CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE VIDA
DECLARAÇÃO INEXATA
ANULABILIDADE
ERRO SOBRE O OBJETO DO NEGÓCIO
ERRO ESSENCIAL
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
DOLO
NEGLIGÊNCIA
OMISSÃO
DEVER DE INFORMAÇÃO
SEGURADO
TOMADOR
Sumário


– O termo “doloso”, constante do art 25.º/1 da LCS, além de exprimir a modalidade de culpa com que tem de ser incumprido o dever pré-contratual de declaração inicial do risco, também significa e tem o sentido de dolo-vício da vontade, enquanto vício negocial, ou seja, o art. 25.º/1 da LCS confere à seguradora o direito à anulabilidade do contrato de seguro quando a sua declaração negocial tiver sido determinada pelo erro causado pelo dolo do tomador do seguro e/ou segurado na violação do dever pré-contratual de declaração inicial do risco.
II – Assim, para a seguradora anular o contrato de seguro, tem de ficar demonstrada a essencialidade do erro, ou seja, que o dolo conduziu ao erro da seguradora e que, sem o erro, não teria sido celebrado o contrato de seguro em si mesmo, designadamente, por só o celebrar com um forte agravamento do prémio, que a contraparte não aceitaria.
III – Não satisfaz pois o requisito da essencialidade do erro tão só alegar-se/provar-se que a seguradora “não teria celebrado o contrato de seguro ou pelo menos tê-lo ia sujeito a um agravamento do respetivo prémio”.

Texto Integral

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I - Relatório

AA, BB, CC e “MBO – Prestação de Serviços Têxteis, Lda.” deduziram ação declarativa, com processo comum, contra “Mapfre Seguros de Vida, SA” e “Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (Portugal), SA”, pedindo o seguinte:

A) Seja declarada a validade do contrato de seguro de vida celebrado com a 1ª ré/seguradora a 31.07.2001, titulado pelas apólices n.ºs VI...78/14 e .......... .94, em virtude do óbito de DD a ........2020;

B) Seja condenada a 1ª ré/companhia de seguros a pagar à beneficiária instituída, aqui 2ª ré/instituição bancária, nos termos contratuais, o capital em dívida à data do trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida, relativo ao empréstimo bancário concedido à autora AA e DD, melhor identificado no artigo 7º (sétimo) a 14º (décimo quarto) da petição inicial;

C) Seja condenada a 2ª ré/instituição bancária, com o pagamento mencionado na alínea anterior, a reconhecer que o empréstimo bancário concedido à autora AA e DD, melhor identificado no artigo 7º (sétimo) a 14º (décimo quarto) da petição inicial, se encontra integralmente pago, com referência ao referido mês de dezembro de 2020, pelo que, nada mais lhe é devido pelas autoras, seja a que titulo for;

D) Seja condenada a 1ª ré/companhia de seguros a pagar às autoras AA, BB e CC, na qualidade de herdeiras e beneficiárias de DD, a diferença entre o valor do capital seguro, no montante de € 90.000,00 (noventa mil euros), e o valor a pagar pela 1ª ré/companhia de seguros à 2ª ré/instituição bancária, correspondente ao capital em dívida à data do trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida nestes autos, relativo ao empréstimo bancário concedido à autora AA e DD, melhor identificado no artigo 7º (sétimo) a 14º (décimo quarto) da petição inicial, e a liquidar em execução de sentença, caso até à data da decisão final não seja possível a sua contabilização;

E) Seja condenada a 1ª ré/companhia de seguros a pagar às autoras AA, BB e CC, as quantias por estas pagas em cumprimento do contrato de empréstimo bancário celebrado com a 2ª ré/instituição bancária, desde o mês de dezembro de 2020 (data da morte de DD) até ao presente mês de maio de 2022 (data da entrada desta ação em juízo) e cuja soma perfaz o montante de global de € 5.635,62€ (cinco mil seiscentos e trinta e cinco euros e sessenta e dois cêntimos);

F) Seja condenada a 1ª ré/companhia de seguros a pagar às autoras AA, BB e CC as quantias por estas pagas em cumprimento do contrato de empréstimo bancário celebrado com a 2ª ré/instituição bancária que, entretanto, vierem a ser pagas, desde a data da entrada em juízo desta ação inclusive e até à data do trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida nestes autos e a liquidar em execução de sentença, caso até à data da decisão final não seja possível a sua contabilização;

G) Seja condenada a 1ª ré/companhia de seguros a restituir à autora MBO- Prestação de Serviços Têxteis, Ld.ª os valores dos prémios relativos ao contrato de seguro celebrado e pagos por aquela em cumprimento daquele contrato, desde janeiro de 2021 e até julho de 2021, no montante de € 1.174, 36 (mil cento e setenta e quatro euros e trinta e seis cêntimos);

H) Seja condenada a 1ª ré/companhia de seguros a restituir à autora AA o prémio mensal do seguro de vida celebrado com a companhia de seguros Real Vida, desde agosto de 2021 e até à presente data, no montante de € 643,40€ (seiscentos e quarenta e três euros e quarenta cêntimos);

I) Seja condenada a 1ª ré/companhia de seguros a restituir à autora AA o prémio mensal do seguro de vida celebrado com a companhia de seguros Real Vida e pago a 14.08.2021, no valor de € 71,14 € (setenta e um euros e catorze cêntimos);

J) Seja condenada a 1ª ré/companhia de seguros a restituir à autora AA os prémios que vierem a ser por si pagos relativos ao prémio mensal do contrato de seguro de vida celebrado com a companhia de seguros Real Vida desde a data da entrada em juízo desta ação inclusive e até à data do trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida nestes autos e a liquidar em execução de sentença, caso até à data da decisão final não seja possível a sua contabilização.

K) Sejam condenadas as rés ao pagamento dos juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento de todas as quantias em dívida;

L) Seja condenada a 1ª ré/companhia de seguros a reconhecer que as autoras AA, BB e CC não lhe devem os pagamentos dos prémios de seguro referentes ao aludido contrato desde o mês de janeiro de 2021 e até ao final do prazo do seguro contratado;

M) Sejam as rés solidariamente condenadas a pagarem às autoras AA, BB e CC, a título de indemnização, pelos danos não patrimoniais que com a atuação ilícita e culposa lhes causaram, a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros) acrescida de juros de mora desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento da quantia em dívida;

N) Sejam as rés solidariamente condenadas a pagarem às autoras AA, BB e CC, a título de indemnização pela mora, a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), acrescida de juros de mora desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento da quantia em dívida;

O) Sejam eliminadas, por cautela de patrocínio, do contrato de seguro de vida celebrado com a 1ª ré/companhia de seguros e por não terem sido comunicadas, as cláusulas contratuais que excluem a responsabilidade daquela, a saber: o n.º 2 do artigo 2º e a cláusula 6ª, nos termos do artigo 8º alíneas a) e b) da Lei das Condições Gerais do Contrato, Decreto –Lei n.º 446/85 de 25 de outubro, por violação dos seus artigos 5º e 6º do mesmo diploma legal.

Alegaram, para o efeito, em síntese, que:

. A autora AA e DD subscreveram o contrato de seguro de vida com a Mapfre Seguros de Vida, SA, titulado pela apólice n.º VI...78/14, para assegurar o capital mutuado pelo Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (Portugal) SA, até ao valor de € 90.000,00, em caso de morte daqueles subscritores, instituindo esta instituição bancária como beneficiária do mesmo;

. A apólice teve início no dia 31.07.2001, tendo sido renovada a 27.07.2016, mantendo as mesmas condições, tendo-lhe sido atribuído, por razões desconhecidas, um novo número de apólice: ... ........94;

. Os prémios foram sempre pagos através da conta da sociedade autora;

. O DD, marido da autora AA, faleceu no dia ........2020, em virtude de complicações pós-operatórias na sequência de um traumatismo no joelho direito, tendo esta autora participado esse sinistro – morte – à ré Mapfre Seguros de Vida, SA;

. A ré Mapfre Seguros de Vida, SA declinou a sua responsabilidade face ao sinistro participado, alegando que o DD padecia de patologia prévia à data da contratação, tinha disso conhecimento e omitiu essa informação na contratação da apólice;

. A ré Mapfre Seguros de Vida SA considerou, consequentemente, o contrato de seguro em causa anulável por omissão do dever inicial do risco, ao abrigo dos arts. 6º e subsequentes das condições gerais aplicáveis;

. Nem a autora, nem o DD tiveram acesso às condições gerais da apólice, sendo que estas nunca lhes foram entregues, nunca foram informados ou sequer tomaram conhecimento das informações pré-contratuais, nunca lhes foram prestados os esclarecimentos necessários à compreensão do contrato de seguro, suas condições gerais, especiais ou particulares, nomeadamente sobre as suas garantias e exclusões.

. A ré Mapfre Seguros de Vida, SA nunca exigiu à autora, nem a DD a realização de quaisquer exames médicos prévios à celebração do contrato de seguro, nem aquando das suas sucessivas renovações, excetuando aquela que ocorreu no dia 27.07.2016, quando lhes foi solicitado o preenchimento de um questionário de saúde, o qual foi preenchido com verdade às perguntas dele constantes, acrescentando que nunca omitiram qualquer informação relevante para apreciação do risco e que nenhum dos dois sofria de patologias prévias à data da contratação da apólice.

. Perante a anulação do contrato de seguro de vida pela ré Mapfre Seguros de Vida, SA, a autora AA celebrou, no dia 12.08.2021, um contrato de seguro de vida com a Real Vida Seguros, para garantir o capital mutuado pelo BBVA (Portugal) SA, tendo suportado a quantia de € 71,07, sendo o respetivo prémio mensal de € 64,34.

. O réu BBVA (Portugal) SA, apesar de ter tomado conhecimento do óbito de DD, nada fez, apesar de ser o beneficiário irrevogável do contrato de seguro anulado, não tendo acionado este contrato.

. As autoras AA, BB e CC, únicas herdeiras de DD, continuam a pagar as prestações referentes ao mútuo contratado com o réu BBVA, SA e o prémio de seguro entretanto contratado com a Real Vida Seguros;

. As autoras sofreram ansiedade, angustia, inquietação e nervosismo perante o incumprimento contratual da ré Mapfre Seguros de Vida, SA e a conduta omissiva do BBVA, SA..

O Banco apresentou contestação, em que excecionou a sua ilegitimidade quanto aos pedidos A, B, D, E, F, G, H, I, J, L e O; em que admitiu a celebração do contrato de mútuo com a autora AA e DD e que o mesmo tem sido pontualmente cumprido por parte dos mutuários; em que referiu que a participação do sinistro com vista ao acionamento do contrato de seguro, designadamente da cobertura “morte”, compete ao tomador do seguro ou às pessoas seguras e não ao beneficiário; e em que refutou impender sobre si qualquer dever que não tenha sido cumprido e que consequentemente tenha originado qualquer um dos direitos que as autoras pretendem fazer valer contra o BBVA, SA na presente ação. E concluiu, consequentemente, pela improcedência da ação e pela sua absolvição da instância e/ou dos pedidos

A Mapfre apresentou contestação, em que alegou que a única apólice de seguro em vigor à data do falecimento de DD era a apólice com o n.º ... ........94, com início em 29 de julho de 2016, que substituiu a apólice n.º VI...78 anteriormente subscrita; mais invocou que o DD padecia de hipertensão arterial, dislipidemia e obesidade, diagnosticadas desde 2014, que omitiu deliberadamente a existência destas patologias quando foi preenchido o questionário de saúde à data da subscrição da proposta da apólice n.º ... ........94 e que esta omissão não permitiu uma correta avaliação do risco por parte da companhia de seguros, a qual, sabendo da existência de tais patologias, nunca teria celebrado o contrato de seguro ou, pelo menos, tê-lo-ia sujeito a um agravamento do prémio, razão pela qual existiu fundamento para considerar o contrato de seguro anulado. E concluiu pela improcedência da ação e consequente absolvição dos pedidos.

Em sede de audiência prévia, julgou-se improcedente a exceção da ilegitimidade invocada pelo réu Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (Portugal), SA., declarando-se a instância regular, estado em que se mantém; e foi definido o objeto do litígio e elencados os temas da prova.

Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou improcedente a ação, absolvendo as RR. dos pedidos.

Inconformados com tal decisão, dela interpuseram recurso de apelação os AA., tendo-se, por Acórdão da Relação de Guimarães, proferido em 23/05/2024, julgado o recurso totalmente improcedente e confirmado a decisão recorrida.

Ainda inconformadas, interpõem agora as AA. o presente recurso de revista, a título de revista excecional, tendo a Formação, por Acórdão de 23/10/2024, admitido a revista; visando as AA. a revogação do Acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que “considere o contrato de seguro de vida celebrado com a Ré/Recorrida Mapfre Seguros de Vida S.A. válido e eficaz à data da morte de DD e em consequência condene a Ré/Recorrida Mapfre Seguros de Vida S.A. na totalidade do pedido”.

Terminaram a sua alegação com as seguintes conclusões:

“(…)

1. Nos termos do artigo 672º nº 1 c) e nº 2 c) do Código de Processo Civil são os seguintes os aspetos de identidade que determinam a contradição alegada, entre o acórdão-fundamento com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição: para o acórdão-fundamento a prova do facto de o Segurado ter prestado declarações inexatas no momento da celebração do contrato de seguro, não implica por si só a anulabilidade do contrato de seguro de vida, nos termos do regime previsto no artigo 25.º, Regime Jurídico do Contrato de Seguro, DL 72/2008 de 16 de Abril;

2. Para o acórdão-fundamento tais declarações inexatas do Segurado não afetam, sem mais, a validade do contrato celebrado para efeitos de aplicação do regime previsto no artigo 25.º, Regime Jurídico do Contrato de Seguro, DL 72/2008 de 16 de Abril;

3. Para o acórdão-fundamento as declarações inexatas do Segurado só afetam a validade do contrato de seguro de vida celebrado caso a Seguradora alegue e demonstre factos que sustentam que tais omissões ou inexatidões dolosas, praticadas pelo Segurado, aquando da declaração inicial do risco prestada, eram relevantes para a apreciação do risco e essenciais para a celebração do contrato de seguro de vida;

4. Para o acórdão-fundamento, para a Seguradora proceder à anulação do contrato de seguro de vida nos termos artigo 25.º, Regime Jurídico do Contrato de Seguro, DL 72/2008 de 16 de Abril, perante declarações inexatas ou omissões do Segurado, torna-se necessário a verificação de dois requisitos cujo ónus da prova impende sobre a Seguradora, a saber: a causalidade entre o dolo e o erro, a essencialidade do erro para a celebração do contrato;

5. Entende o acórdão-fundamento que a prova quanto à essencialidade do erro não se verifica caso a Seguradora, perante o conhecimento de tais omissões ou inexatidões declare que caso tivesse tido conhecimento das mesmas, no momento da celebração do contrato, não o celebraria ou sujeitá-lo-ia a um agravamento do prémio;

6. O entendimento vertido no acórdão-fundamento estabelece que perante a alternativa da não celebração do contrato de seguro ou, da sua celebração sujeita a um agravamento do prémio traduz-se na não demonstração de factos que provem a essencialidade do erro, pois que, mesmo conhecidas tais omissões ou inexatidões quanto ao estado de saúde do Segurado, mesmo assim, o contrato de seguro de vida sempre seria celebrado;

7. Entendimento diverso tem o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães ora em crise, ao determinar que: “2- Para que uma declaração inexata ou reticente possa tornar anulável o contrato de seguro é indispensável que a inexatidão influa na existência e condições do contrato, de sorte que o segurador ou não contrataria ou teria contratado em diversas condições.”; Para este douto acórdão, a alternativa da celebração do contrato de seguro de vida “noutras condições”, mesmo sabendo a Seguradora das omissões ou, inexatidões quanto ao estado de saúde do Segurado aquando da celebração do contrato em nada releva para a falta de prova quanto à essencialidade do erro e consequentemente quanto à improcedência da exceção perentória da anulabilidade do contrato de seguro de vida;

8. É patente a contradição existente entre as duas doutas decisões aqui em oposição, sendo certo que as mesmas versam sobre a mesma questão fundamental de direito aqui já identificada, a saber, a verificação dos requisitos que permitem a anulabilidade do contrato de seguro, nos termos do artigo 25.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, DL 72/2008 de 16 de Abril e desde logo, a prova ou a sua ausência quanto à essencialidade do erro, quando a Seguradora admite que perante declarações inexatas ou omissões do Segurado sempre celebraria o contrato de seguro de vida noutras condições;

9. Verificam-se, assim os pressupostos da admissibilidade deste recurso de revista excecional nos termos do disposto no artigo 672, nº 1 c) do Código de Processo Civil;

10. As duas decisões em contradição retratam situações idênticas, pelo que, aqui se indicam nos termos do artigo 672º, nº 2 c), os aspetos de identidade que determinam a contradição aqui alegada entre o acórdão – fundamento e com o qual o acórdão recorridos está em contradição: em as decisões ambas está em causa a celebração de um contrato de seguro de vida com uma Seguradora, associado a um contrato de empréstimo bancário, mútuo e locação financeira imobiliária, do qual as respetivas instituições bancárias são beneficiárias em caso morte ou invalidez permanente e absoluta e em ambos os casos ocorreu o sinistro: morte;

11. As doutas decisões em análise coincidem quanto à motivação das Seguradoras para declinarem o sinistro: a omissão e inexatidão das informações fornecidas pelos Segurados aquando da declaração inicial do risco;

12. Em ambas as decisões a douta sentença proferida em primeira instância absolveu as Rés/Seguradoras do pedido por julgar procedente a exceção perentória da anulabilidade do contrato de seguro de vida celebrado;

13. As decisões em análise coincidem quanto aos, “factos provados” em ambas: Quanto ao Tribunal da Relação de Guimarães temos o Ponto 29 dos “ FACTOS PROVADOS” que constam da douta sentença proferida em Primeira Instância onde se lê o seguinte: “ 29. A ré Mapfre Seguros de Saúde S.A. se tivesse tomado conhecimento do estado de saúde do DD à data da celebração do contrato de seguro titulado pela apólice nº ... ........49 não o teria celebrado ou pelo menos tê-lo-ia sujeito a um agravamento do respetivo prémio.” (cfr. douta sentença proferida em Primeira Instância na página 11 de 37).

14. Prova idêntica consta dos factos provados “AA” transcritos no douto acórdão-fundamento onde se pode ler o seguinte:“ Se a Ré tivesse tomado conhecimento que DD tinha realizado a esplenectomia referida em L), não teria aceite celebrar o seguro proposto ou teria, pelo menos, exigido um agravamento do prémio para segurar os riscos associados à pessoa de DD.”; (cfr. cópia do acórdão fundamento aqui junto, nos termos do disposto no artigo 672º, nº 2 c), ou seja, nas duas decisões em oposição, as Rés/Seguradoras admitiram que, caso tivessem tomado conhecimento das informações omitidas pelos Segurados, quanto aos respetivos estados de saúde, não teriam celebrado o contrato de seguro de vida ou tê-lo iam sujeito a um agravamento do prémio;

15. Se por um lado, no acórdão-fundamento esta alternativa entre a não celebração do contrato de seguro ou, a sua celebração noutras condições, faz cair por terra a prova da essencialidade do erro, cujo ónus recai sobre a Seguradora;

16. Já o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, menospreza esta confissão da Ré/Recorrida Mapfre Seguros de Vida S.A. e considera ter existido prova quanto à essencialidade do erro, mesmo quando aquela Seguradora admite que mesmo assim e sabendo do estado de saúde do Segurado à data da contratação do seguro, sempre o celebraria mediante um agravamento do prémio;

17. Pelo aqui exposto são vários os aspetos idênticos entre o acórdão-fundamento e o douto acórdão recorrido proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães em clara oposição quanto à decisão tomada;

18. Na verdade, a divergência dos entendimentos aqui expostos quanto à prova sobre a essencialidade do erro faz com que situações materialmente iguais resultem em decisões completamente diferentes, pelo que, urge uniformizar este entendimento para evitar decisões tão díspares como as aqui expostas;

19. Com efeito, esta divergência de entendimentos quanto à verificação ou não, da prova quanto à essencialidade do erro é fulcral no desfecho dos processos, porquanto é a mesma que dita ou não, a procedência da exceção perentória da anulabilidade do contrato de seguro e consequentemente a procedência ou improcedência da ação; 20. A questão em apreço é uma questão fundamental de direito que merece ser aqui apreciada com vista a evitar decisões contraditórias para situações iguais;

21. Encontram-se verificados os pressupostos da Revista excecional conforme determina o artigo 672º, nº 1 c) do Código de Processo Civil pelo que, deve o presente recurso ser admitido e concedida Revista com a necessária condenação da Ré/Mapfre Seguros de Vida S.A. nos termos peticionados em primeira instância;

22. A decisão proferida pelo douto Tribunal da Relação de Guimarães é nula nos termos do artigo 615º nº1 b) e 666º do Código de Processo Civil; pois nas alegações de recurso de Apelação apresentadas pelas Autoras/Recorrentes, perante uma hipotética improcedência da impugnação da matéria de facto (conforme veio a suceder) estas vieram pela primeira vez e perante aquele douto Tribunal a quo invocar a falta de prova quanto à essencialidade do erro;

23. Perante o exposto e perante a improcedência da impugnação da matéria de facto, admitindo a existência de omissões e inexatidões na declaração inicial do risco, mesmo assim, a Ré/Recorrida Mafre Seguros de Vida S.A. não provou a essencialidade do erro decorrente de tal suposta inexatidão e omissão, ou seja, a Ré/ Recorrida Mafre Seguros de Vida S.A. não provou que caso conhecesse a condição clínica, que a mesma alega ter-lhe sido omitida por DD, não celebraria o contrato de seguro de vida em causa;

24.Antes pelo contrário, o que ficou provado é que, mesmo assim celebraria aquele contrato de seguro de vida embora noutras condições pois está assente e dado como provado no ponto 29 dos “factos provados” uma alternativa, ou seja, “ A Ré Mapfre Seguros de Saúde S.A. se tivesse tomado conhecimento do estado de saúde do DD à data da celebração do contrato de seguro titulado pela apólice nº ...........94 não o teria celebrado ou pelo menos tê-lo ia sujeito a um agravamento do respetivo prémio.” ;

25. Isto é, provou-se que a Recorrida/Mapfre Seguros de Vida S.A. se soubesse ou conhecesse, à data da contratação do seguro a situação clínica de DD, não teria celebrado o seguro ou, em alternativa, sujeitá-lo-ia a um agravamento do prémio, o que, por si só, é suficiente para a improcedência da exceção de anulabilidade, por falta de provada essencialidade do erro;

26. A esta alegação das Autoras/Recorrentes, o douto acórdão proferido pelo Tribunal a quo dedicou três parágrafos que se transcrevem:“ Quanto à sugestão ou artifício usados pelo falecido marido da autora ora recorrida, os mesmos correspondem à prestação de declarações à recorrente sobre o seu estado de saúde que o mesmo sabia não serem verdadeiras. Tais informações assumiram relevância para a seguradora poder avaliar da natureza e extensão do risco que estava a assumir ao celebrar este tipo de seguro, considerando que os problemas de saúde de que o falecido era portador estão reconhecidamente relacionados com patologias cardiovasculares, as quais podem provocar a morte. Assim, é inequívoco que foram fornecidas declarações inexatas e omissão de elementos relevantes para apreciação do risco que a seguradora assumiu, o que acarreta a anulabilidade do contrato.”.

27. Torna-se evidente que, a decisão ora em crise não faz qualquer referência à matéria assente e dada como provada no ponto 29 dos factos provados na sentença de primeira instância. E de que forma e com que fundamento tal alternativa da celebração do contrato de seguro de vida embora noutras condições não releva para a falta de verificação de um dos pressupostos da exceção da anulabilidade, ou seja, a falta de prova quanto à essencialidade do erro;

28. A decisão em causa limita-se a afirmar que declarações inexatas e omissão de elementos relevantes para apreciação do risco acarretam a anulabilidade do contrato.

29. Pergunta-se: e será ainda assim quando perante tais declarações inexatas e omissão de elementos, a Ré/Recorrida Mapfre Seguros de Vida S.A. confesse, como confessou que ainda assim celebraria tal contrato embora noutras condições? Ficamos porém sem saber.

30. Apesar do no seu sumário, a douta decisão ora em crise determinar que:“ 2-Para que uma declaração inexata ou reticente possa tornar anulável o contrato de seguro é indispensável que a inexatidão influa na existência e condições do contrato, de sorte que o segurador ou não contrataria ou teria contratado em diversas condições.”, o certo é que da sua fundamentação não consta qualquer referência quanto à alegação das Autora/Recorrentes quanto à relevância dos factos assentes no Ponto 29 dos factos provados;

31. Desconhecemos, pois e a douta decisão não o refere porque optou pelo entendimento transcrito e não optou pelo entendimento defendido pelas Autoras ali Apelantes, idêntico ao entendimento do acórdão-fundamento;

32. A douta decisão ora em crise é assim nula por falta de fundamentos que justifiquem a decisão, nulidade essa que, fica desde já arguida para todos os efeitos legais;

33. O douto Tribunal da Relação de Guimarães fez uma errada interpretação e uma errada aplicação do direito porquanto, tendo em conta o ponto 29º dos “factos provados” assentes na douta sentença proferida em primeira instância, sempre deveria ter julgado improcedente, por não provada, a exceção perentória da anulabilidade do contrato de seguro de vida celebrado, com a necessária procedência da ação;

34. Ao julgar procedente aquela exceção, o douto Tribunal da Relação de Guimarães violou: o artigo 342º nº 2 do Código Civil; o artigo 353º nº 1 do Código Civil e o artigo 25º, nº 1 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, DL 72/2008 de 16 de Abril;

35. Ao julgar procedente a exceção da anulabilidade do contrato de seguro de vida celebrado, a douta decisão ora em crise violou o princípio do ónus da prova, Aquele princípio consta do artigo 342º nº 2 do Código Civil e diz o seguinte: “A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.”, ora, não tendo a Ré/Recorrida Mapfre Seguros de Vida S.A. feito prova de uma daqueles factos extintivos do direito invocado, a saber, a essencialidade do erro, pois admitiu que mesmo perante aquele “erro” sempre celebraria o contrato de seguro de vida, nunca a exceção deveria ter sido julgada procedente;

36. Mais, a decisão do Tribunal da Relação de Guimarães violou ainda o artigo 353º nº 1 do Código Civil pois considerou haver dolo sem que se verificassem os elementos constitutivos do mesmo, constantes daquela norma;

37. E violou ainda o artigo 25º, nº 1 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, DL 72/2008 de 16 de Abril, pois apesar da falta de prova quanto à essencialidade do erro, julgou verificadas as condições de aplicação destas normas.

38. A decisão ora em crise vai igualmente contra o que vem sendo o entendimento vertido na jurisprudência dos Tribunais superiores: Veja-se o sumário do acórdão proferido pelo STJ a 29.06.2017 em www.dgsi.pt: “VIII - Tendo resultado provado que, quando subscreveu a declaração de saúde constante do boletim de adesão, o segurado sabia que “sofria de hipertensão desde 20-08-2008, de insuficiência cardíaco congestiva desde 24-12-2008, e de obesidade desde 24-12-2008” e que omitiu intencionalmente que sofria de hipertensão, embora controlada, e de insuficiência cardíaca, não se pode deixar de concluir no sentido de que o segurado omitiu dolosamente informações sobre a sua saúde que foram relevantes para a apreciação do risco pela seguradora. IX - Uma omissão dolosa determinante da celebração do contrato confere à seguradora o direito de opor a anulabilidade do contrato, nos termos do art. 25.º, n.º 1 do RJCS. Trata-se, no fundo, de uma particularização do regime da anulabilidade do erro causada por dolo, previsto em geral no art. 254.º do CC, cabendo à seguradora o ónus de provar o erro, a sua relevância e a existência do dolo (art. 342.º, n.º 2, do CC). X - Resultando apenas provado que: “Se a ré tivesse tido conhecimento das doenças do falecido, e dependendo da evolução ao tempo, não teria aceitado celebrar o contrato de seguro ou, pelo menos, e após o pedido de exames médicos com avaliação clínica, teria aplicado um sobre prémio para o risco morte ou recusado cobrir determinados riscos” – e não que, não fora o erro provocado pelo dolo, o contrato não teria sido celebrado –, tal é insuficiente para a procedência da excepção de anulabilidade do seguro, por falta de prova da essencialidade do erro.”.

39. Veja-se o sumário do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa a 25.01.2024 no âmbito do processo nº 4140/21.4T8ALM.L1-8 em www.dgsi.pt: “1. A aplicação do regime previsto no art.º 25º do RJCS depende do preenchimento de todos os requisitos legais a saber: 1) a causalidade entre o dolo e o erro; e 2) a essencialidade do erro para a celebração do contrato;2. Não tendo a seguradora demonstrado que não celebraria o contrato de seguro caso a omissão não tivesse sido produzida, mas apenas que teria agravado o prémio, não demonstrou os factos que espelhem a necessária essencialidade do erro, com vista à declaração da anulabilidade do contrato de seguro.” Decisão confirmada pelo STJ a 14.05.2024 também em www.dgsi.pt;

40. Assim sendo, de volta ao caso destes autos, não tendo a Ré/Recorrida Mapfre Seguros de Vida S.A. demonstrado que não celebraria o contrato de seguro caso a omissão não tivesse sido produzida, não demonstrou os factos que provem a essencialidade do erro que permitiria a anulabilidade do contrato de seguro de vida celebrado.

41. Assim e pelo exposto deve concluir-se não estrem provados os requisitos da essencialidade do erro, previstos no artigo 25º Regime Jurídico do Contrato de Seguro, DL 72/2008 de 16 de Abril, o que basta para julgar improcedente a exceção perentória da anulabilidade do contrato de seguro; Pelo exposto dever considerar-se válido e eficaz o contrato de seguro de vida celebrado com a Ré/Recorrida Mapfre Seguros de Vida S.A. à data da morte de DD (a ........2020) e em consequência deve a ação ser julgada procedente por provada condenando-se aquela, Seguradora na totalidade do pedido;

42. Caso se entenda que a questão da essencialidade do erro apenas foi colocada perante o Tribunal da Relação de Guimarães, não tendo sido apreciada pelo Tribunal de Primeira Instância deve ser admitido o recurso de Revista nos termos gerais conforme o disposto no artigo 672º nº5 do Código de Processo Civil.

Não foi apresentada qualquer resposta.

Obtidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.


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II – Fundamentação de Facto

II – A – Fatos Provados:

1. DD faleceu no dia ... de ... de 2020, no estado de casado com AA, no regime de comunhão de adquiridos.

2. As autoras BB e CC são filhas de DD.

3. As autoras AA, BB e CC são as únicas herdeiras de DD.

4. A autora MBO – Prestação de Serviços Têxteis, Ld.ª é uma sociedade comercial legalmente constituída, com intuitos lucrativos, que se dedica à atividade de prestação de serviços à indústria têxtil, de vestuário e de calçado, nomeadamente controlo de qualidade e consultoria. Exploração de gabinete de cosmética e beleza. Comércio por grosso e a retalho de produtos têxteis e calçado, designadamente, importação, exportação, comercialização, distribuição e promoção de vestuário e calçado, cuja gerência é exercida pela autora BB.

5. DD foi sócio gerente da sociedade MBO – Prestação de Serviços Têxteis, Ld.ª.

6. A ré Mapfre Seguros de Vida, SA é uma companhia de seguros, cujo objeto é a atividade seguradora do ramo vida, que opera em Portugal, estando autorizada pelo Instituto de Seguros de Portugal.

7. O Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (Portugal), SA é uma instituição bancária que tem por objeto a realização das operações bancárias e financeiras autorizadas por lei aos bancos comerciais.

8. O Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (Portugal) SA foi fundido no Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, SA que atua em Portugal através da sua sucursal, denominada Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, SA – Sucursal em Portugal.

9. No dia 17 de dezembro de 2010, DD e a autora AA, através de título de compra e venda e mútuo com hipoteca, na qualidade de compradores, tornaram-se proprietários da fração autónoma designada pela letra “AB” correspondente à habitação no sexto andar norte, tipo “T Quatro”, com uma garagem individual na subcave, designada pelo número vinte e um, descrita na 2ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 1468/20100813-AB, freguesia Real, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ..36 AB da união das freguesias de ....

10. E, através do mesmo título, para a aquisição da fração AB, DD e a autora AA celebraram, com o réu Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (Portugal), SA um contrato de empréstimo bancário no montante de € 175.000,00, concedido pelo prazo de 24 anos, com início na data da compra e venda e termo a 31.12.2034.

11. Para garantia do cumprimento do referido contrato de empréstimo, foi constituída uma hipoteca voluntária a favor do réu Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (Portugal), SA sobre a fração AB, no montante máximo assegurado de € 211.358,00 pela ap. ..44 de 2010/12/17.

12. A autora AA e o DD cumpriram pontualmente o contrato de empréstimo bancário celebrado, sendo que na data de 26 de dezembro de 2020, havia sido paga a quantia de € 60.744,83, a título de capital, juros, impostos e comissões, encontrando-se em dívida, a título de capital, a quantia de € 126.315,86.

13. A autora AA e DD celebraram no dia 09 de novembro de 2010 contratos de seguro de vida crédito habitação com o BBVA Seguros com vista a garantir o pagamento do capital mutuado pelo Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (Portugal) SA, titulados pelas apólices n.ºs ............84 e ............85.

14. No dia 05 de março de 2015, DD e a autora AA solicitaram ao Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (Portugal) SA a substituição das apólices n.ºs ............84 e ............85 pelas apólices n.º 07/....45 referente a contrato de seguro de vida celebrado com a Real Vida Seguros, SA, e n.ºs VI...77/14 e VI...78/14 referentes a contratos de seguro de vida celebrados com a ré Mapfre Seguros de Vida, SA, com vista a garantir o pagamento do capital mutuado, em caso de morte e de invalidez permanente.

15. O contrato de seguro celebrado com a Real Vida Seguros, SA, titulado pela apólice n.º 07/....45, teve início no dia 10 de dezembro de 2014, assegurando o capital de € 59.000,00 em caso de morte e invalidez permanente, sendo o Banco Bilbao e Vizcaya Argentaria (Portugal), SA o beneficiário com carater irrevogável, sendo os segurados DD e a autora AA.

16. O contrato de seguro celebrado com a ré Mapfre Seguros de Vida SA, titulado pela apólice n.º VI...78/14, teve inicio no dia 31 de julho de 2001, com renovação a 31.07.2015, garantia o capital de € 90.000,00 em caso de morte e invalidez absoluta permanente, a sociedade autora era o tomador do seguro, o DD a pessoa segura e o Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (Portugal) SA o beneficiário irrevogável.

17. O contrato de seguro celebrado com a ré Mapfre Seguros de Vida SA, titulado pela apólice n.º VI...77/14, teve início no dia 31 de julho de 2001, com renovação a 31.07.2015, garantia o capital de € 90.000,00 em caso de morte e invalidez absoluta permanente, a sociedade autora era o tomador do seguro, a autora AA a pessoa segura e o Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (Portugal) SA o beneficiário irrevogável.

18. O pagamento dos prémios das apólices identificadas em 16 e 17 era feito semestralmente, através de débito automático em conta e o mesmo estava ligado ao contrato de crédito habitação identificado em 10.

19. No dia 27 de julho de 2016, DD e a autora AA celebraram com a ré Mapfre Seguros de Vida, SA um contrato de seguro de vida, titulado pela apólice n.º ... ........94, sendo a sociedade autora o tomador do seguro, aqueles subscritores as pessoas seguras, o capital seguro de € 90.000,00 referente ao contrato de mútuo identificado em 10, em caso de morte ou invalidez definitiva para a profissão, os beneficiários em caso de morte o Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (Portugal) SA – beneficiário irrevogável- até ao montante em dívida, e os herdeiros legais da pessoa segura em partes iguais, 100% do capital remanescente, e os beneficiários em caso de invalidez o Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (Portugal) SA – beneficiário irrevogável - até ao montante em dívida e a própria pessoa segura 100%, com inicio em 29.07.2016.

20. O artigo 2º, n.º 2 das condições gerais da apólice n.º ... ........94 sob a epigrafe “Objeto e Âmbito do Contrato” prescreve que “Se o seguro for sobre duas ou mais pessoas o capital garantido pode ser único para o conjunto das pessoas seguras ou por pessoa segura, consoante estipulado nas Condições Particulares”.

21. O artigo 6º das condições gerais da apólice n.º ... ........94 sob a epigrafe “Dever de Declaração Inicial do Risco” dispõe: “1. O tomador do seguro e a pessoa segura estão obrigados, antes da celebração do contrato, a declarar com exatidão todas as circunstâncias que conheçam e razoavelmente devam ter por significativas para apreciação do risco pela Mapfre. 2. O disposto no número anterior é igualmente aplicável a circunstâncias cuja menção não seja solicitada em questionário eventualmente fornecido pela Mapfre para o efeito. (…).

22. E o art. 7º das condições gerais dessa apólice sob a epigrafe “Incumprimento doloso do dever de declaração inicial do risco” prescreve que “1. Em caso de incumprimento doloso do dever de declaração inicial do risco, o contrato é anulável mediante declaração enviada pela Mapfre ao tomador do seguro. (…) 5. Em caso de dolo do tomador do tomador do seguro ou da pessoa segura com o propósito de obter vantagem, o prémio é devido até ao termo do contrato”.

23. A apólice n.º ... ........94 substituiu a apólice n.º VI...78, anulada no dia 31 de julho de 2016.

24. Na proposta de seguro atinente à apólice n.º ...........94, imediatamente antes da subscrição pelo DD, na qualidade de representante da sociedade autora e como 1º pessoa segura, e pela autora AA, como 2ª pessoa segura, constam os seguintes dizeres no campo “15. Declarações”: “A presente proposta foi preenchida pelo e/ou na presença do tomador do seguro/pessoa segura, declarando o tomador do seguro/pessoa segura ter lido o seu conteúdo antes de a assinar, que este corresponde às respostas declaradas, sabendo que a não declaração de todas as circunstâncias que conhece que razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pela Mapfre Seguros Vida, SA pode acarretar a perda parcial ou total dos direitos resultantes do seguro(…) O tomador declara que tomou conhecimento de todas as informações a que se referem os artigos 18º a 21º e 185º do Decreto Lei n.º 72/2008, de 16 de abril, que constam das informações pré-contratuais que lhe foram entregues e confirma que lhe foram prestados todos os esclarecimentos de que necessita para compreensão do contrato, nomeadamente sobre as garantias e exclusões sobre cujo âmbito e conteúdo se considera esclarecido. Declara, também, que dá o seu acordo a que as Condições Gerais e cláusulas anexas aplicáveis ao contrato lhe sejam entregues no sitio da internet indicado nas condições particulares e que foi informado que, em caso de impossibilidade de acesso, pode solicitar à Mapfre a entrega das referidas condições noutro suporte. Não tendo preenchido o campo 14, declara que tomou conhecimento e aceita as condições de adesão à entrega da documentação da apólice por via eletrónica (…) O proponente/tomador do seguro declara ter tomado conhecimento do teor das declarações e autorizações constantes desta proposta, subscrevendo-as mediante a sua assinatura, inclusive para efeitos de débito em conta…”.

25. No dia 27 de julho de 2016, aquando da subscrição da proposta de seguro relativa à apólice n.º ...........94, DD preencheu um questionário de saúde, a pedido da ré Mapfe Seguros de Saúde, SA, tendo respondido negativamente a todas as questões aí formuladas quanto ao seu estado de saúde.

26. A ré Mapfre Seguros de Vida, SA não exigiu a realização de exames médicos à autora AA e DD.

27. O DD padecia de hipertensão, dislipidemia e obesidade, diagnosticadas desde 2014, tomando medicação diária: olsar plus (40 + 25), Fenofibrato 276, Metformina (por obesidade) 1000 (1+0+1) e tinha conhecimento de que sofria desses problemas de saúde.

28. Ao preencher o questionário de saúde aludido em 25, DD, sabendo que não poderia omitir à ré Mapfre Seguros de Vida SA qualquer situação relacionada com o seu estado de saúde, omitiu deliberadamente que padecia de hipertensão, dislipidemia e obesidade.

29. A ré Mapfre Seguros de Saúde, SA se tivesse tomado conhecimento do estado de saúde do DD à data da celebração do contrato de seguro titulado pela apólice n.º ... ........94 não o teria celebrado ou pelo menos tê-lo ia sujeito a um agravamento do respetivo prémio.

30. No dia 07.12.2020, DD sofreu uma queda das escadas da qual resultou traumatismo do joelho direito.

31. No dia 17.12.2020, DD foi submetido a cirurgia (reinserção proximal do tendão rotuliano por tunelização da rótula).

32. E, no dia 23.12.2020, sofreu tromboembolismo pulmonar do qual resultou paragem cardiorrespiratória.

33. No dia 26 de dezembro de 2020, o DD faleceu no hospital de ....

34. No dia 14.01.2021, por telefone, e no dia 19.01.2021, através de email enviado para o endereço ..., a autora AA comunicou à ré Mapfre Seguros de Vida, SA, o falecimento do marido.

35. E fê-lo através do envio de formulário e respetivos documentos previamente solicitados pela funcionária da Ré Mapfre Seguros de Vida, SA, EE e com o objetivo de acionar, junto daquela a cobertura contratada em caso de morte da pessoa segura.

36. A ré Mapfre Seguros de Saúde, SA respondeu à autora AA através de carta datada de 21.01.2021, solicitando o envio de mais documentação.

37. No dia 29.01.2021, a ré Mapfre Seguros de Saúde, SA, através de débito direto em conta, obteve o pagamento do prémio semestral do seguro de vida, titulado pela apólice n.º ... ........94, no montante de € 1.174,36.

38. No dia 21.06.2021, a autora AA recebeu a resposta da ré Mapfre Seguros de Vida, SA, a qual informou que declinava o sinistro participado, não havendo lugar ao pagamento de qualquer indemnização, considerando o contrato de seguro em causa anulável por omissão do dever inicial do risco: “após a análise de toda a documentação clínica que nos foi facultada, foi possível concluir que a Pessoa Segura possuía patologia prévia à data da contratação da apólice e disso tinha conhecimento, tendo sido omitida essa informação na contratação da apólice.”.

39. O réu Bilbao Vizcaya Argentaria, SA – Sucursal em Portugal foi notificado pela ré Mapfre Seguros de Saúde, SA, através de carta datada de 21 de junho de 2021, da declinação da responsabilidade no sinistro participado, com a conclusão de que “a pessoa segura possuía patologia prévia à data da apólice e que foi omitida no momento da contratação do seguro” (…) “considerando-se o contrato de seguro anulável por omissão do dever inicial do risco”.

40. A recusa da ré Mapfre Seguros de Vida, SA em assumir as obrigações decorrentes do contrato de seguro de vida titulado pela apólice n.º ... ........94 causaram e causam ansiedade, angústia, inquietação e nervosismo às autoras AA, BB e CC.

41. Perante o “cancelamento” do seguro contratado com a ré Mapfre Seguros de Vida, SA, titulado pela apólice n.º ... ........94, a autora AA celebrou um contrato de seguro de vida com a Real Vida Seguros, SA, no dia 12 de agosto de 2021, titulado pela apólice n.º 7/....00, tendo pago a quantia de € 71,07, correspondente ao prémio mensal, custo da apólice e imposto de selo.

42. O capital seguro em caso de morte, com o contrato de seguro identificado em 41, ascendia na data da sua celebração ao montante de € 81.000,00.

43. E o prémio mensal a pagar ascende à quantia mensal de € 64,34.

44. O réu Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, SA – Sucursal Portugal analisou e aprovou a apólice n.º 7/....00 para substituição da apólice n.º ... ........94.

45. A autora AA cumpre pontualmente as obrigações decorrentes do contrato de mútuo identificado em 10, o qual apresentava no dia 21 de junho de 2022 um capital vincendo de € 77.662,34.

46. E pagou, no âmbito desse contrato de mútuo, ao BBVA, SA desde o óbito de DD até junho de 2021 a quantia de € 5.819,26.


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II – B – Factos Não Provados

Não se provou que

47. O contrato de seguro titulado pela apólice n.º VI...78/14 foi renovado no dia 27.07.2016, mantendo as mesmas condições, tendo-lhe sido atribuído um novo número de apólice: ... ... .... .94.

48. Nem a autora AA, nem o marido, DD, quer na qualidade de pessoa segura, quer na qualidade de gerente da tomadora do seguro, tiveram acesso à versão integral do contrato de seguro titulado pela apólice n.º ... ........94, nem às respetivas condições gerais.

49. A ré Mapfre Seguros de Vida, SA não forneceu à autora e ao DD cópia do documento de adesão ao contrato de seguro titulado pela apólice n.º ... ........94.

50. E não lhes prestou as informações pré-contratuais ou os esclarecimentos necessários à compreensão do contrato, nomeadamente sobre o teor das cláusulas contratuais, gerais, especiais e particulares, incluindo daquelas que se reportam às suas garantias e exclusões.

51. O DD desconhecia à data do seu óbito o teor da cláusula 6º das condições gerais do contrato de seguro titulado pela apólice n.º ... ........94.


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III – Fundamentação de Direito

Decorre da matéria de facto assente que, em 27/07/2016, foi celebrado um contrato de seguro – titulado pela apólice n.º ... ........94 e ligado ao contrato de mútuo identificado no ponto 10 dos factos – em que é seguradora a 1.ª R. “Mapfre Seguros de Vida SA”, em que é tomadora do seguro a sociedade A., em que os segurados são o DD e a A. AA e em que é beneficiário irrevogável (ou seja, a pessoa a favor de quem reverte a prestação da seguradora decorrente do contrato de seguro), em caso de morte ou de invalidez definitiva para a profissão dos segurados, o 2.º R. Banco Bilbao Vizcaya Argentária (Portugal).

Sucedendo – é o ponto de partida do litígio – que, no dia 26/12/2020, o segurado DD faleceu, sinistro que foi, em 14/01/2021, participado (tendo em vista acionar o referido seguro) pela A. AA, vindo a 1.ª R. “Mapfre”, em 21/06/2021, a recusar a cobertura do sinistro participado, invocando a anulabilidade do contrato de seguro celebrado por, “após a análise de toda a documentação clínica que foi facultada, [ter sido] possível concluir que a pessoa segura possuía patologia prévia à data da contratação da apólice e disso tinha conhecimento, tendo sido omitida essa informação na contratação da apólice.”.

Daí a presente ação, em que as AA. vêm sustentar a validade do referido contrato de seguro, para, a partir daí, deduzir as pretensões resultantes de tal validade (e da circunstância de a R. seguradora não ter entregue o capital estabelecido no contrato de seguro ao 2.º R.-BBVA).

O que significa que a validade/anulabilidade do contrato de seguro celebrado é o tema fulcral dos presentes autos, sucedendo que, neste momento, face à confirmação, com idêntica fundamentação, da decisão proferida em 1.ª Instância pelo acórdão da Relação, várias das questões suscitadas, no âmbito da validade/anulabilidade do contrato de seguro, já se encontram consolidadas nos autos, só “sobrando” para a revista – é onde se pretende chegar, para delimitar o objeto da presente revista, que, justamente por causa da “dupla conforme”, só a título excecional (art. 672.º do CPC) pôde ser admitida – a questão de saber se, em face do que se provou, se pode ou não considerar demonstrado o requisito da essencialidade do erro.

A propósito de tal requisito as instâncias entenderam, identicamente, que o que se se provou – ou seja, que “a ré Mapfre Seguros de Saúde, SA se tivesse tomado conhecimento do estado de saúde do DD à data da celebração do contrato de seguro (…) não o teria celebrado ou pelo menos tê-lo ia sujeito a um agravamento do respetivo prémio” – é suficiente para considerar demonstrado o requisito da essencialidade do erro e, em função disso, sendo indiscutível que a prova de tal requisito cabe à R. seguradora (enquanto elemento constitutivo do facto impeditivo da validade do contrato de seguro, ex vi art. 342.º/2 do C. Civil), consideraram cumprido o ónus probatório imposto à R. seguradora e concederam que lhe assistia razão para, como fez, anular o contrato de seguro referido e não proceder ao pagamento decorrente do seu “acionamento”.

Entendimento esse de que as AA. divergem, invocando, desde logo para a revista poder ser admitida, que no acórdão deste STJ de 08/11/2018, proferido no Processo 399/14.1TVLSB.L1.S1 (indicado como acórdão-fundamento da revista excecional), foi seguido entendimento oposto, ou seja, que um facto como o transcrito não preenche o requisito da essencialidade do erro.

Debrucemo-nos pois sobre tal questão.

O contrato de seguro é o contrato em que uma das partes, o segurador, mediante o pagamento de uma determinada soma (prémio), assume “riscos” e se obriga, no caso de verificação dum risco que foi assumido, a indemnizar o segurado pelos prejuízos sofridos ou, tratando-se de evento relativo à vida humana, a entregar um capital ou renda, ao segurado ou terceiro, dentro dos limites convencionalmente estabelecidos.

É pois o “risco” um dos elementos essenciais do contrato de seguro (e de que depende a sua validade – art. 44.º da LCS), “risco” que significa a possibilidade da ocorrência dum evento futuro e incerto e que se articula com a noção de sinistro, que significa, por sua vez, a verificação do evento que desencadeia o acionamento da cobertura do risco (art. 99.º da LCS).

Dito de outro modo, é para a cobertura de um determinado risco – evento futuro e incerto – que as partes (segurador e tomador do seguro) contratam, sendo em função de tal risco que o prémio terá de ser calculado, de modo a permitir que o segurador, caso o sinistro se verifique, tenha a possibilidade de suportar a cobertura acordada.

Daí a importância da “declaração do risco” – conjunto de informações prestadas pelo tomador de seguro (ou pelo segurado) ao segurador na proposta de seguro – que visa permitir ao segurador fazer um cálculo exato do risco e do correspondente valor do prémio, tendo em vista aceitar ou recusar a proposta de seguro, declaração de risco que constitui um dos deveres fundamentais do tomador de seguro, mais exatamente, constitui um dever pré-contratual, na medida em que surge antes da celebração do contrato e com vista à celebração do mesmo.

Assim, logo nos primeiros artigos da LCS (aprovada pelo DL 72/2008, de 16-04), em capítulo anterior ao capítulo respeitante à celebração do contrato, define-se – após o regime de deveres de informação pré-contratuais (arts. 18.º a 23.º) a que o segurador se encontra obrigado – o regime dos deveres de informação pré-contratuais a cargo do tomador de seguro ou do segurado (arts. 24.º a 26.º).

Se as seguradoras têm, em relação aos tomadores de seguro e/ou segurados, um poder negocial mais forte e um maior nível de informação, o que impõe a especial proteção destes últimos e a imposição dos diversos deveres de informação pré-contratuais constantes dos arts. 18.º a 23.º da LCS, no que se refere ao risco que se pretende segurar, diversamente, é o tomador do seguro e/ou segurado quem está na posição mais favorável para transmitir as informações relevantes para a previsão e cálculo do risco que pretende que a seguradora cubra (por se referirem à sua saúde, às caraterísticas de um bem ou de um negócio seu, que conhece melhor que ninguém), o que implica o tratamento legal específico de tal situação, tendo em vista garantir que o tomador de seguro e/ou segurado se esforça em transmitir toda a informação relevante.

Dispõe-se no art. 24.º da LCS, sob a epígrafe “Declaração Inicial do Risco”:

1 - O tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exatidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador.

2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável a circunstâncias cuja menção não seja solicitada em questionário eventualmente fornecido pelo segurador para o efeito.

3 - O segurador que tenha aceitado o contrato, salvo havendo dolo do tomador do seguro ou do segurado com o propósito de obter uma vantagem, não pode prevalecer-se:

a) Da omissão de resposta a pergunta do questionário;

b) De resposta imprecisa a questão formulada em termos demasiado genéricos;

c) De incoerência ou contradição evidentes nas respostas ao questionário;

d) De facto que o seu representante, aquando da celebração do contrato, saiba ser inexacto ou, tendo sido omitido, conheça;

e) De circunstâncias conhecidas do segurador, em especial quando são públicas e notórias.

4 - O segurador, antes da celebração do contrato, deve esclarecer o eventual tomador do seguro ou o segurado acerca do dever referido no n.º 1, bem como do regime do seu incumprimento, sob pena de incorrer em responsabilidade civil, nos termos gerais.

E no art. 25.º, sob a epígrafe “Omissões ou Inexatidões Dolosas”, diz-se:

1 - Em caso de incumprimento doloso do dever referido no n.º 1 do artigo anterior, o contrato é anulável mediante declaração enviada pelo segurador ao tomador do seguro.

2 - Não tendo ocorrido sinistro, a declaração referida no número anterior deve ser enviada no prazo de três meses a contar do conhecimento daquele incumprimento.

3 - O segurador não está obrigado a cobrir o sinistro que ocorra antes de ter tido conhecimento do incumprimento doloso referido no n.º 1 ou no decurso do prazo previsto no número anterior, seguindo-se o regime geral da anulabilidade.

4 - O segurador tem direito ao prémio devido até ao final do prazo referido no n.º 2, salvo se tiver concorrido dolo ou negligência grosseira do segurador ou do seu representante.

5 - Em caso de dolo do tomador do seguro ou do segurado com o propósito de obter uma vantagem, o prémio é devido até ao termo do contrato.

Resulta pois da conjugação do n.º 1 com o n.º 2 do art. 24.º que a LCS consagrou um sistema próximo do “questionário aberto”, cabendo ao tomador do seguro ou ao segurado o dever de declarar espontaneamente, de forma exata e completa, os factos e circunstâncias que conheça e que razoavelmente deva ter por significativos para a apreciação do risco pelo segurador, mesmo que a “sua menção não seja solicitada em questionário eventualmente fornecido pelo segurador para o efeito”; sendo que, no cumprimento de tal dever pré-contratual de declaração inicial de risco (segundo a boa fé-art. 227.º/1 do CC), o tomador de seguro e/ou segurado não pode deixar de fazer um esforço de memória para mencionar todos os factos que possam influir na apreciação do risco, englobando-se no cumprimento de tal dever pré-contratual, seguramente, todos os factos e circunstâncias conhecidos que possam influir na análise do risco e na decisão de contratar e/ou de contratar naquelas condições, sendo pertinente saber se tal dever também englobará os factos e circunstâncias que, somente por falta de diligência ou por ignorância, o tomador de seguro e/ou segurado desconhece, ou seja, se tal dever também englobará os factos e circunstâncias cognoscíveis.

Questões estas – a propósito de saber se num preciso caso concreto ocorreu incumprimento do dever pré-contratual de declaração inicial do risco – cuja resposta já se encontra consolidada/ultrapassada nos autos: efetivamente, as instâncias já consideraram, identicamente, que o correu tal incumprimento (ou seja, que o DD, quando celebrou o contrato de seguro, faltou à verdade na informação relativamente ao seu estado de saúde, na medida em que omitiu que padecia de hipertensão arterial, dislipidemia e obesidade, diagnosticadas desde 2014); e, mais do que isso, as instâncias já consideraram, identicamente, que se tratou de um incumprimento em que tal segurado violou conscientemente o dever de declaração inicial do risco e, em função disto, ainda consideraram, identicamente, que está em causa a convocação e aplicação do art. 25.º da LCS (vindo as instâncias a conceder a anulabilidade do contrato de seguro por, como se começou por referir, considerarem provados todos os pressupostos da anulabilidade aí prevista, designadamente – é o que aqui se discute – a essencialidade do erro).

Foquemo-nos pois no art. 25.º da LCS1, o mesmo é dizer, na anulabilidade do contrato de seguro.

Começando por ir um pouco atrás, ao regime legal anterior – constante do art. 429.º do C. Comercial, segundo o qual “toda a declaração inexata, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo” – que instituía um regime distinto do regime comum sobre os vícios de vontade, estabelecendo a nulidade (“atenuada”, segundo a jurisprudência que se tornou dominante, para anulabilidade2) do contrato de seguro, desde que a declaração inexata ou reticente tivesse podido influenciar na existência ou condições do contrato (e não exigindo qualquer nexo de causalidade entre o facto omitido ou inexatamente declarado e o facto ou circunstância que determinou o sinistro).

Tínhamos pois que, segundo o art. 429.º do C. Com., num regime bastante favorável ao segurador, para a anulabilidade (segundo a “atenuação” referida) do contrato de seguro, bastava – tratando o art. 429.º do C. Com. do mesmo modo quer a inexatidão/omissão fosse causada por dolo quer fosse causada por negligência – que a inexatidão/omissão nas declarações e informações prestadas pelo tomador do seguro gerasse influência nas condições contratuais, ou seja, bastava que, em razão da inexatidão/omissão, fosse ela dolosa ou negligente, não tivesse havido um cálculo exato do risco e do prémio de seguro pelo segurador.

Regime legal este que foi alterado com os citados art. 25.º e 26.º da atual LCS, passando a prever-se sanções/consequências distintas para o incumprimento do dever pré-contratual da declaração inicial do risco previsto no art. 24.º da LCS consoante a modalidade de culpa em causa – ou seja, consoante a violação seja dolosa ou negligente.

Assim, no art. 25.º/1 da LCS, passou a dispor-se que o contrato de seguro é anulável, em caso de incumprimento doloso do dever pré-contratual de declaração inicial do risco referido no art. 24.º/1, ou seja, no caso do tomador do seguro ou segurado ter conscientemente violado os deveres pré-contratuais de declaração inicial de risco, a consequência/sanção é a invalidade, na forma de anulabilidade, do contrato de seguro; mas, no caso de incumprimento não intencional (negligente) do dever pré-contratual de declaração inicial do risco referido no art. 24.º/1, a solução, de acordo com o art. 26.º da LCS, deixou de ser a invalidade, mantendo-se a validade do contrato com a consagração do direito potestativo do segurador à alteração ou à cessação do contrato.

Mas, é um aspeto que importa acentuar, o termo “doloso”, constante do art 25.º/1 da LCS, além de exprimir a modalidade de culpa com que tem de ser incumprido o dever pré-contratual de declaração inicial do risco – além de remeter para o elemento subjetivo da conduta do tomador de seguro e/ou segurado – também significa e tem o sentido de dolo-vício da vontade, enquanto vício negocial, ou seja, “qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante” (cfr. art. 253.º do C. Civil).

Celebrado um contrato de seguro com violação dolosa pelo tomador do seguro e/ou pelo segurado do dever pré-contratual de declaração inicial do risco – e sendo a partir de omissões ou inexatidões dolosas quanto ao risco a segurar que a seguradora forma a sua vontade negocial e produz a sua declaração negocial de aceitação/celebração do contrato de seguro – passamos a ter que tal declaração negocial pode ser determinada pelo erro causado pelo dolo (do tomador do seguro e/ou segurado) na violação do dever pré-contratual de declaração inicial do risco.

O que remete – a relevância do erro da seguradora causado pelo dolo do tomador do seguro e/ou segurado – para a necessidade de verificação dos requisitos dos arts. 253.º e 254.º do C. Civil, nomeadamente da dupla causalidade neles requerida: o dolo tem de ser causa do erro e este tem de ser essencial para o declarante.

E é neste ponto que entra e releva o requisito da “essencialidade”, que tem, no dolo-vício, o mesmo sentido que tem no erro-vício, na medida em que ambos pressupõem um erro da parte do declarante (no caso, a seguradora), estando a diferença entre um e outro na circunstância do engano do declarante, no dolo-vício, ser determinado intencionalmente por outrem (no caso, o declaratário – o tomador do seguro e/ou o segurado), razão por que o dolo-vício é por vezes designado como sendo um erro qualificado.

A propósito da essencialidade do erro, ensinava o Prof. Manuel de Andrade (Teoria Geral, Vol. II, pág. 237/8) que, para o erro ser relevante, tem o mesmo que ser essencial, causal ou determinante: “a essencialidade, neste sentido, consiste em ter tido o erro um papel decisivo na determinação da vontade do declarante, por maneira que, se ele conhecesse o verdadeiro estado das coisas, não teria querido de modo nenhum concluir o negócio”; “o erro essencial é aquele que – isoladamente ou em colaboração com alguma circunstância (não se torna indispensável que ele tenha sido a causa única) – levou o errante a concluir o negócio, em si mesmo e não apenas nos termos em que foi contratado”.

Acrescentando que, “para maior clareza terminológica poderia talvez falar-se aqui em erro absolutamente essencial”, por contraponto ao erro incidental – que considerava preferível ser designado como erro relativamente essencial – que “é o que influi somente nos termos do negócio, por maneira que o errante sempre estaria disposto a concluí-lo noutras condições – naturalmente mais favoráveis3.

Não deixando de observar, a propósito deste erro incidental, que lhe parece injusto “deixar sem qualquer proteção o errante no caso de erro incidental”; adiantando que “se encontram nos autores certas indicações no sentido de remediar a situação[, que se] reconduzem sobretudo à ideia de fazer valer o negócio nos termos em que ele teria sido concluído se não fosse o erro” e que lhe parece “que terá de cair-se também aqui na nulidade do negócio, quando se não possa ajuizar desses termos com segurança ou pelo menos com probabilidade bastante, e ainda se a contraparte os teria acolhido – salvo, porventura, que ela se mostre disposta a aceitá-los”.

Identicamente, o Prof. Mota Pinto (Teoria Geral, pág. 509) também admitia que o erro incidental poderá não ser irrelevante: “o negócio deverá fazer-se valer nos termos em que teria sido concluído sem o erro” (neste sentido, pode invocar-se um argumento de analogia, a partir do art. 911.º redução do preço na compra de bens onerados)”; acrescentando que “deverá, porém, ter lugar a anulabilidade quando se não possa ajuizar desses termos com segurança, ou, pelo menos, com bastante probabilidade, e, ainda, quando se prove que a outra parte os não teria acolhido (art. 292.º sobre a redução dos negócios jurídicos)”.

Efetuamos tais transcrições sobre o que deve entender-se por “essencialidade” do erro para efeitos do erro-vício e dolo-vício porque é na relevância que pode ou não ser concedida, em certos e apertados termos, ao designado erro incidental ou relativamente essencial que se situa o cerne da oposição jurisprudencial que está na base da presente revista excecional.

E neste passo do raciocínio vale a pena continuar a confrontar o regime atual com o regime legal anterior e salientar que, neste, o art. 429.º do C. Comercial estabelecia um regime distinto do regime comum sobre os vícios de vontade, mandando conferir relevância ao erro incidental ou relativamente essencial: efetivamente, mandar conferir relevância às declarações inexatas ou reticentes que pudessem ter influência sobre as condições do contrato (em vez de conferir relevância apenas e só às declarações inexatas ou reticentes que pudessem ter sido determinantes para a celebração do contrato) era, claramente, conferir relevância, para efeitos de anulabilidade do contrato de seguro, ao erro incidental ou relativamente essencial.

Como acima se referiu, bastava, no regime legal anterior, que em razão das declarações inexatas ou reticentes não houvesse um cálculo exato do risco e do prémio do seguro pelo segurador, na medida em que tal erro passaria a ter “influência sobre as condições do contrato” e tal era pressuposto suficiente, à luz do art. 429.º do C. Comercial, para a constituição do direito anulatório do segurador.

E terá sido tal entendimento, vindo da lei anterior, sobre a “essencialidade” do erro para efeitos de anulabilidade do contrato de seguro que certamente levou a R. Mapfre a alegar, nos presentes autos, que se “tivesse tomado conhecimento do estado de saúde do DD à data da celebração do contrato de seguro (…) não o teria celebrado ou pelo menos tê-lo ia sujeito a um agravamento do respetivo prémio”, ou seja, a admitir que poderia ter na mesma celebrado o contrato de seguro, embora com um agravamento do respetivo prémio.

Mas, a atual lei (art. 25.º da LCS) deixou de ter um qualquer segmento literal a conferir explícita relevância, para efeitos de anulabilidade do contrato de seguro, a um erro com mera “influência sobre as condições do contrato4; e – é o ponto – também não se verificam (não estão alegados/provados) os apertados termos em que é admissível conceder relevância, para efeitos anulatórios, ao designado erro incidental ou relativamente essencial.

As patologias que o segurado DD omitiu na declaração inicial do risco, caso fossem conhecidas da Mapfre, dariam lugar, como se extrai do que está provado no ponto 29 dos factos, à sua não celebração ou a um agravamento do prémio do seguro, pelo que, aqui chegados:

- ou o contrato de seguro teria sido concluído com o prémio de seguro correspondente ao estado de saúde de tal segurado, mas esta hipótese equivale e representa a validade do contrato de seguro e o que está em causa – é o que a R. Mapfre pretende e que declarou extrajudicialmente, como lhe é permitido pelo art. 25.º/1/parte final da LCS – é a anulabilidade do contrato de seguro;

- ou, em virtude do forte agravamento do prémio (que passaria a cobrir o verdadeiro estado de saúde do segurado), o seguro não se teria chegado a concluir/celebrar, hipótese em que o erro terá sido essencial para o declarante/seguradora formar a sua vontade e celebrar o contrato de seguro.

Mas, para estarmos perante esta segunda hipótese, única com relevo e virtualidade para a essencialidade do erro e para anulabilidade do contrato de seguro, teria a seguradora de alegar/provar qual era o forte agravamento do prémio e que, perante tal prémio, a contraparte não o teria aceite e que, por isso, o contrato não teria sido concluído.

Como clarividentemente observava o Prof. Manuel de Andrade, parece injusto “deixar sem qualquer proteção o errante no caso de erro incidental”, pelo que a mera circunstância de se provar que o contrato seria celebrado, mas sujeito a um agravamento do prémio, não pode, só por si, afastar a essencialidade do erro para efeitos de anulabilidade do contrato seguro, ou seja, não é por a seguradora admitir que poderia cobrir o risco decorrente do verdadeiro estado de saúde do segurado que fica prejudicada a possibilidade de se poder dar como preenchida a essencialidade do erro.

Mas, evidentemente, para se poder dar como preenchida tal essencialidade do erro, também não bastará alegar/provar que o verdadeiro estado de saúde do segurado daria lugar a um agravamento do prémio de seguro.

Exigir que a seguradora prove que não teria em caso algum celebrado contrato de seguro corresponde à utilização de um critério, sobre a essencialidade do erro, demasiado limitador e desajustado ao contrato de seguro (acaba por exigir que a seguradora prove que o risco associado às informações omitidas pelo tomador do seguro não entra nas suas coberturas normais e, é sabido, as seguradores cobrem e aceitam os mais variados e diversos riscos); mas, no polo posto, dar-se relevância, para efeitos de anulabilidade do contrato seguro, a todo e qualquer erro com repercussão no agravamento do prémio, conduz a que toda e qualquer declaração (dolosa) inexata e reticente dê lugar à anulabilidade do contrato (que era o que o art. 429.º do C. Comercial dispunha e que o atual art. 25.º da LCS não dispõe).

E a factualidade acima referida – ter de estar provado o forte agravamento do prémio e que, perante tal prémio agravado, a contraparte não o teria aceite e, por isso, o contrato não teria sido concluído – é claramente do ónus da prova do segurador, na medida em que tal alegação/prova seria elemento integrativo da essencialidade do erro, que, por sua vez, é facto impeditivo da validade do contrato de seguro.

Importando ter presente que as formas de cálculo do risco e do prémio assentam nas declarações do tomador do seguro ou segurado (que, agora, para o novo cálculo, passariam a incluir a informação antes omitida sobre o estado de saúde do segurado) e na informação e conhecimentos técnicos do segurador, pelo que não se poderá dizer que o segurador não conseguirá calcular com segurança o agravamento do risco.

O que se dispõe no art. 26.º da LCS, como solução para as omissões ou inexatidões negligentes, é revelador do que acabamos de ponderar.

Prevê-se aí, no caso de ter havido omissões ou informações inexatas prestadas negligentemente (não intencionalmente) que conduziram a uma previsão errada ou inexata do risco pelo segurador, que ficou prejudicado nas condições contratuais que aceitou, a possibilidade de uma solução de equilíbrio entre os interesses das partes e permite-se o exercício do direito de resolução do contrato pelo segurador no caso de o risco real, na parte em que diverge do risco previsto, não integrar as suas coberturas normais, ou seja, encontrar-se excluído dos riscos normais dos contratos que celebra; mas também se prevê a alteração do contrato, a partir e com base nas “novas” informações, e se antes da cessação ou modificação do contrato ocorrer um sinistro causado pelo facto relativamente ao qual tenha havido omissões ou inexatidões negligentes, permite-se uma redução na cobertura do sinistro proporcional à diferença entre o prémio pago e o que seria devido, caso tal facto tivesse sido previsto desde o início, aquando da celebração do contrato, ou seja, é onde se pretende chegar, é a própria lei que diz e reconhece – para uma situação objetivamente semelhante – que o segurador pode calcular e recalcular, a partir das alterações das informações sobre o risco, o agravamento do risco e do prémio.

Em síntese conclusiva, para anular o contrato de seguro, nos termos e ao abrigo do art. 25.º/1 da LCS, tinha a R./Mapfre de demonstrar a essencialidade do erro, ou seja, que o dolo a conduziu ao erro e que, se conhecesse o erro, não teria celebrado o contrato de seguro (não teria formado a vontade negocial que conduziu à declaração negocial de celebração do contrato de seguro), o mesmo é dizer, tinha de demonstrar que o erro foi decisivo para a conclusão do negócio em si mesmo, designadamente, que só o celebraria com um forte agravamento do prémio, o que a contraparte não aceitaria5.

O que significa que não preenche a essencialidade do erro provar-se, como consta do ponto 29 dos factos provados, que “não teria celebrado o contrato de seguro ou pelo menos tê-lo ia sujeito a um agravamento do respetivo prémio”: admitindo a R/Mapfre que poderia ter celebrado o contrato de seguro com agravamento do prémio (e não também que tal agravamento não seria aceite pela contraparte), tal mostra que não está demonstrado (o que competia à R./Mapfre) que não teria celebrado o contrato de seguro e, por conseguinte, não se pode afirmar a essencialidade do erro.

Sendo assim, sendo o contrato de seguro válido (não padecendo da invalidade que lhe foi oposta pela R./Mapfre), tinha a seguradora, verificado o evento (morte do segurado DD) que desencadeou o acionamento da cobertura do risco, que entregar ao 2.º R. (BBVA) o capital que se encontrava ainda em dívida no mútuo identificado no ponto 10 dos factos provados, pelo que, não o tendo feito, entrou em incumprimento contratual, tendo agora que efetuar o cumprimento contratual em falta e, além disso, de reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido tal incumprimento (cfr. arts. 798.º e 562.º do C. Civil).

É disto – das prestações decorrentes do incumprimento contratual do contrato de seguro válido – que tratam as pretensões formuladas nas alíneas B) e ss. do pedido das AA..

Verifica-se, porém, que as instâncias, tendo julgado procedente a exceção da invalidade do contrato de seguro, não chegaram a apreciar, por tal ter ficado prejudicado, as pretensões formuladas nas alíneas B) e ss., ressurgindo agora, como é evidente, face à validade do contrato de seguro, a imprescindível necessidade de apreciar tais pretensões.

Sucede que, segundo a parte final do art. 679º do CPC, não é aplicável no recurso de revista a regra da substituição ao tribunal recorrido prevista, para o recurso de apelação, no art. 665º do CPC, não podendo, deste modo, o STJ apreciar (o que aconteceria pela primeira vez nos autos) as pretensões que as instâncias deixaram de apreciar, por as mesmas, nas instâncias, terem ficado prejudicadas pela solução dada à questão da validade/invalidade do contrato de seguro.

O novo CPC, no art. 679.º do CPC, tomou posição sobre a controvérsia que até ali se colocava a propósito do anterior 726.º/1, passando a prever e regular, para este efeito, em termos idênticos e indistintos, as situações em que existe efetiva nulidade por omissão de pronúncia (decorrente de o tribunal a quo ter indevidamente omitido a apreciação de certa questão relevante) - nº 1 do art. 665º do CPC - e mera (e legítima) não pronúncia sobre questões, suscitadas no processo, que ficaram prejudicadas pela solução dada ao litígio - nº 2 do art. 665º do CPC em vigor.

Como refere Abrantes Geraldes (Recursos no Novo CPC, 2020, págs. 498/499), uma vez que o atual art. 679º exclui a aplicação remissiva de todo o preceituado no art. 665º, incluindo o seu nº 2, que trata das situações que no CPC anterior constavam do nº 2 do art. 715º, tal significa que foi retirada a possibilidade de o STJ se substituir de imediato à Relação, ou seja, quando o acórdão da Relação não estiver afetado por uma nulidade, como é o caso6, mas dele emergir apenas que não apreciou determinada questão, por considerá-la prejudicada pela solução encontrada, uma vez revogado o acórdão, em lugar da imediata substituição que antes do novo CPC era viável, impõe-se a remessa dos autos à Relação, o que no caso acontecerá para que nesta sejam apreciadas as pretensões formuladas nas alíneas B) e ss. do pedido das AA.. (sem prejuízo, claro, do respeito pelo disposto no art. 635.º/5 do CPC).


*

IV – Decisão

Nos termos expostos, concede-se provimento à revista, revoga-se o acórdão recorrido – declarando-se a validade do contrato de seguro de vida celebrado com a 1ª R/Mapre a 27/07/2016, titulado pela apólice n.ºs .......... .94 – e determina-se a remessa dos autos à Relação para apreciação das pretensões formuladas nas alíneas B) e ss. do pedido das AA. (respeitando-se, no que vier a ser decidido, o disposto no art. 635.º/5 do CPC).

Custas, desta revista, pelas RR..

Lisboa, 10/12/2024

António Barateiro Martins (relator)

Nuno Pinto de Oliveira

Fátima Gomes, vencida de acordo com o seguinte voto de vencida:

1 - Teria confirmado o acórdão recorrido porque, como se disse aí, entendo que a omissão da informação foi decisiva na contratação com a seguradora e as doenças prévias de que o sujeito sofria constituem factos notórios no sentido de terem contribuído para o seu óbito, por tromboembolismo pulmonar, do qual resultou paragem cardíaca, explicação que o Tribunal acolheu do seguinte modo:

“Em qualquer caso, o DD, estava consciente dos seus problemas de saúde, procurou soluções nutricionais e químicas para os mesmos e, consequentemente, não podia ter omitido tais problemas no questionário de saúde a que se refere o ponto 28 dos factos provados, sabido como é que tais problemas de saúde são os principais fatores de risco de doença cardiovascular e que esta é uma das principais causas de morte em Portugal (.”

(…)

“Ele não se sentia doente” – disse a autora, em declarações de parte, para justificar a não declaração dos problemas de saúde de que era portador. Tal não pode justificar a omissão de tais problemas diagnosticados dois anos antes do preenchimento do questionário. O seu falecido marido estava bem ciente das patologias de que sofria, era responsável, conforme referiu a sua médica de família e, por isso mesmo procurou tratamento médico e mudanças no estilo de vida, através de dieta prescrita por nutricionista e medicação receitada por médico, medicação essa destinada, como é sabido, a controlar os níveis elevados, quer da hipertensão, quer do colesterol e dos triglicerídeos. Daí o controle tensional e lipídico a que se refere a informação clínica. No entanto, esse controle não afastou a medicação diária que tomava. Pelo contrário, a medicação era necessária para o controle, mas os problemas diagnosticados persistiam. Aliás, o referido DD faleceu em consequência de um tromboembolismo pulmonar do qual resultou paragem cardíaca, sendo que na nota de óbito do Hospital de ... se refere, como diagnóstico, a obesidade, a dislipidemia, a diabetes mellitus e a hipertensão arterial.

(…)

Diga-se, ainda, que tanto a autora, como o seu marido, ela professora do ensino secundário e ele engenheiro, tinham a obrigação de saber qual a importância do preenchimento de um questionário de saúde para a celebração de um seguro do ramo vida, verificando-se até que o questionário inclui perguntas concretas sobre os valores de tensão arterial e de colesterol, bem como a toma de medicação regular, tendo por isso que concluir-se que a omissão de tais situações foi deliberada.”

2 - A acolher-se a distinção entre erro vicio absolutamente essencial e erro incidental dever-se-ia ponderar a situação como erro incidental relevante -na esteira da citação de Mota Pinto – porque não se pode ajuizar com segurança ou com bastante probabilidade como teria sido feito o negócio – atendendo às patalogias omitidas e à causa da morte.

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1. Com que coincide o conteúdo da cláusula 7.ª das condições gerais da apólice (cfr. ponto 22 dos factos provados); aliás, dada a natureza e relevância das finalidades prosseguidas com a consagração das normas constantes dos arts. 18.º a 26.º da LCS, incluem-se as mesmas nas normas qualificadas como relativamente imperativas, pelo que o teor do art. 25.º da LCS só poderia ser alterado num sentido mais favorável ao tomador de seguro, ao segurado ou ao beneficiário da prestação do seguro – cfr. art. 13.º da LCS.

2. Entendia-se – face ao carácter privado dos interesses que a concreta invalidade visava tutelar – que o art. 429.º do C. Comercial constituía um afloramento do erro/dolo vício da vontade (a que a lei, nos termos gerais, associa a anulabilidade do negócio) e atenta a circunstância do CC de 1867, vigente à data da entrada em vigor do C. Comercial, utilizar a terminologia “nulidades absolutas” e “nulidades relativas”, entendia-se também que era a estas (que hoje, no C. Civil de 1966, correspondem à anulabilidade) que o art. 429.º se quereria reportar.

3. Podendo ainda figurar-se uma outra modalidade de erro – o chamado erro indiferente – para as hipóteses em que, mesmo sem ele, o negócio teria sido concluído nos precisos termos em que o foi, hipótese em que o erro não dá lugar a um erro-vício e/ou dolo-vício, na medida em que não chegou a influir na vontade negocial do declarante.

4. Pelo que, salvo o devido respeito, não faz sentido invocar arestos, da Relação e/ou do Supremo, tirados no âmbito da aplicação do regime legal anterior e que digam que (também) é relevante a inexatidão suscetível de influir nas condições do contrato de seguro.

5. Entendimento este que, no essencial, corresponde ao decidido no Acórdão-Fundamento (ac. deste STJ de 08/11/2018, proferido no Processo 399/14.1TVLSB.L1.S1) e no acórdão deste STJ de 29/06/2017, proferido no Processo 225/14.1 TBTND.C1.S1. Assim como ao sustentado por Arnaldo Oliveira e Pedro Romano Martinez, em comentário ao art. 25.º da LCS, in Lei do Contrato de Seguro Anotada, pág. 148 e ss.; e por Joana Galvão Teles, in Temas de Direito dos Seguros, Deveres de Informação das Partes, pág. 267 e ss.. Em sentido diverso, neste STJ, o Acórdão de 19/06/2019, proferido no Processo 4702/15.9T8MTS.P1.S1.

6. As AA, na conclusão 32, sugerem a nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação. Mas, para além de, como é sabido, só se estar perante uma nulidade da sentença/acórdão por falta de fundamentação quando há falta absoluta de fundamentação e não nas situações em que a fundamentação é deficiente, incompleta ou não convincente, sucede que aquilo que as AA. qualificam como “nulidade por falta de fundamentação” é ainda o que o acórdão recorrido decidiu sobre a verificação do erro causado pelo dolo, decisão essa que preenche a divergência, de mérito, das AA..