A procedência de uma acção de condenação em que se pede a condenação solidaria dos RR. a pagarem uma quantia, bem como a declarar-se a nulidade dos negócios celebrados pelos RR., por simulação absoluta de negócios tendentes a esvaziar de património a 1ª ré, para impedir a satisfação do crédito da autora e subsidiariamente, a condenação dos RR. por prática de facto ilícito extracontratual, ou por enriquecimento sem causa, e em que se pede o levantamento da personalidade jurídica de várias sociedades, depende da prova dos respectivos factos constitutivos, sob pena de improcedência.
1. Orcama – Têxteis e Imóveis, Lda. instaurou a presente acção de processo comum contra:
1- Koisas Fixes – Novidades Têxteis Lar, Lda.,
2- AA,
3-A..., Lda.,
4- BB,
5- K..., Lda.,
6- CC,
7- C..., Lda, e
8- P..., Lda,
pedindo a condenação solidaria dos RR. a pagarem-lhe a quantia de 184.540,52€, acrescida de juros de mora vincendos calculados à taxa vigente para operações comerciais, bem como a declarar-se a nulidade dos negócios celebrados pelos RR., por simulação absoluta de negócios tendentes a esvaziar de património a 1ª ré, para impedir a satisfação do crédito da autora.
Subsidiariamente, pediu a condenação dos RR. AA, CC, BB, A..., Lda, C..., Lda, P..., Lda e K..., Lda., a restituírem à A. a quantia de 184.540,52 €, por enriquecimento sem causa, ou, por outro lado, se se entender que a responsabilidade cabe a título principal aos RR. Koisas Fixes, Lda., e AA, que os RR. CC, BB, A..., Lda, K..., Lda, C..., Lda e P..., Lda, sejam subsidiariamente condenados a pagar à A. quantia de 184.540,52 €, caso os RR. Koisas Fixes, Lda. e AA, não disponham de meios financeiros para pagarem tal quantia.
Sustentando a sua pretensão, alegou que a 1.ª R., de que o 2.º R. era sócio gerente, prometeu trespassar para a 3.ª R. (A..., Lda), de que este também era gerente, parte do seu activo, acabando por celebrar o contrato prometido, mas sem que a tal tivesse correspondido qualquer contraprestação, ao que se seguiu novo trespasse, da A..., Lda para a K..., Lda, que serviu para o 2.º R. e a 6.ª R. continuaram a gerir o mesmo negócio que era desenvolvido pela 1.ª R., tudo tendo feito com o objectivo de evitar que o património desta respondesse pelas suas dívidas, designadamente para com a aqui A.
Acresce – afirma a autora – ter ficado desprovida de qualquer garantia de satisfação do seu crédito porquanto uma outra actividade do 2.º R., essa na área do imobiliário, era desenvolvida por interpostas pessoas, no caso as duas últimas RR. de que eram sócios pessoas das suas relações próximas, designadamente pelas 5.º e 6.º R., esta última sua companheira.
2. Citados os RR., vieram as rés K..., Lda, P..., Lda, C..., Lda e CC contestar, invocando as excepções da ineptidão da PI e da prescrição.
Negaram a existência de qualquer crédito da A. sobre as RR, P..., Lda e C..., Lda, ou sobre a K..., Lda, além de que a autora não reagiu atempada e adequadamente, promovendo a resolução do respetivo negócio em benefício da massa insolvente da Koisas Fixes ou através de impugnação pauliana, em prejuízo do recurso à desconsideração da personalidade colectiva ou do enriquecimento sem causa, que têm carácter subsidiário.
Terminaram impugnando os factos que lhe são imputados.
3. A A. apresentou Resposta, impugnando as excepções e desistiu do pedido em relação ao R. BB, o que foi homologado por sentença.
4. O processo foi saneado, e foram fixados o objecto do litígio bem e os temas de prova.
5. Foi realizada a audiência de discussão e julgamento, no termo da qual foi proferida sentença que concluiu que o negócio de trespasse não foi simulado, sem prejuízo do que declarou a sua nulidade, por contrário à lei.
Consta do seguinte o dispositivo completo da sentença:
“Julgo a acção parcialmente procedente, e, em consequência:
1. Absolvo da instância os RR. Koisas Fixes – Novidades Têxteis, Lda. e AA.
2. Declaro nulos os contratos de trespasse supra identificados em 17.º a 20.º e em 27.º do Factos Provados, condenando as RR. K..., Lda. e a R. A..., Lda. a restituir os bens que foram objecto dos mesmos e absolvo os RR. CC, C..., Lda e P..., Lda. do pedido correspondente.
3. Absolvo os RR. A..., Lda., K..., Lda, CC e C..., Lda e P..., Lda.do restantes pedidos.
Custas por A. e RR. na proporção do respectivo decaimento, na proporção de 80% para a A e 20% para as RR.
6. Desta decisão foi interposto recurso de apelação, pela autora Orcama – Têxteis e Imóveis, Lda S.A.
7. A ré K..., Lda também interpôs recurso subordinado de apelação e apresentou resposta ao recurso da autora Orcama, concluindo pela improcedência dessa apelação, repetindo os argumentos do seu próprio recurso e salientando que a “Koisas Fixes, Lda.” foi declarada insolvente no dia 14 de Novembro de 2014, em processo instaurado pela própria Autora, onde esta acabou por ver o seu crédito reconhecido, sendo que, em sede de qualificação de insolvência o co-Réu AA já foi condenado a indemnizá-la pessoalmente, até ao limite do seu crédito sobre a sociedade Koisas Fixes, Lda, pelo que se conclui que ela já tem o seu direito reconhecido perante o devedor originário (Koisas Fixes, Lda.) e também perante o seu gerente a título pessoal.
8. A autora Orcama também respondeu ao recurso subordinado da ré K..., Lda, afirmando a sua falta de fundamento, bem como que o tribunal já se pronunciou sobre a alegada ineptidão da petição, em termos que transitaram em julgado. Mais alegou que a falta do contrato de trespasse, que a ré invoca como argumento para a sua não comprovação, só resulta de ela ter incumprido o dever de o juntar, que lhe foi afirmado pelo próprio tribunal.
9. O Tribunal da Relação identificou assim as questões a tratar em cada recurso:
a) Do recurso da autora:
1. Se a sentença é nula, por não ter condenado em nada de concreto, nem ter deferido a liquidação da condenação para fase ulterior;
2. Se devem aditar-se aos factos provados os factos julgados negativamente sob as als. supra identificadas como g), h), i), j), c), e) ;
3. Se se preenchem os pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual quanto à acção dos RR. os Réus AA, CC, A..., Lda, K..., Lda, C..., Lda e P..., Lda por referência ao prejuízo constituído pela não cobrança do crédito da autora;
4. Se se preenchem os pressupostos do enriquecimento sem causa, por referência ao prejuízo constituído pela não cobrança do crédito da autora;
5. Se se justifica a desconsideração da personalidade jurídica das Rés K..., Lda e A..., Lda, C..., Lda e P..., Lda em ordem à responsabilização “de acordo como o disposto no artigo 78º, do CSC, os Réus AA e CC, os verdeiros sócios de facto e de direito, das referidas sociedades pela indemnização do prejuízo da autora”;
6. Se não ocorre caso julgado quanto à pretensão de condenação do réu AA nestes autos, por já ter sido condenado em resultado da qualificação da insolvência da Koisas Fixes como culposa.
b) No recurso da ré K..., Lda:
7. Se a petição inicial é inepta, designadamente por não haver qualquer descrição ou concretização do invocado contrato de trespasse do estabelecimento da Koisas Fixes para si;
8. Se o relatório da Autoridade Tributária é inapto à comprovação do referido contrato, inexistindo qualquer outra prova da sua existência;
9. Se deveriam ter sido dados por não provados os factos julgados positivamente sob os pontos 11, 14, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 25, 26, 27, 32, 33, 34 e 40.
10. O Tribunal da Relação conheceu dos recursos e proferiu acórdão onde consta:
“Discutidas e decididas todas as questões colocadas em cada um dos recursos sujeitos à apreciação deste tribunal, resta concluir pela improcedência da apelação da autora e pela procedência do recurso subordinado da ré K..., Lda, em razão do que se revoga a sentença recorrida na parte em que decretou a nulidade de contratos de trespasse que identificara e condenou as rés K..., Lda e A..., Lda a restituir os bens que teriam sido objecto dos mesmos.
Em tudo o mais, resta confirmar a decisão recorrida.”
11. Não se conformando com o acórdão, dele veio apresentado recurso de revista pela A., no qual formula as seguintes conclusões (transcrição):
1. Salvo o sempre devido respeito, que é muito, a Recorrente não se pode conformar com a decisão proferida no douto Acórdão aqui sob censura, ao não condenar os Réus no pagamento da indemnização devida à Autora.
2. Desde logo, no douto Acórdão deveria ter-se declarado a nulidade da sentença recorrida, pois a mesma violou, claramente o disposto nas alíneas b) e c), do artigo 615º, do CPC.
3. Tal como, ao menos implicitamente, se reconhece no Acórdão impugnado.
4. Além disso, o segmento do recurso subordinado interposto pelos Réus, não deu cabal cumprimentos aos ónus consagrados no artigo 640º, nº1, alíneas a), b) e c) e nº2, alínea a) do CPC.
5. Assim, o recurso subordinado, relativamente ao segmento da matéria de facto, deveria ter sido rejeitado.
Sem conceder,
6. Com efeito, a decisão prolatada no Acórdão recorrido, revogou a sentença na parte que decretou a nulidade dos contratos de trespasse identificados e, em consequência, condenou as Rés K..., Lda, e A..., Lda, a restituir os bens que teriam sido objeto dos mesmos.
7. No entanto, salvo o devido respeito, que é muito, esta alteração na decisão tomada sobre a matéria de facto, impunha, ainda com mais veemência e pertinência, a responsabilização e condenação dos Réus, nos termos peticionados pela Autora.
8. Pois, se atentarmos, nomeadamente, na matéria constante dos nºs 2, 3, 4, 6, 8, 9, 23, 24, 25, 26, 28, 29, 30, 31, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63 e 69 do acervo dos factos provados, a responsabilidade delitual dos Réus é evidente e óbvia.
9. Perante todos os factos provados atrás elencados, as conclusões a extrair são claras: (i) o Réu AA continua a exercer a sua atividade empresarial, (ii) agora sob a insígnia K..., Lda, (iii) sociedade da qual é administrador de facto, (iii) tendo sido coadjuvado na prática destes atos, pelos Réus CC e BB.
10. Pois, isso mesmo, flui com inelutável clareza, das denominadas regras da experiência.
11. O mesmo desfecho obtém-se se nos socorrermos da teoria da probabilidade prevalecente, que defende o seguinte: entre várias hipóteses de facto deve sempre preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais.
12. Para além disso, se apelarmos e nos escorarmos nos factos provados acima identificados, temos forçosamente de concluir que, não constando dos autos nenhuma outra sociedade que tenha por objeto o exercício da atividade imobiliária, a mesma só pode ser exercida conjuntamente pelos Réus AA e CC, através das sociedades P..., Lda, e P..., Lda
13. Por sua vez, as transmissões de bens e ativos da sociedade Koisas Fixes, Lda., para as sociedades A..., Lda, e K..., Lda, sem que tenha sido paga qualquer quantia monetária, constituem negócios nulos, por simulação absoluta.
14. E, mesmo que assim se não entenda, as aludidas transmissões de bens, seriam sempre consideradas com sendo negócios realizados em fraude à lei e contrários aos bons costumes.
15. Igualmente feridos e cominados, com a sanção da nulidade.
16. Aliás, a própria constituição da sociedade Ré, K..., Lda, atendendo a que a sua única finalidade era permitir que os Réus AA e CC, designadamente o primeiro, pudessem continuar a exercer a sua atividade empresarial e gerir os seus próprios negócios, criando um putativo património autónomo, em detrimento dos seus credores, no caso, a Autora, encontra-se, igualmente, eivada do vício de nulidade.
17. De facto, tendo a constituição da sociedade Ré K..., Lda, na sua génese, um fim ilícito, configura um caso de responsabilidade pré-contratual ou culpa in contrahendo.
18. Por outro lado, a nulidade dos negócios em causa, não afasta, nem exclui, que os Réus também possam condenados a ressarcir os danos que as suas condutas e atos ilícitos provocaram à Autora, por via da responsabilidade civil.
19. Destarte, os Réus AA, CC, A..., Lda, K..., Lda, C..., Lda e P..., Lda, devem ser responsabilizados pela prática de factos ilícitos, a título de responsabilidade civil extracontratual prevista no artigo 483º, do CC.
20. Porquanto se encontram preenchidos todos os pressupostos de facto e de direito que possibilitam a aplicação do instituto da responsabilidade civil extracontratual pela prática de factos ilícitos, aos atos cometidos pelos Réus e provados nos presentes autos.
21. Porquanto, o fim de tais atos e condutas – indiscutivelmente comum a todos os intervenientes – era, não só, o de esvaziar o património da devedora Koisas Fixes e, desse modo, lesar os direitos de crédito da generalidade dos credores da referida empresa, nos quais se inclui, a aqui Autora,
22. como também, o de possibilitar que o Réu AA, coadjuvado pela Ré CC, através dos atos praticados e do recurso a interpostas pessoas, singulares e coletivas, continuassem a desenvolver os seus negócios e empresas,
23. e, assim, prosperar (veja-se, a propósito, os nºs 33, 34, 37 e 40, dos factos provados), ao invés dos seus credores.
24. O que seria intolerável e violador dos princípios gerais do direito, da boa-fé e dos bons costumes.
25. Acresce que, é flagrante o nexo de causalidade entre o esvaziamento do património da Ré Koisas Fixes e o enriquecimento ilícito e sem causa dos demais Réus.
26. Finalmente, sem embargo daquilo que se referiu no que tange à responsabilidade civil por factos ilícitos imputável aos Réus, a título subsidiário, temos de dizer que, no caso em apreço, também se justifica o recurso à figura da desconsideração da personalidade jurídica das Rés K..., Lda, e A..., Lda, C..., Lda, e P..., Lda
27. Efetivamente, estas sociedades mais não são do que sociedades de fachada, instrumentalizadas pelo Réu AA, com o objetivo de poder continuar a exercer a sua atividade empresarial no seu benefício e da sua companheira e Ré, CC.
28. Para tal, mais uma vez se nos ancoramos nos factos provados, ínsitos nos nºs 2, 3, 4, 6, 8, 9, 23, 24, 25, 26, 28, 29, 30, 31, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63 e 69, da douta sentença recorrida.,
29. extraímos, cristalinamente, tais conclusões
30. No fundo, a empresa, se entendida como o conjunto de ativos corpóreos e incorpóreos afetados ao exercício de uma atividade económica, é sempre a mesma, independentemente das diferentes denominações e sociedades.
31. Sendo o Réu AA, aquilo que a doutrina designa por “homem oculto”, que atua e age sob o manto jurídico protetor das sociedades Rés.
32. Contando e beneficiando, para isso, do conluio da Ré, sua parceira de vida e negócios, CC.
33. Tendo a Ré CC sido um elemento e pilar determinante na arquitetura societária gizada para dissimular o património da Ré Koisas Fixes e do Réu AA, como ressalta da matéria provada em referência.
34. Por conseguinte, salvo o devido respeito, neste caso, é absolutamente legítimo recorrer-se ao instituto jurídico da desconsideração ou o levantamento da personalidade jurídica das sociedades Rés A..., Lda, K..., Lda, C..., Lda, e P..., Lda, com vista, a desse modo, se poder responsabilizar de acordo como o disposto no artigo 78º, do CSC, os Réus AA e CC, os verdeiros sócios de facto e de direito, das referidas sociedades.
35. E, para que não subsista qualquer dúvida, impõe-se ainda dizer que o crédito da Autora é anterior à declaração de insolvência da sociedade Ré Koisas Fixes, Lda. e à realização da panóplia de atos e transmissões sub judice.
36. Por fim, importa também ressalvar que, nada obsta à condenação do Réu AA no pagamento da indemnização peticionada, mormente, com fundamento na verificação da exceção do caso julgado.
37. Na verdade, no caso vertente, não há identidade de partes e de causa de pedir, nem contradição de julgados, entre a presente ação e o incidente de qualificação de insolvência, não podendo, com o sempre devido respeito por outro entendimento, proceder a exceção do caso julgado.
38. Por último, deve assinalar-se que o Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos violou os artigos, 601º, 281º, 227º, 762º e 334º, todos os preceitos legais do CC, 621º, 615º e 640º, do CPC e 5º e 78º, nº1, do CSC.”
12. Foram apresentadas contra-alegações, onde se conclui (transcrição):
1. Na atual fase do processo, há duas decisões iguais, no mesmo sentido e com os mesmos fundamentos, acerca dos pedidos formulados pela Autora, com exceção de um único segmento ,o qual é “o relativo à declaração de nulidade dos contratos de trespasse supra identificados em 17.º a 20.º e em 27.º do Factos Provados, condenando as RR. K..., Lda. e a R. A..., Lda A restituir os bens que foram objecto dos mesmos”, pois que, nesse segmento, a 1.ª Instância declarou nulo aqueles contratos de trespasse e o Tribunal da Relação revogou tal declaração de nulidade.
2. A presente apelação [sic] deve estar circunscrita àquele único segmento (segmento desconforme), pois toda a demais matéria já foi amplamente discutida e tratada pelas instâncias, pelo que existe uma dupla conformidade entre as decisões das instâncias, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diversa, pelo que não pode deixar de entender-se que não é admissível o recurso de revista normal quanto aos demais segmentos.
3. Relativamente à parte não abrangida pela dupla conforme, o valor dos contratos de trespasse são inferiores à alçada do tribunal de que se recorre, o que constitui obstáculo à admissão da mesma revista já que o valor dos dois contratos, ainda que somados, são inferiores a Euros: 30.000,00, pelo que não existe alçada para que o recurso seja admitido.
4. Considerando que o Tribunal da Relação julgou não provados os pontos 14, 17, 18, 19, 20 e 27 e sabendo-se que não cabe ao Supremo Tribunal de Justiça reapreciar a matéria de facto, sempre estaria votado ao insucesso a apelação, pois que, no atual estádio dos autos, não há factos que suportem o que a Autora pretende com o recurso.
inviabilizada qualquer liquidação em sede de execução de sentença.
fisicamente os bens trespassados.
depoimento.
dimensão: factos, prova e direito.
9. A impugnação oferecida pela ré/apelante no recurso subordinado satisfaz o regime processual do art. 640º do CPC, pois que, além de especificar a factualidade que pretende seja reavaliada e o sentido da decisão, também identifica os meios de prova cuja reapreciação justificaria essa alteração: a reponderação do relatório que constitui o documento nº 3 e o depoimento da testemunha DD, cujos segmentos úteis transcreveu.
10. A desconsideração e o enriquecimento sem causa têm carácter subsidiário e in casu a Autora dispôs de meios legais para atacar os dois negócios que agora vem, tarde e a más horas, sindicar (sem prejuízo da questão da legitimidade que, aparentemente, não tem porquanto a sua relação nunca foi com a “A..., Lda” mas única e exclusivamente com a “Koisas Fixes, Lda.”), em face do que não poderia socorrer-se desta figura porque dispôs de outras que não utilizou.
13. O recurso foi admitido com a prolação do despacho onde se lê:
“Sendo-o em tempo e com legitimidade, admito o recurso interposto por ORCAMA – TÊXTEIS E IMÓVEIS, S.A., que é de revista, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Contrariamente ao alegado pela recorrida K..., Lda, entendemos inexistir obstáculo, em sede de sucumbência (art. 629º, nº1 do CPC, in fine), que obste à admissibilidade deste recurso de revista, por ter de se atentar no valor da causa.”
Colhidos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
II. Fundamentação
De facto
14. Nas instâncias foi dado como provado:
“Da PI
1. A A. dedica-se ao exercício da indústria têxtil.
2. No exercício da sua actividade entre Março de 2011 e Fevereiro de 2012, a A. forneceu à R. Koisas Fixes, Lda. artigos que, não obstante interpelações realizadas pela A. à R. Koisas Fixes para que pagasse aquele valor, não foi pago, gerando para a primeira um crédito de 174.431,72 € sobre a segunda.
3. A R. Koisas Fixes fez sua tal mercadoria, utilizando-a no exercício da sua actividade comercial.
4. O não pagamento do montante em dívida causou elevado prejuízo à A.
5. No dia 5/12/2013, a A. interpôs acção judicial em que requereu a insolvência da sociedade comercial Koisas Fixes – Novidades Têxteis Lar, Lda., cujos termos correram, inicialmente, pelo 3.º Juízo do Tribunal do Comércio de ..., sob o n.º 1399/13.4...
6. Por sentença proferida a 14/11/2014, foi declarada a insolvência da identificada sociedade.
7. A R. Koisas Fixes, Lda. foi constituída em 26/09/2000, com capital social de 75.000,00 €, dividido em duas quotas de igual valor pertencentes a AA e EE.
8. Inicialmente esta sociedade tinha a sua sede sita na Estrada ..., ....
9. A 25/01/2013, a sede da empresa foi transferida para a Travessa ..., ....
10. Nessa mesma data, a quota da então sócia EE foi transmitida para sociedade S..., Lda e, posteriormente, em 12/02/2013, a quota do Réu, AA, foi adquirida pela sociedade F..., Lda.
11. Nas datas em que se realizaram as cessões de quotas, ambas as empresas cessionárias, já tinha cessado a sua actividade para efeitos de IVA.
12. A sociedade S..., Lda, tinha como sócio o Réu AA.
13. O Réu, AA, e sua mulher, EE, eram sócios da sociedade F..., Lda,.
14. (Matéria transferida para o elenco de matéria não provada, sob a al. l), como infra decidido)
15. Nesta altura, o Réu AA era sócio gerente de ambas as empresas.
16. A 24/01/2023, o R. AA transmitiu a sua quota na sociedade A..., Lda ao R. BB que passou a ser o titular da respectiva gerência.
17. (Matéria transferida para o elenco de matéria não provada, sob a al. m), como infra decidido)
18. (Matéria transferida para o elenco de matéria não provada, sob a al. n), como infra decidido)
19. (Matéria transferida para o elenco de matéria não provada, sob a al. o), como infra decidido)
20. (Matéria transferida para o elenco de matéria não provada, sob a al. p), como infra decidido)
21. A Ré A..., Lda, apenas apresentou Declaração Mensal de Remunerações, nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2013, não declarando ter mais trabalhadores ao seu serviço a partir de Março de 2013.
22. Esta empresa cessou a sua actividade em 31/12/2013.
23. A viatura ..-..-RA constou como propriedade da A..., Lda desde 3/04/2013.
24. A viatura ..-DB-.. foi registada como propriedade da empresa A..., Lda em 3/04/2013 e em 11/04/2013 passou a pertencer à empresa K..., Lda
25. O valor dos inventários em posse da Ré Koisas Fixes, Lda. ascendia a 43.500,00 € e o valor contabilístico dos activos fixos tangíveis era de 20.507,31 €.
26. Não existem movimentos financeiros entre as duas entidades na conta ......11 – Devedores e Credores Diversos relativamente aos 5.000,00 € declarados.
27. (Matéria transferida para o elenco de matéria não provada, sob a al. q), como infra decidido)
28. A titularidade da marca Koisas Fixes foi transmitida à Ré K..., Lda
29. CC é a sócia-gerente da Ré K..., Lda que também é gerida pelo Réu AA.
30. A Ré CC era à data e ainda é actualmente companheira do Réu AA, habitando, quando em Portugal, a mesma casa, fazendo refeições em comum, e partilhando os mesmos negócios de têxtil lar e imobiliários.
31. Que agora giram sob a insígnia K..., Lda.
32. Desde meados de 2013 e pelo menos até 12/02/2016, de acordo com a facturação emitida pela Ré Koisas Fixes, Lda, esta empresa continuou a exercer a sua actividade, constando das Declarações Mensais de Remunerações que 4 trabalhadores exerciam funções na empresa Ré, K..., Lda
33. O Réu AA, no período compreendido entre 2011 e 2014, declarou como rendimentos colectáveis 11.716,00 €, 11.020,21 €, 2.686,00 € e 2.766,00 €.
34. De acordo com a contabilidade da Ré Koisas Fixes, Lda. o Réu AA reduziu os seus débitos à empresa no montante de 269.528,06 €.
35. A Autora teve conhecimento da existência deste relatório em Março de 2019, e da factualidade aí referida no âmbito do incidente de qualificação de insolvência, quando foi notificada do parecer emitido pelo Ministério Público.
36. A 28 de Outubro de 2019, foi proferida sentença que declarou a insolvência da Koisas Fixes- Novidades Têxteis, Lda. como culposa e a 26/02/2020 ocorreu a liquidação e encerramento da matrícula da mesma sociedade.
37. Tendo-se dado como provado que o crédito sobre a Koisas Fixes, no valor de 174.431,72 €, reclamado pela Autora, ainda se mantinha em dívida, e
38. Condenado o Réu AA, a indemnizar a Autora, nessa quantia.
39. Os contraentes dos supra ids. contratos de trespasse celebrados entre as Rés Koisas Fixes, Lda, A..., Lda, e K..., Lda quiseram retirar os bens assim transmitidos do património da primeira para evitar que esses bens servissem ao pagamento de credores da mesma.
40. De acordo com a informação contabilística prestada pela própria sociedade K..., Lda, esta, no pretérito ano de 2015, realizou vendas no valor de 1.291.209,90 €, e apresentou 21.255,71 € como resultados líquidos e um EBITDA de 57.610,08 €.
41. Foi através da constituição da sociedade K..., Lda, que o Réu AA continuou e continua a desenvolver a sua actividade empresarial.
42. Tendo sido coadjuvado na prática dos seus actos pela R. CC e por BB.
43. A R. A..., Lda foi constituída em 18/11/2009 pelo R. AA seu único sócio e gerente.
44. A 24/01/2013, o R. AA transmitiu a sua quota na A..., Lda a BB que passou a ser o titular da respectiva gerência.
45. BB aceitou a transmissão para si da quota da sociedade A..., Lda para que ao tempo dos trespasses supra referidos esta sociedade não tivesse o R. AA como sócio.
46. Para ajudar o R. AA a retirar do património da Koisas Fixes e da A..., Lda os bens alienados.
47. Apesar da transmissão supra referida em 44), o R. AA continuou a ser o gerente de facto da A..., Lda.
48. A sociedade Ré A..., Lda, nunca pagou o preço ajustado pela aquisição dos activos trespassados pela Ré Koisas Fixes, Lda..
49. A Ré K..., Lda, nada pagou à Ré A..., Lda, pela compra dos bens que esta lhe vendeu.
50. No facebook o R. AA assume a direcção da Ré K..., Lda, recorrendo ao acrónimo PCA (presidente do conselho de administração).
51. Exibe ainda no seu perfil ser detentor do M..... ........... ...... na empresa E.......... e desenvolver negócios de acessórios de casa de banho e cortinas em França (T........ ...... . .........).
52. O capital social da sociedade C..., Lda é detido pela Ré K..., Lda, FF e GG.
53. Cada um dos sócios referidos é titular de uma quota com o valor nominal de 45.000,00 €.
54. A Ré CC é gerente da dita sociedade C..., Lda.
55. O sócio GG é irmão do Réu AA.
56. O sócio FF era um antigo trabalhador da Ré Koisas Fixes, Lda.
57. A sociedade P..., Lda tem como sócios as Rés K..., Lda, e CC.
58. Cada sócio é detentor de uma quota de 12.500,00 €.
59. A R. CC é gerente da P..., Lda
60. A marca Zebra é apresentada com fazendo parte do universo empresarial K..., Lda
61. O Réu AA foi declarado insolvente no âmbito do processo cujos termos correram na altura pelo Tribunal da Comarca do Porto, 2.º Juízo Cível, processo n.º 1404/13.4...
62. A K..., Lda tem como objecto social o comércio por grosso e a retalho de têxteis lar, produtos alimentares, artigos de decoração, higiene e limpeza, novidades, brinquedos, artigos de perfumaria e estética, artigos confecionados têxteis; comércio de vestuário e de calçado; indústria de têxteis lares; comissão de vendas, agenciamento de clientes, promotoria e prestação de serviços; comércio de retalho e por grosso de cosmética e aparelhos eléctricos para cabeleireiros, esteticistas; formação profissional e importação e exportação.
63. Tem a sua sede na Estrada ..., ....
64. A C..., Lda tem como objecto social a promoção, angariação e mediação imobiliária; compra, venda e arrendamento de bens imobiliários; importação e exportação de materiais de construção.
65. Tem a sua sede na Estrada ..., ....
66. A P..., Lda tem como objecto social a promoção imobiliária; compra, venda e arrendamento de bens imobiliários.
67. Tem a sua sede na Av. ..., ....
Da Contestação
68. A 1/02/2016, a A. sabia dos trespasses supra descritos.
69. A R. K..., Lda foi constituída em 21/01/2013.
15. Factos não provados
a. Os bens objecto dos contratos de trespasse supra referidos fossem suficientes para pagar o crédito da A.
b. Os bens objecto dos referidos contratos de trespasse valessem 105.000,00 €.
c. A criação das sociedades K..., Lda e A..., Lda, apenas tivesse como escopo possibilitar que a R. Koisas Fixes, Lda., pudesse dissimular o seu património dos seus credores.
d. Nenhuma das partes tenha pretendido realizar qualquer negócio de trespasse dos equipamentos e activos pertencentes à R. Koisas Fixes, Lda.
e. Os trabalhadores tenham continuado a pertencer ao quadro de pessoal desta empresa.
f. Os bens e demais activos se tenham mantido sempre no mesmo local.
g. O dono e titular do capital social das RR. C..., Lda e P..., Lda seja o R. AA.
h. Seja ele o gestor e o sócio de facto destas sociedades em conluio com a R. CC.
i. Estas duas sociedades tenham sido constituídas com base em bens e dinheiro subtraído aos activos da R. Koisas Fixes, Lda.
j. A actividade que estas empresas desenvolvem seja exercida em benefício do R. AA.
k. Seja exercida em prejuízo e em detrimento dos interesses dos credores do R. AA.
l. No dia 01/12/2009, a Ré Koisas Fixes, Lda. celebrou um contrato promessa de trespasse parcial com a Ré A..., Lda, que tinha por objecto a transmissão de alguns clientes, viaturas, equipamentos, existências e trabalhadores, todos devidamente identificados no dito contrato, prevendo-se, ainda, que o contrato definitivo seria celebrado até 31/12/2010, sendo o preço acordado de 105.000,00.
m. A 01/02/2013 foi celebrado um contrato entre as duas empresas Koisas Fixes, Lda. e A..., Lda denominado concretização do contrato de trespasse.
n. Nesta data, a contraprestação estipulada foi de apenas 5.000,00 €.
o. Nesse contrato referiu-se que se dão por remidas as quantias constantes do contrato de trespasse, como forma de compensação pelos prejuízos causados pela Koisas Fixes, Lda. à Ré A..., Lda
p. No contrato de trespasse supra referido em 17) constavam as viaturas matrículas ..-..-RA e ..-DB-...
q. Em 30/04/2013, a Ré A..., Lda, celebrou um contrato de trespasse com a Ré K..., Lda, envolvendo todo o seu património, tendo resultado desse negócio uma menos valia no valor de 23.041,48.
De Direito
16. Objecto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso e devendo limitar-se a conhecer das questões e não das razões ou fundamentos que àquelas subjazam, conforme previsto no direito adjetivo civil - arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.
As questões colocadas pela recorrente são as seguintes:
- saber se o acórdão é nulo – art.º 615.º, n.º1, al. b) e c) do CPC;
- saber se o tribunal recorrido usou os seus poderes de conhecer da impugnação da matéria de facto de acordo com a lei – art.º 640.º / art.º 662.º do CPC;
- saber se a decisão recorrida violou o direito constituído, no que respeita às diferentes normas invocadas, e tomando por referência o pedido da A. – não reconhecer à A. qualquer direito, seja por via da nulidade dos contratos que alega foram celebrados, seja por responsabilidade civil extracontratual das RR, enriquecimento sem causa, seja por desconsideração da personalidade jurídica e desvio de fim;
- saber se há excepção de caso julgado.
17. Análise da admissibilidade do recurso
Na sentença decretou-se:
1. Absolvo da instância os RR. Koisas Fixes – Novidades Têxteis, Lda. e AA.
2. Declaro nulos os contratos de trespasse supra identificados em 17.º a 20.º e em 27.º do Factos Provados, condenando as RR.K..., Lda. e a R. A..., Lda. a restituir os bens que foram objecto dos mesmos e absolvo os RR. CC, C..., Lda e P..., Lda. do pedido correspondente.
3. Absolvo os RR. A..., Lda, K..., Lda, CC e C..., Lda e P..., Ldado restantes pedidos.
Custas por A. e RR. na proporção do respectivo decaimento, na proporção de 80% para a A e 20% para as RR.
No TR o acórdão concluiu:
“Discutidas e decididas todas as questões colocadas em cada um dos recursos sujeitos à apreciação deste tribunal, resta concluir pela improcedência da apelação da autora e pela procedência do recurso subordinado da ré K..., Lda, em razão do que se revoga a sentença recorrida na parte em que decretou a nulidade de contratos de trespasse que identificara e condenou as rés K..., Lda e A..., Lda a restituir os bens que teriam sido objecto dos mesmos.
Em tudo o mais, resta confirmar a decisão recorrida.”
Do confronto entre as decisões resulta que foram confirmadas as decisões:
- Absolvo da instância os RR. Koisas Fixes – Novidades Têxteis, Lda. e AA.
- absolvo os RR. CC, C..., Lda e P..., Lda do pedido correspondente.
- Absolvo os RR. A..., Lda, K..., Lda, CC e C..., Lda e P..., Lda.do restantes pedidos.
E ficou decidida em sentido diverso do proferido na 1ª instância a problemática da nulidade dos contratos referidos nos pontos 17 a 20 e 27 dos FP que envolveram as K..., Lda e a A..., Lda
A decisão foi diversa logo na qualificação dos contratos – que vinham qualificados como trespasse – e que o TR entendeu não ter elementos para os inserir nessa categoria – ou para sequer considerar como tendo sido realizados.
E, na parte em que o tribunal considerou existirem negócios entre as sociedades em causa, não encontrou fundamentos que levassem à sua declaração de nulidade.
E a justificação do TR foi esta:
“Resta concluir que não existem elementos adquiridos nos autos que permitam conhecer o conteúdo de quaisquer negócios que tivessem sido celebrados entre a Koisas Fixes e a A..., Lda e entre esta e a K..., Lda, em ordem a, num momento ulterior, se poderem qualificar tais contratos como trespasse, como descrito nos pontos 14, 17, 18, 19 e 20. O mesmo se diga, sucessivamente quanto ao negócio descrito também como trespasse, no ponto 27.”
Por isto a tese da A. de que haviam sido celebrados contratos de trespasse para dissimular património da sua devedora – transmitido ilicitamente – para outras entidades societárias – não ficou provado.
Não se provou nem o/s trespasse /s, nem a realização de outros negócios de transmissão de bens da Koisas fixes, Lda, com intuito de subtrair o património desta empresa à responsabilidade pelas suas dívidas.
E a alteração da matéria de facto deu-se no âmbito do uso dos poderes do tribunal, conforme pedido, e com base em meios de prova sujeitos à sua livre apreciação – seja o Projecto de Relatório da inspecção, seja o depoimento da sua autora DD.
Por outro lado, também no âmbito da impugnação da matéria de facto, o tribunal conheceu do pedido da A.
Foi assim:
“Decidida, nestes termos, a impugnação dirigida pela ré à decisão sobre a matéria de facto, importa agora apreciar a impugnação que também foi oferecida pela autora a qual, como acima se referiu, pretendia a comprovação dos factos dados por não provados e que se mostram descritos supra nas als. g), h), i), j), c), e).
Para o efeito, a autora não pretende o reexame de qualquer meio de prova, afirmando que tal matéria deve inferir-se, por dedução lógica, da restante matéria provada.
Assim, num primeiro grupo de factos, haveria de dar-se por provado que o R. AA é dono e titular do capital social das RR. C..., Lda e P..., Lda, que é ele o gestor e o sócio de facto destas sociedades em conluio com a R. CC, que essas sociedades foram constituídas com base em bens e dinheiro subtraído aos activos da R. Koisas Fixes, Lda e que a actividade que estas empresas desenvolvem seja exercida em benefício do R. AA.
Apesar do descrito no ponto 50 – isto é, que no facebook o R. AA assume a direcção da Ré K..., Lda – e 52 - isto é, que a K..., Lda é sócia da C..., Lda, não se pode inferir, da sua estrutura societária, sem mais, a factualidade invocada pela ré, designadamente que a actividade desta é dominada por aquele, o mesmo se passando com a P..., Lda
Sendo a K..., Lda sócia destas duas empresas, é compreensível que uma até tenha sede no mesmo local; a outra não o tem, todavia. Mas inferir, das ligações familiares, de anterior trabalho, ou afectivas entre os outros sócios dessas empresas e AA, que tais sociedades, com objectos sociais radicalmente diferentes e gerências diferentes, são simplesmente dominadas por este, que foram constituídas com património retirado da Koisas Fixes e que de tudo é AA o beneficiário, é um salto lógico insusceptível de operar.
O mesmo se diga quanto à matéria da alínea c), isto é, que criação das sociedades K..., Lda e A..., Lda, apenas tenha visado o desaparecimento de qualquer património da R. Koisas Fixes, Lda., para que não fosse votado à satisfação dos credores.
Prejudicada está a comprovação da matéria da al. d), pois que não se apurou ter ocorrido qualquer trespasse.
Improcede, pois, a pretensão recursiva da autora, nesta parte.”
A A. volta a insistir na sua tese na presente revista, mas agora com a tese de que os factos provados são suficientes para atingir o resultado, que, antes, não tinha sido – e quando até havia sido considerado provado que houvera uma relação de trespasses sucessivos.
Mas esta problemática também foi abordada na sentença e no acórdão recorrido.
Na sentença foi dito:
“Finalmente, quanto aos demais RR. verifica-se que a matéria assente não permite responsabilizá-los pelo pagamento do crédito da A.
Na verdade, nenhum dos autos RR. é parte no contrato de fornecimento de mercadorias em que apenas interveio a A. e a Koisas Fixes.
Ademais, não ficou demonstrado que o benefício dos RR., A..., Lda e K..., Lda proveniente dos trespasses em causa foi equivalente ao crédito da A., desde logo por se desconhecer o valor dos bens alienados, de todo o modo, a restituir por força da nulidade daqueles negócios, e, portanto, em face do pedido e dos factos apurados, em prejuízo do enriquecimento sem causa das adquirentes ou da R. CC que não ficou demonstrado.
Quanto à demais RR. a matéria assente não é de molde a imputar-lhes qualquer facto passível de responsabilizar pelo crédito da A..”
E no acórdão recorrido, com maior desenvolvimento, foi afirmado:
“No que respeita à responsabilização dos RR. AA, CC, A..., Lda, K..., Lda, C..., Lda e P..., Lda pela indemnização, à autora, no valor do crédito de 184.540,52 €, proveniente da falta de pagamento de bens do comércio desta, vendidos à Koisas Fixes, Lda e não pagos, cumpre reconhecer que a matéria apurada não permite o preenchimento dos pressupostos de tal instituto, consagrados no art. 483º do C.Civil.
Com efeito, não se identifica, quanto a qualquer deles, uma acção ilícita e culposa que tenha redundado no prejuízo invocado pela autora, correspondente à impossibilidade de obter a satisfação do seu crédito comercial.
Mantém-se, quanto a tal questão, a decisão de improcedência do pedido da autora enunciada na sentença em crise.
O mesmo destino merece, sucessivamente, a pretensão da autora, à luz da tutela do instituto do enriquecimento sem causa. Não revela o elenco de factos provados qualquer dos pressupostos previstos no art. 473º do C. Civil, maxime que qualquer dos demandados tenha enriquecido e em que medida, à custa da insatisfação do crédito da autora. Esta, aliás, empreendeu a acção de insolvência da Koisas Fixes, cabendo-lhe obter aí, a par dos demais credores e segundo a natureza do seu crédito, a sua satisfação.
Já em resultado das conexões existentes entre a Koisas Fixes e os réus nesta acção, não se verifica, quanto a estes, o enriquecimento que seja espelho do prejuízo da autora.
Não pode proceder, pois, a sua pretensão ao abrigo de um tal instituto.
O que vem de dizer-se aplica-se, mutatis mutandis, à tutela da pretensão da autora sob o instituto da desconsideração da personalidade jurídica das rés C..., Lda, P..., Lda, K..., Lda e A..., Lda
Nada, nos autos, permite a responsabilizar estas sociedades pela satisfação das responsabilidades incumpridas da Koisas Fixes, entretanto declarada insolvente. E isso desde logo face à falência da argumentação nos termos da qual qualquer destas sociedades teria absorvido, por conta ou no interesse de AA o património daquela devedora, em ordem a impedir a satisfação do crédito da autora à custa desse património.
Aliás, a forma ligeira como tal pretensão foi deduzida – a par da invocação do enriquecimento sem causa – revela é uma iniciativa de apelo a qualquer instituto jurídico em ordem a que qualquer um pudesse vir a acolher a pretensão da autora contra qualquer um dos RR., mas sem que isso tenha sido precedido de uma efectiva densificação dos pressupostos necessários ao funcionamento de cada um dos institutos invocados. E isso, em especial, em relação ao instituto de muito complexa demonstração constituído pela despersonalização da pessoa colectiva, em ordem à responsabilização pessoal dos sócios, tal como previsto no art. 78º do CSC.
De resto, a questão, de tão óbvia, dispensa complementar justificação.”
Do exposto resulta que também estas questões devem ser tidas por incluídas na dupla conforme impeditiva da revista normal, situação que, a nosso ver não se altera pela circunstância de a matéria de facto ter sofrido alterações.
No que respeita à questão da excepção de caso julgado:
- Pode considerar-se que a questão ficou prejudicada com a solução dada pelo tribunal da relação – o que parece mais conforme ao texto do acórdão, onde se diz:
“O que vem de expor-se prejudica a utilidade de se apreciar se a pretensão deduzida contra o réu AA incorre já na sujeição à excepção de caso julgado”….,
ou
- Pode considerar-se que a referida questão não comporta recurso de revista, por haver dupla conforme, entre a sentença e o acórdão recorrido – se se entender que a pronúncia do tribunal consistiu em entrar na análise do problema – mais conforme ao teor deliberativo final (negrito nosso):
“A este propósito, e sob a impugnação recursiva da autora, decidiu o tribunal recorrido verificar-se essa excepção, por já ter sido ele condenado a satisfazer à autora o crédito aqui reclamado, como consequência da qualificação da insolvência da Koisas Fixes como culposa, com a sua afectação por tal qualificação.
Nessa sede, foi, por isso, condenado o referido AA a indemnizar a autora pelo valor de 174.431,72€, correspondente ao valor dos bens por ela fornecidos à Koisas Fixes, pedido esse que integra a causa de pedir nestes autos. As partes, são as mesmas, a isso não obstando a existência de outros RR. nesta acção, e o pedido também se repete.
Verificam-se, pois, quanto a este R., os pressupostos dos arts. 580º e 581º do CPC., o que importa a respectiva absolvição nesta instância, nos termos dos arts. 577º, al. i) e 278º, nº 1, al. e) do CPC.
De resto, se assim não fosse e se reunissem os respectivos pressupostos - o que aqui, como se viu, não ocorre - a solução seria a prolação, nesta acção, de uma condenação de AA com o mesmo conteúdo do que aquela que já lhe foi imposta no âmbito da sentença de qualificação da insolvência da Koisas Fixes Lda.
Por isso, não cumpre alterar, também nesta parte, a decisão recorrida.”
Entre as duas opções, afigura-se que o sentido mais conforme ao texto é o de ter conhecido da questão e ter decidido no mesmo sentido da sentença – pelo que haveria aqui um obstáculo ao conhecimento desta questão em recurso de revista – a dupla conforme – art.º 671-º, n.º1 e 3 do CPC.
Concluindo:
Não se identificam obstáculo à admissão do recurso senão no impedimento relativo à dupla conforme para as questões indicadas.
18. Entrando no conhecimento do objecto do recurso, relativo às nulidades imputadas ao acórdão recorrido.
Nas conclusões 1 e 2, a recorrente aponta duas nulidades ao acórdão recorrido – art.º 615.º, n.º1, al. b) e c) do CPC
Nas alegações da A. a questão da nulidade foi suscitada no recurso de apelação por referência à sentença – e estava relacionado com o que as partes invocaram e que teve a seguinte apreciação do TR:
“certo é, tal como ambas as partes alegam, que a sentença não consegue designar minimamente o que deve ser restituído e que tenha constituído objeto dos contratos de trespasse que teve por nulos; mas, além disso, nem sequer identifica a quem devem ser restituídos. E essa dificuldade, na economia da sentença, fica ainda mais evidente perante outra decisão incluída no dispositivo: a absolvição da instância da Koisas Fixes, por considerar, simplesmente, que a sociedade já está extinta, por ter sido declarada insolvente. Fica por saber se essa extinção decorre do registo do encerramento da liquidação da insolvente, ou qual a razão para afirmação taxativa da ausência de personalidade jurídica que justificou a absolvição da instância correspondente, já que a sentença não o revela. Em qualquer caso, o que se verifica é que não se identificaram quaisquer elementos que, transmitidos em execução de contratos de trespasse, devem ser restituídos até ao transmitente original, em razão da nulidade de tais contratos”.
A recorrente insiste na nulidade, no recurso de revista, conforme diz nas suas alegações:
“Desta feita, tal como a Autora sempre afirmou, também o Venerando Tribunal da Relação, concluiu, pelo menos tacitamente, que a sentença recorrida padecia do vício de nulidade, pois, aponta, não só uma patente ambiguidade que torna a decisão ininteligível – “a sentença não consegue designar minimamente o que deve ser restituído e que tenha constituído objeto dos contratos de trespasse que teve por nulos; mas, além disso, nem sequer identifica a quem devem ser restituídos” – como, assinala, igualmente, uma clara falta de especificação nos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão – “a absolvição da instância da Koisas Fixes, por considerar, simplesmente, que a sociedade já está extinta, por ter sido declarada insolvente. Fica por saber se essa extinção decorre do registo do encerramento da liquidação da insolvente, ou qual a razão para afirmação taxativa da ausência de personalidade jurídica que justificou a absolvição da instância correspondente, já que a sentença não o revela” – o que, salvo o sempre devido respeito, deveria ter determinado que se tivesse declarado a nulidade da sentença, por violação do disposto no artigo 615º, nº1, alíneas b) e c), do CPC.
Em qualquer caso, o que se verifica é que não se identificaram quaisquer elementos que, transmitidos em execução de contratos de trespasse, devem ser restituídos até ao transmitente original, em razão da nulidade de tais contratos”.
Vejamos.
O Tribunal da Relação conheceu da questão colocada na apelação iniciando por tecer considerações sobre a eventual nulidade, mas sem a afirmar. Na sua análise coloca sobretudo dúvidas. Mas vem a resolver o problema suscitado: quer por vir a decidir que não está demonstrado que tenham existido contratos de trespasse, quer por não vir a condenar as RR. em algo que não se saberia bem em quê e em favor de quem.
Isso significa, na prática, que conheceu das nulidades e, como a lei lhe permite, em substituição do tribunal inferior resolveu as potenciais contradições identificadas.
Com a sua solução encontrada, pergunta-se: onde está a violação do disposto no art.º 615.º, n.º1 al. b) e c) do CPC, tomando por referência o acórdão recorrido?
Não se consegue identificar nenhumas das imputadas nulidades, pelo que é de decidir que improcede a questão.
19. Como segunda questão – conclusões 4 a 5 - importa saber se o tribunal exerceu bem os poderes do art.º 662.º do CPC, e respeitou a lei, quanto aos ónus do art.º 640:º do CPC.
Esta questão havia sido suscitada na contra-alegação da apelação (também) e o tribunal recorrido analisou-a, tendo respondido respondeu – e bem – assim:
“Dir-se-á, antes de mais, que a impugnação oferecida pela ré/apelante satisfaz minimamente o regime processual do art. 640º do CPC, pois que, além de especificar a factualidade que pretende seja reavaliada e o sentido da decisão, também identifica os meios de prova cuja reapreciação justificaria essa alteração: a reponderação do relatório que constitui o documento nº 3 e o depoimento da testemunha DD, cujos segmentos úteis transcreveu.) Improcede a questão”
A resposta do tribunal é esclarecedora e não se identifica nenhum motivo para entender que tenha conhecido da impugnação da matéria de facto invocada pela RR. quando não estivessem preenchidos os requisitos legais impostos pelo art.º 640.º
É que na alegação e nas conclusões da RR estão todos os elementos que a lei exige: quais os factos que julga indevidamente apurados; quais os dois meios de prova que pretende sejam reanalisados (projecto de relatório e depoimento de sua autora, como testemunha, com indicação do teor do mesmo – e com a sua transcrição, em termos de se poder localizar o início e fim e quais as passagens tidas por relevantes); qual a proposta alternativa que entende devida.
Improcede a questão.
20. Entrando no conhecimento do objecto do recurso, relativo à existência de contratos de trespasse e sua invocada nulidade, a recorrente pouco diz, para além do sentido que perpassa da sua alegação de nulidade e indevida alteração da meteria de facto, que já se analisou.
No demais a posição da recorrente é no sentido de insistir na condenação das RR. por acto ilícito extracontratual, enriquecimento sem causa, desconsideração da personalidade jurídica e não aceitação da excepção de caso julgado.
Não obstante se ter entendido que há dupla conforme, impeditiva da revista, justifica-se tecer algumas considerações sobre a improcedência da acção, na sequência da alteração efectuada pelo Tribunal de Relação, que melhor elucidem os AA e permitam uma contextualização adequada de todo o processo.
Assim, na medida em que as alterações aos factos provados foram de tal forma relevantes para a decisão de inversão da resposta do tribunal à procedência da acção, sempre se diria:
- Não se acompanha o seu entendimento da A., embora se compreenda que ao não conseguir demonstrar em tribunal a sua versão dos factos isso acarrete uma enorme frustração.
- Contudo, ao Tribunal não compete atender à posição das partes senão na medida dos elementos que constam do processo, provados, e à luz dos factos que as mesmas alegaram – tendo aqui que ponderar a posição de A. e RR – e apenas podendo decidir em favor de um deles na medida em que o direito acompanhe a sua pretensão demonstrada (e não a sua história ou convicção, mesmo quando se admite que existem casos de desvio de património com o recurso a contratos de trespasse sucessivos e usos de várias sociedades com os mesmos sócios – ou com os mesmos principais sócios – que na situação dos presentes autos não está evidenciada pela prova produzida);
- Com os factos que estão fixados, é de acompanhar o sentido do acórdão:
“É que não se deu por provado que tais contratos tivessem existido.
E se é certo que houve elementos que foram deslocados do património da Koisas Fixes e acabaram no património da K..., Lda, como uma viatura, ou a própria marca Koisas Fixes, cumpre agora atentar que não resultou provado – e o ónus correspondente impedia sobre a autora, nos termos do art. 342º, nº 1 do CPC – qual o negócio que a isso esteve subjacente e se há fundamento para a declaração da respectiva nulidade.
Com efeito, o que a autora invocou foi que essa transmissão ocorreu no âmbito de dois contratos de trespasse sucessivos e esse fundamento, que integrava a causa de pedir, não se provou.”
- Com os factos que estão fixados, é de acompanhar o sentido do acórdão também na parte relativa à responsabilização dos RR “AA, CC, A..., Lda, K..., Lda, C..., Lda e P..., Lda pela indemnização, à autora, no valor do crédito de 184.540,52 €, proveniente da falta de pagamento de bens do comércio desta, vendidos à Koisas Fixes, Lda e não pagos, cumpre reconhecer que a matéria apurada não permite o preenchimento dos pressupostos de tal instituto, consagrados no art. 483º do C.Civil.”
- Para se poder accionar a responsabilidade civil destes RR. ter-se-ia de demonstrar uma actuação ilícita e culposa, que tenha sido a causa do dano da A.
Mas a A. não demonstrou nem a acção ilícita, nem culposa, nem se vislumbra qual seriam então a razão da condenação dos RR.
- Com os factos que estão fixados, é de acompanhar o sentido do acórdão também na parte relativa à luz da tutela do instituto do enriquecimento sem causa:
“Não revela o elenco de factos provados qualquer dos pressupostos previstos no art. 473º do C. Civil, maxime que qualquer dos demandados tenha enriquecido e em que medida, à custa da insatisfação do crédito da autora. Esta, aliás, empreendeu a acção de insolvência da Koisas Fixes, cabendo-lhe obter aí, a par dos demais credores e segundo a natureza do seu crédito, a sua satisfação.
Já em resultado das conexões existentes entre a Koisas Fixes e os réus nesta acção, não se verifica, quanto a estes, o enriquecimento que seja espelho do prejuízo da autora.
Não pode proceder, pois, a sua pretensão ao abrigo de um tal instituto.”
- Com os factos que estão fixados, é de acompanhar o sentido do acórdão também na parte relativa à “tutela da pretensão da autora sob o instituto da desconsideração da personalidade jurídica das rés C..., Lda, P..., Lda, K..., Lda e A..., Lda
Nada, nos autos, permite a responsabilizar estas sociedades pela satisfação das responsabilidades incumpridas da Koisas Fixes, entretanto declarada insolvente. E isso desde logo face à falência da argumentação nos termos da qual qualquer destas sociedades teria absorvido, por conta ou no interesse de AA o património daquela devedora, em ordem a impedir a satisfação do crédito da autora à custa desse património.”
Em apoio destas decisões releva ainda o facto de não se ter provado tudo o que consta dos factos não provados, que conteria elementos determinantes para a procedência dos pedidos formulados pela AA e que, na falta de prova, não permitem a sua procedência.
A situação dada por provada nos presentes autos não tem qualquer similitude com a que foi decidida no acórdão do STJ de 28/06/2023, e que havia sido citada na sentença - https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/380a1af11b24f88d802589e10029ec96?OpenDocument.
III. Decisão
Pelos fundamentos indicados, não se toma conhecimento, em parte, do objecto do recurso e, na parte de que se conhece, é negava a revista e confirmado o acórdão recorrido.
As custas são da responsabilidade da recorrente.
Lisboa, 10 de Dezembro de 2024
Fátima Gomes (relatora)
Rui Manuel Machado e Moura
Oliveira Abreu