do Tribunal recorrido, urge determinar a relacionação da verba em causa, com o que fica suprida tal nulidade, relegando-se a discussão do valor de tal verba para momento ulterior deste acórdão. IV. DA LICENÇA DE TÁXI N.º (…)2 COMO INTEGRANTE DA HERANÇA.
(Conclusões 5. a 11. e 24. a 27. das alegações de recurso).
Em 22.10.2020, na sua reclamação à relação de créditos, o aqui Recorrente alegou que:
«16º
À data do óbito do Sr. “D”, o mesmo possuía uma viatura automóvel Marca Renault, modelo Space, com a matrícula (…)JJ, afecta à actividade de táxi, com a licença de porta número (…)2.
17º
Esta licença e viatura, tinha à data do óbito do Sr. “D”, o valor comercial de 80.000,00 (…).
18º
Devendo a Cabeça de Casal ser notificada para relacionar a referida viatura automóvel e correspondente licença de táxi, pois é a Cabeça de Casal que sempre teve a posse da viatura e referida licença».
Relativamente a tal matéria, o ora Recorrente requereu em termos probatórios o seguinte:
«Requerimento probatório 3
Como prova da matéria alegada do[s] arts. 16º a 18º da presente Reclamação à Relação de Bens, requer-se (…) que a Conservatória do Registo Predial Automóvel do Funchal seja notificada para juntar aos presentes autos o registo, com todas as inscrições em vigor até à presente data, da viatura automóvel Marca Renault, modelo Space, com a matrícula (…)JJ, com o intuito de apurar a propriedade do referido veículo à data do óbito do Sr. “D”.
Pede Deferimento
Requerimento probatório 4
Como prova da matéria alegada do[s] arts. 16º a 18º da presente Reclamação à Relação de Bens, requer-se (…) que seja ordenada uma avaliação, por perito a indicar por este mesmo tribunal, à viatura automóvel Marca Renault, modelo Space, com a matrícula (…)JJ, com o número de 2012, afecta à atividade de táxi, com o intuito de apurar o seu valor de mercado.
Pede Deferimento»
Em 23.11.2020 a Cabeça de Casal respondeu à reclamação da relação de bens nos seguintes termos:
«9º
A licença de aluguer de táxi com o número de porta 2012 e respetiva viatura Renault Space …-…-…, (…) não faz parte do acervo hereditário de “D”.
10º
A referida licença e viatura foi adquirida pela cabeça de casal/interessada, a “G” em setembro de 2002 e, portanto, após o óbito do inventariado».
Na matéria, foram feitas diligências instrutórias junto da Câmara Municipal de Santa Cruz, com a resposta desta inserida no citius em 12.07.2021, e nas bases de dados quanto ao veículo automóvel de matrícula (…)JJ, conforme documento junto ao citius em 13.01.2022, sendo que de tais documentos foram as partes informadas por notificações expedidas em 23.09.2021 e 10.02.2022, respetivamente, sem que na altura apresentassem qualquer requerimento.
Foi igualmente produzida prova pessoal.
Quanto à matéria aqui em causa a decisão recorrida refere que:
«Quanto ao ponto 3.º, omissão de um veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca Renault Space, de matrícula (…)JJ, a documentação junta aos autos demonstra, também, que esse veículo não pertence à herança. De acordo com a ref.ª (…)83, esse veículo pertenceu a “G”, que o transmitiu à aludida sociedade comercial “(…), Lda.”
Por sua vez, no seu recurso, fundado na prova produzida, o Recorrente entende que deve dar-se como provado que «a licença de aluguer de táxi n.º 2012 é um bem que constituía o acervo hereditário», aludindo também ao disposto do artigo 662.º, n.º 2, alínea b) e c), do CPCivil.
Vejamos.
Na perspetiva do Recorrente, à data do óbito do inventariado, ocorrido em 11.05.2001, a licença de táxi em causa estava associada ao veículo de matrícula (…)JJ, um Renault, conforme alegado pelo Recorrente.
Ora, do referido documento junto aos autos em 13.01.2022, referência citius (…)83, decorre que em 11.05.2001, data do decesso do inventariado, a propriedade de tal viatura encontrava-se registada em nome de ”G” e não se vislumbram elementos probatórios no sentido de que a respetiva licença de táxi pertencesse então ao inventariado e/ou à Cabeça de Casal, presumindo-se antes que tal licença pertencia ao proprietário do veículo, o referido “G”.
É certo que a resposta da Câmara Municipal de Santa Cruz, conforme documento junto em 12.07.2021, referências citius (…)59, não é esclarecedora na matéria, reportando-se aparentemente tão-só a data posterior ao óbito do inventariado.
Por outro lado, a prova pessoal produzida, conforme excertos transcritos pelo Recorrente, é contraditória, nada esclarecendo, pois, na matéria em causa.
As partes foram notificadas dos referidos documentos juntos em 12.07.2021 e em 10.02.2022 e nada disseram atempadamente, nomeadamente requerendo diligências complementares de prova.
Neste contexto, considerando os autos de inventário como de jurisdição contenciosa, o facto de alegadamente a licença de táxi n.º (…)2 estar associada ao veículo de matrícula (…)JJ e a propriedade deste se encontrar registada a favor de “G” à data do óbito do inventariado, sufraga-se o entendimento do Tribunal recorrido, pelo que não se provou que a licença de aluguer de táxi n.º 2012 fizesse parte do acervo hereditário do inventariado, entendendo-se carecer de fundamento o recurso in casu ao disposto no artigo 662.º, n.º 2, alíneas b) e/ou c), do CPCivil, pois não existe uma «dúvida fundada sobre a prova realizada», nem a decisão de facto recorrida se mostra na matéria «deficiente, obscura ou contraditória» ou carente de «ampliação».
Improcede, pois, nesta parte o recurso. V. DO VALOR PECUNIÁRIO DA LICENÇA DE TÁXI N.º (…)6.
(Conclusões 12. a 15. e 24 a 17 das alegações de recurso).
A relacionação de tal verba ficou assente no ponto III. deste acórdão.
Em causa está ora tão-só apreciar quanto ao valor da licença de táxi (…)6
A Cabeça de Casal conferiu-lhe €2.000,00, ao passo que o Recorrente entende ter o valor de €50.000,00.
Apreciemos.
Conforme artigo 1110.º, n.º 1, alínea a), do CPCivil, na presente fase processual importa resolver «todas as questões suscetíveis de influir na partilha e na determinação dos bens a partilhar», não do respetivo valor, note-se.
Nos termos do artigo 1111.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo CPCivil, na conferência de interessados «o juiz deve incentivar» os mesmos «a procurar uma solução amigável para a partilha, ainda que parcial, dos bens (…)», sendo que «[o]s interessados podem acordar, por unanimidade (…) a composição dos quinhões (…)» com «[d]esignação das verbas que vão compor, no todo ou em parte, o quinhão de cada um dos interessados e os valores por que são adjudicados» e «[i]ndicação das verbas ou lotes e respetivos valores, para que, no todo ou em parte, sejam objeto de sorteio entre os interessados», assim como podem acordar «na venda total ou parcial dos bens da herança e na distribuição do produto da alienação pelos diversos interessados».
Finalmente, segundo o disposto nos artigos 1113.º, n.º 1, e 1114.º, n.º 1, ainda do CPCivil, «[n]a falta de acordo entre os interessados (….) procede-se (….) à abertura de licitações entre eles», sendo que até então, «qualquer interessado pode requerer a avaliação de bens (…)».
Do cotejo das apontadas disposições legais decorre que em sede de saneamento do processo de inventário, artigo 1110.º do CPCivil, tendo havido reclamação quanto ao valor de um dos bens relacionados pelo cabeça de casal, não incumbe ao Tribunal atribuir-lhes um valor, na medida em que é na fase processual subsequente que tal valor deve ser fixado, quer em função de acordo das partes, quer na sequência de avaliação, quer em razão de licitação entre as partes, quer por venda de bem da herança.
Naquele contexto a atribuição pelo Tribunal de um valor revela-se absolutamente inútil e, pois, constitui um ato não lícito, conforme artigo 130.º do CPCivil.
Como referem Abrantes Geraldes Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil, volume II, edição de 2020, páginas 559, 560 e 570, «os valores que sejam indicados pelo cabeça de casal estão sujeitos a impugnação por parte dos demais interessados (art. 1104º), opção que nem sequer é decisiva, dado que que, além de poder ser estabelecido posteriormente um acordo quanto ao valor, qualquer interessado pode requerer a avaliação, até à abertura das licitações, nos termos do art. 1114º, nº 1. Ademais, os valores poderão ser incrementados por via do sistema de licitações em sede de conferência de interessados (art. 1113º)».
«(…) O valor que tenha sido indicado pelo cabeça de casal (art. 1098º, nº 1) poderá ser objeto de impugnação por qualquer dos interessados, mas a sua fixação definitiva ficará dependente do resultado de eventual avaliação que seja posteriormente requerida, até à abertura das licitações (art. 1114º, nº 1) e, depois, do resultado que porventura for alcançado por via de acordo ou das licitações (art. 1113º). A flexibilidade respeitante ao valor dos bens da herança (…) amplia a possibilidade de se concretizar a partilha parcial ou total dos bens relacionados por acordo dos interessados, sem afetar a possibilidade de se estabelecer oportunamente a correspondência com o valor de mercado em resultado da avaliação ou das licitações».
Nestes termos, não cumpre, pois, nesta sede, fixar valor à licença de aluguer de táxi n.º 0966, a qual constitui, contudo, objeto da herança do inventariado. VI. DAS GARRAFAS DE WHISKY.
(Conclusões 16. a 20. e 27. das alegações de recurso).
Em 22.10.2020, na sua reclamação à relação de créditos, o aqui Recorrente alegou que:
«40º
Aquando do óbito do Sr. “D”, o mesmo tinha na sua residência 400 garrafas de whisky, no valor de 10.000,00€ (….)
41º
A Cabeça de Casal tem consciência dessas garrafas de whisky, tendo-se apoderado dos referidos bens.
42º
Assim requerer-se que a Cabeça de Casal seja notificada para relacionar as referidas 400 garrafas de whisky, no valor de 10.000,00€ (…), que estavam guardadas em casa do falecido à data do óbito
Em 23.11.2020 a Cabeça de Casal respondeu à reclamação da relação de bens nos seguintes termos:
«26º
Alega o reclamante que faltou também relacionar 400 garrafas de whisky.
27º
A cabeça-de-casal tem a certeza que não existiam 400 garrafas, podiam existir seis? de qualquer forma a única pessoa que bebe whisky é o próprio interessado/Reclamante, logo só ele pode responder pelo paradeiro dessas garrafas.
Na matéria foi exclusivamente produzida prova pessoal.
Relativamente à questão ora em causa a decisão recorrida refere que:
«No que respeita ao ponto 8.º (400 garrafas de whisky, no valor de €10.000,00), as interessadas que depuseram e a irmã do inventariado disseram, com convicção (por até terem achado piada ao número), que o falecido tinha menos de um décimo desse número, tratando-se de garrafas de whisky para consumo e não de coleção, ou de valor especial, não se tratando de bem que deva ser levado à relação de bens.
Por sua vez, no seu recurso, a partir do depoimento de parte da Cabeça de Casal, das declarações de parte da Interessada “C” e do depoimento da testemunha “E”, o Recorrente entende que deve dar-se como provado que «integram a herança aberta por óbito do inventariado 40 garrafas de whisky, com o valor de €1000 (mil euros), com o valor unitário de €25,00 (vinte e vinco euros)».
Analisemos.
Na matéria ora em causa este Tribunal da Relação de Lisboa procedeu à audição integral da prova pessoal produzida, constatando dessa audição que:
- No seu depoimento de parte, a Cabeça de Casal referiu que havia algumas garrafas de whisky, em número muito menos de 40, conforme minutos 22:18 a 23:05 do respetivo depoimento;
- Nas suas declarações de parte, o Recorrente disse que o inventariado recebia muitas garrafas de whisky, como ofertas de clientes e hotéis, estimando em mais de €10.000,00 o respetivo valor, conforme minutos 12:01 a 13:54 das suas declarações;
- No seu depoimento como testemunha “E” significou que frequentava a casa do inventariado, que se lembra de aí ver garrafas de whisky, embora em número que não soube precisar, sendo que quando instada se seriam 400 garrafas referiu que não seriam tantas, conforme minutos 05:56 a 6:58 do seu depoimento;
- Em declarações de parte a Interessada “C” referiu que o inventariado tinha garrafas de whisky em casa, admitindo que pudessem ser umas 40 garrafas, conforme minutos 14:10 a 14:52 das suas declarações.
Considerando tal prova pessoal segundo as regras da experiência comum e da lógica, entende-se provado que do acervo hereditário do inventário fazem parte 40 garrafas de whisky.
No que se refere ao respetivo valor, unitário ou global, procede aqui o supra referido quanto ao valor da licença de aluguer de táxi n.º (…)6, pelo que não cumpre ora determinar tal valor.
Procede, pois, em parte a pretensão do Recorrente. VII. DO SEGURO DE VIDA COMO INTEGRANTE DA HERANÇA.
(Conclusões 21. a 23. das alegações de recurso).
Em 22.10.2020, na sua reclamação à relação de créditos, o aqui Recorrente alegou que:
«26º
O falecido tinha um seguro de vida no valor de 50.000,00€ (…), sendo seus beneficiários os seus herdeiros à data do óbito.
27º
Com o óbito do Sr. “D”, a Cabeça de Casal recebeu a quantia de 50.000,00€, a título de seguro de vida do falecido, valor este que pertencia a todos os herdeiros.
28º
Assim, requer-se que a Cabeça de Casal seja notificada para relacionar a quantia de 50.000,00€ (…), a título de seguro de vida do falecido.
Relativamente a tal matéria, o ora Recorrente requereu em termos probatórios o seguinte:
«Requerimento probatório 7
Como prova da matéria alegada do[s] arts. 26º a 28º da presente Reclamação à Relação de Bens, requer-se (…) que o Instituto de Seguros de Portugal seja notificado para vir informar os presentes autos qual o valor do seguro de vida e a que título foi recebido pela Cabeça de Casal – “A”, NIF: (…).
Pede Deferimento».
Em 23.11.2020 a Cabeça de Casal respondeu à reclamação da relação de bens nos seguintes termos:
«17º
É verdade que o falecido deixou um seguro de vida no valor, em escudos, de 9.727.673$, aproximadamente 50.000,00€, mas as únicas beneficiárias foram aqui cabeça-de-casal e a interessada “C”.
18º
Conforme documento cujo conteúdo e teor se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais, a apólice de seguro número (…)57, subscrita na Companhia de Seguros ALICO ALGLiFE por “D”, e o interessado “B” não era beneficiário (Doc 2)».
Aquele documento constitui um «recibo de indemnização», referente à apólice «(…)57», emitido pela «AIGLife», no valor de «9.727.673$00», a favor de «A» e «C», com data de emissão «23/10/2001»
Na matéria, solicitaram-se informações àquela entidade, sendo que em 01.06.2021, referência citius (…)88, a MetLife veio informar que:
- «A apólice de seguro n.º (…)57 teve início da sua vigência em 01 de junho de 1996 (…) e na mesma “D” assumiu a figura de Tomador de Seguro e Pessoa Segura»;
- «Os beneficiários designados desta apólice eram “A” e “C”»;
- «[F] oi participado um sinistro (…) que terá ocorrido em 11 de maio de 2001»;
- Nos termos das condições contratuais da apólice, o sinistro foi aceite e a MetLife procedeu ao pagamento do capital seguro» no «valor total de €48.521,43».
Quanto à matéria aqui em causa a decisão recorrida refere que:
«No que respeita ao ponto 5.º (seguro de vida do falecido, no valor de € 50.000,00, de que eram beneficiários todos os herdeiros), veio a averiguar-se, conforme informação da MetLife Europe, de fls. 161, que o inventariado tinha, junto dela, um plano investimento seguro cujos beneficiários designados eram apenas “A” e “C” (as outras interessadas, que não o reclamante), e que estas terão recebido os valores de €32.920,66 e €15.600,88, pela morte do inventariado.
Sendo, assim, um bem estranho à herança».
Por sua vez, no seu recurso, o Recorrente entende que a prova não é suficiente para aferir quem eram os tomadores do seguro, bem como se este bem pertence à herança, termos em que pediu a anulação da decisão recorrida e se ordene a produção de novos meios de prova, aludindo ao disposto do artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do CPCivil».
Vejamos.
Do confronto dos referidos documentos decorre que os beneficiários do seguro de vida eram tão-só a Cabeça de Casal e a Interessada “C”.
Em consequência, o valor atribuído pela Seguradora por morte do inventariado não faz parte da herança deste, integrando antes o património das beneficiárias do seguro, conforme artigos 460.º do CComercial e 450.º do CCivil, aplicáveis à data do óbito do inventariado, e artigo 198.º, n.º 2, alínea a), da Lei do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril, atualmente vigente.
Como refere José Vasques, Lei do Contrato de Seguro, edição de 2023, página 597, em anotação ao respetivo artigo 198.º, «[a]lgumas das soluções anteriormente consagradas pela lei resultavam de preceitos relativos ao contrato a favor de terceiro, designadamente artigos 446.º, 450.º e 451.º do CC».
Por outro lado, refere Pedro Romano Martinez, em comentário ao mesmo preceito legal, na mesma edição da Lei do Contrato de Seguro, página 588, «[o] regime da designação beneficiária, ainda que basicamente supletivo, pretende esclarecer dúvidas – presumindo que as soluções seriam as queridas pelo tomador do seguro – e demonstrar que a designação beneficiária se distingue claramente do regime sucessório».
Também na matéria Abrantes Geraldes Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil, volume II, edição de 2020, página 561, referem que «[s]e o inventariado tiver celebrado contrato de seguro de vida, segundo o qual em caso de morte, a seguradora tenha de pagar um valor a terceiro beneficiário, o capital seguro não integra o património do inventariado (STJ 12-11-2013, 530/10 e RG 5-1-07, 1192/14)».
No mesmo sentido veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.06.2014, processo n.º 930/11.4T2AVR.C1.S1: «a prestação da seguradora, no âmbito do mencionado seguro de vida, não integra o acervo hereditário do segurado, porquanto o evento que constitui a génese da correspondente obrigação da seguradora, é, precisamente, o decesso do segurado, ingressando o, assim e então, nascido direito àquela prestação, directa e automaticamente, na esfera jurídica do beneficiário, sem que se possa ficcionar que o mesmo tenha “transitado” pela esfera jurídico-patrimonial do segurado (…) (Cfr. art. 68º, nº1, do CC)»
Mais recentemente, o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 10.01.2017, processo n.º 2303/12.2YXLSB-B.L1.S1, numa situação similar à presente, refere que «o capital é devido diretamente aos beneficiários, não passando pelo património do promissário nem, consequentemente, fazendo parte da respetiva herança».
Nestes termos, não deve ser relacionado o referido seguro de vida celebrado pelo inventariado, pelo que improcede nesta parte o recurso.
Em suma, além do indicado na decisão recorrida, integra também a herança do inventariado a licença de aluguer de táxi n.º (…)6 e quarenta garrafas de whisky.
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* *
Quanto às custas do recurso.
Segundo o disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil e 1.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, «[a] decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa», entendendo-se «que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção que o for».
Ora, in casu o recurso procede em parte e improcede noutra parte, termos em que as custas devem ser suportadas pela Cabeça de Casal e pelo Interessado/Reclamante/Recorrente, em partes iguais.
VIII. DECISÃO
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso e, em consequência, integra a herança do inventariado a licença de aluguer de táxi n.º (…)6 e quarenta garrafas de whisky, mantendo-se no mais a decisão recorrida.
Custas pela Cabeça de Casal e pelo Interessado/Reclamante/Recorrente em partes iguais, conforme artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil.
Lisboa, 05 de dezembro de 2024
Paulo Fernandes da Silva
Laurinda Gemas
Inês Moura