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CONTRA-ORDENAÇÃO AMBIENTAL
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ESCAVAÇÕES EM ZONA DE REN
ADMOESTAÇÃO
Sumário
I – Apurada na 1.ª instância a data da prática da contra-ordenação, ainda que dentro de uma baliza temporal de um mês, está fora do âmbito dos poderes do tribunal de recurso sindicá-la, assim como a qualquer outro facto provado, face ao disposto no art. 75.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações. II – Sendo a regra a proibição de actividades que alterem a configuração e natureza de terreno integrado na Reserva Ecológica Nacional, a punibilidade da realização de escavações e aterro/depósito de inertes não depende da prova da sua incompatibilidade com os objectivos de protecção ecológica e ambiental. III – Se o agente quer fazer trabalhos numa zona onde sabe estar impedido de construir, é susceptível de censura que, previamente, não tenha tido o cuidado de apurar se as escavações e depósito de inertes (para alargamento da via pública, facilidade de estacionamento, colocação de contentores, construção de socalcos e reconstrução de acesso ao restante terreno) era ou não legalmente admissível. IV – A inobservância desse cuidado e a realização de tais obras traduz-se na prática, por negligência, de uma contra-ordenação ambiental muito grave. V – Numa época em que cada vez mais se fala, estuda e sente o aquecimento global do planeta, as zonas de REN devem ser preservadas e respeitadas, sob pena de, não o fazendo, estarmos a contribuir para uma acentuada perda de qualidade do ar, da vida humana e das outras espécies, animais e vegetais, pelo que o art. 22.º, n.º 4, a), da Lei-Quadro das Contra-Ordenações Ambientais não viola o princípio da proporcionalidade do art. 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. VI – Deve ser liminarmente afastada a aplicação de admoestação no caso da prática de uma contra-ordenação ambiental muito grave, não só pela contradição de termos (a admoestação do art. 51.º, n.º 1, do RGCO prevê a reduzida gravidade da infracção) como por se tratar de uma violação inadmissível do espírito da lei cominatória.
Texto Integral
Neste processo n.º 528/23.4T8VRL.G2, acordam em conferência os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:
I - RELATÓRIO
Em processo contra-ordenacional movido pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDRN) a AA, residente na Rua ..., ... ..., foi decidido condenar o arguido no pagamento de uma coima de € 5.000,00, e na sanção acessória de reposição do terreno nas condições que se encontrava anteriormente à intervenção ou na regularização da mesma, no prazo de 90 dias, pela violação do art. 20.º, n.º 1, d), do D.L. n.º 166/2008, de 22 de Agosto (alterado pelo D.L. n.º 239/2012, de 2 de Novembro e pelo D.L. n.º 96/2013, de 19 de Julho), ilícito previsto e punido pelo art. 37.º, n.º 3, a), do D.L. n.º 166/2008, em conjugação com o disposto no art. 22.º, n.º 4, a), da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto (republicada pela Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto), e ainda nas custas do processo.
No recurso de contra-ordenação n.º 528/23...., a correr termos no Juízo Local Criminal de ..., Comarca de Vila Real, interposto pelo arguido, foi proferida sentença[1] que, na procedência parcial daquele, confirmou a coima e a sanção acessória, mas suspendeu a execução da primeira por um ano, nos termos do art. 20.º-A, nºs. 1 e 4, da Lei n.º 50/2006, subordinada ao cumprimento da segunda.
Inconformado com essa decisão judicial, da mesma recorreu o arguido, apresentando as seguintes conclusões[2]:
«A - O facto dado como provado em 1 – dos factos provados (“Em data não concretamente apurada, mas durante o mês de ../../2022, o arguido procedeu a uma escavação…”) deverá ser considerado como não provado, por estar em contradição com a respectiva motivação ou fundamentação invocada ou por errada interpretação daquela mesma prova para tanto invocada como motivação para o ter dado como provado. B - Por carência de prova feita nos autos deverá ser dado como não provado o tempo em que aqueles factos ocorreram, um facto fundamental para a decisão nomeadamente em sede de eventual prescrição do procedimento contraordenacional que aqui se invoca. C - Uma manifesta insuficiência para a decisão da matéria de facto que determina a absolvição do arguido. D – Ou assim se não entendendo, a sentença recorrida é nula, nos termos do artigo 379.º, nº 1, al. a) primeira parte, por inobservância do disposto nos artigos 374.º, nº 2, ambos do CPP ex vi artigos 41.º, nº 1.º e 74.º, nº 4.º do RGCO, atenta a existência do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto no artigo 410.º, nº 2.º, al. a) do CPP ex vi dos artigos 41.º, nº 1.º e 74.º, nº 4.º do RGC o que determina o reenvio dos autos para novo julgamento com vista à sanação do vício e da nulidade assinalados, nos termos do disposto no artigo 426º, nº 1 do CPP; e, apurado que seja que os factos ocorreram há mais de 5 anos e 159 dias o prazo de prescrição que se invoca já decorreu integralmente, o que determina a extinção do presente procedimento contraordenacional, o que então deverá ser decidido. E – Da factologia apurada não resulta que a escavação e aterro levados a cabo pelo arguido não sejam compatíveis com os objectivos de protecção ecológica e ambiental e de prevenção e redução de riscos naturais de áreas integradas em REN; e, por outro lado tendo-se tratado de uma acção de arborização com espécies florestais nomeadamente castanheiros e carvalhos e algumas árvores de fruto, consideram-se dispensadas da aplicação do disposto no n.º 1; pelo que não estão preenchidos os elementos objectivos da prática da contraordenação ambiental imputada ao arguido, com a sua consequente absolvição. F – Encontra-se assente que o arguido desconhecia que o local onde realizou as escavações/aterro era classificado como Reserva Ecológica Nacional… não sabia que os terrenos se inseriam em Reserva Ecológica Nacional e, conforme informação que colheu do senhor presidente da Junta de Freguesia, era uma Zona Verde onde, como tal se não pode realizar construções. G – Desse modo o arguido ficou completamente persuadido de que nada o impediria de levar a cabo o desaterro que de facto não consistia em qualquer tipo construção e que lhe permitiria transformar uma ribanceira criada pela estrada rasgada no local, num terreno agricultável plano de cerca de 150 m2 e, com a terra daí retirada, criar dois pequenos socalcos do outro lado da estrada e um melhor acesso a outros terrenos de cultivo de outra forma inacessíveis a um tractor agrícola. H - As terras retiradas são depositadas e devidamente compactadas no prédio sito imediatamente do outro lado daquela mesma via permitindo a plantação de castanheiros assim como um acesso térreo de tractor agrícola à restante parte do imóvel, de outra forma impossível atenta a acentuada inclinação do mesmo e desse modo viabilizar o seu aproveitamento com a plantação de mais carvalhos, castanheiros e outras árvores e cobertura vegetal autóctones” - conforme consta do documento junto aos autos pelo arguido em sede de impugnação judicial de fls. 160 a 163 referenciado na douta sentença como suporte probatório nomeadamente do facto 8 dado como provado. I - Ora, o arguido discorda de que, perante aquela factologia o Tribunal recorrido tenha concluído que “não restam dúvidas que o arguido deveria ter diligenciado no sentido de obter informação para saber se naqueles terrenos podia efectuar escavações/aterros... porquanto sabendo, em momento prévio à realização dos trabalhos, que o local onde ia realizar os aterros/escavações se inseria em zona verde.” J – Devidamente informado que foi, na sequência do levantamento do auto de contraordenação na origem dos presentes autos, o arguido de imediato diligenciou pela regularização da situação perante a C.C.D.R.N. – vd. docs de fls. 160 a 163. K - O arguido agiu com uma clara falta de consciência da ilicitude como resulta da factologia apurada e é plausível, porventura uma falsa ou equívoca suposição da legalidade; uma actuação sem consciência não censurável da ilicitude da actuação ou actuação no pressuposto da legalidade; sendo que os factos apurados permitem considerar quanto ao elemento subjectivo que o arguido desconhecia que o local fazia parte da REN e, atenta a informação que obteve junto da junta de freguesia acabou por ser induzido em erro sobre a proibição. L - A CCDRN (entidade administrativa autuante) concluiu na decisão que proferiu que “temos de convir estar perante uma acentuada diminuição da necessidade de pena” – sic. (…)[3] N – Permita o Tribunal ao recorrente também discordar, com a mui respeitosa vénia devida, da sentença recorrida no que concerne à conclusão da inaplicabilidade da admoestação no caso de contraordenações graves ou muito graves. O - A pena de admoestação é sempre aplicável, independentemente da classificação da contraordenação como leve, grave, ou muito grave, desde que se verifiquem circunstâncias que reduzam significativamente a culpa ou a ilicitude do facto; devendo a respectiva ponderação ser feita caso a caso, avaliando-se do grau de ilicitude em concreto e atendendo à culpa do arguido, às suas circunstâncias concretas, às consequências do ilícito e ao eventual benefício económico que este tenha obtido. P – O que mais se espera do Tribunal é que profira uma decisão justa, que realize a JUSTIÇA e o DIREITO ponderadamente, equitativamente, com respeito pelos princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade podendo, para tanto lançar mão da pena da admoestação como sanção bastante nos casos em que a prática do ilícito contraordenacional esteja preenchido sob o ponto de vista objectivo como subjectivo. Q - Cinco mil euros é uma coima completamente desproporcional face às condições económicas do Arguido, à realidade social local, à inexistência de benefícios económicos daí advindos para o arguido e aos eventuais prejuízos ambientais causados (de todo desconhecidos ou, pelo menos, não apurados) que, como aqueles, foram nenhuns. R - Tendo por referência a factualidade dada como provada e o mais que as regras da experiência comum ditam face à prova produzida, a sanção de admoestação pode ser aqui aplicada ao arguido tanto mais que não ficou apurado o lapso de tempo já decorrido desde a prática dos factos cuja ilicitude dos factos é diminuta, nem antes nem depois da prática dos factos em causa nos autos o arguido praticou quaisquer outros de igual natureza ou similar, o que demonstra que o mesmo vem pautando a sua vida em conformidade com o direito e as regras legalmente impostas no que a este respeito concerne; não se provou a obtenção de qualquer benefício económico do recorrente com a prática da contraordenação em causa nos autos nem que daí tenha advindo qualquer prejuízo de carácter ambiental; a culpa do recorrente é reduzida, pois que, quando muito, actuou com a modalidade menos grave da negligência – i.e. com negligência inconsciente, e a infracção, ainda que classificada pela lei como grave, não teve quaisquer consequências para terceiros de natureza patrimonial ou não patrimonial, nem se provou que tenha causado qualquer prejuízo de carácter ambiente em geral; de resto a situação económica do arguido é claramente precária, sendo que neste momento é de todos sabido as dificuldades económicas da maioria dos cidadãos, mormente neste interior cada vez mais deserto; uma coima do montante de 5.000,00 € naturalmente que faz perigar de forma séria o equilíbrio e a própria subsistência do agregado familiar do arguido; pelo que a admoestação de que o arguido nunca beneficiou anteriormente, seguramente que permite alcançar as finalidades da sanção que o arguido certamente interiorizará evitando que esta situação se volte a repetir. S - Ao ter decidido condenar o arguido o Tribunal “a quo” fez uma incorrecta interpretação da lei assim como incorrecta foi a respectiva subsunção aos factos dados como provados, aos resultantes da prova produzida. T – Não tendo optado pela absolvição do arguido o Tribunal recorrido proferiu uma decisão injusta, embora douta e sempre respeitável, tendo violado por errada aplicação e interpretação, nomeadamente as normas constantes dos artigos 20.º, n.º 1, alínea d) do Decreto-Lei n.º 166/2008, de 22 de agosto, 37.º, n.º 3, alínea a) do Decreto Lei n.º 166/2008, em conjugação com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, na alínea a), da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, artigos 23.º-A e 23.º-B da Lei n.º 50/2006, 20.º-A, n.ºs 1 e 4, da Lei n.º 50/2006, artigo 379.º, nº 1, al. a) primeira parte, artigos 374.º, nº 2, artigo 410.º, nº 2.º, al. a) do CPP, ex vi artigos 41.º, nº 1.º e 74.º, nº 4.º do RGCO, artigo 426º, nº 1 do CPP, artigos 8º, nº 2, 9.º, 27.º, 27.º-A nº 1, al. c) e nº 2 e 28.º do RGCO, artigos 7º, n.ºs 3 e 4 e 6º-B, n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, art.º 16.º, 17.º e artigo 60.º do Código Penal, art.º 51.º do Regime Geral das Contra-ordenações (DL n.º 433/82, de 27.10), art.º 2.º, n.º 1, da Lei n.º 50/2006, de 29.08) e art.º 51.º do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro e art.ºs 13.º e 18.º, n.º 2, da C.R.P.» Pugna o recorrente[4]:
b) «deve ser dado como não provado o tempo da ocorrência dos factos contraordenacionais imputados ao arguido, uma insuficiência para a decisão da matéria de facto que determina a absolvição do mesmo.» Assim não se entendendo, pede o recorrente
c) a declaração da nulidade da sentença recorrida, «atenta a existência do vício de erro ou vício da decisão de facto face à contradição daquele facto (1) dado como provado com a respectiva motivação invocada para decisão da matéria de facto provada – contradição entre a fundamentação e a decisão, com o consequente reenvio dos autos para novo julgamento com vista à sanação do vício e da nulidade assinalados e, apurado que seja que os factos ocorreram há mais de 5 anos e 159 dias, o prazo de prescrição que se invoca já decorreu integralmente, o que determina a extinção do presente procedimento contraordenacional, o que então deverá ser decidido»; se assim não se julgar,
d) pela revogação da sentença recorrida e substituição por outra «que absolva o arguido da prática da contraordenação que lhe foi imputada»; se não se seguir esse entendimento,
e) e se concluir que a conduta do arguido foi negligente, ser este sancionado com uma admoestação.
O recurso foi admitido.
O Ministério Público na 1.ª instância apresentou resposta, com as seguintes conclusões:
«1. O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorreria se os factos dados como provados na fundamentação da douta sentença em crise fossem em si insuficientes para justificar a parte dispositiva da mesma ou se o Tribunal não tivesse investigado toda a matéria de facto relevante, por forma a que esta, por insuficiente, não permitisse a aplicação do direito à situação sob juízo. 2. Na verdade, in casu, a fundamentação da decisão recorrida é completa e traduz a exteriorização do raciocínio interior do Mmº Juiz a quo. 3. Por seu turno, a parte dispositiva da sentença cumpre o preceituado no artº 374º, nº 3, do Código de Processo Penal, contemplando as disposições legais aplicáveis, bem como a decisão condenatória, em total acordo com a factualidade tida como provada. 4. A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão consiste tanto na contradição entre a matéria de facto dada como provada ou não provada, como também entre a fundamentação probatória da matéria de facto ou até mesmo entre a fundamentação e a decisão. 5. Tratar-se-á de uma situação em que, seguindo o fio condutor do raciocínio lógico do julgador, os factos julgados como provados ou como não provados colidem inconciliavelmente entre si ou uns com os outros ou, ainda, com a fundamentação da decisão. 6. Na verdade, atendendo ao teor da douta sentença ora censurada, não contemplamos qualquer oposição entre os factos provados, entre os não provados, nem entre estes e aqueles, sendo que antes se percebe que todos se harmonizam no seu devir histórico. 7. Nem tão-pouco se descortina qualquer contradição entre a motivação e a decisão da matéria de facto, pois este vício consiste numa tomada de posições divergentes e inconciliáveis sobre a mesma questão no decurso da decisão. 8. Prescindindo de reproduzir o expendido e transcrito supra acerca da factualidade dada como provada e como não provada, bem como da fundamentação probatória elaborada na douta sentença em crise, concluir-se-á que o Mmº Juiz a quo mostrou-se translúcido na forma como explanou o seu pensamento, não padecendo a decisão do vício previsto no artº 410º, nº 2, al. a), do Código de Processo Penal. 9. O mesmo se dirá, aliás, relativamente ao erro notório na apreciação da prova. Com efeito, para caracterizar o erro notório na apreciação da prova importa desde logo referir que erro é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. E só é notório o erro ostensivo, evidente, que não passaria despercebido à generalidade das pessoas ou seria facilmente detectado por uma pessoa comum. Esse erro há-de ser evidente aos olhos dos que apreciam a decisão e seus destinatários, sem necessidade de argúcia excepcional, porquanto de tal forma axiomático que não escapa a uma análise superficial, mesmo por um homem de formação média. 10. Este vício verifica-se quando se retira de um facto dado como provado uma consequência logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto provado uma consequência ilógica, arbitrária e contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida. 11. Além do mais, para a verificação deste vício mister é apurar se a matéria de facto dada como provada na sentença constitui um suporte fáctico válido para a decisão a que se chega na mesma e não se a prova produzida em audiência é ou não suficiente para a decisão proferida na sentença. 12. Ora, o que o recorrente pretende é que se atenda à sua valoração da prova em detrimento daquela feita pelo Mmº Juiz a quo, o que não se subsume neste vício da sentença. 13. Por outro lado, inexistem factos provados e não provados que, da análise da decisão, sobressaiam como sendo impossíveis ou ilógicos ou sequer qualquer equívoco ostensivo contrário a facto do conhecimento geral ou ofensivo das leis da física, da mecânica, da lógica ou de conhecimentos científicos criminológicos e vitimológicos. 14. Nos termos do artº 5º do Regime Geral das Contra-Ordenações, o facto considera-se praticado no momento em que o agente actuou ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido. 15. Nos termos do preceituado no artº 27º do Regime Geral das Contra-Ordenações, “o procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorrido os seguintes prazos: a) Cinco anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a (euro) 49879,79; b) Três anos, quando se trate de contraordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a (euro) 2493,99 e inferior a (euro) 49879,79; c) Um ano, nos restantes casos” (sublinhado nosso). 16. O procedimento pela contra-ordenação em causa é punível com coima de (euro) € 10.000,00 (dez mil euros) euros e máxima de € 100.000,00 (cem mil euros), pelo que, o procedimento para a contra-ordenação em causa extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a sua prática tiver decorrido o prazo de 05 (cinco) anos, nos termos do preceituado no artº 27º, al. b), do Regime Geral das Contra-Ordenações – coima de montante máximo igual ou superior a 49.879,79 €. 17. Além do mais, as causas de suspensão e de interrupção do decurso do prazo de prescrição encontram-se previstas, respectivamente, nos arts. 27º-A, nº 1, e 28º, nº 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações. 18. Pelo que, atento o disposto no artigo n.º artº 28º, nºs 1 e 3, do aludido diploma legal, atenta a data dos factos, mister será concluir não ter ainda decorrido o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional. 19. O Recorrente alega ainda que não se encontram preenchidos os elementos objectivos da norma em causa. Como bem referiu o Mmo Juiz a quo “Posto que ficou provado, em síntese, que o arguido realizou escavações e aterros em área de Reserva Agrícola Nacional e que nessa data não possuía qualquer autorização (ver factos provados 1) a 5) e 8), não se enquadrando em nenhuma das situações previstas nos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 20.º do Decreto Lei n.º 166/2008, de 22 de agosto, mostra-se preenchido o tipo objetivo desta contraordenação.” 20. O Recorrente considera ainda que agiu com uma clara falta de consciência da ilicitude pelo que não lhe pode ser assacada responsabilidade contraordenacional. Nesse tocante, remete-se para a douta decisão proferida pelo Mmo. Juiz a quo “Volvendo ao caso dos autos, constata-se que a entidade administrativa imputa ao arguido a contraordenação a título de negligência, não vislumbrando o Tribunal razões para discordar de tal entendimento, porquanto encontra-se assente que o arguido desconhecia que o local onde realizou as escavações/aterro era classificado como Reserva Ecológica Nacional. (…). Encontra-se assente que em data não concretamente apurada, mas em momento anterior à realização dos trabalhos de escavação e aterro, o arguido comunicou ao presidente da Junta da freguesia ... que ia realizar trabalhos, e aí foi-lhe transmitido por aquele que os terrenos se inseriam em zona verde, bem assim que o arguido entende que nas zonas verdes não se pode realizar construções. 21. Ora, face a tal não restam dúvidas ao Tribunal que o arguido violou o dever objetivo de cuidado, porquanto sabendo, em momento prévio à realização dos trabalhos, que o local onde ia realizar os aterros/escavações se inseria em zona verde, deveria ter diligenciado no sentido de obter informação para saber se naqueles terrenos podia efetuar escavações/aterros, caso tivesse agido com o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz.” Pelo que, em conclusão, não se verifica que o arguido tenha agido a coberto da falta de consciência da ilicitude. 22. Nos termos do disposto no artigo 51.º do RGCO a admoestação está destinada aos casos de reduzida gravidade, ou seja, de pequeno grau de ilicitude da contra-ordenação, se a culpa do agente o justificar. No caso dos autos, a prática, pelo arguido, de uma contra-ordenação ambiental muito grave impede, desde logo, que seja proferida uma admoestação. 23. A coima foi no caso em apreço foi especialmente atenuada, pois que o seu mínimo se situa em €10,000,00. No caso em apreço a própria legislação aplicável classifica a contra-ordenação praticada pelo arguido de muito grave e determina a aplicação de coima condizente. 24. Esta interpretação não viola o principio da proporcionalidade, porquanto, tal como se lê no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 379/19: «[…] o legislador ordinário dispõe de uma ampla margem de decisão quanto à fixação legal dos montantes das coimas a aplicar (ver, entre outros, os Acórdãos n.ºs 304/94, 574/95, 62/2011, 67/2011, 132/2011 e 360/2011), ainda que ressalvando que tal liberdade de definição de limites cessa em casos de manifesta e flagrante desproporcionalidade ou de excessiva amplitude entre os limites mínimo e máximo. 25. Em conclusão, tendo o valor mínimo da coima sido fixado pelo legislador, no âmbito da sua competência, em matéria de ilícitos de mera ordenação social e, em particular, ao estabelecimento das respetivas coimas, resulta claro que o montante da coima aplicável no presente caso não se afigura excessivo e, nessa medida, não viola o princípio da proporcionalidade. 26. Conclui-se, em conformidade, pelo acerto absoluto da douta decisão censurada e, concomitantemente, pela não violação de qualquer dispositivo legal, nomeadamente o preceituado nos artigos 20.º, n.º 1, alínea d) do Decreto-Lei n.º 166/2008, de 22 de agosto, 37.º, n.º 3, alínea a) do Decreto Lei n.º 166/2008, em conjugação com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, na alínea a), da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, artigos 23.º-A e 23.º-B da Lei n.º 50/2006, 20.º-A, n.ºs 1 e 4, da Lei n.º 50/2006, artigo 379.º, nº 1, al. a) primeira parte, artigos 374.º, nº 2, artigo 410.º, nº 2.º, al. a) do CPP, ex vi artigos 41.º, nº 1.º e 74.º, nº 4.º do RGCO, artigo 426º, nº 1 do CPP. artigos 8º, nº 2, 9.º, 27.º, 27.º-A nº 1, al. c) e nº 2 e 28.º do RGCO, artigos 7º, n.ºs 3 e 4 e 6º-B, n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, art.º 16.º, 17.º e artigo 60.º do Código Penal, art.º 51.º do Regime Geral das Contra-ordenações (DL n.º 433/82, de 27.10), art.º 2.º, n.º 1, da Lei n.º 50/2006, de 29.08) e art.º 51.º do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro e art.ºs 13.º e 18.º, n.º 2, da C.R.P.»
Conclui defendendo a improcedência do recurso e a manutenção da decisão sindicada.
Nesta Relação, o Senhor Procurador-Geral Adjunto remete para essa resposta e entende que o recurso não merece provimento.
Cumprido o contraditório, não foi dada resposta ao parecer.
Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.
II – FUNDAMENTAÇÃO
A. Delimitação do objecto do recurso
Nos termos do art. 412.º do Código de Processo Penal[5], e face às conclusões do recurso, são sete as questões a resolver:
- se há contradição do facto provado 1 com a motivação;
- se há nulidade da sentença e insuficiência para a decisão da matéria de facto;
- se o procedimento contra-ordenacional está prescrito;
- se faltam elementos objectivos da contra-ordenação;
- se, por parte do recorrente, há falta de consciência da ilicitude e/ou erro sobre a proibição;
- se a norma que fixa a coima viola o princípio constitucional da proporcionalidade;
- se deve ser aplicada ao caso a sanção de admoestação.
1. Factos provados
«1) Em data não concretamente apurada, mas durante o mês de março de 2022, o arguido, com recurso à contratação de uma empresa para o efeito, procedeu a uma escavação e ao aterro/depósito de inertes num terreno, de sua propriedade, paralelo à Rua ... e a uma escavação num outro terreno, também de sua propriedade, paralelo à rua de ..., ambos sitos na freguesia ..., concelho .... 2) Os trabalhos referidos em 1) foram realizados com o objetivo de alargar a via pública e facilitar o estacionamento dos seus veículos, colocar contentores, bem assim para construir três socalcos/patamares e reconstruir o acesso ao restante terreno. 3) Os terrenos referidos em 1) estão classificados no Plano Diretor Municipal de ... como área de Reserva Ecológica Nacional. 4) Ao atuar da forma supra descrita, o arguido não agiu com a diligência devida e de que era capaz, uma vez que deveria ter assegurado por si ou por intermédio de outrem que a execução dos trabalhos supra referidos se encontravam interditos por incidirem em área classificada de Reserva Ecológica Nacional, o que podia e devia ter feito. 5) O arguido agiu de forma livre e sem o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz, sem representar, contudo, que os terrenos identificados em 1) se localizavam em Reserva Ecológica Nacional.
Mais se provou que:
6) Em data não concretamente apurada, mas em momento anterior à realização dos trabalhos referidos em 1), o arguido comunicou ao presidente da Junta da freguesia ... que ia realizar trabalhos nos terrenos identificados em 1), e aí foi-lhe transmitido por aquele que os terrenos se inseriam em zona verde. 7) O arguido entende que nas zonas verdes não se pode realizar construções. 8) Em 26.08.2022, o arguido dirigiu ao Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte um pedido de autorização para proceder à movimentação de terras nos terrenos identificados em 1). 9) O arguido é casado, agricultor, auferindo mensalmente o salário mínimo nacional. Reside em casa própria, estando a pagar mensalmente a quantia de € 262,00 de empréstimo que contraiu para a sua aquisição. Tem 3 filhos maiores de idade, sendo que dois deles residem na mesma habitação. Não possui outros empréstimos bancários. Possui um veículo automóvel, da marca ..., modelo .... Estudou até à 4.ª classe, a qual não completou. 10) O arguido não possui antecedentes contraordenacionais.»
2. Facto não provado
«a) Os trabalhos referidos em 1) foram fiscalizados pelo Município ....»
3. Motivação da matéria de facto
«A matéria vertida nos 1) a 5) e 10) consta da decisão recorrida e não foi impugnada pelo recorrente. Ademais, o tribunal também analisou os documentos juntos aos autos, designadamente o auto de notícia de fls. 4 a 5, relatório fotográfico de fls. 6 a 10 e documentos de fls. 11 a 12, e informação técnica de fls. 57 a 59. Acresce que, a testemunha BB, militar da GNR a exercer funções no núcleo de proteção do ambiente de ..., presenciou diretamente as escavações/aterros que observou nas circunstâncias de tempo e de lugar descritas na decisão administrativa. Efetivamente, fê-lo de forma objetiva, serena, inclusivamente demonstrando não ter qualquer intenção de prejudicar o arguido e por isso foi um depoimento que o tribunal credibilizou. No que concerne aos factos 6, 7 e 9, a convicção do tribunal adveio das declarações prestadas pelo arguido em sede de audiência de discussão e julgamento, as quais não se encontram infirmadas por qualquer outro meio de prova, sendo que o facto 8) resultou da análise do documento junto pelo arguido em sede de impugnação judicial de fls. 160 a 163. No que concerne ao facto não provado, o mesmo resultou da ausência de prova. Cumpre referir que o depoimento das demais testemunhas inquiridas não assumiu qualquer relevância para a decisão da causa.»
4. Enquadramento jurídico contra-ordenacional
«As contraordenações encontram-se sujeitas ao princípio da tipicidade, como resulta do artigo 1.º do RGCO, o que significa que a qualificação como contraordenação depende do preenchimento por um facto de um tipo legal no qual se comine uma coima. Este princípio da legalidade é traduzido, relativamente ao direito criminal, no brocado latino “nullum crimen sine lege e nulla poena sine lege praevia, certa et scripta”, tem carácter garantístico, na medida em que tutela e protege os direitos fundamentais do cidadão. Assim, para que a conduta humana assuma a dignidade de uma infração é indispensável que coincida formalmente com a descrição feita numa norma legal que preveja, direta ou indiretamente, a aplicação de uma coima. Tem este princípio da legalidade como corolário o princípio da tipicidade, segundo o qual cabe à lei, e só a ela, especificar quais os factos ou condutas que constituem crime e quais os pressupostos que justificam a aplicação de uma medida de segurança, optando o legislador por o fazer através de modelos ou tipos que têm como função aferir se determinados comportamentos humanos se amoldam ao desenho arquitetado pelo legislador. (cfr. Simas Santos e Lopes Sousa, in Contra-ordenações, Anotações ao Regime Geral, pág. 48 e ss.). Como bem refere o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16.12.2009, processo n.º 2813/08.6TALRA.C1, disponível em www.dgsi.pt, «A rápida industrialização, o aumento desordenado dos aglomerados urbanos, a alteração radical dos processos de exploração agrícola, a ramificação das infra-estruturas de transportes, tudo prosseguindo numa perspectiva economicista, puseram os homens, os Estados e a comunidade internacional perante a evidência de que os recursos naturais não são inesgotáveis, e que o desenvolvimento e o progresso dependem tanto de uma forte e moderna indústria como, por exemplo, da pureza da água e das margens dos rios, combatendo-se as atitudes das empresas que, a fim de poupar nos custos de produção, lançam efluentes, resíduos e detritos da sua laboração.
É um dado adquirido a consciencialização do “ambiente” como valor a preservar, e, por isso a defender – tal valor vai-se derramando, aos poucos, por toda a malha do tecido jurídico-social.” Consagra o artigo 1.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto (Lei Quadro das Contraordenações Ambientais) que «1 - A presente lei estabelece o regime aplicável às contra-ordenações ambientais.
2 - Constitui contra-ordenação ambiental todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal correspondente à violação de disposições legais e regulamentares relativas ao ambiente que consagrem direitos ou imponham deveres, para o qual se comine uma coima.
3 - Para efeitos do número anterior, considera-se como legislação e regulamentação ambiental toda a que diga respeito às componentes ambientais naturais e humanas tal como enumeradas na Lei de Bases do Ambiente.»»
5. Da inconstitucionalidade do art. 22.º, n.º 3, b), da Lei n.º 50/2006
«Quanto à questão suscitada, relativa à desproporcionalidade da coima face à contraordenação em apreço, importa relembrar que «o legislador goza de ampla margem na definição de dos montantes das coimas, mas a proporcionalidade requer que essa definição obedeça, não exclusiva mas principalmente, a uma ponderação sobre a gravidade do ilícito e da culpa de cada infracção. De outro modo falha a correspondência entre a gravidade da infracção e a gravidade da sanção e, consequentemente, fica por cumprir o princípio da proporcionalidade» (AUGUSTO SILVA DIAS, Direito das Contra-ordenações, Almedina, 2019, p. 60). E a jurisprudência constitucional, nomeadamente a do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 110/2012, cimenta a não inconstitucionalidade da norma que prevê um valor mínimo de coima, por sinal superior àquele em apreço nos autos, para uma contraordenação ambiental muito grave. O Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 27-05-2015, processo n.º 504/14.8TALRA.C1, disponível em www.dgsi.pt colhe o mesmo entendimento. No que respeita à inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, importa referir que a invocação da violação de tal princípio é feita de forma genérica e vaga, sem qualquer concretização ou densificação, no sentido de se explicitar de que forma o referido princípio é posto em causa no caso em apreço. Nesta matéria, a jurisprudência dos tribunais superiores tem, de forma unânime, entendido que não basta invocar a mera violação de princípio, mostrando-se impreterível que tal seja minimamente concretizado e circunstanciado tendo em conta o caso concreto. Veja-se, a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 06.10.2022, processo 1173/08.0BELSB, disponível em www.dgsi.pt, onde se sublinha que «(…) Não basta invocar a verificação em abstrato de qualquer violação de princípio ínsito em lei ordinária ou inconstitucionalidade, importando que a sua verificação seja densificada e demonstrada, o que não ocorreu.
Assim, não é de conhecer por omissão de substanciação no corpo de alegação a violação dos princípios Constitucionais (…)». No caso em apreço, o recorrente limita-se a alegar, de forma conclusiva, que há violação do princípio da igualdade, não procedendo a qualquer concretização e/ou densificação, limitando-se a referir que a jurisprudência já julgou inconstitucional normativos semelhantes, nomeadamente o n.º 3 do artigo 9.º do Decreto Lei n.º 156/2005, de 15/09. Deste modo, por omissão de substanciação no corpo da impugnação judicial do princípio da igualdade, não se conhecerá da alegada inconstitucionalidade. Em face do disposto, não enferma de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da proporcionalidade (artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa), o artigo 22.º, n.ºs 3, al. b) da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto.
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Assente a matéria de facto, cumpre proceder ao seu enquadramento jurídico. O recorrente vem condenado pela prática da contraordenação prevista nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 20.º do Decreto Lei n.º 166/2008, de 22 de agosto e punida alínea a) do n.º 3 do artigo 37.º do Decreto Lei n.º 166/2008, em conjugação com o disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto. Para o que ora interessa, estabelece o artigo 20.º do Decreto Lei n.º 166/2008, de 22 de agosto, que: «1 - Nas áreas incluídas na REN são interditos os usos e as ações de iniciativa pública ou privada que se traduzam em: (…)
d) Escavações e aterros; (…)
2 - Excetuam-se do disposto no número anterior os usos e as ações que sejam compatíveis com os objetivos de proteção ecológica e ambiental e de prevenção e redução de riscos naturais de áreas integradas em REN.
3 - Consideram-se compatíveis com os objetivos mencionados no número anterior os usos e ações que, cumulativamente:
a) Não coloquem em causa as funções das respetivas áreas, nos termos do anexo I; e
b) Constem do anexo II do presente decreto-lei, que dele faz parte integrante, nos termos dos artigos seguintes, como:
i) Isentos de qualquer tipo de procedimento; ou
ii) Sujeitos à realização de comunicação prévia; (…)
4 - Consideram-se ainda dispensadas da aplicação do disposto no n.º 1 as ações de arborização e rearborização com espécies florestais, bem como a implantação de infraestruturas no seu âmbito, quando decorrentes de projetos autorizados pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I. P., ou aprovados pelas entidades competentes no âmbito de programas públicos de apoio ao desenvolvimento florestal, nos termos da lei. (…)» (sublinhado nosso). De acordo com 37.º, n.º 3, alínea a) do mesmo diploma, «Constitui contraordenação ambiental muito grave: a) A realização de usos ou ações interditos nos termos do artigo 20.º;». Posto que ficou provado, em síntese, que o arguido realizou escavações e aterros em área de Reserva Agrícola Nacional e que nessa data não possuía qualquer autorização (ver factos provados 1) a 5) e 8), não se enquadrando em nenhuma das situações previstas nos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 20.º do Decreto Lei n.º 166/2008, de 22 de agosto, mostra-se preenchido o tipo objetivo desta contraordenação. No caso em concreto a contraordenação é imputada ao arguido a título de negligência. Não contendo o RGCO a definição de negligência, haverá que lançar mão da definição contida no Código Penal no seu artigo 15.º do Código Penal (ex vi artigo 32.º do RGCO). Assim, a negligência consiste na omissão do cuidado devido, a que, segundo as circunstâncias, o agente está obrigado e de que é capaz, acarretando a realização do facto descrito na norma, a qual poderá ter sido representada como possível por aquele e com ela se conformando (negligência consciente) ou poderá o agente nem chegar a representar tal possibilidade (negligência inconsciente). Alegou a recorrente, em síntese, que ignorava que os concretos terrenos onde levou a efeito a escavações/aterros fossem classificados como área de Reserva Ecológica Nacional pelo que agiu em erro sobre as proibições e, sendo a sua conduta punível a título de negligência, encontrava-se em erro sobre a ilicitude, erro esse não censurável. Relativamente ao tipo subjetivo, há que recorrer ao artigo 9.º, n.º 1, da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais que estabelece que «As contraordenações são puníveis a título de dolo ou de negligência», acrescentando o seu n.º 2 que a negligência é sempre punível. Por sua vez, o artigo 8.º, n.º 1 do RGCO, que serve de modelo ao artigo descrito anteriormente refere que «Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.». Como bem sintetiza o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23.03.2011, processo n.º 800/10.3TBVLG.P1, disponível em www.dgsi.pt, «Um dos princípios basilares do código penal e do RGCO é o princípio da culpa (não há pena sem culpa e a culpa decide da medida da pena).
Embora o ilícito de mera ordenação social não tenha por base a formulação de uma censura de tipo ético-pessoal, a opção legislativa tem na sua base fazer valer aqui também o princípio da culpabilidade (nulla poena sine culpa), nos termos do qual toda a sanção contra-ordenacional tem por base uma culpa concreta.
«…não se trata de uma culpa, como a jurídico criminal, baseada numa censura ética, dirigida à pessoa do agente e à sua atitude interna, mas apenas de uma imputação do facto à responsabilidade social do seu autor dito de outra forma, da adscrição social de uma responsabilidade que se reconhece exercer ainda uma função positiva e adjuvante das finalidades admonitórias da coima». (Figueiredo Dias, in “O movimento da Descriminalização e o ilícito de mera ordenação social”, inserido in Direito Penal Económico e Europeu, Textos Doutrinários, pag. 29) Para que exista culpabilidade do agente no cometimento de um facto é necessário que o mesmo lhe possa ser imputado a título de dolo ou de negligência, como claramente resulta da estatuição em causa.
O dolo consiste no propósito de praticar o facto descrito na lei contra-ordenacional. Ou no conhecimento e vontade de praticar o facto. A negligência consiste na actuação do agente sem que proceda com o cuidado a que, segundo as circunstâncias concretas está obrigado e de que é capaz. Sendo que os diversos tipos de dolo ou negligência estão previstos nos artigos 14º e 15º do CP.
O dolo tem uma dupla dimensão ou estrutura: a dimensão psicológica-intelectual e a dimensão ético-pessoal. Do que decorre que numa qualquer conduta tipificada como crime haverá, em primeiro lugar que averiguar da existência do dolo do tipo, ou da factualidade típica e num segundo momento averiguar se há dolo ético ou culpa dolosa.
O dolo do tipo é constituído por dois elementos: O intelectual e o volitivo.
O elemento intelectual consiste na representação pelo agente, no momento em que pratica a conduta, de todos os elementos constitutivos do tipo de ilícito objectivo e da proibição legal, quando o conhecimento desta proibição for indispensável para que o agente possa ter consciência da ilicitude do facto. O erro sobre o tipo ou o erro sobre os elementos constitutivos do tipo de ilícito ou sobre as proibições legais, exclui o dolo – artigo 16º, n.º1 e 2 do C.P. Diferentemente se passam as coisas no que ao erro sobre a valoração diz respeito, este não é, obviamente, um erro sobre o facto ou sobre as circunstâncias do facto, mas sim um erro sobre a lei. O agente supõe que está a agir em plena conformidade com o direito, ou com um direito, que ele erroneamente pensa existir.
“Importa determinar em primeiro lugar – e este será o verdadeiro critério decisivo de distinção entre o erro sobre as circunstâncias do facto subsumível ao regime do erro do art. 16º, e o erro sobre a ilicitude, subsumível ao art. 17º - se, no caso concreto, já o simples conhecimento do tipo objectivo pelo agente, em todas as suas circunstâncias relevantes, de facto e de direito, era suficiente para uma correcta orientação daquele para o desvalor do ilícito. Se se concluir que não e que, no caso, era ainda para tanto necessário o conhecimento da proibição (v.g., porque é fraca a coloração ética da conduta em causa; porque são razões de pura oportunidade ou de estratégia social que baseiam a proibição; ou porque nos deparamos com uma hipótese de neocriminalização que ainda não ganhou a devida ressonância ético-social), estamos então perante um erro sobre elementos, de facto ou de direito, do tipo – isto é, em suma, perante um erro sobre circunstâncias do facto, nos termos do art. 16º, que não ainda não perante um erro sobre a ilicitude, relevante nos quadros do art. 17º. Se, porém, o aplicador do direito concluir que o agente possui todo o conhecimento razoavelmente indispensável para tomar consciência da ilicitude do facto e todavia não a alcançou, então é a própria falta de consciência do ilícito que vale como elemento emocional requerido e que, quando censurável, fundamenta a culpa dolosa (ou, pelo menos, a punição do agente a esse título). O tratamento da hipótese reentra pois, de pleno, no artigo 17º do novo Código Penal.
Compreende-se agora bem, creio, a verdadeira diferença que intercede entre os dois preceitos da nova lei. No primeiro deles estaremos ainda – tal como no caso de erro sobre elementos do tipo – perante uma falta de conhecimento que deve ser imputada a uma falta de informação ou de esclarecimento e que por isso, quando censurável, conforma o específico tipo de censura da negligência. Pelo contrário, no segundo caso estamos perante uma deficiência da própria consciência ético-jurídica do agente, que lhe não permite aprender correctamente os valores jurídico-penais e que, por isso, quando censurável, conforma o específico tipo de censura do dolo.” (Figueiredo Dias, in “Pressupostos da Punição e causas que excluem a ilicitude e a culpa”, inserido in Jornadas de Direito Criminal O Novo Código Penal Português, editado pelo Centro de Estudos Judiciários, pags. 72 e 73).».
Compulsando os factos verificamos que ficou provado que: O terreno referido em 1. está classificado no Plano Director Municipal de … como área de Reserva Ecológica Nacional; O proprietário do terreno referido em 1. solicitou à sociedade arguida que lhe cedesse a terra referida em 1., pois pretendia reestruturar o terreno aí referido com a finalidade de nele plantar um eucaliptal; Em consequência disso, autorizou que a sociedade arguida descarregasse no seu terreno a terra referida em 1., ignorando que tal terreno estivesse classificado como área de Reserva Ecológica Nacional; A arguida também ignorava que o terreno referido em 1. estava classificado como área de Reserva Ecológica Nacional; Ora, a ignorância, provada, é o desconhecimento absoluto da realidade ou a ausência de conhecimento da mesma, diferente do erro que é uma falsa concepção da realidade, ou um conhecimento deformado ou incorrecto da realidade - vide Contra-ordenações - Anotações ao Regime Geral, 6ª edição 2011, pag.139 de Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa.» (sublinhado e negrito nossos). Volvendo ao caso dos autos, constata-se que a entidade administrativa imputa ao arguido a contraordenação a título de negligência, não vislumbrando o Tribunal razões para discordar de tal entendimento, porquanto encontra-se assente que o arguido desconhecia que o local onde realizou as escavações/aterro era classificado como Reserva Ecológica Nacional. Ora, uma vez que a entidade administrativa exclui o dolo, fica, no entanto, ressalvada, nos termos do artigo 8.º, n.º 3 do RGCO e 9.º, n.º 2 do LQCOA, a punição da contraordenação a título de negligência, porquanto no presente caso – tal como ocorreu na situação referida na jurisprudência supra citada – estamos na presença de erro sobre as circunstâncias de facto, uma vez que a falta de conhecimento advém da falta de informação ou de esclarecimento pelo arguido e que por isso, quando censurável, conforma o específico tipo de censura da negligência. Encontra-se demonstrado que ao atuar da forma supra descrita, o arguido não agiu com a diligência devida e de que era capaz, uma vez que deveria ter assegurado por si ou por intermédio de outrem que a execução dos trabalhos supra referidos se encontravam interditos por incidirem em área classificada de Reserva Ecológica Nacional, o que podia e devia ter feito, bem assim que o arguido agiu de forma livre e sem o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz, sem representar, contudo, que os terrenos identificados em 1) se localizavam em Reserva Ecológica Nacional. Ora, face aos factos provados, inexistem dúvidas de que o arguido não sabia que os terrenos se inseriam em Reserva Ecológica Nacional. Resta agora apurar se este erro é ou não censurável. Encontra-se assente que em data não concretamente apurada, mas em momento anterior à realização dos trabalhos de escavação e aterro, o arguido comunicou ao presidente da Junta da freguesia ... que ia realizar trabalhos, e aí foi-lhe transmitido por aquele que os terrenos se inseriam em zona verde, bem assim que o arguido entende que nas zonas verdes não se pode realizar construções. Ora, face a tal não restam dúvidas ao Tribunal que o arguido violou o dever objetivo de cuidado, porquanto sabendo, em momento prévio à realização dos trabalhos, que o local onde ia realizar os aterros/escavações se inseria em zona verde, deveria ter diligenciado no sentido de obter informação para saber se naqueles terrenos podia efetuar escavações/aterros, caso tivesse agido com o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz. Concluímos, assim, que o arguido agiu com negligência ao fazer a descarga de terras naquele terreno, negligência que lhe é censurável, porquanto é do conhecimento geral que se obtém essas informações junto das Câmaras Municipais, consultando os PDM.
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No que respeita à sanção acessória, resulta do artigo 30.º, n.º 1, alínea j), da Lei 50/2006, de 29 de agosto, que quando estamos na presença de contraordenações graves ou muito graves podem ser aplicadas sanções acessórias, tais como a de reposição do terreno nas condições em que se encontrava anteriormente à intervenção ou na regularização da mesma, nos termos do n.º 6 do artigo 37.º do Decreto Lei n.º 166/2008, de 22 de agosto, conjugado com a alínea j) do n.º 1, do artigo 30.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, tal como se entendeu a decisão administrativa, pelo que será de manter as sanções acessórias aplicadas. Conclui-se, pois, que a conduta do arguido/recorrente preenche todos os elementos objetivos e subjetivos do tipo de ilícito contraordenacional previsto nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 20.º do Decreto Lei n.º 166/2008, de 22 de agosto e punida alínea a) do n.º 3 do artigo 37.º do Decreto Lei n.º 166/2008, em conjugação com o disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, incorrendo, no que tange à moldura abstrata, em coima mínima de € 10.000,00 (dez mil euros) euros e máxima de € 100.000,00 (cem mil euros).»
6. Das consequências jurídicas da contra-ordenação
«As sanções contraordenacionais legalmente previstas são a coima e as sanções acessórias. A contraordenação imputada ao arguido é a título de negligência e é punida com uma coima de € 10.000,00 a € 100.000,00 nos termos do artigo 22.º, n.º 4, al. a), da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto (Lei Quadro das Contraordenações Ambientes). A decisão recorrida procedeu à sua atenuação especial da coima nos termos dos artigos 23.º-A e 23.º-B da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais, o que determinou uma moldura abstrata da mesma de € 5.000,00 a € 50.000,00, atenuação que, face à proibição da reformatio in pejus (art. 72.º-A, n.º 1, do RGCO), será de manter. O montante da coima aplicado ao arguido foi fixado no mínimo de € 5.000,00.»
7. Da medida da coima
«Na determinação da medida da coima, haverá que atender aos critérios constantes do artigo 20.º, n.ºs 1 e 2, da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais, ou seja, a gravidade da contraordenação, a culpa do agente, a sua situação económica e os benefícios obtidos com a da prática da contraordenação, bem como a conduta anterior e posterior do agente, e as exigências de prevenção. A gravidade da infração refere-se à gravidade do ilícito, enquanto violação do dever de observância da norma. Aquela gravidade deve ser aferida tanto abstratamente, através da eventual classificação (leve, grave, muito grave) efetuada pelo legislador (traduzida em molduras diversas das coimas), como em concreto, mediante a valoração do dever infringido e das circunstâncias objetivas que rodearam o facto e suas consequências. No que respeita à culpa, relevam as modalidades de dolo ou de negligência, os fins ou motivos do agente, e a sua conduta anterior e posterior. A situação económica do agente visa permitir aferir do impacto que o montante da coima terá na sua pessoa, relevando para este efeito os rendimentos e o património. Quanto aos benefícios, trata-se de um conceito que abrange todas as vantagens económicas ou não, previsíveis permanentes e temporárias, reiteradas e únicas, presentes e futuras. A coima serve, essencialmente, de censura típica de advertência ou admonição (Ac. do STJ de Uniformização de Jurisprudência n.º 6/2018, www.dgsi.pt; SILVA DIAS, Direito das Contra-ordenações, Almedina, 2018, pp 163-165), tendo como finalidades principais as «de dissuasão geral (prevenção geral negativa) e de dissuasão individual (prevenção especial negativa): dissuasão de todos os destinatários das respectivas normas; dissuasão do infractor condenado em relação à reincidência», mas também «finalidades de prevenção positiva no sentido de promover a “consciencialização social comunitária” e “consciencialização social do próprio infractor” para a importância comunitária e/ou individual dos “valores ou bens jurídicos tutelados pelo direito de ordenação social”» (Ac. por último cit.). O artigo 20.º, n.º 3, da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais prevê, ainda, a consideração de «coacção, a falsificação, as falsas declarações, simulação ou outro meio fraudulento utilizado pelo agente, bem como a existência de actos de ocultação ou dissimulação tendentes a dificultar a descoberta da infracção». Revertendo ao caso dos autos, na medida em que a decisão impugnada fixou o montante da coima no seu mínimo, a proibição da reformatio in pejus apenas permite o seu agravamento «se a situação económica e financeira do arguido tiver entretanto melhorado de forma sensível» (art. 72.º-A, n.º 2, do RGCO). Vistos os factos provados neste conspecto, sendo certo que a entidade administrativa apenas refere que o arguido vive numa situação económica precária, o certo é que a condição económica apurada pelo Tribunal também não permite agravar a coima. Assim, mantém-se o montante da coima fixado.»
8. Da admoestação
«O arguido requer a substituição da decisão administrativa que o condenou no pagamento de uma coima pela prolação de decisão de admoestação, por se afigurar adequada e suficiente. Cumpre, portanto, determinar se, in casu, ao invés da coima, deve o arguido ser sancionado com a admoestação. Dispõe o artigo 51.º do Regime Geral das Contraordenações (doravante RGCO) que «[q]uando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação». Tem sido entendimento jurisprudencial que esta admoestação tanto pode ser aplicada pela autoridade administrativa na fase administrativa, como pelo tribunal na fase judicial (neste sentido vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Uniformização de Jurisprudência n.º 6/2018, disponível para consulta em www.dgsi.pt). Tal como decorre do normativo supra aludido, a aplicação da sanção de admoestação é reservada aos casos em que a gravidade da contraordenação e a culpa do agente sejam reduzidas. Trata-se de uma sanção substitutiva da coima, mas de natureza distinta da admoestação prevista no artigo 60.º do Código Penal: «(…) a “admoestação contraordenacional” “não é uma censura ética mas sim uma mera advertência (...). Não é uma medida de diversão. É uma sanção que, cumprindo as finalidades das sanções contraordenacionais — de mera advertência —, cumpre aquela finalidade sem necessidade de mais”»; dito de outro modo, é uma «advertência com dispensa de coima» (neste sentido Frederico da Costa Pinto apud SILVA DIAS, Direito das Contra-ordenações, Almedina, 2018, p. 165). São dois os pressupostos de aplicação da admoestação: a reduzida gravidade da infração, por um lado, e a reduzida culpa do agente, por outro. Ou seja, estão em causa situações em que é menor a relevância dos direitos e interesses ameaçados. A gravidade da infração refere-se à ilicitude da mesma, enquanto violação do dever de observância da norma. Aquela gravidade deve ser aferida tanto abstratamente, através da eventual classificação (leve, grave, muito grave) efetuada pelo legislador (traduzida em molduras diversas das coimas), como em concreto, mediante a valoração do dever infringido e das circunstâncias objetivas que rodearam o facto e suas consequências. Neste particular, porém, «sempre que o legislador, de forma geral e abstrata, classifica a infração como sendo grave, não poderá o julgador modificar a lei atribuindo menor gravidade àquela ilicitude. Por isto, não pode deixar de se entender que a classificação legal de uma contraordenação como grave afasta logo a possibilidade de o julgador considerar que aquela mesma contraordenação grave afinal é de “reduzida gravidade”», de modo que a admoestação «não poderá ser aplicada às contraordenações expressamente classificadas pelo legislador como sendo contraordenações graves atenta a “relevância dos direitos e interesses violados”» (Ac. do STJ de Uniformização de Jurisprudência n.º 6/2018, www.dgsi.pt). No que respeita à culpa, relevam as modalidades de dolo ou de negligência, os fins ou motivos do agente, e a sua conduta anterior e posterior. Revertendo ao caso dos autos, não podemos olvidar que o legislador, tendo em conta a relevância dos direitos e interesses violados, nos termos do artigo 21, n.º 1, da Lei 50/2006, de 29/8, classificou-as em leves, graves e muito graves. A contraordenações em causa, classificadas como muito grave, não lhe é aplicável por isso a admoestação. Conforme sustenta Pinto de Albuquerque, in Comentário do Regime Geral das Contraordenações à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, págs. 222 e 223, «a admoestação é uma sanção (…) trata-se de uma medida para os casos de pouca relevância do ilícito contra-ordenacional e da culpa do agente, isto é, para contra-ordenações leves ou simples» (concordam esta posição Simas Santos e Lopes de Sousa, 2011, 394, anotação 2.ª ao artigo 51.º e Sérgio Passos, 2009, 370, anotação 2.ª ao artigo 51º). Ora, o legislador, considerou a contraordenação em causa como muito grave e como tal, está excluída da possibilidade de lhe ser aplicada a admoestação. Aliás tem sido este o entendimento dos tribunais superiores, cfr. entre outros os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 17.09.2014, processo n.º 656/13.4TBPNF.P2; do Tribunal da Relação de Coimbra de 23.11.2016, processo n.º 524/16.8T8GRD.C1 e de 28/1/2015, processo n.º 28/14.3TBIDN.C1, do Tribunal da Relação de Évora de 11.09.2012, processo n.º 29/12.6TBARL.E1, todos disponíveis em www.dgsi.pt. Por assim ser, não se verificam os pressupostos para a aplicação da admoestação.»
9. Da atenuação especial da coima
«O arguido requereu a atenuação especial da coima. Ora, na decisão administrativa já se procedeu à atenuação especial da coima, como supra referido, razão pela qual já não se equacionará a possibilidade de atenuar especial a pena.»
10. Da suspensão da coima
«Resta a possibilidade de suspensão da coima, essa sim prevista no artigo 20.º-A da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais, o qual estabelece que: «1 - Na decisão do processo de contraordenação, a autoridade administrativa pode suspender, total ou parcialmente, a aplicação da coima, quando se verifiquem as seguintes condições cumulativas:
a) Seja aplicada uma sanção acessória que imponha medidas adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma;
b) O cumprimento da sanção acessória seja indispensável à eliminação de riscos para a saúde, segurança das pessoas e bens ou ambiente.
3 - A suspensão pode ficar condicionada ao cumprimento de certas obrigações, designadamente as consideradas necessárias para a regularização de situações ilegais, à reparação de danos ou à prevenção de perigos para a saúde, segurança das pessoas e bens e ambiente.
4 - O tempo de suspensão da sanção é fixado entre um e três anos, contando-se o seu início a partir da data em que se esgotar o prazo da impugnação judicial da decisão condenatória». Está em causa «cuidar e prevenir a preservação do ambiente, que é património de toda a comunidade, não apenas pela via sancionatória, mas também através de medidas pedagógicas, isto é, o legislador preocupou-se ao introduzir o regime de suspensão da execução da coima nas contra-ordenações ambientais, fazendo-a depender de condições que visem atingir aquele fim, impondo obrigações aos infractores» (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15.12.2016, processo n.º 121/16.8T8CDN.C1, disponível em www.dgsi.pt). O artigo 30.º, n.º 1, al. j), da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais prevê que: «1 - Pela prática de contraordenações graves e muito graves podem ser aplicadas ao infrator as seguintes sanções acessórias: (…)
j) Imposição das medidas que se mostrem adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma». Ora, «o facto de a autoridade administrativa não ter aplicado à arguida qualquer sanção acessória, tal não pode ser impeditivo de, no âmbito da impugnação judicial deduzida pela arguida, ao apreciar a pretensão de suspensão da execução da coima deduzida pela mesma, o tribunal poder e dever equacionar a aplicação de tal sanção, enquanto condição necessária para suspender a execução da coima» (Ac. do TRG de 05-11-2018, proc. n.º 291/17.8T8PVL.G1, www.dgsi.pt). Além disso, «a sanção acessória a aplicar, tratando-se de um particular e não uma sociedade que se destine à actividade de produzir, na sua laboração RCDs será precisamente, como medida adequada, a de repor a situação anterior à infracção e a minimização dos efeitos decorrentes da mesma e eliminação dos riscos para a saúde ou ambiente. E essa sanção acessória seria precisamente a prevista no art. 30.º, n.º 1, al. j), da Lei 50/2006, de 29/6 (…). Porém, carece este tribunal de necessidade de aplicar qualquer sanção acessória a salvaguardar aquelas preocupações do legislador, uma vez que a conduta do arguido não trouxe qualquer perigo para a saúde e em termos ambientais foi imediatamente solucionada pelo próprio arguido, com sacrifício económico, ao despender €73,52, com o encaminhamento dos materiais para uma entidade gestora de resíduos. Ora, não faria sentido que sendo esta a única sanção acessória, como condição, que se adequava a ser aplicada ao arguido, não se pudesse suspender a execução da coima, por se mostrar já cumprida e sem qualquer prejuízo ou risco de saúde e a relativa perturbação ambiental com o depósito foi sanada. Seria um contra-senso. Neste sentido, atento o espírito que presidiu à intenção do legislador, na suspensão da execução da coima em contra-ordenações ambientais, que é educar para prevenir, mostram-se reunidos os requisitos, para declarar a suspensão da execução da coima aplicada, nos termos do art. 20.º-A, n.º 1, uma vez a sanção acessória que seria de aplicar se mostra cumprida pelo arguido. E não faria sentido que se não suspendesse a execução da coima, por a sanção acessória de que se fazia depender, estar já cumprida» (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15.11.2017, processo n.º 143/17.1T8GRD.E1, disponível em www.dgsi.pt). No caso dos autos, o recorrente praticou a contraordenação a título de negligência, encontra-se a tentar diligenciar por legalizar junto da entidade administrativa, não possui antecedentes contraordenacionais, sendo pessoa de modesta condição económica. Todavia, como vimos, essa suspensão está dependente da verificação de dois requisitos cumulativos: aplicação de uma sanção acessória que imponha medidas adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma, ou seja, a sanção acessória prevista na al. j) do n.º 1 do artigo 30º do mesmo diploma, e o cumprimento dessa sanção acessória ser indispensável à eliminação de riscos para a saúde, segurança das pessoas e bens ou ambiente.
In casu, foi aplicado ao arguido, além da coima, a sanção acessória de reposição do terreno nas condições em que se encontrava anteriormente à intervenção ou na regularização da mesma, a qual se apresenta como indispensável para a eliminação dos riscos para o ambiente. Assim, decide-se suspender a execução da coima de € 5.000,00 aplicada ao recorrente pelo período de um 1 (um) ano, subordinada ao cumprimento da sanção acessória de reposição do terreno nas condições em que se encontrava anteriormente à intervenção ou na regularização da mesma.»
C. Apreciação do recurso
1.Da contradição entre o facto provado 1 e a motivação
Como ponto prévio – e porque, a este propósito, o recorrente alegava também a existência de «errada interpretação»da prova (conclusão A) –, cabe aqui lembrar que, nos termos do art. 75.º, n.º 1, do RGCO[7], e se o contrário deste diploma não resultar, em caso de recurso “a 2.ª instância apenas conhecerá da matéria de direito”.
Por isso, está fora do âmbito dos poderes deste Tribunal alterar os factos fixados na sentença recorrida, fosse o indicado pelo recorrente ou quaisquer outros. É que, com a possibilidade de o visado recorrer judicialmente da decisão administrativa, já fica assegurado o seu direito de defesa, apresentando meios de prova, requerendo diligências que se lhe afigurem relevantes e apresentando as suas razões[8].
Porém, a contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, que o recorrente parece invocar (conclusão A), integra os vícios de que o tribunal de recurso deve conhecer, mesmo quando a lei restrinja a respectiva cognição a matéria de direito, nos termos do art. 410.º, n.º 2, b)[9].
Tal acontece, por exemplo, e indo apenas no sentido do alegado, ainda que de forma vaga, pelo recorrente, “quando segundo um raciocínio lógico, é de concluir que a fundamentação justifica precisamente a decisão contrária”[10] daquela que tomou o Mm.º Juiz a quo.
Como decorre o corpo do art. 410.º, n.º 2, o elemento base para a análise da questão é a leitura da sentença, porque será no respectivo texto que, a existir, o vício se encontrará.
Portanto, importa comparar a fundamentação de facto invocada na decisão recorrida com o facto provado 1, de forma a perceber se há a referida contradição.
Este facto, na parte sindicada pelo recorrente, tem a ver a com a data da escavação – «Em data não concretamente apurada, mas durante o mês de Março de 2022»; para a respectiva fundamentação, o Mm.º Juiz a quo invocou não só a falta de impugnação do facto pelo recorrente, mas ainda o testemunho do militar da GNR, que «presenciou diretamente as escavações/aterros que observou nas circunstâncias de tempo e de lugar descritas na decisão administrativa. Efetivamente, fê-lo de forma objetiva, serena, inclusivamente demonstrando não ter qualquer intenção de prejudicar o arguido e por isso foi um depoimento que o tribunal credibilizou.»
Não se vislumbra, portanto, qualquer sinal ou indício de contradição: o Tribunal recorrido deu como provada aquela data e esclareceu cabalmente as razões pelas quais o fez.
Inexiste, por isso, a aludida contradição, devendo este segmento do recurso improceder.
2. Da nulidade da sentença e insuficiência para a decisão da matéria de facto
Mais uma vez de forma que se pode classificar como vaga e imprecisa, o recorrente invoca a nulidade da sentença, estribando-se na violação dos arts. 379.º, n.º 1, a), 1.ª parte – “É nula a sentença que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do art. 374.º” – e no art. 374.º, n.º 2 – no relatório da sentença devem constar os “factos provados e não provados, bem como (…) uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”
Do mesmo passo, refere o recorrente existir o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do art. 410.º, n.º 2, a), também a detectar no teor da sentença.
Em ambas as questões, o “cavalo de batalha” do recorrente continua a ser a data dos factos (como decorre claramente da parte final da conclusão D), que está dilucidada, tanto quanto foi possível ao Mm.º Juiz a quo averiguar, no facto provado 1 – «data não concretamente apurada, mas durante o mês de março de 2022».
Portanto, com a determinação temporal da ocorrência dos factos, inexiste a nulidade apontada à sentença – há menção expressa da respectiva data –, bem como a apontada insuficiência: para a decisão, nomeadamente no que respeita à questão da prescrição, era essencial o apuramento concreto da data dos factos (e por isso foram os autos remetidos à 1.ª instância na sequência do primeiro recurso interposto pelo recorrente); uma vez que tal apuramento foi feito, existindo uma baliza temporal, ainda que sem dia certo (como é sabido, nem sempre é viável apurar um concreto dia e hora, mas a lei a isso está atenta e não obsta, conforme decorre da redacção do art. 283.º, n.º 3, b), relativo aos requisitos da acusação – “incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação” da prática dos factos), também esta insuficiência não se verifica.
Deve, assim, improceder o recurso nesta matéria.
3.Da prescrição do procedimento contra-ordenacional
Estreitamente ligada com as questões anteriores está a da prescrição do procedimento contra-ordenacional, que o recorrente invoca (parte final das conclusões B e D): «apurado que seja que os factos ocorreram há mais de 5 anos e 159 dias», entende que o prazo de prescrição já decorreu integralmente.
Nos termos do art. 27.º do RGCO, “O procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorrido os seguintes prazos: a) Cinco anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a (euro) 49879,79”. Idêntico prazo é fixado no art. 40.º, n.º 1, de Lei Quadro das Contra-ordenações Ambientais (Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto)[11], relativamente às contra-ordenações graves e muito graves, nem sequer havendo referência ao montante da coima aplicável.
Está em causa nos autos, conforme se apreciou na sentença recorrida, a prática de uma contra-ordenação ambiental muito grave – art. 37.º, n.º 3, a), do D.L. n.º 166/2008 (Regime Jurídico da Reserva Ecológica Nacional – RJREN), com remissão para o art. 20.º, n.º 1, d).
Seja apenas aplicando a classificação da contra-ordenação (como parece determinar aquele art. 40.º, n.º 1, regime especial face ao do RGCO) quer perante o art. 27.º, a), deste último, o prazo a considerar nos autos sempre será de 5 anos, uma vez que o art. 22.º, n.º 4, a), da LQCA, determina a aplicação, às contra-ordenações muito graves, quando praticadas por pessoas singulares, de uma coima de € 10 000,00 a € 100 000,00 em caso de negligência e de € 20 000,00 a € 200 000,00 em caso de dolo, tendo o aqui arguido sido punido a título de negligência.
Ou seja, o montante máximo da coima é bem superior ao do art. 27.º, a), do RGCO.
Evidentemente que, passados apenas dois anos, oito meses e dezoito dias sobre a prática dos factos – e considerando aqui o dia 1 de Março, por ser o primeiro possível dentro da matéria provada (e mais favorável, porque mais antigo, para o recorrente) –, ainda está longe de ter decorrido aquele prazo de 5 anos (sendo até incompreensível a citada referência temporal feita pelo recorrente).
E isto mesmo sem considerar sequer as causas de suspensão e de interrupção da prescrição, respectivamente estabelecidas nos arts. 27.º-A e 28.º do RGCO, sobre as quais não importa sequer que este Tribunal se debruce, por desnecessário: estando longe sequer o prazo de prescrição sem nenhuma daquelas causas, seria ocioso considerá-las sequer.
É, portanto, evidente que o procedimento contra-ordenacional não está prescrito, improcedendo esta parte do recurso.
4. Da falta de elementos objectivos
A este respeito, invoca o recorrente (conclusão E):
- não se ter provado que «a escavação e aterro levados a cabo pelo arguido não sejam compatíveis com os objectivos de protecção ecológica e ambiental e de prevenção e redução de riscos naturais de áreas integradas em REN»; e
- «tendo-se tratado de uma acção de arborização com espécies florestais nomeadamente castanheiros e carvalhos e algumas árvores de fruto, consideram-se dispensadas da aplicação do disposto no n.º 1» (do art. 20.º do RJREN).
Sobre esta matéria já se pronunciou este Tribunal, no acórdão de 19 de Março passado: embora analisando a decisão da autoridade administrativa, os considerandos aí tecidos são aplicáveis à sentença recorrida.
Concretizando, agora de forma mais breve, a contra-ordenação ambiental em causa respeita à realização de usos ou acções interditos nos termos do artigo 20.º do RJREN (art. 37.º, n.º 3, a), do mesmo Regime), e o Mm.º Juiz a quo (tal como a autoridade administrativa) considerou que está em causa o n.º 1, d), daquele artigo: “Nas áreas incluídas na REN são interditos os usos e as acções de iniciativa pública ou privada que se traduzam em escavações e aterros.”
Portanto, o único requisito objectivo de punibilidade, no caso – e além da falta de autorização (decorrente do facto provado 8) –, é a realização destes últimos actos numa área que esteja dentro da Reserva Ecológica Nacional.
Ora, perante a matéria provada (factos 1 e 3), foi precisamente o que aconteceu: sem que previamente solicitasse qualquer autorização, o recorrente fez uma escavação e aterro/depósitos de inertes num terreno, e uma escavação noutro, estando ambos os terrenos integrados na área de Reserva Ecológica Nacional prevista no PDM de ....
Portanto, e ao contrário da primeira objecção levantada pelo recorrente, não é necessário, para a consumação da contra-ordenação, que se demonstre serem aquelas acções incompatíveis com os objectivos de protecção ecológica e ambiental e de prevenção e redução de riscos naturais de áreas integradas em REN, porquanto essa incompatibilidade está já subjacente à interdição: uma vez que estão em causa áreas especialmente protegidas, a regra é a proibição de actividades que alterem a sua configuração e natureza.
Só no caso – excepcional e dependente da verificação das particulares condições do art. 20.º, n.º 3, do RJREN, tal como transcrito e apreciado na decisão recorrida (supra B.5.) – é que, constatando-se a compatibilidade da intervenção com os citados objectivos, será de afastar a punibilidade (n.º 2 do art. 20.º).
Não se tendo feito a prova dessa compatibilidade (que, evidentemente, seria do interesse do recorrente), é quanto basta para se afastar a aplicação desta última norma.
Passando ao segundo argumento, pretende o recorrente enquadrar a sua actuação noutra excepção do art. 20.º, desta vez do n.º 4: “Consideram-se ainda dispensadas da aplicação do disposto no n.º 1 as acções de arborização e rearborização com espécies florestais”, alegando que a sua actuação permite a plantação de castanheiros, carvalhos e árvores de fruto.
Perante a matéria provada, o mínimo que se pode dizer é que tal alegação suscita perplexidade: não apenas está daquela totalmente ausente qualquer referência a uma acção de arborização, no momento em que o recorrente realizou as escavações e aterro, como se encontra demonstrado que estes trabalhos «foram realizados com o objetivo de alargar a via pública e facilitar o estacionamento dos seus veículos, colocar contentores, bem assim para construir três socalcos/patamares e reconstruir o acesso ao restante terreno.» (facto provado 2).
Está, por isso, fora de cogitação aplicar ao caso a excepção do art. 20.º, n.º 4.
Verificados os elementos objectivos da contra-ordenação em apreço e afastada qualquer das duas excepções, este segmento do recurso está condenado ao insucesso.
5.Da falta da consciência da ilicitude/erro sobre a proibição
Nesta sede, estriba-se o recorrente em duas traves-mestras de argumentação (conclusões F a K):
- à data dos factos, não sabia que a área em causa integrava a REN;
- a informação que obteve previamente na Junta de Freguesia induziu-o em erro sobre a proibição.
Note-se que, de passagem, o recorrente invoca a seu favor factos posteriores à prática dos que estão em causa nos autos, relativos à autorização que apresentou na CCDRN, a 26 de Agosto de 2022, para proceder à movimentação de terras na área em questão (invocando que tem por objectivo a plantação de árvores); ora, o conteúdo desse pedido é evidentemente irrelevante para a matéria que ora se aprecia, porquanto o único momento que importa para apurar da falta de consciência da ilicitude ou do erro sobre a proibição é o da prática dos factos, e não o que se passou 5 meses depois…
A este respeito, muito pouco haverá – se algo – a acrescentar ao que o Mm.º Juiz a quo acertada e desenvolvidamente expôs na decisão recorrida, citando doutrina e jurisprudência apropriadas (supra B.5.).
Aliás, a este respeito, o RGCO tem um regime semelhante ao dos arts. 16.º e 17.º do Código Penal:
- nos termos do art. 8.º, n.º 2, “O erro sobre elementos do tipo, sobre a proibição, ou sobre um estado de coisas que, a existir, afastaria a ilicitude do facto ou a culpa do agente, exclui o dolo”, ressalvando o n.º 3 a punibilidade da negligência nos termos gerais;
- já o art.º 9.º, n.º 1, relativo ao erro sobre a ilicitude, prevê que “age sem culpa quem actuar sem consciência da ilicitude do facto, se o erro não lhe for censurável”.
A 1.ª instância adequadamente afastou o erro sobre a proibição, para enquadrar o caso no erro sobre as circunstâncias do facto (passível de excluir a ilicitude); diga-se que, mesmo a existir, o erro sobre a proibição limitar-se-ia a excluir o dolo, o que sempre seria irrelevante no caso, porquanto a conduta do recorrente foi classificada como negligente e existe a ressalva do art. 8.º, n.º 3. Ou seja, ainda que houvesse erro sobre a proibição, a negligência sempre seria punível.
Por outro lado, é absurda a tese do recorrente que teria sido a informação do presidente da Junta de Freguesia a induzi-lo em erro: ela foi precisamente no sentido de que aquela era uma zona verde, o que, aliado ao que o recorrente já sabia (a proibição de aí construir), era o bastante para o colocar no caminho certo, e não para afastar qualquer proibição…
Relativamente ao invocado erro sobre a ilicitude, e mesmo estando provado que o arguido não representou – ou seja, não sabia – que os terrenos em questão se enquadravam na REN (facto 5), acompanha-se inteiramente a decisão recorrida quanto à censurabilidade desse erro: é que o recorrente, antes de fazer as escavações e aterro em causa, comunicou ao respectivo presidente da Junta de Freguesia que ia fazer obras ali, altura em que este lhe disse que «os terrenos se inseriam em zona verde» (facto provado 6); além disso, o arguido «entende que nas zonas verdes não se pode realizar construções» (facto provado 7).
Perante estes factos, é óbvio que outra ilação não poderia ser retirada que não fosse a do Mm.º Juiz a quo (bem como da autoridade administrativa): querendo fazer trabalhos numa zona verde, onde sabe que está impedido de construir, é susceptível de censura que o recorrente não tenha tido, previamente, o cuidado e a diligência de apurar se o que ia fazer – e efectivamente fez (escavações e depósito de inertes, para alargamento da via pública, facilitar estacionamento, colocar contentores, construir socalcos e reconstruir acesso ao restante terreno) – era ou não legalmente admissível (facto provado 4).
Em vez disso, o recorrente avançou, de forma temerária, para a realização da obra, no que revelou negligência, embora na sua feição menos grave, da alínea b) do art. 15.º do Código Penal: “Agecom negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz: a) Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas actuar sem se conformar com essa realização; ou b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto.”
O recorrente não podia representar como possível que ia cometer uma contra-ordenação por desconhecer que os terrenos em causa integravam a REN; apesar disso, estava vinculado à obrigação de proceder à averiguação prévia sobre o enquadramento legal do que ia fazer, uma vez que sabia estarem os mesmos terrenos em zona verde e aí não poder construir. Como bem refere o Mm.º Juiz a quo, é do conhecimento geral que, quando vai realizar uma obra num terreno, um cidadão se deve dirigir à respectiva Câmara Municipal para apurar se o pode ou não fazer.
Assim, também esta parcela do recurso não pode ter acolhimento, mostrando-se exemplar e não merecedora de qualquer censura a qualificação jurídica da conduta do recorrente levada a cabo pela 1.ª instância.
6.Da violação do princípio da proporcionalidade na fixação da coima
A este respeito, alega o recorrente que o valor fixado é desproporcional perante as suas condições económicas, a «realidade social local, [a] inexistência de benefícios económicos daí advindos para o arguido e [os] eventuais prejuízos ambientais causados (de todo desconhecidos ou, pelo menos, não apurados) que, como aqueles, foram nenhuns» (conclusão Q).
Como supra se referiu a propósito da prescrição (C.3.), a coima mínima aplicável ao recorrente (pessoa singular), face ao previsto no art. 22.º, n.º 4, a), da LQCA, porque se trata de uma contra-ordenação muito grave, é de € 10 000,00, em caso de negligência.
Ora, a autoridade administrativa – e, na sua senda, o Mm.º Juiz a quo, face à proibição da reformatio in pejus do art. 72.º-A, n.º 1, do RGCO – atenuou especialmente a coima, nos termos dos arts. 23.º-A e 23.º-B da LQCA.
Para tanto, considerou: “Que a conduta tenha resultado de desconhecimento, resultante de um comportamento negligente, pouco informado, que a confissão tenha contribuído para a descoberta da verdade, ainda que estejamos presente de uma infração qualificada como muito grave, temos de convir estar perante uma acentuada diminuição da necessidade da pena. Em face do exposto, a moldura punitiva normal ora em causa é manifestamente desproporcionada, justificando-se, por isso, a atenuação especial da coima.” (página 6 da decisão administrativa).
Perante isto, e por muito que o recorrente invoque e se defenda, menor coima não lhe podia ser aplicada: o mínimo previsto na lei foi reduzido a metade pela atenuação especial, e esse mínimo foi exactamente o aplicado ao recorrente.
Nesta matéria, e ainda de que forma enviesada, o recorrente parece estar a invocar, tal como o fez junto da 1.ª instância, a violação do princípio constitucional da proporcionalidade, pela norma que fixa o valor mínimo da coima (o art. 22.º, n.º 4, a), da LQCA).
Prevê o art. 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa: “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.”
Aqui, valem as considerações tecidas na sentença recorrida[12] (supra, B.5.), a que se acrescenta que, mesmo tratando-se um acto negligente, os valores protegidos pela norma incriminadora são de acentuada importância.
Numa época em que cada vez mais se fala, estuda e sente o aquecimento global do planeta, as zonas de REN devem ser preservadas e respeitadas, sob pena de, não o fazendo, estarmos a contribuir para uma acentuada perda de qualidade do ar, da vida humana e das outras espécies, animais e vegetais. Estamos todos, como sociedade, mais alerta para os danos ambientais e suas consequências quer no presente quer no futuro, ao ponto de se realizarem cimeiras mundiais periódicas para encontrar medidas que os minimizem, pelo que não se podem ignorar os riscos de perturbar o equilíbrio ecológico perto de casa, devendo o sistema legal protegê-lo.
E nessa senda tem caminhado o Tribunal Constitucional, que já várias vezes não considerou inconstitucional a medida das coimas fixadas no art. 22.º da LQCA[13], mas antes limitadas ao necessário, tendo o regime por “perfeitamente adequado e proporcional à importância dos objectivos visados pela Lei-Quadro das contra-ordenações ambientais, ou seja, a criação de um novo regime específico para as contra-ordenações ambientais, capaz de dar pleno cumprimento às tarefas que, em matéria ambiental, estão confiadas ao Estado, nos termos da Constituição e da Lei de Bases do Ambiente.”[14]
Não há, por isso, qualquer violação do princípio da proporcionalidade no citado art. 22.º, n.º 4, a), da LQCA.
Quanto à circunstância de o recorrente invocar, na parte final das suas conclusões de recurso, a violação dos arts. 13.º (princípio da igualdade) e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (“A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.”), também aqui se perfilha o entendimento do Mm.º Juiz a quo: em nada concretizando o recorrente qual a norma violadora destes comandos constitucionais nem explicando em concreto (mas apenas usando conclusões) em que se traduz tal violação, está impedido este Tribunal – como esteve também a 1.ª instância, embora apenas em relação ao princípio da igualdade – de conhecer de tais inconstitucionalidades.
7.Da aplicabilidade da admoestação
Defende o recorrente ser aplicável a admoestação, e que as circunstâncias do caso o permitem, pela diminuta ilicitude do acto, o seu bom comportamento, a não obtenção de benefício económico, a falta de prejuízo para o ambiente, a sua precária situação económica e ainda porque entende não estar apurado o tempo já decorrido desde a prática do facto (conclusões N, O, P e R).
É verdade que a situação económica do arguido é frágil (facto provado 9), que o arguido não tem antecedentes contra-ordenacionais (facto provado 10) e que está em causa uma actuação negligente; mas nada se sabe, não passando de conjecturas e estando ausente da matéria provada, sobre o alegado benefício económico (se não existiu, assim como se existiu).
Por outro lado, o prejuízo para o ambiente está, como supra se escreveu, subjacente à prática do acto (daí o seu relevo contra-ordenacional), não sendo necessário que se demonstre, por exemplo, que uma dada escavação foi a causa próxima de um desabamento de terras…
Lembre-se, ainda, que se sabe quanto tempo passou desde a prática dos factos: dois anos, oito meses e dezoito dias.
Mas nada do que acaba de se referir releva para a resolução deste ponto do recurso, tal como bem entendeu o Mm.º Juiz a quo, de forma desenvolvida e apoiada em várias fontes jurisprudenciais e doutrinárias (supra B.8.) e à qual pouco se pode acrescentar.
Em causa está a prática, ainda que por negligência, de uma contra-ordenação muito grave, e os critérios de determinação da coima (também aplicáveis às sanções acessórias) estão estabelecidos nos nºs. 1 e 2 do art. 20.º da LQCA: “gravidade da contraordenação, (…) culpa do agente, (…) sua situação económica e (…) benefícios obtidos com a prática do facto”, bem como a “conduta anterior e posterior do agente e as exigências de prevenção”.
Ora, o critério da gravidade da contra-ordenação não pode deixar de afastar liminarmente a possibilidade de ser aplicada uma admoestação: é que o pressuposto desta é “a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente” (art. 51.º, n.º 1, RGCO – regime especial, que prevalece sobre o art. 60.º do Código Penal, que prevê a pena de admoestação).
Não há, por isso, como defender que uma contra-ordenação que a lei classifica como muito grave possa, concomitantemente, ser considerada…de gravidade reduzida. Seria não só uma contradição de termos como uma violação inadmissível do espírito da lei cominatória: se uma conduta é de tal modo séria, afectando valores de importância maior dentro do regime das contra-ordenações, que prevê a sanção mais grave, não poderia nunca o julgador esquecer esses mesmos valores aplicando a sanção mais branda que a lei estabelece.
Aliás, mesmo em relação a contra-ordenações graves (na situação concreta, também de carácter ambiental), o Supremo Tribunal de Justiça, tal como vem referido na decisão recorrida, uniformizou jurisprudência afastando a possibilidade de aplicação de admoestação[15], o que, a maiori ad minus, é de uso ajustado a este caso.
Por isso, não se estando perante uma situação em que a lei permita contemplar a hipótese de admoestação, também esta parte do recurso tem de fracassar.
III - DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, mantendo-se integralmente a sentença recorrida.
Custas a cargo do arguido, com 3 UC de taxa de justiça.
Guimarães, 19 de Novembro de 2024
(Processado em computador e revisto pela relatora)
Os Juízes Desembargadores
Cristina Xavier da Fonseca Pedro Cunha Lopes Anabela Varizo Martins
[1] Após um primeiro recurso, na sequência do qual os autos foram remetidos à 1.ª instância para suprimento de uma nulidade. [2] Corrigem-se os escassos lapsos de escrita e mantêm-se os sublinhados de origem. [3] Suprime-se a conclusão M, já que, certamente por lapso, o recorrente volta a arguir a nulidade da decisão administrativa, questão que foi já resolvida, em sentido negativo, por acórdão anterior nos autos desta Relação, de 19 de Março passado, havendo nesta parte decisão definitiva, com trânsito em julgado. [4] Pelas razões aduzidas na nota 3, a primeira pretensão do recorrente está prejudicada, suprimindo-se. [5] Diploma legal donde provêm as normas a seguir citadas sem indicação de origem. [6] Nos excertos relevantes para o recurso. [7] Regime Geral das Contra-Ordenações (D.L. n.º 433/82, de 27 de Outubro). [8] Ac. Rel. Porto de 28.4.21, inhttps://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRP:2021:1103.20.0T8VCD.P1.63/. [9] O direito processual penal tem aplicação subsidiária no âmbito das contra-ordenações (arts. 41.º, n.º 1, e 74.º, n.º 4, do RGCO). [10] Ac. STJ de 9.12.21, inhttps://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2021:20.16.3GGVNG.P1.S1.E7/. [11] Adiante designada por LQCA. [12] Certamente por lapso, aí se alude ao n.º 3 do art. 22.º da LQCA, relativo às contra-ordenações graves, mas o aí exposto é também válido para as contra-ordenações muito graves do n.º 4. [13] Acs. nºs. 557/2011 (inhttps://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20110557.html) e 110/2012, inhttps://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20120110.html, o primeiro precisamente relativo à alínea ora em causa e o segundo à coima da alínea b) do art. 22.º, n.º 4, aplicável a pessoas colectivas (também invocado na decisão recorrida). [14] Ac. desta Relação de 3.5.2011, in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRG:2011:6146.10.0TBBRG.G1.EF/. [15]Inhttps://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2018:215.15.7T8ACB.C1.A.S1.37/.