ACIDENTE DE VIAÇÃO
VEÍCULO AUTOMÓVEL
MOTOCICLO
CULPA
CULPA DO SINISTRADO
INDEMNIZAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
MATÉRIA DE FACTO
PROCEDÊNCIA PARCIAL
Sumário


I – Ocorrendo o acidente numa auto estrada entre um veículo ligeiro, instantes após ter efectuado uma ultrapassagem a um veículo que o precedia, e um motociclo que circulava na via mais à esquerda e que não conseguiu evitar o embate na traseira do ligeiro, deve entender-se que ambos agiram com culpa.
II – O ligeiro porque efectuou a manobra de ultrapassagem sem se assegurar que dela não iria resultar perigo para os outros utentes da via, assim incorrendo em violação da regra do art. 38º, nºs 1 e 2ª do Código da Estrada; o condutor do motociclo porque se circulasse com a atenção que lhe era exigível ter-se-ia apercebido com maior antecedência da manobra do ligeiro e reduzido a velocidade de forma a evitar o embate, ou pelo menos, reduzir a gravidade do mesmo.
III – Considera-se ajustada a essas circunstância uma repartição de culpas de 15º% (para o Autor) e 85% (para o condutor do veículo segurado na ré).

Texto Integral


ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


AA, intentou ação comum de declaração de condenação contra a VIA DIRECTA – Companhia de Seguros, Lda, deduzindo o seguinte pedido:

a) Ser a R. condenada a pagar ao A. a quantia de 199.404,68 € (cento e noventa e nove mil quatrocentos e quatro euros e sessenta e oito cêntimos) a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida do pagamento de procuradoria condigna, juros desde a citação até efetivo e integral pagamento e custas.

b) Ser a R. condenada a pagar ao A. a quantia a remeter para liquidação a título de danos futuros e não contemplados no pedido em a)».

Como fundamento do pedido, o A. alegou, em resumo, que no dia ........2019, na A..., quando circulavam no sentido C...-L..., ocorreu um embate entre a frente do motociclo ..-..-RZ, conduzido pelo A., e a traseira do veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-TB-.., segurado pela R., o qual mudou repentinamente para a hemifaixa esquerda onde seguia o A., colocando-se na frente do motociclo deste que ainda tentou sem êxito evitar a colisão.

Em consequência do embate teve danos patrimoniais e não patrimoniais: danificou a motorizada que utilizava, esteve e está privado do respetivo uso, assim como danificou o seu capacete, vestuário, calçado, telemóvel e relógio, bem como foi hospitalizado e medicamentado, sofreu dores, fez tratamentos, necessitou do auxilio de terceiros, tem cicatrizes pelo corpo e apresenta um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 12 pontos, com esforços acrescidos para a sua profissão de militar, necessitando de uma consulta anual de ortopedia e 15 sessões de fisioterapia durante cinco anos, termos em que computou em (i) €10.312,68 os seus danos patrimoniais, (ii) €69.092,00 o dano patrimonial futuro, (iii) €70.000,00 o dano biológico e (iv) €50.000,00 os danos morais.

A Ré contestou, impugnando os factos alegados pelo Autor, seja quanto à culpa na eclosão do acidente seja quanto aos danos.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

«julga-se a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência condena-se a R VIA DIRECTA – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. a pagar ao A AA:

a) o montante de € 13.997,85 (treze mil, novecentos e noventa e sete euros e oitenta e cinco cêntimos), relativos a danos patrimoniais, acrescidos de juros devidos desde a data da citação, até efetivo e integral pagamento.

b) o montante de € 20.000,00 a título de danos não patrimoniais, atualizado à data da presente sentença, vencendo juros desde então e até efetivo e integral pagamento;

c) o montante de € 7.500,00 a título de dano biológico, já atualizado à data da presente sentença, vencendo juros desde então e até efetivo e integral pagamento».

Inconformada com tal decisão, dela recorreu a Ré.

O Autor interpôs recurso subordinado.

Por acórdão da Relação de Lisboa de 06 de Junho de 2024, foi a apelação julgada procedente e improcedente o recurso subordinado e, em consequência, a Ré absolvida do pedido.

É a vez do Autor interpor recurso de revista, no qual formula as seguintes conclusões:

1. O acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, julgou procedente a apelação da recorrida, o que o recorrente não se conforma;

2. Entende o Recorrente que, não obstante a matéria dada como provada (e não provada), logrou demonstrar que cumpriu com tudo o que lhe era legalmente exigido, não tendo dado causa ao sinistro, sendo a responsabilidade totalmente imputável ao condutor do veículo garantido pela Ré;

3. Discorda-se veementemente que o condutor do motociclo se encontrava a efetuar a condução em infração estradal, porquanto, mesmo que considerando que se encontrava circular na via da esquerda, circulava com velocidade excessiva, na medida em que a velocidade que imprimia ao seu veículo, momentos antes do embate, não lhe permitiu imobilizá-lo em segurança mínima evitando o evento acidentário, pois tal conclusão não está assente em nenhum facto provado que permita tal desiderato.

4. Uma testemunha ocular, condutor que seguia atrás do TB, BB situou a sua viatura a circular na faixa central, a cerca de 400/500m do local do embate e, em termos objetivos, não se apercebeu de qualquer ultrapassagem do TB, considerou que o motociclo ia em velocidade excessiva por ter passado por si num ápice e imediatamente após, que embateu no veículo ligeiro.

5. Sucede que, o conceito de alta velocidade é conclusivo e impreciso, e só se pode considerar atendendo a várias variantes, nomeadamente o local (no caso uma auto estrada,) o estado do piso (que era bom ), o estado do tempo (que era bom), e por isso, o conceito de alta velocidade não pode ser apreciado levianamente.

6. Desde logo, se questiona a distância daquela testemunha cerca de 500 metros do local do embate, que, apercebeu-se do motociclo, mas não se apercebeu da mudança de via do TB que seguia à sua frente.

7. Não se entende, pois, como é que o Tribunal a quo concluiu que o motociclo circulava em velocidade excessiva para o local, sem ter dado como provado a que velocidade o mesmo circulava, e nem sequer está demonstrado qual seria a velocidade adequada para o local. Note-se que o sinistro deu-se na A..., uma auto estrada, portanto.

8. O que está demonstrado é que (ponto 9) naquele circunstancialismo de modo e lugar o condutor doTB, para ultrapassar o veículo que seguiaàsua frente, efetua manobra de mudança de via à esquerda, e ainda no (ponto 10. ) que o A. foi surpreendido com aquela manobra e embateu, na via da esquerda na traseira do TB.

9. Não pode pois, o recorrente concordar com a alteração da matéria de facto introduzida pelo tribunal alterando a redação dos factos provados 7 a 10 passando a ter a seguinte redação:

«7. Naquele circunstancialismo, o RZ circulava a uma velocidade superior à do TB e este rodava na via central, com uma outra viatura à sua frente;

8. A certa altura, a fim de ultrapassar aquela viatura, o TB desviou-se para a sua esquerda, passou a circular na via mais à esquerda eaí ultrapassou tal veículo que anteriormente seguia à sua frente;

9. Instantes depois daquela ultrapassagem, muito embora o A. ainda tenha acionado o sistema de travagem do motociclo, este embateu na traseira do TB;

10. Tal embate ocorreu na via mais à esquerda, onde circulava o TB».

10. Com especial importância a alteração dos pontos 9 e 10, conduzem à responsabilização do recorrente, dizendo que quem circulava na via mais à esquerda era o TB, o que não corresponde integralmente à verdade. É que antes do TB circular na via mais à esquerda, já o motociclo ali circulava. E esta alteração da factualidade conduz a soluções decisórias antagónicas.

11. A prova testemunhal não foi inequívoca, pois, o outro condutor interveniente, também não se apercebeu a existência (neste caso) do motociclo antes do embate (“a mota veio de lado nenhum”), descrevendo-a como tendo aparecido lateralmente e não tendo o condutor da mesma conseguido desviar-se para impedir o embate (o que também não é compatível com os elementos objetivos apurados, nomeadamente o facto de se tratar de choque traseiro no centro do veículo, ligeiramente inclinado à direita, mas jamais lateral como seria compatível coma descrição dada). O motociclo não apareceu do NADA. Ele já lá circulava, e foi o condutor do TB que efetuou a mudança de via sem a sinalizar.

12. De acordo com a análise dos danos nos veículos, é facto assente que o embate deu-se na traseira do veículo, sendo prova objetiva que permite reconstituir a dinâmica do sinistro, e a sua credibilidade sobrepõe-se à prova testemunhal, com a sua inerente subjetividade que leva muitas vezes a conclusões erradas, como foram as conclusões do acórdão recorrido.

13. Não se demonstrou qual a distância a que seguia o motociclo do veículo à sua frente, de modo a poder concluir-se que o mesmo não guardou a distância de segurança, e o condutor do TB não sinalizou a manobra de ultrapassagem e mudança de via, a qual, também era essencial para que o Autor pudesse contar com tal manobra.

14. A mudança de via do TB foi causal da produção do sinistro.

15. O facto de não conseguir imobilizar o veículo no espaço livre e visível à sua frente não pode ter sempre como escopo o excesso de velocidade, ou a velocidade excessiva, pois perante uma mudança repentina de via, se a mesma for feita de forma tão súbita e inesperada com grande aproximação do veículo que circula à sua esquerda, é quase impossível evitar o embate.

16. O cálculo da velocidade de circulação de um veículo está dependente de vários factores, nomeadamente da atenção e reflexos do condutor (tempo de reacção), das condições da via, estado do veículo (travões pneus) do volume do veículo e da carga, entre outros e não apenas do rasto de travagem. 2. Não é exigível que o condutor de um veículo preveja o surgimento de outro que inopinadamente saia da sua faixa de rodagem para o lado direito e sem nada o fazer prever virar à esquerda. Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa 21 de janeiro de 2010 Processo: 981/04.5TCLRS.L1-

17. No que respeita à manobra de mudança de via, a jurisprudência tem entendido que é o condutor que realiza a manobra de mudança de via que tem que antecipar as circunstâncias da manobra, até incluindo um eventual excesso de velocidade de outro veículo.

18. Acórdão Supremo Tribunal de Justiça 12 de janeiro de 2021 Processo: 1307/14.5T8PDL.L1.S1III. O condutor do conjunto trator + reboque, ao violar o disposto no art. 35.º, n.º 1, do Código da Estrada, deu causa, em termos de causalidade adequada (art. 563° do CC), à eclosão do acidente produtor dos danos sofridos pelo Autor.

A jurisprudência do STJ tem, predominantemente, atribuído um grau de responsabilidade maior ao condutor de veículo que realize manobra de mudança de via de trânsito sem se assegurar que o faz em local e por forma a que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito, do que ao condutor de veículo que, por circular com velocidade excessiva para o local e circunstâncias da via, não consegue evitar o embate. (…)

19. Impendia sobre o condutor do veículo seguro na recorrida - o TB, tomar todas as medidas para realizar a manobra de mudança de via em segurança para si, e para os demais utentes da via.

20. Assim, deve considerar-se como único culpado na produção do sinistro ocondutor do TB, veículo garantido pela recorrida, por não adoptar as medidas de segurança na mudança de via à esquerda.

21. Impugnando-se por isso, a alteração da matéria de facto feita no douto acórdão que antecede, por não corresponder

22. Subsidiariamente, seassim nãoseentender,ou seja se seentender que algum grau de culpa assiste ao recorrente, então caímos no campo daconcorrência entre o risco próprio do veículo e aculpa do lesado. De acordo com a orientação jurisprudencial fixada no acórdão deste Supremo Tribunal, de 04-10-2007, que admite a concorrência entre o risco próprio do veículo e a culpa do lesado. II - No mesmo sentido concorre o princípio da interpretação conforme ao Direito Comunitário, de acordo com o qual o juiz nacional deve, entre os métodos permitidos pelo seu sistema jurídico, dar prioridade ao método que lhe permite atribuir à disposição de direito nacional em causa uma interpretação compatível com o direito originário e derivado da União Europeia.

23. No caso de se considerar que o recorrente teve algum grau de culpa na produção do sinistro, deve atender-se à responsabilidade objetiva, no que respeita aos riscos de circulaçãodoveículo,nomeadamenteaforça cinética resultante da sua velocidade, o volume e a massa (tudo riscos próprios da circulação do veículo). No caso concreto, a colisão deu-se entre um motociclo e um veículo ligeiro de passageiros, OU SEJA, a massa, o peso a dimensão e o volume são substancialmente diferentes como é do conhecimento público.

24. Acórdão Tribunal da Relação de Coimbra 17 de junho de 2009 Processo:

122/07.7GCACB.C1“4-Existeconcorrência de culpas dos condutores na ordem dos 70% para o arguido e 30% para o condutor do motociclo quando aquele efectuou a manobra de mudança de direcção para a esquerda sem dar prioridade ao motociclo, não tendo reparado neste ao efectuar tal manobra e o motociclo circulava a uma velocidade superior à permitida para o local, não tendo logrado evitar o embate.

25. Devendo, caso não se atenda à total ausência de culpa do recorrente, ser tido em conta a concorrência entre a culpa do lesado e os riscos de circulação do veículo, graduando-se em conformidade.

26. Devendo, por isso ser revogado o douto acórdão que imputou a culpa na produção do sinistro ao recorrente, e ilibou a recorrida da responsabilidade do mesmo.

27. Quanto ao quantum indemnizatório: As sequelas que o Autor ficou a padecer são graves, nomeadamente: Ráquis: dor à palpação das apófises espinhosas lombares e sacrococcígeas (com menor intensidade),bemcomo damusculaturaparavertebraladjacente (na mesma gradação descrita), que apresenta contractura. Schöber 10/15, alcançando o terço proximal das pernas com a ponta dos dedos das mãos; lateralização até cerca de 25º bilateralmente, ficando com a ponta dos dedos acima do nível dos joelhos; rotação até cerca de 40º bilateralmente; dor nos limites de amplitude em todos os movimentos. Lasègue ausente, referindo agravamento da dor lombar; Tronco: área cicatricial na face posterior do hemitronco direito e ombro direito, hipercrómica, eutrófica, com 35x33 cm de maior eixo vertical; refere leve hiperalgia (a palpação mais profunda causa desconforto); Membro superior direito: área cicatricial na face posterior do braço e antebraço, hipercrómica, eutrófica (praticamente macular), distalmente difusa e sem limite bem definido, com cerca de 36x11 cm de maior eixo vertical; sem alteração da sensibilidade; Membro superior esquerdo: cicatriz sobre o cotovelo, discretamente hipocrómica, eutrófica, com 8x3 cm; cicatriz logo abaixo do cotovelo (face posterior do antebraço), eucrómica e eutrófica, com 4x1 cm; Membro inferior direito: cicatriz na face anterior do joelho, arroxeada, com pele de aspeto friável, com 2 cm de diâmetro; hiperálgica. Cicatriz sobre o maléolo lateral, discretamente hipercrómica, eutrófica, com 1 cm de diâmetro. Duas cicatrizes levemente hipocrómicas, eutróficas, uma na segunda falange do terceiro e outra na segunda falange do quarto dedo, com cerca de 0,5 cm de maior eixo cada. Cicatrizes sem alterações da sensibilidade; Membro inferior esquerdo: cicatriz na face anterior do joelho, arroxeada, com pele de aspeto friável, com 3,5x2,5 cm de maior eixo horizontal; hiperálgica. Área cicatricial na face lateral do calcanhar, hipocrómica e rosada, eutrófica (praticamente macular), com 2 cm de diâmetro; Mobilidade dos joelhos aparentemente mantida e simétrica; dor à palpação do compartimento interno bilateralmente; normal excursão da rótula; Diminuição da mobilidade de flexão dainterfalângica doprimeiro dedo, com dor à mobilização e à palpação; Sem amiotrofia da perna (maior perímetro de 46 cm bilateralmente).

28. A incapacidade permanente geral de que o autor ficou a padecer, apesar de não o impedir de exercer uma atividade profissional e não se repercutir imediata e necessariamente na sua capacidade de ganho, tem esforços acrescidos e relevância patrimonial, dado constituir uma lesão que importa perda da capacidade funcional. Esta diminuição da aptidão física afetará, necessariamente, a capacidade laboral do autor e, assim, condicionará a sua autonomia, como tal se traduzindo numa fonte de possíveis lucros cessantes, a indemnizar como danos patrimoniais1. A diminuição da capacidade laboral por incapacidade permanente parcial, resultante de lesão corporal, constituindo um dano futuro previsível, é indemnizável, nos termos do artigo 564.º, n.º 2, do Código Civil.

29. Face ao supra exposto, entende-se justo o montante de 70.000,00 (setenta mil euros), a título de dano biológico.

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Contra alegou a Recorrida pugnando pela improcedência do recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:

1- Face ao objecto do recurso- pretendendo a reapreciação sobre a questão de facto, de que faz depender a apreciação de direito, o mesmo não deve ser admitido. Porquanto;

2- A competência do Supremo Tribunal de Justiça, por regra, restringe-se a aplicar definitivamente o requisito jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido.

3- A decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, quanto à matéria de facto, não encontrar respaldo nas situações excepcionais, legalmente previstas nos artºs 682º, nem no nº 3 do artº 674º do CPC.

4- Acresce que o recurso não se fundamenta em erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais por ofensa de disposição expressa de lei que, exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

5- Face à motivação apresentada para a pretendida alteração do ponto 9 da matéria de facto, tal não encontra base legal.

6- Atenta a materialidade factual apurada, o ora Recorrente, A., foi o único e exclusivo culpado no acidente, pelo que o recurso de revista não deve merecer provimento.

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Objecto do recurso:

- Culpa na produção do acidente;

- Concorrência de culpa e risco;

- Indemnização pelo dano biológico.

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Fundamentação.

O acórdão recorrido deu como provado que:

1. No dia ... de ... de 2019, pelas 12 horas e 25 minutos, na A..., quilómetro 10,900, em ..., ocorreu um acidente de viação;

2. Foram intervenientes os veículos com matrícula ..-..-RZ e ..-TB-..;

3. O RZ, um motociclo, era conduzido pelo A. e propriedade deste;

4. O TB, um automóvel ligeiro de passageiros, era conduzido por CC, nascido a ........1999 e com licença de condução da categoria B desde 10.08.2018;

5. A faixa de rodagem no local é constituída por 6 vias, 3 para cada sentido, com separador central;

6. O estado do tempo era bom e o piso estava seco e limpo e os intervenientes circulavam no mesmo sentido, C...-L...;

7. Naquele circunstancialismo, o RZ circulava a uma velocidade superior à do TB e este rodava na via central, com uma outra viatura à sua frente;

8. A certa altura, a fim de ultrapassar aquela viatura, o TB desviou-se para a sua esquerda, passou a circular na via mais à esquerda e aí ultrapassou tal veículo que anteriormente seguia à sua frente;

9. Instantes depois daquela ultrapassagem, muito embora o A. ainda tenha acionado o sistema de travagem do motociclo, este embateu na traseira do TB;

10. Tal embate ocorreu na via mais à esquerda, onde circulava o TB;

11. O motociclo RZ de marca HONDA, modelo CBR600, de 599 C.C. e 110 Cv, circulava no mesmo sentido de marcha do TB, porém, fazia-o imprimindo ao seu veículo uma velocidade que não permitiu imobilizar o seu veículo no espaço livre e visível à sua frente;

12. O condutor do RZ, ora A, foi projetado da mota, voou sobre o tejadilho do TB, nele colidindo com o corpo;

13. Caiu e seguiu, de arrasto pelo pavimento, detendo-se a cerca de 60 metros do embate;

14. Em ato contínuo o A e o RZ foram projetados ao solo;

15. O A foi socorrido no local pelos Bombeiros de ... e o RZ foi colocado na berma;

16. Ao local deslocou-se a GNR de ... que fez a participação de acidente nos termos juntos aos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos;

17. A A participou o acidente à seguradora do motociclo e esta, de acordo com o relatório de averiguação junto e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, concluiu que o acidente se deveu à manobra de ultrapassagem e mudança de via à esquerda levada a cabo pelo condutor do TB;

18. A R, seguradora do TB (apólice de seguro n.º .......74) declinou a responsabilidade pelo acidente, nos termos do escrito junto a respeito, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos;

(Danos)

19. O A é trabalhador dependente do Ministério da Defesa Nacional – ...;

20. Detinha então a categoria de Primeiro-Sargento, auferia na data do acidente uma retribuição mensal base de 1.394,58€, acrescida de suplemento de condição militar mensal de 309,95€;

21. Em 2018 o A auferiu 23.338,26€, cfr. declaração de IRS junta, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos;

22. O A usava um capacete da marca Nexx, modelo XR2 Carbon Zero, no montante de 469,95€, umas luvas da marca Dainese no valor de 84,95€, umas calças de ganda da marca Salsa, no valor de 89,95€, uns ténis da marca Nike, modelo Air Max Sequent 3, no valor de 169,09€, uma T-Shirt da marca Salsa no valor de 25,95€, uma bolsa de cintura da marca Eastpak no valor de 29,95€, o seu telemóvel da marca Samsung Galaxy S8+ 4G, que lhe havia custado 919,99€ e um Galaxy watch que ficou danificado e no valor de 329,90€, tudo objetos que ficaram danificados e inutilizados;

23. Com o acidente o RZ ficou danificado e impossibilitado de circular, ascendendo o valor orçado para a reparação a 3.750,97€;

24. Os serviços de peritagem da R. avaliaram os danos no RZ e concluíram que a reparação dos danos sofridos era de 4.443,00€;

25. O RZ era o principal meio de transporte do A, utilizando-o nomeadamente para as deslocações do e para o seu local de trabalho;

26. Desde o acidente que não pôde mais utilizá-lo para o efeito, tendo de recorrer a outros meios de transporte para efetuar os mesmos trajetos que fazia com o RZ;

27. (Eliminado);

28. O A. deu entrada nas urgências do Hospital ..., em ..., pelas 13 horas e 23 minutos por politraumatismos, no membro inferior esquerdo, no membro inferior direito, no membro superior esquerdo, no membro superior direito, na coluna, com traumatismo cranioencefálico com perda de conhecimento;

29. Fez tratamento das feridas e foram realizados exames complementares de diagnóstico como TAC ao crânio, RX à coluna lombar e dorsal, tórax, grelhas costal, Ecografia abdominal e pélvica;

30. Apresentava múltiplos abrasões em toda a região dorsal, lombar, membros superiores, joelhos e pés;

31. Fez lavagem e desinfeção com ludopovidona e pensos com inadine;

32. Os exames revelaram fratura a nível da 4.ª vértebra lombar, com hérnia discal L4-L5 e fratura distal do 1.º dedo do pé direito;

33. Teve alta do serviço de urgência pelas 22 horas e 27 minutos, medicado com analgésicos e guia de tratamento com reforço hídrico;

34. Foi para casa com dores gerais no corpo todo e com desconforto;

35. Passou a ser seguido e tratado no Hospital ... em ..., onde fez a troca de pensos e aplicação de pomadas;

36. Necessitou de ajuda de terceira pessoa para as atividades da vida diária como levantar-se, vestir-se, cuidar da higiene e alimentar-se durante 62 dias;

37. Apurou-se necessidade de auxílio por um período de 92 dias, cerca de 8h por dia, a acrescer a 74 dias de apoio de terceira pessoa por 4 horas;

38. Necessitou de auxiliares de marcha durante 4 meses, até 26 de dezembro de 2019;

39. Iniciou tratamentos de mesoterapia e fisioterapia;

40. Teve a última consulta de avaliação no Hospital ... em 07 de fevereiro de 2020 e retomou a atividade profissional a 13 de fevereiro de 2020;

41. O examinando apresenta as sequelas: Ráquis: dor à palpação das apófises espinhosas lombares e sacrococcígeas (com menor intensidade), bem como da musculatura paravertebral adjacente (na mesma gradação descrita), que apresenta contractura Schöber 10/15, alcançando o terço proximal das pernas com a ponta dos dedos das mãos; lateralização até cerca de 25º bilateralmente, ficando com a ponta dos dedos acima do nível dos joelhos; rotação até cerca de 40º bilateralmente; dor nos limites de amplitude em todos os movimentos. Lasègue ausente, referindo agravamento da dor lombar; Tronco: área cicatricial na face posterior do hemitronco direito e ombro direito, hipercrómica, eutrófica, com 35x33 cm de maior eixo vertical; refere leve hiperalgia (a palpação mais profunda causa desconforto); Membro superior direito: área cicatricial na face posterior do braço e antebraço, hipercrómica, eutrófica (praticamente macular), distalmente difusa e sem limite bem definido, com cerca de 36x11 cm de maior eixo vertical; sem alteração da sensibilidade; Membro superior esquerdo: cicatriz sobre o cotovelo, discretamente hipocrómica, eutrófica, com 8x3 cm; cicatriz logo abaixo do cotovelo (face posterior do antebraço), eucrómica e eutrófica, com 4x1 cm; Membro inferior direito: cicatriz na face anterior do joelho, arroxeada, com pele de aspeto friável, com 2 cm de diâmetro; hiperálgica. Cicatriz sobre o maléolo lateral, discretamente hipercrómica, eutrófica, com 1 cm de diâmetro. Duas cicatrizes levemente hipocrómicas, eutróficas, uma na segunda falange do terceiro e outra na segunda falange do quarto dedo, com cerca de 0,5 cm de maior eixo cada. Cicatrizes sem alterações da sensibilidade; Membro inferior esquerdo: cicatriz na face anterior do joelho, arroxeada, com pele de aspeto friável, com 3,5x2,5 cm de maior eixo horizontal; hiperálgica. Área cicatricial na face lateral do calcanhar, hipocrómica e rosada, eutrófica (praticamente macular), com 2 cm de diâmetro; Mobilidade dos joelhos aparentemente mantida e simétrica; dor à palpação do compartimento interno bilateralmente; normal excursão da rótula; Diminuição da mobilidade de flexão da interfalângica do primeiro dedo, com dor à mobilização e à palpação; Sem amiotrofia da perna (maior perímetro de 46 cm bilateralmente);

42. Apresenta marcha normal, sem apoio nem claudicação;

43. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 12.02.2020, logrando fixar-se a incapacidade total permanente por um período de 166 dias;

44. O Défice Funcional Temporário Total (anteriormente designado por Incapacidade Temporária Geral Total e correspondendo com os períodos de internamento e/ou de repouso absoluto), que se terá situado entre 31.08.2019 e 31.10.2019, sendo assim fixável num período de 62 dias, considerando o estado clínico, tendo em consideração a fratura lombar (diagnosticada tardiamente, mas presente desde o evento, carecendo de repouso) e as lesões cutâneas múltiplas e extensas, com pensos e ligaduras que limitavam francamente a mobilidade;

45. O Défice Funcional Temporário Parcial situou-se entre 01.11.2019 e 12.02.2020, sendo fixável num período 104 dias. Atende-se à evolução clínica, admitindo-se que a partir desta data, não obstante a fratura lombar ainda não estivesse completamente consolidada, inexistiam já lesões cutâneas (e antes sequelas), podendo o examinando mobilizar-se com maior autonomia e, bem assim, realizar mais atividades;

46. O quantum doloris é fixável no grau 5 numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta o tipo de evento e traumatismo (notando-se a perda de consciência); as lesões resultantes e as limitações temporárias que condicionaram;

47. O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixou-se em 9 pontos em 100;

48. As sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares, em particular não podendo/devendo mobilizar cargas, e devendo utilizar almofada para conforto coccígeo;

49. O Dano Estético Permanente foi fixado em grau 3 numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta as cicatrizes, e em particular a área cicatricial do tronco e membro superior direito, atendendo à sua extensão e evidência, bem como localização numa área que, não estando habitualmente exposta com o vestuário quotidiano, é não dificilmente exposta em contexto social;

50. É fixável no grau 5, numa escala de sete graus de gravidade crescente, atendendo ao tipo e frequência das atividades (ginásio e atletismo), encontrando-se impedido de realizar corrida em contexto de competição. Considerou-se ainda a limitação na interação de lazer com o filho menor;

51. A Repercussão Permanente na Atividade Sexual foi fixado em grau 3 numa escala de sete graus de gravidade crescente, com base no facto de que as sequelas raquidianas, não comprometendo a frequência nem a capacidade de fruição, limitam o desempenho e variabilidade, vendo-se o examinando subtraído na sua capacidade de executar diversas ações, e ficando dependente do parceiro;

52. Em resultado o A sofreu incómodos, dores e preocupações em deslocações a consultas, tratamentos e para obter medicação;

53. As alterações na vida sexual perturbam-no e causa-lhe perda de autoestima e confiança;

54. O A. é pai e ficou privado de brincar com o seu filho de 3 anos que tanto ama durante os 166 de incapacidade temporária, o que o deixou muito triste;

55. O A ainda hoje não consegue estar mais de 20 a 30m sentado sem começar a sentir um desconforto na zona que faz com que tenha que levantar e aliviar a pressão exercida na zona sacro-coccígena;

56. Ainda hoje em dia, é-lhe completamente impossível estar de joelhos por mais de alguns momentos devido a dores nas queloides resultantes do acidente, bem como estar sentado em superfícies rígidas;

57. Nos primeiros dias pós-acidente não conseguia dormir com dores;

58. Necessitou de cadeira de rodas durante cerca de 4 meses.

Foi julgado não ficou provado que:

a. A manobra do TB foi abrupta e repentina;

b. O TB sinalizou a mudança de faixa de rodagem indicada em 8. e anteriormente àquela mudança o respetivo condutor olhou pelo retrovisor do veículo que conduzia;

c. O A fazia a sua condução “ziguezagueando”, por entre os veículos que se lhe apresentavam pela frente;

d. Está incapacitado de frequentar locais balneares de uma forma normal, tendo que estar protegido a nível corporal com roupa e protetor solar de forma a não criar problemas na pele que, entretanto, cresceu nos locais que sofreu abrasões;

e. Dermatologicamente foi aconselhado a ter o máximo cuidado durante 12 a 24 meses após a recuperação dos tecidos cutâneos;

f. Antes do acidente o A praticava desporto regularmente fazendo corrida e participando em meias maratonas, depois do acidente e devido às dores ficou impedido de fazer corrida, o que lhe causa frustração, desgosto e tristeza;

g. O A necessita de uma consulta anual de ortopedia (coluna) e 15 sessões anuais de fisioterapia, à coluna, durante 5 anos.

///

O direito.

O Recorrente insurge-se contra a decisão da Relação que alterou a redacção dos pontos 7 a 10 da matéria de facto, por no seu entender a prova produzida não permitir o juízo a que chegou a Relação.

A revista nesta parte não pode ser atendida.

Isto porque e como é consabido, o Supremo Tribunal de Justiça, em regra, não interfere na fixação da matéria de facto.

Princípio desde logo enunciado no art. 46º da Lei da Organização do Sistema Judiciário aprovado pela Lei nº 62/2013, de 26.08: “Fora dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito.”

Com efeito, estipula o nº3 do art. 674º do CPC que “O erro na fixação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.”

Daí que seja jurisprudência pacífica que os poderes do STJ em matéria de facto cingem-se aos casos de ofensa à prova vinculada; estando em causa prova sujeita à livre apreciação, está afastada a possibilidade de o STJ a reapreciar ou reinterpretar para efeitos de modificação da decisão de facto (cfr, entre outros, os acórdãos do STJ de 07.05.2015, P.982/11, Sumários, 2015, p. 276, de 01.03.2016, P. 1238/10, Sumário, Mar/2016, p. 5).

Ora, quer a prova resultante das fotografias, quer a testemunhal, são meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador (art. 396º do Cód. Civil).

Como assim, a discordância do Recorrente com o acórdão recorrido na parte em que alterou a matéria de facto é inconsequente, por estar fora a competência do STJ sindicar o juízo da 2ª instância sobre a matéria de facto alicerçado em meios de prova sujeitos à livre apreciação.

Está em causa a culpa no acidente de viação ocorrido no dia ... de ... de 1019, na A..., sentido C...-L..., em que foram intervenientes o Autor, que na altura conduzia um motociclo e o veículo ligeiro, segurado na Ré, tendo o acidente consistido no embate da frente do motociclo na traseira do ligeiro.

O quadro de responsabilidade civil baseada na culpa consta do art. 483º, nº1, do CCivil, segundo o qual, aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.

A culpa lato sensu exprime um juízo de reprovação pessoal da acção ou omissão do agente que podia e devia ter agido de outro modo e é susceptível de assumir as vertentes de dolo ou de negligência.

A culpa stricto sensu ou mera negligência traduz-se, grosso modo, na omissão pelo agente da diligência ou do cuidado que lhe era exigível, envolvendo por seu turno, as vertentes de consciente ou inconsciente.

No primeiro caso, o agente prevê a realização do facto ilícito como possível, mas, por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria, crê na sua não verificação; no segundo, o agente, embora o pudesse e devesse prever, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, não o previu.

Na falta de outro critério legal, a culpa, a culpa é apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso (art. 487º, nº2, do CCivil).

O critério legal de apreciação da culpa é, pois, abstracto, ou seja, tendo em conta as concretas circunstâncias da dinâmica do acidente de viação em causa, tendo por referência um condutor normal.

O ónus de prova dos factos integrantes da culpa no quadro da responsabilidade civil extracontratual, se não houver presunção legal da sua existência, cabe a quem com base nela faz valer o seu direito, designadamente o de crédito indemnizatório (arts. 342º/1 e 487º/1 do CCivil).

Enunciados estes princípios, recordemos como o acórdão recorrido justificou a decisão de considerar o Autor único culpado no acidente:

“(…) julga-se, contudo, que o condutor do ligeiro de passageiros não cometeu qualquer ato ilícito, culposo e danoso, isto é, enquanto causador de dano.

Desde logo, a apurada alteração de faixa de rodagem, da via central para a via mais à esquerda, não se configura violadora de disposição do CEstrada, designadamente dos seus artigos 21.º e 35.º, os quais referem-se à necessidade de «assinalar com a necessária antecedência» a mudança de «via de trânsito» e de o fazer com tal decorra sem «perigo ou embaraço para o trânsito».

Tal não ficou demonstrado: na matéria, consignou-se apenas que não se provou que o condutor do veículo ligeiro de passageiros tenha sinalizado a mudança de faixa de rodagem e que o seu condutor tenha olhado pelo retrovisor, sendo que relevava provar que ele não procedeu de tal forma, conforme as regras do ónus da prova aplicáveis, artigo 342.º, n.º 1, do CCivil.

A apurada atuação do condutor do ligeiro de passageiro não pode, pois, ser tida como ilícita.

Também não se revela culposa: da factualidade dada como provada, e só ela é pertinente, não se configura que a apurada atuação do condutor do TB tenha violado algum dever de cuidado a que estava obrigado e de que ele era capaz.

Dito de outro modo, a partir da factualidade apurada não pode concluir-se que o condutor do ligeiro de passageiros podia e devia ter agido de forma diversa à indicada como provada.

No contexto apurado, a respetiva conduta não pode igualmente caracterizar-se como danosa, enquanto causadora de danos em termos adequados, pois embora tenham sido provados danos, e danos significativos, não pode estabelecer-se um nexo de causalidade adequado entre a atuação do condutor do TB e os danos apurados.

O contrário se diga relativamente ao A., condutor do motociclo.

Nas circunstâncias apuradas urge entender a sua conduta como ilícita, culposa e danosa.

Da factualidade dada como provada decorre que o embate em causa resultou da falta de uma distância de salvaguarda por parte do A. relativamente ao veículo da frente, o TB, e da excessiva velocidade que aquele imprimia ao motociclo, em violação, pois, do disposto nos artigos 18.º, n.º 1, e 24.º do CEstrada, os quais preceituam, respetivamente, qualquer condutor «deve manter entre» veículos «a distância suficiente para evitar acidentes em caso de súbita paragem ou diminuição de velocidade» do veículo da frente e deve-se «regular a velocidade de modo a que» se «possa (…) fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente», termos em que a conduta do A. deve ser considerada como ilícita.

Naquele contexto apurado, era exigível ao A. um procedimento conforme a tais regras estradais, pelo que a sua conduta revela-se culposa.

Mais, foi em virtude daquela sua descuidada condução que resultaram os danos apurados, sendo seguro, assim, estabelecer um nexo de causalidade adequada entre os danos ocorridos e a condução do A., pelo que esta revelou-se danosa.

Nestes termos, conclui-se, assim, que o acidente de viação em causa decorreu exclusivamente de culpa do A., mostrando-se, pois, excluída a responsabilidade pela culpa do condutor do veículo ligeiro de passageiros e, pois, da R., enquanto seguradora do ligeiro de passageiros.

Por outro lado, uma vez que não ficou minimamente demonstrado que o risco inerente à circulação rodoviária do ligeiro de passageiros teve influência relevante no embate em causa, mostra-se excluída a responsabilidade pelo risco do condutor daquele veículo e, assim, também da R. Seguradora, atento o regime decorrente dos artigos 483.º, n.º 2, 505.º e 570.º do CCivil.

Em consequência, improcede a ação e a R. deve ser absolvida do pedido, mostrando-se prejudicadas as demais questões suscitadas pelas partes, designadamente do quantum indemnizatório, conforme artigos 663.º, n.º 2, e 608.º, n.º 2, do CPCivil.”

Dissentindo do assim decidido, defende o Autor que a culpa no acidente deve ser atribuída ao condutor do ligeiro, ou quando muito considerar-se a concorrência entre o risco do veículo e a culpa do lesado.

Vejamos de que lado está a razão.

Preliminarmente, importa recordar os factos que a Relação deu como provados quanto à dinâmica do acidente:

«7. Naquele circunstancialismo, o RZ circulava a uma velocidade superior à do TB e este rodava na via central, com uma outra viatura à sua frente;

8. A certa altura, a fim de ultrapassar aquela viatura, o TB desviou-se para a sua esquerda, passou a circular na via mais à esquerda e aí ultrapassou tal veículo que anteriormente seguia à sua frente;

9. Instantes depois daquela ultrapassagem, muito embora o A. ainda tenha acionado o sistema de travagem do motociclo, este embateu na traseira do TB;

10. Tal embate ocorreu na via mais à esquerda, onde circulava o TB».

Cabe referir que foi julgado não provado: que “a manobra do TB foi abrupta e repentina, e que o TB sinalizou a mudança de faixa de rodagem indicada em 8”.

Para o que nos interessa, isto é irrelevante sabido que a não prova de um facto não significa que se prove o contrário. Um facto não provado é um “nada”, tudo se passando como se não tivesse sido alegado.

Cingindo-nos à matéria de facto provada resulta que o acidente ocorreu após o ligeiro, que seguia na via do meio, num local em que a faixa de rodagem tem três vias, ultrapassar o veículo que o precedia e passado a circular na via mais à esquerda por onde circulava o motociclo conduzido pelo Autor; instantes depois da ultrapassagem, o motociclo embateu na traseira do veículo ligeiro.

Para aferir da ilicitude e da culpa – dois dos pressupostos da obrigação de indemnizar constantes do art. 483º do CCivil – há que convocar as pertinentes normas do Código da Estrada (CE), aprovado pelo DL nº 114/94 de 03.05, e sucessivas alterações, sendo a mais recente à data do acidente a do DL nº 107/2018, de 29.11.

Em matéria de circulação rodoviária, o CE estabelece como princípio base o que os “condutores devem, durante a condução, abster-se da prática de quaisquer actos que sejam susceptíveis de prejudicar o exercício da condução com segurança” (art. 11º, nº2).

E no que tange concretamente à manobra de ultrapassagem, estabelecem os artigos 35º e 38º do CE:

35º/1: O condutor só pode efectuar as manobras de ultrapassagem, mudança de direcção ou de via de trânsito (…) em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito.

Art. 38º, sob a epígrafe Realização da manobra (de ultrapassagem):

1. O condutor não deve iniciar a ultrapassagem sem se certificar que a pode realizar sem perigo de colidir com veículo que transite no mesmo sentido ou em sentido contrário.

2. O condutor deve, especialmente, certificar-se de que:

a) a faixa de rodagem se encontra livre na extensão e largura necessárias á realização da manobra com segurança;

b) Pode retomar a direita sem perigo para aqueles que aí transitem;

c) Nenhum condutor que siga na mesma via ou na que se situa imediatamente à esquerda iniciou manobra para o ultrapassar;

d) O condutor que o antecede na mesma via não assinalou a intenção de ultrapassar um terceiro veículo ou de contornar um obstáculo;

e) (…)

Tendo presentes estes princípios, adiantamos desde já que nos afastamos do juízo da Relação.

O condutor do ligeiro teve culpa no acidente por ter efectuado a manobra de ultrapassagem, que foi causal do acidente, sem o cuidado que se impunha.

Na verdade, a conclusão a retirar dos factos provados é a de que o condutor do TB efectuou a ultrapassagem do veículo que o precedia sem se certificar que a podia realizar em segurança na medida em que com aquela manobra invadiu a via mais à esquerda, por onde circulava o Autor, que apesar de travar não conseguiu evitar o embate no TB.

Ao efectuar a manobra de ultrapassagem nos termos em que a fez, o condutor do veículo TB violou as disposições dos arts. 35º e 38º, nº1, e nº2, alínea b) do CE.

A sentença neste particular decidiu correctamente na apreciação do comportamento do condutor do ligeiro:

“Em resultado da forma como executou a manobra de ultrapassagem, o condutor do veículo automóvel mudou a circulação para a via da esquerda, onde se encontrava a circular o motociclo, não tendo, com tal manobra, observado a diligência e cuidado devidos e acautelado o reconhecimento de todas as circunstâncias envolventes atinentes, sendo tal parcialmente causal do embate ocorrido (ou teria avistado atempadamente o motociclo e abstido de se “colocar na sua frente”).

No que tange ao comportamento do Autor, quer a sentença quer o acórdão recorrido coincidiram em considerar que o mesmo seguia em velocidade excessiva, isto porque, como diz a Relação, não respeitou “uma distância de salvaguarda relativamente ao veículo da frente, o TB, e da excessiva velocidade que aquele imprimia ao motociclo, em violação, pois, do disposto nos artigos 18.º, n.º 1, e 24.º do CEstrada.”

Será assim?

Como é sabido, o conceito de “velocidade excessiva” definido no art. 24º, nº1, do CE comporta duas realidades distintas: uma vertente absoluta (sempre que exceda os limites legais) e uma vertente relativa (a não adequação à situação concreta, que leva a que o condutor não pare no espaço livre e visível à sua frente).

Não está provado que o Autor circulasse a uma velocidade superior à legalmente prevista para o local.

Com a vertente relativa, a norma pretende que o condutor assegure que a distância entre ele e qualquer obstáculo visível é suficiente para, no caso de necessidade, fazer parar o veículo sem ter de contar com os obstáculos que surjam inopinadamente. Como referido no acórdão do STJ de 20.01.2010, P. 591/05, “o art. 24º, nº1, do CE, encerra um princípio geral em matéria de velocidade: o condutor deve regulá-la de modo a poder executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente, ou sejam na secção e estrada isenta de obstáculos que fica abrangida palas possibilidades visuais do condutor.”

É jurisprudência constante, desde há muito, “que nenhum utente da via tem de contar com a negligência ou inconsideração dos outros, excepto tratando-se daqueles com notória imprevisibilidade de comportamento (v.g. crianças) ou limitações (v.g. limitações)” (Acórdão do STJ de 18.12.2007, P. 2732/07), do mesmo modo que “nenhum condutor pode ser censurado pelo facto de, inopinadamente, lhe surgir um obstáculo impeditivo da sua livre circulação” (acórdão do STJ de 02.12.2004, P, 3097/04).

No caso, se o Autor circulasse com a atenção que lhe era exigível, considerando as circunstâncias em que ocorreu o acidente – autoestrada, dia de verão, boa luminosidade - ter-se-ia apercebido com maior antecedência da manobra do TB, e reduzido a velocidade de forma a evitar o embate, ou pelo menos, reduzir a gravidade do mesmo. Daí que não pode eximir-se o Autor de culpa no acidente, todavia em grau muito inferior à do condutor do TB, principal culpado. Tudo visto, entendemos graduar as culpas em 85% para o condutor do TB e 15% para o Autor.

*

Como assim, fica prejudicado o conhecimento da questão da concorrência da culpa com o risco.

///

O quantum indemnizatório.

A sentença de 1ª instância julgou provados danos patrimoniais e não patrimoniais, que valorou nos seguintes valores: €27.995,70 (danos patrimoniais, por destruição da roupa que o Autor envergava, do capacete, danos no motociclo, e indemnização pelo privação do uso, auxílio de 3ª pessoa); €40.000,00 a título de danos não patrimoniais e €15.000,00 pelo chamado dano biológico, no total de €82.995,70. Visto a culpa do Autor no acidente, foram aqueles valores reduzidos a metade.

No recurso de apelação, a Ré, prevenindo a hipótese de a sentença não ser revogada com a sua absolvição do pedido, insurgiu-se apenas contra os valores fixados a título de dano patrimonial pela privação de uso e auxílio de 3ª pessoa.

O Autor, no recurso subordinado, o Autor pugnou pela subida da indemnização a título de dano biológico para €70.000,00 em vez dos €15.000,00 fixados na sentença, entendimento que reitera no recurso de revista.

Significa isto a concordância das partes com a valorização dos danos não patrimoniais, cuja compensação em €40.000,00 nos parece equitativa e justa à luz da gravidade dos danos, quantum doloris, repercussões na vida quotidiana, prejuízo de afirmação, como evidenciam os pontos 28,29,30,33,34,35,36,37,38,39,41,46,49,50,51,52,53,54,55,56,57,58.

No que tange à indemnização pela privação do uso do motociclo, a sentença fixou a indemnização em €19.575,00, decisão que fundamentou nestes termos: “(…) entendemos ser de ressarcir tal prejuízo após alta médica em 12.02.2020, momento em que tornaria a poder fazer-se deslocar na viatura, à razão de 15€/dia por 1305 dias, no montante global de € 19.575,00. E não se entenda que pelo facto de ulteriormente o motociclo (ou o seu salvado) terem sido transacionados pelo A, tal obvia o pagamento deste prejuízo porquanto, demonstrado o dano, e que sem ocorrência do evento acidentário não se verificaria, temos por preenchida a obrigação indemnizatória, ainda que pelo seu sucedâneo.”

Sucede que a Relação alterou para não provado o facto nº27 onde constava como provado (transcrevem-se também os factos 25 e 26, para melhor compreensão):

25. O RZ era o principal meio de transporte do A, utilizando-o nomeadamente para as deslocações do e para o seu local de trabalho;

26. Desde o acidente que não pôde mais utilizá-lo para o efeito, tendo de recorrer a outros meios de transporte para efetuar os mesmos trajetos que fazia com o RZ;

27. Em montante diário de inutilização que reputa em € 15,00.

Não se alcança o raciocínio da sentença para considerar quer o valor diário de €15,00, pois aquilo que o Autor reputa é irrelevante, nem um total de 1305 dias, sabido que o acidente ocorreu em 31.08.2019, o Autor teve alta em 12.02.2020 e a reparação do motociclo foi orçada em € 3.750,97.

O acórdão deste STJ de 28.09.2021, P. 6250/18, decidiu, exprimindo jurisprudência maioritária, que “o dano decorrente da privação do uso de veículo constitui dano patrimonial autónomo, quando o proprietário do veículo danificado se viu privado de um bem que faz parte do seu património, deixando de poder dele dispor e gozar livremente com violação do direito de propriedade. Demonstrado o dano que advém da privação do uso do veículo, e na falta de qualquer objectivação, é legítimo o recurso à equidade.”

Também assim pensamos. Não podendo manter-se a decisão da 1ª instância, perante os parcos factos apurados, entendemos razoável e equitativo fixar a este título a indemnização de €7.500,00.

A indemnização pela necessidade de auxílio de terceira pessoa.

O Autor alegou apenas que teve necessidade do auxílio da esposa e do pai para as tarefas quotidianas, sem que tenha feito qualquer pedido de indemnização com este fundamento. Todavia a sentença valorou este dano em €2.550,00, e condenou a Ré a pagar metade deste valor.

Nada tendo sido pedido nesta parte, não pode manter-se esta condenação.

A indemnização pelo dano biológico.

Está consolidado na jurisprudência do STJ que ao arbitrar-se indemnização pelo dano patrimonial futuro deve ter-se em consideração não apenas a parcela dos rendimentos salariais directa e imediatamente perdidos em função do nível de incapacidade laboral do lesado, mas também o dano biológico sofrido pelo lesado, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre.

Como referido no acórdão deste Tribunal 09.05.2023, P. 7509/19, “o dano biológico que emerge da incapacidade geral permanente, de natureza patrimonial, reclama a indemnização por danos patrimoniais futuros, independentemente de o mesmo se repercutir no respectivo rendimento salarial, consubstancia um “dano de esforço”, na medida em que o lesado para desempenhar as mesmas tarefas e obter o mesmo rendimento, necessitará de uma maior actividade e esforço suplementar.” (Neste sentido, no plano jurisprudencial, por exemplo, os acórdãos do STJ de 16/06/2016 (p. nº 364/06), de 05/12/2017 (p. nº 505/15), de 22/02.2022 (p. 1082/19) e de 21/04/2022 (p. 96/18).

A indemnização por dano biológico deve ser calculada segundo a equidade, devendo ainda atender-se aos valores indemnizatórios que se encontram na jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal de Justiça a fim de obter, tanto quanto possível, uma interpretação e aplicação uniformes do direito, como estabelece o nº3 do art. 8º do CC (acórdãos do STJ de 21.01.2021, P. 6705/14 e de 07.12.2023, P. 1393/2023).

Como decidido no acórdão do STJ de 4.02.2022, P. 1082/9, “a indemnização pela afectação da capacidade de geral ou funcional, sendo indeterminável, deve ser fixada com recurso à equidade (cfr. art. 566º, nº3, do CCivil), em função dos seguintes factores: i) a idade do lesado (a partir da qual se pode determinar a sua esperança média de vida à data do acidente); ii) o seu grau de incapacidade geral e permanente; iii) as suas potencialidades de ganho e de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, com em actividades económicas alternativas; iv) a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional do lesado, assim como das actividades profissionais ou económicas alternativas (também aqui, tendo em conta as suas qualificações e competências).

Vejamos alguns exemplos da jurisprudência do STJ, consultáveis em www.dgsi.pt:

Acórdão de 19.02.2015, P. 99/12: vítima com 43 anos à data do acidente; com IPP de 12%, sem perda de remuneração, a exigir “esforços suplementares”: €25.000,00 de indenização por dano biológico;

Acórdão de 07.05.2024, P. 807/18: indemnização de €42.000,00 por dano biológico, em que o lesado ficou afectado de défice de 17 pontos, compatível com a profissão habitual, mas com esforço acrescido;

Acórdão de 30.04.2024, P. 1548/21; indemnização de €40.000,00 por dano biológico, em que o lesado, com 60 anos à data do acidente, ficou afectado de défice de 18 pontos, sem impossibilidade de exercer a profissão habitual, mas com esforço acrescido;

Acórdão de 16.11.2023, P. 1019/21: indemnização de €20.000,00 a lesado com 49 anos à data do acidente; défice de 4 pontos, compatível com o exercício da sua profissão, mas a exigir esforços suplementares.

Posto, revertemos ao caso dos autos.

O Autor à data do acidente tinha 41 anos; é Primeiro-Sargento da Força Aérea, auferia à data a retribuição mensal base de 1.394,58€, acrescida de suplemento de condição militar mensal de 309,95€; ficou afectado de Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 9 pontos, sendo que as sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares, em particular não podendo/devendo mobilizar cargas, e devendo utilizar almofada para conforto coccígeo.

Não se provou, nem é previsível, que atento a profissão do Autor o défice de integridade físico psíquico de que ficou a padecer venha a ter reflexos negativos ao nível da possibilidade de aumento de ganhos no exercício da sua profissão.

Perante o quadro factual apurado e tendo presente os valores indemnizatórios atribuídos por este STJ em casos com alguma semelhança, afigura-se-nos dever a indemnização a este título ser fixada em €22.000,00.

Todos os valores indemnizatórios, a título de danos patrimoniais e de privação do uso (€13.339,50), não patrimoniais (€40.000,00) e dano biológico (€22.000,00) são sujeitos a redução de 15%, por força da culpa do Autor no acidente.

Decisão.

Em face do exposto, acorda-se em conceder parcialmente a revista, revogar o acórdão recorrido e condenar a Ré a pagar ao Autor as seguintes quantias:

a) €11.339,00 (onze mil, trezentos e trinta e nove euros), a título de danos patrimoniais, acrescidos de juros devidos desde a data da citação, até efetivo e integral pagamento;

b) €34.000,00 (trinta e quatro mil euros) por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora a partir da data da sentença e até efectivo e integral pagamento;

c) €18.700,00 (dezoito mil e setecentos euros) a título de dano biológico, com juros de mora a partir da data da sentença e até efectivo e integral pagamento.

Custas, por Recorrente e Recorrida na medida do decaimento.

Lisboa, 10.12.2024

Ferreira Lopes (relator)

Rui Machado e Moura

Fátima Gomes